segunda-feira, 27 de maio de 2013

35 Anos de Baratos Afins

O rock underground brasileiro tem vários heróis. Na hora de reconhecer os méritos, porém, muitos lembram apenas dos músicos. Na verdade em qualquer lugar ou época, pra uma cena acontecer, é necessário muito mais do que boas bandas. Produtores de eventos, zineiros, jornalistas, programas de rádio, selos/gravadoras, entre outros, também são de extrema importância para o surgimento e manutenção da música que não é ouvida diariamente nas novelas da Globo. Um desses heróis é sem sombra de dúvidas o Luiz Calanca, fundador e proprietário da Baratos Afins.

A Baratos está completando 35 anos de atividade. Tudo começou em 24 de maio de 1978, numa pequena sala do segundo andar de uma galeria em São Paulo que mais tarde ficou conhecida como “Galeria do Rock”. No início era apenas uma loja, mas após 3 anos a Baratos passou a atuar também como gravadora, lançando grandes nomes do underground brasileiro. O primeiro foi o álbum “Singin Alone” do ex-Mutante Arnaldo Baptista. O último foi "Cuidado Garota", dAs Radioativas. Outro projeto importante foram os dois volumes da coletânea “S.P. Metal”, um dos primeiros lançamentos do Heavy metal nacional nos anos de 84 e 85. Só o Stress, do Pará, gravou antes.

Hoje a Baratos já contabiliza em seu catálogo 176 lançamentos, sendo 104 álbuns no formato de vinil e 72 CDs. Grandes bandas passaram pela gravadora, como os Mutantes - toda a discografia do legendário grupo paulistano foi relançada nos anos 80 sob encomenda do selo do Calanca - Ratos de Porão, Golpe de Estado, Harppia, Centurias, Sálario Mínimo, Fellini, Patrulha do Espaço - uma lista grande que não se restringe apenas ao rock. Fica aqui meu respeito e admiração pelo Calanca, um dos grandes heróis do submundo musical brasileiro. Um dos caras que foi, indiretamente, responsável pela minha formação musical - morava em Itabaiana, interior de Sergipe, nos anos 1980, e comprava via correio, na Wop Bop - outra loja pioneira e de saudosa memória - discos independentes. Dentre eles, alguns da Baratos Afins, como o primeiro da Chave do Sol, Akira S e As Garotas que erraram e "Descanse em paz" do Ratos de Porão.

Para conhecer o catálogo completo da gravadora e demais infos acesse o site oficial.

Abaixo, uma matéria publicada no site mofo sobre a produção do segundo disco solo de Arnaldo Baptista - o primeiro lançamento oficial do selo Baratos Afins. O texto é de Rubens Leme da Costa.

Por onde andaria Arnaldo Baptista na década de 80? O que estaria fazendo ou como estava vivendo o eterno Mutante que começou uma carreira-solo em 1974, com Lóki? e nunca mais foi visto? Reapareceu em 1982, com um segundo disco, intitulado Singin' Alone e editado pela independente Baratos Afins. As vidas e viagens de Arnaldo haviam sido guardadas por oito longos anos.

Em 1982, Arnaldo saía de um período negro. Após uma passagem confusa pela Patrulha do Espaço, se viu internado no Hospital do Servidor Público de São Paulo, após vários problemas emocionais e profissionais ocasionado por substâncias pesadas, entre elas o LSD. Acabou caindo do terceiro andar do local, em um incidente nebuloso. Alguns relatos dão conta de que o ocorrido fora um acidente, após uma briga com enfermeiros, que tentavam acalmá-lo em um momento de fúria.

O fato é que passou três meses em coma na UTI e aos poucos foi se recuperando. Ainda estava muito debilitado, com alguns problemas físicos decorrentes do longo tempo em coma, mas desejava voltar a tocar e se apresentar. Nesse período recebia visitas de Luiz Calanca, que havia acabado de montar o selo Baratos Afins e queria lançar um novo álbum do ex-Mutante. Calanca já o havia ajudado meses antes, na produção do show Shining Alone. "Ele pretendia fazer uma série de apresentações sozinho e lançar o disco. Fez o show no Tuca e cuidei da divulgação, vendi bilhete antecipado, recolhi os bilhetes na porta, e gravei o show, que eram as músicas do disco. Eu não tinha nenhuma experiência na área, na parte de gravação o Arnaldo fez tudo sozinho."

Gravá-lo, porém, não era simples. Desde os tempos dos Mutantes insistia em algumas idéias de maneira obsessiva, como o uso de amplificadores valvulados, a paixão pela guitarra Gibson Les Paul e pelo baixo Gibson SG. Assim, ele entra nos estúdios Abertura para gravar e tocar todos os instrumentos do disco, seguindo o modelo de Paul McCartney em seus dois primeiros discos-solos. Arnaldo teria apenas a companhia da parceira Suzana Braga nos backing vocals em "The Cowboy" e "Corta Jaca".

Segundo Luiz Calanca, as gravações para o disco aconteceram antes do "acidente", ou seja foram realizadas nos últimos meses de 1981: "Eu não tenho detalhes da gravação e o próprio Arnaldo não se lembra, mas o Helder Marques (engenheiro de som), disse que ficaram só os dois no estúdio e rolou tudo tranquilamente. Inclusive, muitas coisas foram feitas em um único take."

O dono da Baratos Afins conta que foi procurado por Suzana enquanto Arnaldo ainda estava em coma para lançar o disco. "Após o acidente do Arnaldo, na virada de 1981 para 1982, ela veio me procurar com o tape das gravações, que estava guardado, já no fim de janeiro de 1982. Arnaldo nem participou do contrato entre a Baratos e a Suzana, pois estava em coma no hospital."

Calanca prossegue: "A Suzana me mandou as letras, escritas à mão, e mandei fazer a composição. O digitador deixou com um monte de erros e numa segunda edição optamos por deixar sem o encarte. Na parte do áudio, levei o material em fita de 1/4 de polegada e pedia o tempo todo para o engenheiro de som da RCA-Victor para colocar mais grave; eu sempre queria mais peso e o disco ficou todo abafado. O CD que foi feito anos depois (a partir dos másteres originais) deixou o som mais próximo do real. Além disso, submeti as musicas ao depto de censura, fiz o corte do acetato, prensei os discos. Me lembro que levei algumas cópias para ele, que estava saindo da coma e chegou a me assinar uma cópia, e escreveu no disco, 'eu tenho vivido muito sozinho ultimamente'". Para ele, lançar um disco do de Arnaldo Baptista era um motivo de orgulho: "O Singin' Alone foi o primeiro disco do selo."

Assim foi  editado o segundo LP de Arnaldo. Um disco cheio de letras em inglês (sete, no total) e com temáticas mais utópicas. Era um músico diferente, cantando de uma maneira mais grave, compondo canções mais experimentais do que no disco anterior e misturando experiências pessoais com delírios e sonhos. Lentamente ele tentava se reconstruir emocionalmente, voltando aos palcos com o show “Abrindo para porta de uma nova vida”, no Tuca, teatro que tinha visto alguns shows solos e com o Patrulha, nos anos 70.

Singin' Alone é a visão de um homem sofrido, que tenta entender o mundo de uma maneira totalmente particular. Ele abre a obra com a triste "I Feel In Love One Day", que fala de seus tempos de Mutantes, quando tinha uma casa, uma banda, uma esposa, Rita, a quem chama de uma "mulher fria, com olhos de serpente".

"O Sol" é uma canção mais declamada do que cantada, com uma letra quase indecifrável. "Bomba H Sobre São Paulo" descreve uma possível bomba caindo sobre a capital paulista. "Hoje de Manhã Eu Acordei" traz Arnaldo questionando a vida moderna e suas dúvidas. A emocionante "Jesus, Come Back To Earth", traz Arnaldo ao piano falando de um Deus maior, absoluto e pede que ele traga o rock'n' roll e o sorriso do mundo." Arnaldo era fascinado pela tecnologia, idéia abordada em "Ciborg" e "Coming Through The Waves of Science". O disco fecha com o blues "Train", onde Arnaldo declama que se sente solitário, que quer voltar, mas não sabe mais onde é sua casa. Musicalmente, Singin' Alone exige bem mais do que Lóki? por ser um álbum mais complexo feito por um homem mais complexo. Por isso mesmo o álbum necessita de uma audição mais paciente.

