COBERTURA DO FESTIVAL CASARÃO, EM PORTO VELHO, RONDÔNIA.
por Marcos Bragatto
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PRIMEIRA NOITE - Começou dia 16 de junho, em Porto Velho, a décima edição do Festival Casarão, com dois shows no Piratas Pub. A noite, tida para marcar o pontapé inicial do festival, reuniu um público reduzido – boa parte produtores, organizadores, imprensa e convidados - para ver o baixista do Pato Fu, Ricado Koctus, apresentar seu trabalho solo, com uma banda montada na própria cidade. A abertura coube à banda local Versalle, bastante apoiada pelo público, mas que sofreu com a equalização do som.
Com Fernanda Takai deslanchando como cantora solo e John Ulhoa produzindo e tocando na banda dela, era natural que Koctus também fizesse um trabalho pra chamar de seu. Mas enganam-se os que pensam que seria ele o patinho feio do Pato Fu. Koctus tem um vozeirão daqueles, composições próprias e moldou sua apresentação de intérprete tal qual um crooner canastrão, com um repertório romântico, no limite do brega. Não por caso sacou pérolas como “Impossível Acreditar Que Perdi Você”, do também mineiro Márcio Greyck, redescoberto ainda por Tony Platão, e “Como 2 e 2”, de Caetano Veloso. Ricardo deixa a timidez de lado e se revela um inesperado entertainer, contando histórias e brincando com os músicos de sua banda entre uma música e outra. Em um dado momento, levou riffs das músicas “Black Night” e “Smoke On The Water”, do Deep Purple, e improvisou uma versão para o clássico “La Bamba”, famosa na voz de Richie Valens, que um casal havia pedido. Brega pra você? Nem tanto.
Ricardo Koctus também tem as suas composições. A que abriu o show, “Por Você e Ninguém Mais”, já resumiu o romantismo do repertório. Por vezes, é difícil saber se a postura do músico é para emocionar de verdade ou se o jeitão canastrão não passa de um personagem criado para pura tiração de sarro. De um modo ou de outro, o show vale - é diversão garantida, quando cantor faz as vezes de Elvis Presley e cita o piegas “Ghost – Do Outro Lado da Vida”, ou mesmo quando se compenetra para sacar do fundo do baú “Killing Moon”, do Echo And The Bunnyman. Ricardo Koctus bem que queria ter tocado outras canções de seu repertório, mas o avançar da hora fez com que o público fosse minguando aos poucos, e ele se retirou depois de levar um blues de improviso, finalizando cerca de hora e meia de apresentação. Na alta madrugada de uma quinta-feira, em Porto Velho, nem precisava.
Na abertura, o Versalle mostrou o interesse e cuidado com as guitarras, num show salpicado de covers. Bandas como Queens Of The Stone Age e Placebo são exemplos das fontes em que os rapazes bebem. O problema é que o som, que funcionou no show principal, atrapalhou o grupo. Embolado, potencializou a timidez do vocalista Criston, que precisa mais firmeza para soltar a voz de verdade e deixar de lado clichês consagrados por Rodrigo Amarante (Little Joy). Formado há menos de um ano, o grupo ainda tem uma longa estrada pela frente, mas o potencial é bom, sobretudo no trabalho da dupla de guitarras.
SEGUNDA NOITE - O segundo dia do Festival Casarão espalhou o rock pela cidade de Porto Velho, com os shows acontecendo em três locais. No início da noite, os palcos gratuitos, montados na região central da cidade, mobilizaram a maior quantidade de público até agora. Um, em plena praça pública, reuniu bandas do rock pesado bem em frente ao Palácio do Governo; o outro, no Mercado Cultural, uma construção histórica reformada há pouco tempo pela prefeitura, e reduto do samba local, viu a mistura de ritmos regionais com o rock. Ou seja, na véspera do feriado estadual do Dia do Evangélico, o rock profanou Porto Velho no seu mais tradicional status quo.
No palco da Escadaria da Unir, a gratuidade dos shows reuniu camisas-preta de todas as tendências. Inconformado com a recepção inicialmente fria do público, o vocalista da Hipnose, que abriu os trabalhos, disparou: “Vocês são emo, porra?”. Foi o suficiente para um que um clima de tensão fosse quebrado e participação fosse crescendo a cada show. O som do Hipnose é mais identificado com o nu-metal, fato que pode ter contribuído a desconfiança do púbico. Mas a banda sofreu mesmo foi com o terrível equipamento de som, que limava instrumentos e os traziam de volta o tempo todo, isso sem falar no volume inexplicavelmente baixíssimo – problemas que se repetiriam durante toda a noite.