Em 1987, Arnaldo lançaria o LP “Disco Voador”, também pela Baratos Afins. Segundo Calanca, "quando gravamos o Disco Voador, ele tinha me mandado um K7 gravado em órgão de churrascaria com acompanhamento de baterias e arpejos eletrônicos e estava cantando de forma triste, isso bem depois do acidente. Marcamos algumas horas estúdio Vice Versa e o piano de calda foi até afinado esperando por ele, que se recusou a regravar. Ele sabia exatamente o que queria em níveis de freqüência e tipos de efeitos; o Arnaldo conhece muito bem toda linguagem de estúdio, mas, infelizmente trabalhamos juntos muito pouco tempo. O Disco Voador tem mais valor terapêutico que artístico para ele."

Em 1996, Arnaldo assinou um contrato com a Virgin, que lançou o disco em CD, contendo uma gravação inédita de "Balada do Louco" especialmente para o disco, com produção de Guto Graça Mello. A gravação trazia Márcio Lomiranda, nos teclados, o guitarrista Wander Taffo, o baixista Fernando Nunes e o baterista Cezinha. É a primeira versão de Arnaldo em português da canção, já que foi registrada com a voz de Sergio nos tempos dos Mutantes.

O CD acabou sendo remasterizado por Pena Schmidt, mas infelizmente, se encontra fora de catálogo.

Discografia:

Solo:

Loki? (1974)
Singin' Alone (1981)
Disco Voador (1987)
Let It Bed (2004)

como Arnaldo & Patrulha do Espaço:

Elo Perdido (1977)
"Faremos uma noitada excelente..." (1978)

“Set” de “Singin´ Alone”:

Lado A

01. I Feel In Love One Day
02. O Sol
03. Bomba H Sobre São Paulo
04. Hoje de Manhã Eu Acordei
05. Jesus, Come Back To Earth
06. The Cowboy

Lado B

01. Sitting On The Road Side
02. Ciborg
03. Corta Jaca
04. Coming Through The Waves of Silence
05. Young Blood
06. Train
 

sábado, 25 de maio de 2013

# 274 - 25/05/2013

Paulinho, ex-vocalista da Lacertae, está tocando em frente seu projeto Cinemerne. Totalmente avesso a esqueminhas de marketing, grava e joga na net pra quem quiser. Geralmente no mesmo dia. Hoje tivemos na programação uma nova dele, "Uma aurora em Sodoma". Fresquinha, ficou pronta esta semana.

Teríamos também uma entrevista via telefone - não sei porque, já que eles estão em Aracaju - com o pessoal do Mundo Livre S/A, que se apresentou mais uma vez na cidade hoje, na Casa Cultiva. Mas ninguém deu sinal de vida. Deve ser porque não precisam de nosso humilde espaço, não é? Tranquilo. Sobra espaço pra quem precisa - e valoriza! Como a Urublues, que tocou no Salloon. Eu fui. Foi massa.

E para as devidas homenagens a Ray Manzarek, a mente por trás do som do The Doors, que nos deixou no dia 20 de maio; a Trevor Bolder (9 de junho de 1950 – 21 de maio de 2013), ex-baixista do Uriah Heep e dos Spiders From Mars - sim, a banda que acompanhou Ziggy Stardust/David Bowie na década de 1970; e a dois sobreviventes: Steven Patrick Morrissey (Davyhulme, 22 de maio de 1959) e Robert Allen Zimmerman (Duluth, 24 de maio de 1941), os aniversariantes da semana.

Agradeço a Marlio Oliveira por mandar a música do Uriah Heep.

Adelvan.

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Vendo 147 - Kil Biu
Os Vulcânicos - The old legend
Canastra & Camarones Orquestra guitarrística - Camastra
Os Incríveis - O milionário

Cinemerne - Uma Aurora em Sodoma

Mundo Livre S/A - Livre Iniciativa
Urublues - Andarilho

Faith No More - Easy

David Bowie - Let´s spend the night together
Ramones - Take it as it comes
The Flaming Lips - Any Colour you like
Ferraro Trio - Beat it

Morrissey - Suedehead
Bob Dylan - Ballad of a thin man

Mark Lanegan & Isobel Campbell - Sunrise
Nick Cave & The Bad Seeds - Do you love me
Patti Smith - Distant fingers
Leonard Cohen - First we take Manhattan

Uriah Heep - Easy livin

The Doors - Horse latitudes
The Doors - Alabama song (whisky bar)
The Doors - Unhappy girl
The Doors - moonlight drive
The Doors - Riders on the storm

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sexta-feira, 24 de maio de 2013

Nem guitarra rosa nem som vagabundo

“O som tá uma merda porque é meu. Eu alugo. Desculpem o atraso” – assim começou e esse foi o tom da apresentação da Tody´s Trouble band no Saloon, sábado passado. Detalhe: o ex-gordinho estava lindo, com uma camisa de mangas compridas estilosa, suspensórios e gravatinha borboleta. Escudado pelos comparsas Demétrio na guitarra (não era rosa) e o excelente Romão na bateria, fez um grande show, sem grandes problemas – só satisfação. Que o diga Isabela Raposo, que não parava de dançar.

O Saloon é um novo espaço que vem abrindo suas portas para as bandas alternativas de Aracaju – aqui não cabe tergiversação, pois qualquer banda que fuja do figurino reggae/arrocha/mamãe eu vou tocar num evento de Fabiano Oliveira, em Aracaju, é, definitivamente, ALTERNATIVA. Montou um esquema que tem dado certo: é semi-aberto – a maioria do povo fica na rua, mas há pequenos espaços cobertos no próprio bar e numa marquise de uma oficina ao lado, para o caso de chuva – e não cobra nada, nem ingresso nem “couvert”. Você só paga pela bebida, e é a bebida, imagino, que paga tudo, inclusive os cachês – quero crer que eles existam, por menor que sejam – das bandas. Dá certo porque com bebida o povo não regula: consome! E dando certo atrai, inclusive, garotas bonitas. Haviam várias delas lá. Algumas, inclusive, perfeitamente vestidas no clima da noite, estilo pin ups dos anos cinqüenta.

A Tody´s Trouble Band é, provavelmente, a melhor coisa que aconteceu no cenário alternativo da cidade nos últimos tempos. E é lindo assistir ao surgimento de uma banda nova e tão boa assim, quase que do nada, e vê-la evoluir a cada apresentação. Estão afiadíssimos e com um repertório impecável que mescla excelentes composições próprias – que já estão se tornando pequenos hits da cena local – com versões bastante pessoais de clássicos que vão de “Bicho de sete cabeças” a “Beber até morrer”, dos Ratos de Porão. Tudo executado com muita empolgação, animação e pequenas doses de ironia “non sense” ao longo do percurso.

O grande momento da noite, a meu ver, foi a execução de um clássico absoluto da musica instrumental que eu nunca mais havia ouvido e de cujo nome/autoria não conseguia me lembrar. Perguntei a Tody e ele responde que era “O milionário”, dos Incríveis - na verdade uma versão para "The Millionaire", da banda inglesa (de Manchester!) The Dakotas. Mas a lista de momentos antológicos foi longa, tanto que fui vencido pelo cansaço e nem fiquei até o final - isso depois de uma hora e cacetada, já partindo para as duas horas de som ininterrupto.

No caminho para casa, com um grau de satisfação que só uma boa noite de bom rock and roll - ou de sexo - pode proporcionar, me vieram à mente algumas reflexões: estávamos num bairro periférico da capital do menor estado de um país do terceiro mundo, mas estávamos nos divertindo com uma banda de rock sensacional que, falo sem medo de me equivocar, não fica nada a dever e é, inclusive, bastante superior a boa parte do que é incensado pela imprensa “especializada”. Então foda-se o complexo de vira-latas! Existe vida diferente e inteligente para além dos “caos” e “infernos” do Baixo Augusta! Sem querer desmerecer a opção da verdadeira legião de conhecidos meus que têm abandonado o barco supostamente amaldiçoado por um cacique rancoroso, fico por aqui mesmo, e fico feliz. Cada um tem seu caminho a seguir, mas eu ainda acredito na máxima de um velho poeta que li uma vez mas não lembro quem era: o sentimento mais provinciano que existe é o desejo de sair da província”.

+ AQUI

A.

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quinta-feira, 23 de maio de 2013

# 273 - 18/05/2013

O início do programa de rock do último sábado dividiu uma musica com o final do programa Trilha Sonora, que é apresentado por Maíra Ezequiel e vai ao ar às 18:00H. "Paint it black", dos stones, extraída da trilha de "Nascido para matar", filme de Stanley Kubrick. Aí tivemos música nova da Misantropia, veterana do Hard Core alagoano. E novas do Daft Punk e do Queens of the Stone Age. Depois tivemos nosso "Big 4": quatro bandas californianas fundadoras do thrash metal.

Maíra voltou para comentar seu sensacional "bloco do ouvinte", que foi seguido por uma sequencia de bandas dos anos 1960 que influenciaram no surgimento do punk rock.

No final, uma entrevista com a cantora paraibana Mira Maya.

See you later, alligators.

A.

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The Rolling Stones - paint it black

Misantropia - Alagoas da morte
Daft punk - Give life back to music
Queens of the stone age - Like clockwork

Megadeth - Mechanix
Exodus - Tempo of the damned
Slayer - Skeletons of society
Metallica - Disposable heroes

Tody´s Trouble band - On the road again/beber até morrer (Ao Vivo no programa Encruzilhada)

Sonic Youth - Sacred Trickster
The Flaming Lips - Always there... in our hearts
PJ Harvey - Who the fuck
Imelda May - Tainted love
Portishead - Chase the tear
- por Maíra Ezequiel

The Sonics - The witch
The Kinks - Who´ll be the next in line
The Seeds - March of the flower children
The Who - Happy jack
The Velvet Underground - Heroin

Mira Maya - O reinado
Mira Maya - Perdendo a razão
Mira Maya - Vertigem
+ Entrevista

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Morrissey, 54 anos

Dez músicas da carreira solo de Morrissey que você precisa ouvir: 

 

"First Of The Gang To Die"  - Segundo single de You Are The Quarry (2004). Um rock sem frescuras que fala de Hector, bandido pé de chinelo que, como indica o título, é o primeiro de uma gangue de criminosos a morrer.


“Satan Rejected My Soul” - Lançada em dezembro de 1997, esta faixa foi o terceiro single do álbum Maladjusted. Ninguém sabe se Morrissey está falando dele mesmo, mas o personagem da canção é tão mala que nem Satanás quer sua alma. A parede de guitarras tocadas por Martin Boorer e Alain Whyte dão punch à canção. 

“My Life is a Succession of People Saying Goodbye”  - Este foi lado B do single "First of the Gang to Die", de You Are The Quarry. É uma balada retrô, atmosférica e chorosa, na qual Morrissey lamenta ter se separado de tanta gente.

“The World is Full of Crashing Bores” - Para Morrissey, o mundo está cheio de “gente chata pra cacete”. Isto inclui políticos, policiais, pessoas que usam uniforme e até mesmo seus colegas popstars. Em alguns shows, ele chegou a interpretar a canção improvisando: “Tragam-me a cabeça de Elton John!”

“Will Never Marry” - Apesar de ser um ícone da cultura gay, Morrissey nunca assumiu nada a respeito. Sua vida sexual e pessoal sempre foi muito protegida. Ele até já se declarou celibatário e assexuado. Aqui, o cantor diz educadamente que prefere morrer sozinho e está muito feliz com isso.

"You Have Killed Me" - O primeiro single de Ringleader of the Tormentors (2006) faz referência ao filme Accattone (1961), de Pier Paolo Pasolini, e exemplifica o interesse que Morrissey tem pelo cinema italiano.

"Irish Blood, English Heart" - Esta canção de You Are the Quarry chegou a causar alguma polêmica. A melodia foi escrita pelo guitarrista Alain Whyte e já tinha sido usada antes. Depois, Morrissey criou uma nova letra, comentando os conflitos entre a Irlanda e a Inglaterra.

“There's a Place in Hell for Me and My Friends” - Acompanhado de apenas um piano, Morrissey abre o coração nessa canção existencialista de fossa, lançada originalmente no lado 2 do álbum Kill Uncle (1991).

"The More You Ignore Me, the Closer I Get" - Este é o maior hit da carreira solo de Morrissey e até hoje é muito requisitada em suas apresentações ao vivo, embora ele nem sempre a cante. A canção, que fala sobre rejeição, foi o grande destaque do álbum Vauxhall and I (1994).

"Everyday Is Like Sunday" - Um dos hits de Viva Hate (1988), o primeiro álbum solo de Morrissey. O artista usa imagens apocalípticas de uma cidade do litoral inglês para descrever as misérias e o tédio do dia-a-dia.

Fonte: Rolling Stone








terça-feira, 21 de maio de 2013

# 272 - 11/05/2013

Hansenharryebm, ou simplesmente Hansen, é uma figura que - segundo depoimento de um amigo em seu perfil no orkut - "não se encaixa em padrões, é rude e complexo, com certeza instigável (sic.) e estar ao lado dele é sempre um grande prazer, mesmo sendo perigoso". Talvez a descrição tenha razão. Porém, além de uma pessoa polêmica, daquelas que não se esquiva de dizer o que pensa, Hansen tem talento para outras coisas, como a música: ele foi vocalista e guitarrista de uma banda marcante da cena paulista nos anos 80: o Harry.

O Harry, apesar de não ter feito parte do mainstream oitentista, ficou na memória de muita gente, inclusive figuras conhecidas da crítica musical tupiniquim. O polêmico Álvaro Pereira Júnior publicou uma coluna Escuta Aqui, na Folha Teen, falando do grupo. O jornalista e autor da coluna Big Mug, da Dynamite, Ayrton Mugnaimi Jr, alertava: "Não esqueça a banda oitentista Harry".

Fui atrás da empreitada e já achei peculiar o modo como Hansen combinou o encontro para a entrevista. "Lembra de um lutador de vale-tudo chamado Tank Abbott? Quando enxergar alguém parecido com ele, sou eu". Tank Abbott ficou conhecido no Brasil pela surra que tomou de Vitor Belfort no Ultimate Fighting. O local combinado para a entrevista foi à praça de alimentação de um shopping, num domingo a tarde, em frente ao Burger King. "O lanche é por minha conta, tenho dois vales que vencem no dia 31", avisou. Antes do lanche rolou o papo gravado que você lê abaixo:

A banda - Criado em Santos em 1985, o Harry contava com Hansen (vocal e guitarra), Cesar Di Giacomo (bateria) e Richard Johnsson (baixo). No início caminhou pelo "noisy" com letras em inglês, e após a entrada do produtor e tecladista Roberto Verta, deu uma guinada em direção ao rock "mezzo" eletrônico com pitadas de The Clash e Kraftwerk, aliando uma batida marcial, teclados espaciais e letras mórbidas e depressivas, com referências literárias de Neil Gaiman e Alan Moore. Entre 1986 e 1994, lançaram quatro trabalhos. O EP "Caos" (1986) e "Fairy Tales", primeiro álbum completo (último com a participação do baterista Di Giacomo), ambos pela gravadora Wop Bob. Com a saída do baterista, passaram a utilizar bateria e bases eletrônicas e vieram "Vessels' Town" (1990), pela Stiletto, e a coletânea "Chemical Archives" (1994), pela Cri du Chat, compilação de faixas dos primeiros discos com algumas composições inéditas.

Em 1996, o Harry iniciou a gravação de um novo trabalho, mas com Hansen morando no Ceará, Verta no Rio, e Johnson em São Paulo, a formação decidiu dar um tempo. Em 2005, os músicos voltaram à ativa. Hansenharryebm, Di Giacomo, Verta e Johnsson resolveram lançar um box ("Taxidermy- Boxing Harry"), com versões remasterizadas e faixas extras de "Fairy Tales" e "Vessels' Town", incluindo um CD com raridades, remixes e algumas faixas do projeto abortado de 96. Embalado por um belo trabalho gráfico, o box foi lançado pela Fiber Records, a divisão gravadora da Fiber Interactive, responsável também pelo FiberOnline, site pioneiro da música eletrônica no Brasil. Atualmente a formação faz um som bem menos eletrônico.