Ajuntando várias tendências do thrash e do death metal, o Dyviron se mostrou mais familiar à platéia. Também, pudera. Cada música que o grupo iniciava fazia lembrar um clássico do subgênero, de Metallica a Sepultura. Tudo graças a um guitarrista técnico que tocava com boa precisão, embora petrificado no palco. Só falta agora o grupo deixar de lado a máxima das “bandas cover com músicas próprias”. A pitada de hardcore veio com o NEC, mas àquela altura o público era bastante disperso como se fizesse um pic-nic na Praça, tendo o grupo como pano de fundo. Para piorar, os shows do Mercado Cultural começaram a acontecer ao mesmo tempo, desmobilizando totalmente o palco externo. O disparate foi tanto que durante o show do Bedroyt, único dos grupos voltado ao metal tradicional/hard rock, o Mugo (na foto acima), de Goiânia, que seria a atração principal do Palco da Escadaria, convenceu a produção de se apresentar dentro do Mercado Cultural. Sábia decisão.
Lá dentro, dois trios instrumentais resgatavam ritmos regionais do Norte com certa virtuose. O local Expresso Imperial é típica banda de baixista comandada por Ramon Alves, que dita o andamento de quase todas as músicas. Como é muito novo, falta ao grupo superar a timidez – o guitarrista chega a tocar de costas pra o público – e ganhar entrosamento para que a música ganhe fluidez e boas composições apareçam. Uma coletânea de instrumentais do Rush cairia muito bem no tocador de mp3 dos rapazes. Já ao Caldo de Piaba, um dos queridinhos do cenário independente nos últimos tempos, não falta nada. O grupo é bem entrosado, toca brincando e faz ao mesmo tempo música com boa técnica e dançante. Padece – assim como o Do Amor, a atração principal do palco – pelo resgate de ritmos regionais de gosto questionável. Há até certa identidade com o público local, mas oxalá não passe disso.
O Do Amor, do Rio, tem como vantagem o fato de os locais verem suas raízes regionais refletidas num grupo da capital cultural do País. O quarteto também se dá melhor por não ser “apenas” instrumental, muito embora nenhum dos integrantes – músicos de mão cheia, nota-se – saiba cantar direito. Ainda assim, eles vão moldando um modus operandi musical que pode superar as escolhas equivocadas. Uma instrumental da fase guitarrista de Pepeu Gomes cairia bem no lugar da inefável “Pepeu Baixou em Mim”.
Mas o caldo entornou mesmo quando o recém transferido Mugo (foto) fez, no Palco do Mercado Cultural, aquele que era para ser o grande finale na Praça, do lado de fora. O grupo goiano superou – e de longe – todas as outras apresentações. O som deles, pesadíssimo, reside em algum lugar da história em que o death metal melódico europeu cruzou o Atlântico e se encontrou com a quebradeira do nu-metal. Mesmo com apenas um guitarrista, o esporro é garantido. Foi o único momento da noite em que o público participou mais ativamente à beira do palco, onde – em tempos de Copa do Mundo – até Messi e Ballack bateram cabeça abraçados.
O esforço da produção em descobrir um novo formato, para substituir os tempos em que o festival era realizado no casarão que lhe deu o nome às margens do Rio Madeira (até 2008), está resultando numa permeabilidade que ainda viu o Autoramas tocar no Piratas Pub, no coração da boemia jovem de Porto Velho. O grupo carioca trouxe o show no formato acústico com suas vantagens e desvantagens. Se mostrou versões interessantes para hits de outros artistas, como “Blue Monday’, do New Order, e novas como a impagável “Samba Rock do Bacalhau”, deixou de fora hits do naipe de “Carinha Triste” e “Fale Mal de Mim”. No computo geral prevaleceu a pegada rock da banda, mesmo com violões que – esperamos todos – estejam com os dias contados.
TERCEIRA NOITE - Fez pouso ontem, no Kabanas, em Porto Velho, a edição desse ano do Festival Casarão. O festival vem em palcos itinerantes desde a última quarta. Com uma instalação mais estruturada, não foi problema para as bandas fazerem grandes apresentações, cada qual com seu público e tamanho. Curiosamente, se destacaram dois grupos que usam o rock como veículo para lançar misturas inusitadas, que, de forma improvável, funcionam. Se o Cidadão Instigado usa as guitarras para resgatar a música brega dos anos 70, o comunidade Nin-Jitsu faz de riffs consagrados do classic rock a cama para trazer à tona a batida do miami bass, há séculos chupada no tal funk carioca.
Nem sempre é fácil reproduzir no palco aquela porção de barulhinhos que o Cidadão Instigado grava em estúdio, mas é notório o esforço que Fernando Catatau e sua turma fazem atingir esse objetivo – plenamente alcançado. De outro lado, Catatau parecia mais agressivo ao empunhar sua guitarra, num sinal de que a tendência é show, hoje correto, crescer ainda muito mais. O grupo, por exemplo, não está tocando mais a íntegra de “U-HUU”, sua obra prima, e ontem fez um show até curto – cerca de uma hora –, que inclui uma música do álbum anterior, “Método Tufu…”. Ele ainda teve parte do tempo emprestado para o guitarrista Edgar Scandura levar dois hits do Ira! (“Tolices” e “Núcleo Base”, cantada a plenos pulmões por Catatau) e uma músicas de sua carreira solo. Poderiam ter investido mais na parceria, colocando Edgar para tocar músicas do Cidadão, o que não rolou.
Mas quem melhor soube aproveitar a estrutura e colocou pressão nas caixas foi o Comunidade Nin-Jitsu. Riffs de guitarra tomados de clássicos do rock, assim como acontece com o batidão de morro carioca, tomaram conta do salão de forma avassaladora. A linha guia do grupo cruza pontos fora da curva como Falco, Cream e o “Rap da Felicidade”. O Comunidade já faz parte da história do rock nacional por ter transformado o funk de morro em música de qualidade minimamente razoável, não apenas matéria-prima para antropólogos descolados. Por isso, é mesmo um mistério o grupo gaúcho não ser convidado para se apresentar em outros festivais – Mano Changes deixou isso claro ao agradecer à produção do Casarão por terem “lembrado da gente”. O grupo tem um disco novo, “Atividade na Laje”, e dele soltou pérolas como “Funk da Paz Rebola o Resbolah” (preparadas de plantão não aceitaram o convite para testar o ritmo no palco) e “Chuva nas Calcinha”, além de velhos hits como “Detetive” e “Analfabeto”. Com bases oriundas do funk de raiz, o grupo fez de longe o melhor show desses três primeiros dias.
Não que isso fosse fácil, porque ninguém ali queria deixar barato. O Hey Hey Hey, por exemplo, headliner do palco B, mandou um rock vigoroso, com um bom trabalho de guitarras. O vocalista Marcos é curto e grosso, e parece retirar daí mesmo, paradoxalmente, o carisma com leva suas músicas: um punhado der boas canções já registradas em quatro EPs, pesadas na medida certa, que cativam com facilidade. A melhor notícia, no entanto, foi a apresentação de uma nova, composta já depois d troca de baixistas, seguramente a melhor do show. Recepção semelhante teve o “Theoria das Cordas” – o nome é ruim, mas o som, não -, só que a dupla de guitarristas pega mais pesado, abusando de riffs típicos do heavy rock setentista. Um deles é espécie de “Zakk Wylde meets Chris Cornell”, e o outro o provoca com evoluções que resultam em ótimos duelos. No final uma bela jam session – com viradas de bateria - deixou uma precoce sensação de nostalgia no ar.
Identificado com a nova onda do metal americano, o Survive veio do Acre disposto a mexer com as estruturas. Muito bem tocado, o som da banda mostra a fusão insólita de peso, melodia e hardcore de grupos como As I Lay Dying e Killswith Engage. Curiosamente o vocalista é a cara de Iggor Cavalera, mas se chama Max… Ele busca soluções para ao show, como subir em cima da mureta que faz do palco B um cercadinho, ou usar como tema em uma das músicas, a história da “conquista” do território acreano, num contexto de batalhas típico do heavy metal.
Três bandas inicialmente programadas não deram as caras – Coveiros, The Name e Cabocriolo – e o Soda Acústica entrou no line up de última hora. A cabeçuda música universitária dos rapazes não agradou e deve se transformar em poesia o mais rápido possível. Entre eles e o Cidadão Instigado rolou tanta coisa boa que poucos tiveram saco para a rave que Edgar Scandurra, sozinho no palco, implementou já na madrugada. Não precisava, né, guitarrista?