A morte do sócio - Hansen tem história pra contar. Seus "causos" são conhecidos, mas é preciso saber que o cara passou por poucas e boas. Trabalhou numa loja de CDs em Santos, e numa época de grana difícil, foi morar em Fortaleza, onde também teve uma loja de discos, quando precisou enfrentar o assassinato do sócio. "Invadiram a casa que morávamos, uns vagabundos que guardavam carros nos arredores. Meu sócio tomava um remédio que o fazia dormir como pedra. Pra você ter uma idéia, várias vezes, cheguei a chacoalhá-lo (mostra a maneira brusca como tentava acordar o amigo) e ele nem se mexia. Provavelmente os caras perceberam que estava fácil, entraram na casa e roubaram várias coisas. E do jeito que o corpo estava, foi pura maldade. Devem ter encostado um travesseiro e atiraram nele, sem defesa. Para a polícia disseram que ele acordou, e no susto, atiraram. Mentira. Com aquele remédios ele não acordaria nem com uma bomba", lembra.

"Acontece que eu estava na casa, havia chegado um pouco antes, acompanhado, e fui para o meu quarto. Eu ouvi os tiros e quando levantei enxerguei os caras atravessando a rua. Peguei minha arma e mirei na cabeça do sujeito, só que o tiro (ele tem porte de armas) pegou de raspão, infelizmente. A polícia chegou, viu aquela cena em casa e me levou. A situação só foi resolvida porque o imbecil em que dei o tiro foi para o hospital todo ensangüentado, usando minhas roupas que havia roubado, e avisaram a polícia. Minha vontade era de matar o filho do desgraçado e mandar a cabeça dele numa caixa, como no Seven, para ele na cadeia", diz. Além da tragédia, Hansen ficou sem poder fazer qualquer ação na loja que precisasse de sua assinatura, pois o negócio estava no nome do sócio. Depois disso voltou a Santos, traumatizado. "Numa época morei no alto de um prédio, com a minha mãe, e apesar de não ter perigo algum, dormia com um revólver do lado do travesseiro".

Em uma longa e agradável conversa com o S&Y, o músico contou como surgiu a idéia do lançamento do box, falou que a cena de Santos sempre foi boa, comentou da falta de reconhecimento com o Harry e estranhou o fato do box nem ter sido citado na revista Bizz (na edição com Carlos Eduardo Miranda, na contracapa, saiu um anúncio do box com outros lançamentos - crítica, mesmo, nada). Ele ainda falou das comunidades de revistas musicais no Orkut, seu projeto solo Bad Coc, composições e um tirou um sarro no músico Julinho Bittencourt. A seguir, Hansen, nas palavras dele próprio.

PAUSA NA BANDA E O LANÇAMENTO DO BOX
"Na verdade o Harry é como o Sisters of Mercy, nunca acabou. Só que um estava no Rio, eu no Ceará, outro no interior de São Paulo, então não tinha muita produtividade mesmo. (Foi) quando pintou a idéia do box…em 2003, eu acho. Primeiramente não era um Box. Os dois LPs iam ser lançados pela Midsummer, (selo) do Rodrigo Lariú, com bônus e tal. Nesse processo de seleção das faixas bônus, a coisa foi atrasando, e o Enéas Neto, da Fiber, que faz também aquelas festas do Trash 80, veio com a idéia do Box, que era mais interessante que os discos lançados separados. E a Fiber também tem um perfil mais a ver com a gente, de música eletrônica, do que a Midsummer. Hoje o Harry está bem menos eletrônico. Um disco pela Midummer seria bem viável. Teve show de retorno pro lançamento do Box, junto com uma banda belga em São Paulo e a gente tem feito alguns shows."

Público
"Eu acho que a maior parte do nosso público está em São Paulo. A gente tem público aqui (em Santos), mas aqui não tem onde tocar, o que é um absurdo. Faz um ano e meio que estamos de volta à ativa e não conseguimos tocar em Santos. É questão de armar. Um problema é que não temos alguém que nos venda. Fizemos contatos e estamos esperando o retorno."

Cena
"A cena (santista) é legal. Estou um pouco por fora das bandas hoje. Mas a cena aqui de Santos foi bem forte, principalmente no hardcore e no metal. Eu fiz parte do Vulcano. Na realidade, eu coloquei o Vulcano na trilha que está hoje. Porque o Vulcano era uma banda de rock'n'roll. A partir do momento que eles estavam se direcionando pro heavy metal, achei na época que era um lance de radicalismo. E se vai fazer isso, tem que fazer o mais pesado possível. O que é um paradoxo, porque hoje você tem a Internet, tem a condição de acessar toda informação e a molecada é muito mal informada. Eu li outro dia um imbecil falando que achava que pós-punk era tudo o que veio depois do Green Day. Se fosse na minha frente, eu não ia ter argumento: eu ia ter que bater no moleque, não teria outra resposta possível. Santos sempre teve um problema que é assim: as coisas ficam muito enclausuradas aqui. Eu não sei. Se a banda não sai daqui, não tentar tocar fora daqui, não vira. A gente teve uma época nos anos 80 que tinham vários lugares pra tocar e ficávamos acomodados. Tinha lugar pra tocar todo mês ou quinzenalmente e tal. Se a gente se acomodar com isso, vai ficar nisso. Quando tentamos São Paulo, a coisa começou a rolar. Mesmo em São Paulo, inicialmente, nós não fomos bem recebidos. A gente fez o circuito da época, Rose Bom Bom, Madame Satã, e eu preferia que tivessem detonado com a gente. Mas pra mim foi pior que isso. Fomos ignorados! Me sentia como um cantor de churrascaria. Foi o momento que deu aquela dúvida. Pô, o som tava ótimo, sabe? Aquele era o público. O que estava errado? Nesse momento de dúvida que pintou o lance de fazer as músicas com letras em português, e dessas gravações, rolou o primeiro disco. Tudo bem, já está lá e tal, mas se eu tivesse sido firme nos meus princípios, teria rolado em inglês desde o começo, como sempre tinha sido, mas como diz o nosso tecladista: 'cagadas não voltam ao cu' (risos)."

Reconhecimento
"Claro que não (sobre se o Harry teria o reconhecimento que merece). Senão eu não tinha vindo a pé pra cá. O Harry nunca primou pelo virtuosismo. A gente tem o lance da parte técnica de produção. Eu acho que os nossos discos são bem gravados dentro das condições que a gente tinha. Nesse ponto sim. Do resto, eu tinha alguma reputação de ser bom guitarrista, mas foi uma coisa que eu joguei pela janela quando eu comecei a direcionar pra esse lado (eletrônico)."

Cena antiga X cena atual
"Era diferente, outra época. Talvez por ter menos bandas, tinham mais lugares pra tocar. Hoje tem uma (banda) em cada esquina. Naquela época tinha uma banda em cada quarteirão. Eu precisaria me atualizar um pouco do que está rolando agora."

Box e a Bizz
"Não tem porque ficar ressentido (do Box não ter sido citado na Bizz), mas foi esquisito foi. O Box teve uma repercussão. Gente como o Arthur Dapieve, Humberto Finatti, a Carta Capital. Na revista da MTV colocaram tipo: 'fechamos a edição ouvindo isso'. Até hoje procuro a edição da Carta Capital, eu sei que saiu."