ÚLTIMA NOITE - Ficou para o final a maior festa da décima edição do Festival Casarão, que aconteceu de quarta até ontem, em Porto Velho, Rondônia. No dia em que a maior quantidade de público compareceu ao Kabanas, Móveis Coloniais de Acaju, Superguidis (foto) e Nevilton puxaram a fila de boas revelações do rock nacional - praticamente todos os shows agradaram e tiveram, de uma forma ou de outra, um “quê” de interessante, com destaque para três boas bandas do próprio estado de Rondônia, pela ordem: Di Marco, Sub Pop e Jam.
O Superguidis é praticamente local em Porto Velho, dada a receptividade calorosa do público. Com uma boa carga de shows nos últimos tempos, o quarteto, antes tímido e com síndrome de indie deprimido, hoje é quase uma banda de arena. É impressionante como, num set curto, tantas músicas chamam a atenção, vindas de um repertório de três álbuns. “Mais do Que Isso” e “Não Fosse o Bom Humor” (aquela mesmo, parente próxima de “Race For The Prize”, dos Flaming Lips), entre outras, mataram a pau, numa das melhores apresentações do festival e talvez até do próprio grupo. O headliner do Palco B foi o Nevilton, que voltou a impressionar pela destreza que tem para comandar o público, muito pela postura rock’n’roll no palco, fincada nos paradigmas que incluem saltos, coreografias e guitarras empunhadas; ou seja, agradou geral. Cada dia que passa “Máscara” se parece com um grande hit de FM, se isso ainda existisse como em outros tempos.
Rondônia não ficou atrás e mostrou que há mais coisa lá além do bom Hey Hey Hey, já há certo tempo destaque da região, que se apresentou na sexta, no mesmo local. Uma delas é o Di Marco, de Ji-Paraná, que investe num pop rock nervoso e cativante. O trio tem boas músicas que seduzem de cara até o ouvinte menos interessado no show. Não que não houvesse, já, um bom público conhecedor do trabalho do grupo – muita gente cantava tudo. De Vilhena, outra cidade do interior do estado, o Sub Pop vai na onda do rebuscamento da sonoridade oitentista que marcou o rock da última década. Além da típica batida da bateria, a novidade vem com um teclado (o único em todo o festival?) que contribui para um fundo quase tecnopop. Só a cover de “Quem Sabe”, da época em que o Los Hermanos fazia rock, destoou do conceito, embora muito bem feito.
A mais nova de todas é o Jam, formado por garotos de perfil ginasiano. O grupo vai fundo numa mistura de rock pesado com funk de raiz, tudo muito bem tocado. O que pega é ainda a falta de boas músicas (normal para gente tão nova) e a sonoridade, ainda muito parecida com a do Red Hot Chili Peppers. Mas nada que não se arrume, ainda mais quando há um guitarrista ousado que trafega com desenvoltura pelo funk e pelo rock pesado. Quem quebrou a sequência de boas bandas foi o Strep, acusado na região de querer “ser carioca” - o grupo, de Porto Velho, se mudou para o Rio. Mas os arrumadinhos têm lá um público cativo, conectado no fácil rock de playboy/“Malhação”, e mostram que até no quesito banda fabricada Rondônia está presente.
Duas outras bandas foram bem no Palco Principal, mas acabam rodando em círculos com repertório limitado e pouco atraente. O Ultimato, de Porto Velho, num estilo à Rage Against The Machine, foi o que se saiu melhor. O problema é que sobra conceito/estética, e faltam boas composições, ou algo que dê um mínimo de diferenciação em relação às bandas do desgastado nu-metal. O mesmo erro é cometido pelo Rhox, de Cuiabá. Mas este tem um som mais consistente e um vocalista carismático e que se mexe sem parar, embora fale tanto até encher o saco. Com letras em português, o grupo pode crescer se fizer alguns ajustes, pois tem uma bela base. O que falta, - repita-se – são músicas boas. Um papo com os caras do Hey Hey Hey ou do Di Marco, para não irmos muito longe, resolve a parada.
Nota: Assim que o Móveis Coloniais de Acaju iniciou o show que prometia ser do tipo arrasa-quarteirão, o Homem Baile teve que se mandar para não perder o vôo de volta ao Rio de Janeiro.
Marcos Bragatto viajou a Porto Velho à convite da produção do Festival Casarão.
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