Orkut
"(O orkut) serve sim (pro debate). Acho que tem comunidades inúteis, que tem uns joguinhos e tal. Eu participo muito da comunidade da revista Bizz, da Rolling Stone, mas infelizmente a (comunidade da) Rolling Stone, enquanto a revista vai de vento em poupa, a comunidade que tinha crescido muito, foi deletada do orkut e se transformou em duas comunidades separadas. Uma supostamente oficial, que é de um dos integrantes da revista, e outra que é do mesmo dono da que foi deletada. Mas essa divisão ferrou as comunidades. Elas estão morrendo, pouco se discute da revista lá. Já a da Bizz não, é super ativa, você posta e em dez minutos já tem um novo comentário. Tem gente lá tanto da antiga Bizz como da atual, redatores, ex-editores e tudo. E pra mim é uma boa vitrine. Tanto que tem muita gente (que fala bem de mim), até o empresário do Skank já foi pedir pro Ricardo Alexandre, editor atual, que eu devia ter uma coluna na revista. Mas esse lance do Box... Acho que é só a ponta do iceberg. Embora eu não conheça o Ricardo Alexandre, é meio óbvio que o cara não simpatiza comigo. E eu nunca o vi. Mas disseram que ele é evangélico. E no meu perfil no orkut, entre os esportes, está 'atirar em evangélicos'. Talvez tenha alguma coisa a ver. Sabe o que é evangélico? Evangélico é aquele cara que fica falando "Jesus, Jesus, Jesus" e não tem a mínima idéia de quem foi o cara. A mínima idéia. Eles lêem muito a bíblia, um livro que foi escrito... Eles acham que foi Deus quem escreveu aquela merda! Foram dois caras. O Imperador Constantino, que converteu o catolicismo como religião oficial de Roma por motivos puramente políticos. E São Paulo, Paulo de Tarso, que foi o primeiro marketeiro da história. Então aquele texto da bíblia foi alterado. Mas os evangélicos acham que aquilo é aquilo. (Quanto às bandas evangélicas) Eu não dou o mínimo para as letras. Se a música é boa, beleza. Mas não saberia citar nenhuma banda evangélica no momento."

Shows e projeto solo
"Está devagar (a freqüência de shows), pois estamos sem empresário. Os últimos shows foram em junho e dezembro. Eu tenho meu projeto solo, que é mais eletrônico mesmo. O Bad Coc faz shows com mais freqüência, porque sou só eu, levo bases pré-programadas, então é um show barato. O Bad Coc é totalmente eletrônico. É um transporte, uma hospedagem e beleza. Quase gasto zero de equipamento. Já o Harry hoje em dia são seis pessoas. Então estamos meio que confinados a São Paulo."

O som
"Olha só, eu não tenho preocupação de ser datado ou moderno. Nos anos 80, quando eu produzi a maior parte do que você ouviu, (o som) era bem à frente do que rolava por aqui - e ainda acho que é. Hoje sou meio fiel ao estilo, sem pretensões de modernizá-lo, porque não me agradam manifestações musicais ulteriores (risos). O Bad Cock é todo eletrônico, mas não é exatamente o lance de radicalizar é só uma opção, e eu não tenho preocupação em ser vanguarda. Na minha cabeça é pop. As letras, ah, eu sempre achei que artista explicando a obra é patético. As letras são o que são. A única explicação que dou é quando me perguntam por que a gente compõe em inglês: 'porque não sei alemão' (risos)."

Material inédito
"A gente ia gravar um álbum por nossa conta em 1996, mas não foi terminado. No meu Soulseek eu tenho uma pasta com dezenove músicas que não estão no Box. Eu pelo menos ainda estou produzindo material."

Mainstream
"Eu acho que poderia (fazer parte do mainstream). Eu não vejo nada de esquisito no som da gente. São músicas de três, quatro minutos com refrão. É música pop. Talvez a roupagem sonora que a gente coloca em cima disso seja um pouco peculiar, mas a maior parte das coisas do Harry, você vai notar que são melódicas. O que eu sinto mais falta na maioria dos trabalhos de hoje."

Composições
"Quem compõe mais sou eu e o Johnsson. A gente fazia junto e separadamente. O Verta compõe menos, mas tem um material muito bom. O César contribuiu com muita coisa."

O site da banda e a Fiber
"A Fiber mantém o site. A Fiber começou com um site dentro do UOL, numa parte de música eletrônica, daí cresceu e passou a ser um site independente. A Fiber Records surgiu com o nosso box."

Sarro com o Julinho Bittencourt
"Estava eu e o Rafa ali na Blaster (loja de CDs em Santos), já ali de final, e entra o Julinho Bittencourt, que era dono do Torto, tinha a banda Jornal do Brasil, um cara que tava em tudo quanto era festival de MPB, e é um amigo meu desde os meus quinze anos. Eu apoiado do lado de fora do balcão, o Rafa dentro. Ele perguntou: 'tudo bem?'. A gente nem respondeu, só mexeu a cabeça. 'Estou procurando o novo do Caetano pra minha irmã', disse ele. Aí eu virei: 'E nós com isso? (risos)". Na hora eu achei engraçado e pensei que ele tivesse levado na brincadeira. No dia seguinte ele encontrou minha irmã e confessou que ficou magoado porque fui mal educado com ele (risos)."

por André Azenha

12/04/2007

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* * *



Há muitos anos possuo vinis e cds do Harry, uma banda de Santos que marcou época no rock dos anos 80, um grupo sintonizado com o rock eletrônico e industrial da época, influências que iam de Alice Cooper a New Order, experimentações e um punhado de ousadia. Obviamente, tudo isso era indigesto demais para o público médio e o Harry não brilhou como merecia. Lançaram dois discos pelo inovador selo Wop-Bop, de René Ferri e que produziu outras peças de fino trato como May East, Vzyadoq Moe, Violeta de Outono, Fellini e etc. Achar material da banda na internet não foi complicado, mas eu queria uma entrevista com o criador da coisa, afinal nada melhor do que ele para contar, em detalhes, como tudo aconteceu.

Assim, escrevi para Johnny Hansen, via facebook. Pensei que viria uma resposta atravessada, amarga e ranzinza, algo na linha "só depois que terminamos é que me procuram para uma matéria", como várias vezes trombei, ao longo dos anos. Nada disso. Por trás da cara de mau, havia uma pessoa inteligente, divertida e ácida, que adora escrever e explica, em detalhes, como tudo ocorreu.

Sim, a entrevista ficou longa. Sim, às vezes pode cansar. Mas as pessoas não se queixam que, muitas vezes, é difícil um materia interessante sobre certas bandas? Pois, então. Johnny Hansen conta tudo - e muito mais - sobre o Harry. E caso exista algum exagero ou mentira, não me culpe. Eu apenas tive o trabalho de ler, editar, aprender e me divertir com a matéria.

Ah, sim, Hansen é um cara legal. Provavelmente dirá que essa não é a intenção dele, mas ele é.

Mofo: - Como começou o Harry? Como era a cena roqueira em Santos? Vocês davam mais shows em SP do que no litoral?
Johnny Hansen: - A gênese do Harry foi o The Yardrats, que eu e o Johnsson montamos em 76. A ideia era fazer punk rock (já tínhamos lido sobre os Pistols e os Ramones, mas não ouvíramos nada), mas o Johnsson tinha um órgão, e eu ainda estava aprendendo a tocar baixo, e tínhamos bastante dificuldade de encontrar guitarristas, bateristas e vocalistas fixos. A guitarra eu assumi em 78, e o Johnsson se virava nos vocais, embora tenhamos tido outro, Olie Crudge, que ia e vinha.

Quando o Johnsson foi estudar fora de Santos, formei o TTF (Tubular Teacher Forever), depois o Jean Cocteau (as influencias do Bill Nelson, do Be Bop Deluxe começavam a se manifestar), o V8 (eu não sabia que havia uma banda de metal argentina com o mesmo nome, não consegui achar um nome substituto e acabei com a banda), Self Destructor, Atmosphere e finalmente Harry and the Addicts, em 1985.

Tocávamos na baixada no início, e a partir de 86, fizemos o circuito paulistano (Rose Bom Bom, Ácido Plastico, Anny 44), mas fomos praticamente ignorados. Isso me deixou sem chão, porque eu achava que o som estava muito bom, mas não sabia mais o que fazer.

Foi quando um DJ disse que tinha um contato na CBS, e que não poderia garantir nada, mas que o cara escutaria qualquer coisa que ele levasse, só que em inglês não dava. Como eu não consigo cantar em português (é sério!), chamamos a Denise, que cantava no nosso projeto comercial, o Bi-Sex (roubei o nome dos australianos do Mi-Sex, porque sabia que ninguém os conhecia aqui).

Mas a fita nem foi entregue na CBS, nem me lembro do motivo, mas eu soube que o René Ferri, da Wop-Bop estava começando um selo, e iria lançar o Violeta de Outono, e deixei a fita lá. Ele me ligou 3 dias depois querendo assinar. Naquela época, gravar um disco era a meta máxima, não que eu fosse dado a fazer concessões, mas já tinha feito gravando em português, então eu não tive coragem de perguntar se teria problema um vocal masculino em inglês. Infelizmente, quando soube que não teria, já era tarde demais.

Desde o Self Destructor, a formação já era o César Di Giacomo na bateria, e o Renato Grillo no baixo (inclusive no Bi-Sex, que só era acrescido da Denise). Em fins de 84, o Johnsson voltou a Santos, e estava juntando grana para comprar algum teclado, mas no início de 85, o Grillo morre num acidente com arma de fogo, e ele teve que assumir o baixo. O Bi-Sex acabou logo depois, e eu não quis manter o nome Atmosphere, daí o Harry and (the Addicts), que fez sua estreia num bar em Santos, no dia 18/12/85.

Não me lembro a data, nem onde estreamos em São Paulo, mas com certeza foi em 86. Éramos totais estranhos na cena roqueira santista. Eu tinha fama de grande guitarrista, mas quando assumi novos conceitos estéticos, onde a guitarra tinha um espaço bem limitado, o papo que corria em Santos era "o Hansen, coitado, tocava pra caralho, mas começou a se drogar, enlouqueceu e hoje só faz barulho", ah ah ah ah ah...

Mofo: - Quais eram as suas grandes influências? New Order, Skinny Puppy, Kraftwerk, Moroder?
Johnny Hansen: - O buraco é mais embaixo. A primeira coisa que eu ouvi sem ser o que meus pais ouviam, foi o Alice Cooper, em 73 (Billion Dollar Babies).

Daí para o rock pesado da época (Purple, Sabbath) e mergulhar no que gerou aquilo e comecei a pesquisar os anos 60. Na época, eu tinha um conceito de que os 60's é que tinham sido foda, que os 70's não eram tão legais, mas sempre havia a distância entre ouvir e fazer. O punk rock ligou esses pontos, e para mim, os 80's foram maravilhosos porque é sensacional você ouvir obras primas no mesmo instante em que elas são lançadas.

O New Order sempre é a principal referência lembrada quando se fala da gente, mas eu não acho que haja nenhuma música nossa que pudesse ser confundida com eles, da mesma maneira que o Kon Kan era. Em 83, eu descobri o Chrome, que embora não seja parecido conosco, foi fundamental para que eu estabelecesse a estética sonora do Harry.

O Skinny Puppy também, embora eu só curta mesmo a fase que vai até o Vivi Sect Vi. E bandas como Beatles ou Queen foram importantes no sentido de amplitude. Li uma resenha sobre a coletânea Chemical Archives numa revista alemã. O cara não gostou, porque achou que cada faixa parecia uma banda diferente. Eu concordo com ele, mas eu vejo isso como algo positivo.

Mofo: - Vocês tiveram um primeiro EP com a Denise nos vocais. Me fale da produção desse trabalho, lançado pela Wop-Bop, e o contato com René Ferri.
Johnny Hansen: - Já dei um resumo sobre isso na primeira pergunta.

Eu estava preocupado, porque até então o selo independente mais estabelecido era o Baratos Afins, e eu inclusive levara uma demo de ensaio (sem Denise) para o Calanca, mas quando voltei lá, ele nem mencionou o assunto.

E eu já tinha ouvido falar que os discos que ele produzia eram gravados às pressas (não estou criticando, cada um faz com os recursos que tem), e com ele na mesa de mixagem. Para mim, isso ficou estabelecido como critério de gravação independente, e não me agradava nada, pois eu queria tempo e liberdade.

Graças aos deuses, o René nos deu os dois, tivemos 60 horas para gravar as 3 músicas do EP (pode não ser o máximo, mas é melhor do que 12 horas para gravar um disco inteiro), e ele só foi no estúdio uma única vez e ficou menos de meia hora lá. O problema é que eu sabia muito bem o que queria fazer, mas não sabia COMO fazer.

Botamos o Verta na produção, mas nem ele nem o técnico sabiam ainda como midiar uma Linn Drum (que era do estúdio) num Poly 800 (que era do Verta). Era só ligar um cabo de um a outro, mas simplesmente niguém tinha essa informação, e por isso os baixos de "Blood and Shame" foram tocados manualmente em cima da bateria programada.

Nas outras faixas, "Caos" e "Adeptos", o Cesar tocou numa Simmons. Os vocais foram processados com pedais de guitarra mesmo. Pusemos uma regulagem mais discreta para a Denise, mas em "Blood and Shame" coloquei do jeito que eu queria, pois eu não me importava se nem percebessem que aquilo era voz.

O técnico, o Tonheco, não deve ter captado o espírito da coisa, mas ao menos não impunha barreiras como a maioria ("Eu sou técnico, sei como deve se fazer"). Ao contrário, quando regulei o flanger e o delay para minha voz, ele perguntou pelo mic da sala de controle: "vai gravar a voz desse jeito?", e quando eu disse que ia, ele começou a rir e disse "vamos nessa".

"Caos" tinha uma guitarra, como "Adeptos", mas tinha mais teclados, e eu sempre gostei de guitarra pesada e alta, e ela estava cobrindo a tecladeira. Fui abaixando, mas não adiantava muito. Como eu estava alucinado (cheguei perto de ter uma overdose durante a mixagem), zerei a guitarra e gritei "Foda-se!". Depois me arrependi, e por isso coloquei a versão demo como bônus track, porque, embora a qualidade sonora não fosse boa, conceitualmente não conseguimos superá-la, mesmo gravando num grande estúdio.

Já com o René, as coisas eram mais fáceis, ele estava, mesmo que, talvez, inconscientemente, totalmente sintonizado com nossa estética. Ele apareceu com a ideia da capa, quase se desculpando por que ela não teria o nome da banda. Eu acho capas sem nada escrito o máximo, mas achava que eu era o único louco que teria coragem de lançar um disco de estreia sem o nome da banda na capa, e aí aparece ele com a mesma ideia, e ainda com uma moldura em alto relevo em torno da foto, um adesivo com o nome da banda e encarte. Me senti como se estivesse na Factory, rsrsrsrsrs...

Mofo: - O segundo lançamento, Fairy Tales, já mostrava a banda bem mais evoluída que o primeiro trabalho. Por que Denise não estava mais? E o que mudou com a saída dela, especialmente em termos sonoros?
Johnny Hansen: - A Denise engravidou na época em que estávamos fazendo os shows de divulgação do EP, e pelas nossas contas, não teria como fazer os shows do LP, cujas gravações já estavam agendadas.

Então foi combinado que ela não gravaria o disco, para que pudéssemos reproduzi-lo ao vivo. Mas depois de uma briga homérica durante um show em Curitiba, ela saiu e depois quis voltar, mas mantivemos a porta fechada. O Verta foi convidado para produzir o EP por várias coisas:
1) Ela já trabalhava em gravadora, então achamos que ele teria mais cancha que a gente.
2) Ele tinha um Poly 800. Acho que era a única pessoa com um sintetizador que conhecíamos na época.
3) Ele estava antenado com nossas ideias. Ele já trabalhava de DJ em casas noturnas e tinha um belo acervo de discos (embora nem sempre os tocasse onde trabalhava).

Assim, a solução natural foi convida-lo para se integrar a banda ao invés de simplesmente produzir o LP. Na verdade, não esperávamos que ele fosse aceitar, mas ele aceitou na hora. As negociações com o René, como sempre, foram fáceis. Eu disse à banda que iria pedir 100 horas para ele, para ver se ele daria pelo menos 80, mas ele disse "100? Ok, podem marcar". Claro que não deu, e voltei lá e pedi mais 100 para ver se ele liberava mais 50 que fossem. De novo "Mais 100? Marquem lá".

Já com o disco pronto, ele veio até com uma ideia legal para a capa, mas em preto e branco, e dessa vez queríamos cores. O Verta foi fazer algo no Sesc Pompéia e estava rolando uma exposição do Araquém Alcantara, que embora fosse de Santos, não conhecíamos pessoalmente, e viu a foto que acabou sendo a capa e ficou alucinado.

Entramos em contato com ele, que pediu uma verdadeira fortuna pelo uso da foto. Falamos com ele de novo, que éramos uma banda sem recursos, e ele "imagina se vão ficar sem usar a foto por causa de dinheiro", e acho que ele baixou pela metade, mesmo assim era grana pra caralho. E sobrou para mim a missão de chegar para o René e dizer "olha, em vez daquela foto feita pela sua esposa (na época, a Célia Saito, que fez a capa do EP) e não vai te custar nada, queremos essa foto aqui, que vai custar essa montanha de grana".

Mas arriscamos e ele pagou. Valeu, afinal foi eleita 2ª melhor capa do ano na Bizz. O EP foi gravado no Transamérica, um puta estúdio, porque era Plano Cruzado e estava tudo barato. Um ano depois, a inflação voltou e teríamos que procurar algo mais condizente com a realidade. Escolhemos o Big Bang porque nos pareceu aconchegante e porque ele tinha um sampler Emax lá. Só que quando chegamos para gravar, ele tinha sido vendido. Chamamos o Marco Mattoli, o dono, e ele combinou que alugaria um sampler por alguns dias por conta dele, acabou sendo o D50 do Marcelo Golbetti (Premeditando o Breque), que acabou se tornando sócio no estúdio depois.

A evolução foi por conta de vários fatores: o estúdio já não era um bicho de sete cabeças para nós, e mesmo o Big Bang sendo mais simples, tivemos melhor aproveitamento porque tanto o Mattoli como o técnico Yves Zimmelmann, sabiam explorar o que tinham até os últimos recursos (o Golbetti também ajudou bastante nos dias em que esteve lá).

Nem tínhamos um sequencer decente, o Mattoli que sequenciava tudo no MC 500 dele. O Cesar e o Johnsson gravaram suas partes e picaram a mula, mas eu fiquei com o Verta até a ultima sessão de mixagem. Batemos uma vez ou outra de frente, mas o conflito de egos só viria mesmo durante o Vessels' Town.

Ainda estou bastante satisfeito com o resultado final do Fairy Tales, embora reconheça que a qualidade de áudio não é tão boa quanto eu pensava na época. Só o som da guitarra é que ficou uma merda mesmo, usamos equipamento top e gravamos de tudo quanto é jeito. Mas se na hora, eu tirava o timbre que queria, na fita o que vinha era outra coisa. E não tínhamos a quem perguntar, porque eu acho que não existe uma guitarra bem gravada aqui no Brasil, no mínimo, até o ano 2000.

Mofo: - Os discos tiveram boa divulgação, renderam muitos shows?
Johnny Hansen: - O feedback do EP foi razoável, algumas resenhas em jornais, até uma notinha na Manchete, na Bizz não foi resenhado, entrou apenas na seção Rápido e Rasteiro (mas foi a capa do disco que ilustrou a seção), mas o Tom Leão resenhou para a Somtres.

O problema para shows, que perdura até hoje, é que nunca tivemos uma pessoa para agendar shows para nós, e não somos os melhores vendedores do mundo. Mas um show digno de nota dessa época, foi no Crepúsculo de Cubatão, a casa do Ronald Biggs, no Rio. O Tom Leão estava lá na 1ª noite. Infelizmente, não conseguimos acertar o som direito, mas na segunda noite, o som saiu redondinho e o Fernando Naporano estava lá. E quem fez a mesa foi o Geraldo D'Arbilly, que tocou no Peso e depois na banda inglesa Blue Rondo A La Turk. Temos esse show gravado em vídeo.

Já o Fairy Tales teve uma recepção inicial bem mais calorosa com resenhas de destaque na Folha, capa do Caderno 2, destaque na Bizz, uma crítica muito criativa do Ayrton Mugnaini Jr, na Somtres. Pena que foi aí que descobrimos que sem jabá é impossível manter a chama acesa.

Já na época do Bi-Sex, a nossa demo rolava nas FMs de Santos, e sempre ficava em 2º lugar nas mais pedidas, e um dia um locutor me disse '"a de vocês é a mais pedida, mas o 1º lugar tem que ser do Tim Maia”.

Meses depois, o René nos procurou, dizendo que ia bancar a gravação de mais 4 faixas, que seriam incluídas como bônus na versão em cassete. Eu perguntei a ele se ele não queria investir um pouco mais e lançar o CD, porque na época, teria sido o primeiro CD independente lançado aqui, mas ele disse que o CD não iria durar e o futuro da música estava no cassete (estavam lançado o tal cassete digital na época, o DCC, além da fita ADAT). Ele estava mais ou menos certo, mas na época era impossível prever que o vinil voltaria com força, e o CD demorou muito para mostrar que não seria tão durável.

Mofo: - Fale da gravação de "Vessels' Town, pela Stilleto e do "Chemical Archives", pela Cri du Chat.
Johnny Hansen: - Ah, o Vessels' Town... O nosso disco por um selo maior, mas que mesmo assim se tornou o item mais raro, por causa da péssima distribuição.

O disco que o André Forastieri alegou ser nosso melhor trabalho, e eu só fui entender essa declaração quase 15 anos depois. O disco que saiu com problema de prensagem, a primeira tiragem (tem que ter havido duas, pq a primeira vinha com dois encartes, um envelope em papel fosco, e outro igual, mas em folha única e papel brilhoso; a segunda só vinha com um deles, já não me lembro mais qual).

Ele também foi lançado em cassete e só fui ficar sabendo disso anos depois. O Vessels' Town foi gravado apenas por mim e pelo Verta. O César já tinha saído pq a mistura de rock com eletrônico estava cada vez mais diluída (eu praticamente estava só cantando, e ele tinha cada vez menos e menos músicas onde não se usava a bateria eletrônica) e o Johnsson trabalhava em Cubatão, no esquema de turno, o que dificultava para shows, já que não havia como um cobrir um colega como normalmente se faz em horários fixos (por isso, o Marreco que tocou guitarra nas apresentações de lançamento do Taxidermy, chegou a substituir o Johnsson no baixo em vários shows, entre 87 e 88).

Fora isso, trabalhar em Cubatão traz grandes prejuízos à sua saúde, e foi isso o que aconteceu com ele naquela época, ele ficou doente, os médicos pareciam não descobrir o que ele tinha, e por isso, ele apareceu uma única vez no estúdio Mosh, onde o disco foi gravado, já na fase final de mixagem. Mas nós o creditamos assim mesmo, afinal a maioria das músicas era dele.

Se o Fairy Tales foi o meu disco (claro que todos colaboraram, mas todos entraram num barco para o qual eu já tinha apontado a direção), Vessels' Town foi o disco do Verta. A essa altura, ele já não era mais apenas alguém com um pouco de maior experiência do que nós; ele já estava com um equipamento bem melhor, tinha feito cursos de programação na Roland, já tinha um domínio bem melhor da linguagem. O problema é que gravando em dois, fica aquele equilíbrio de 50 x 50%, sem ninguém para desempatar. O Yves Zimmelmann, o mesmo técnico que gravou o Fairy Tales, estava trabalhando lá, o que foi ótimo, porque além de ser um bom técnico (exceto em gravação de guitarra, mas ninguém na época poderia ter feito melhor), ele já estava sintonizado com nosso conceito e com o nosso estilo de fazer as coisas (embora, pelo que eu me lembre, ele não se drogava durante as sessões).

Mas tudo rolou a contento, acho que o maior choque de frente foi em Stephanie Jensten: o Verta fez a programação da música, que começava com um sample de violão e terminava do mesmo jeito. Mas no estúdio, eu ouvi um sample de um teclado chamado PPG Wave, que me lembrou as coisas antigas do OMD, e nós o usamos no refrão e eu tive a ideia de todos os outros instrumentos irem sumindo até que só ficasse o som dele. Uma das diferenças entre eu e o Verta é justamente essa, ele esquematiza tudo antes, e procura seguir milimetricamente, enquanto eu me desvio do caminho, se achar que a nova rota pode ser mais interessante.

Curioso que nenhum de nós pensou em fazer os dois mixes e depois decidir qual ficou melhor, ficamos brigando pelo final como se tivéssemos uma só tacada, e acabou prevalecendo o meu, porque eu aleguei que a música era minha, rsrsrsrs.

O Verta fez a carranca dele e se deitou num sofá lá. No finalzinho da música, o teclado que estávamos usando não tinha polifonia suficiente para tudo que estávamos usando e quando entrou um dos últimos sons programados, o chimbal sumiu. Eu me viro pro Verta e pergunto o que fazer, e ele sem se mexer do sofá diz "se vira, a música é sua", ah ah ah ah ah ah.

Eu viro pro Yves e digo "deixa assim mesmo" (sempre fui menos preocupado com detalhes do que ele). Tempos depois, ele admitiu que a minha ideia tinha ficado melhor mesmo, e eu toda vez que o chimbal some, sinto aquela puta esvaziada na música, eh eh.

Infelizmente, fomos para a Stilletto, que foi um dos selos mais interessantes que já surgiram nesse país, no momento em que eles começaram a ir a deriva. O disco foi mal distribuído, teve o problema de prensagem que sempre fazia alguma música do lado 1 pular, e teve pouca divulgação. De cabeça, eu me lembro de uma resenha na Ilustrada, se não me engano do Marcos Sá Leitão, onde ele concluía "Santos não é Manchester, é melhor" (eu só não entendo porque, não lembro mais se foi o Sá Leitão, ou o Marcos Smirkoff, que fez uma resenha do Fairy Tales na Bizz, nos colocando no topo, e na Bolsa de Discos, um deles classificou o disco apenas como regular), uma crítica negativa na Bizz, do Arthur Couto (que foi o primeiro cara da grande imprensa a nos dar apoio em seu fanzine Gass, e fez o release de divulgação do Fairy Tales), que nos acusou de termos nos rendido a dance music.

Na época, fiquei meio envergonhado, porque achava que ele tinha uma certa razão, mas hoje vejo que ele não tinha entendido direito alguns conceitos do Verta da mesma forma que eu também não tinha entendido. Mas ouvindo hoje, em termos de qualidade de áudio, o Vessels' Town dá um banho no Fairy Tales, e embora haja umas duas ou três músicas onde eu faria algo diferente, acho que ele envelheceu melhor.

Fizemos uns poucos programas de rádio e um de TV (sem tocar, apenas sendo entrevistados) arrumados pelo divulgador da Stilletto, o César Cardoso (sobrinho do Wanderley), um rapaz bastante esforçado e de boa vontade. Ainda não tínhamos resolvido a questão das limitações técnicas para reproduzir as novas músicas ao vivo, e o César disse que assim que estivéssemos prontos para tocar, que ele agendaria mais TV para nós.

Mas uma tarde o Verta me liga dizendo que o César tinha se desligado da Stilletto, e estava esperando para saber quem seria o substituto para dar continuidade ao trabalho. Passados alguns meses, sem ninguém nos chamar para nada, eu ligo para o Verta e pergunto quem era o novo divulgador do selo, e ele responde que simplesmente não haviam contratado nenhum substituto. Foi quando eu percebi que a Stilletto estava com os dias contados.

Mofo: - Em 1996, vocês terminaram, antes de retornarem em 2005. O que você fez durante todo esse tempo?
Johnny Hansen: - Fizemos shows esparsos depois do lançamento do Vessels' Town, gravamos faixas para as coletâneas Minimal Synth Ethics (o volume 1 foi lançado em vinil, o 2 em CD), quer dizer, gravamos uma, "Hardware", para o volume 2. "Rottweilers's Fest", a instrumental que aparece no volume 1, havia sido gravada nas sessões do Vessels' Town, e tinha um vocal de uma amiga do Verta, mas embora ela cantasse bem, não conseguiu se encaixar no nosso esquema, e o Verta, numa atitude parecida com as minhas, resolveu lançá-la instrumental mesmo.

Nessa época, eu estava com meu projeto paralelo, o Bad Cock (embora o Verta e Johnsson tivessem os seus, respectivamente, Third World Fear e CPC, só eu levei a coisa mais adiante, fazendo shows), e pela falta de tempo dos outros, fazia mais shows com ele do que com o Harry.

Isso foi até 1994, quando o Enéas Neto, na época a frente da loja Muzik e do selo Cri Du Chat, manifestou interesse em relançar material nosso em CD, já que com exceção das faixas nas coletâneas (inclusive Zombies num cd que veio encartado na revista Audio News), a maior parte do material era inédita nesse formato.

Tivemos uma reunião com o René, detentor dos direitos dos fonogramas (ainda que as gravações master já estivessem em nosso poder) e compramos 5 ou 6 músicas, as da Stilletto já eram nossas, pq nunca houve contrato formal entre as partes, e gravamos 4 inéditas. Assim, nasceu a coletânea Chemical Archives, lançada entre o final de 94 e o início de 95 (um jeito elegante de dizer que não me lembro mais a data certa) e fizemos alguns shows para promovê-la.

Em 96, fomos até o sítio do César, em Serra Negra, para gravar um disco novo por nossa conta, pois, a essa altura, o Verta já tinha um notebook com um Cakewalk. Tínhamos um novo membro, o Marco Costa, um dos primeiros fãs da banda, e que calhou de mudar para Santos e de ter um W30 igual ao do Verta. Então, nos ocorreu a ideia de fazê-lo se juntar a nós, porque tendo o mesmo hardware, poderia também substituir o Verta nos shows, já que ele andava cada vez com menos tempo.

Fizemos shows alternados como trio e como quarteto nessa época. E o Marco também era baterista e, às vezes, o Johnsson ia para o baixo e retomávamos nossa raiz punk. Gravamos várias bases, mas nenhum vocal definitivo, apenas fizemos (eu e o Johnsson) algumas vozes guia. Mas o Verta acabou sendo transferido para o Rio, o Johnsson se mudou para o interior de SP e eu estava de mudança para Fortaleza, onde iria abrir uma loja de CDs. O projeto, ao qual nos referíamos como Black Hill Sessions (o Verta tinha uma sugestão de nome para o disco, esqueci qual era, mas lembro-me que a detestava, rsrs) acabou sendo abandonado. As faixas mais perto do final e com vocais guia mais razoáveis acabaram sendo incluídas como bônus no box Taxidermy.

Com essa separação geográfica, uma pausa era inevitável. O último show nesse período foi apenas comigo e com o Marco (e foi gravado em MD) e depois fui para Fortaleza. Como eu me achava o mais interessado em carregar a bandeira, arrumei um tecladista lá, o Paulo Eduardo, e chegamos a gravar uma faixa do New Order para um tributo, usando o nome Harry. Mas nos 9 anos em que lá fiquei, nos apresentamos apenas duas vezes, uma em Fortaleza mesmo, e outra no festival Electrone, em Recife. Eu voltaria de lá para o lançamento do Taxidermy, em 2005, apenas para o show de lançamento, mas acabei ficando por aqui de vez.

Mofo: - Fale então sobre o box, Taxidermy – Boxing Harry, um apanhado de toda a carreira da banda e músicas inéditas.
Johnny Hansen: - O Chemical Archives resolvia apenas parcialmente o nosso acervo em CD. Deixamos músicas fortes como "Lycanthropia" e "Soldiers" de fora, porque se, algum dia, o Fairy Tales fosse lançado em CD (uma possibilidade distante naquele tempo), ainda geraria algum interesse.

Um selo, do Sul, se não me engano, o RDS, lançou o catálogo da Wop-Bop em CDem 2000 ou 2001, incluindo o Fairy Tales, mas:

1) O som é péssimo, não sei o que usaram como fonte, já que as masters estavam com o Verta.
2) Como não assinamos nada na compra das músicas com o René, ele deve ter se esquecido disso, mas metade do Fairy Tales já era nosso, então nenhuma edição poderia ser lançada sem que fossemos consultados. Mas ninguém estava a fim de encrenca. O Verta ou o Cesar entraram em contato com o cara do selo (nunca soube o nome dele) e pediram apenas que ele nos mandasse uma caixa para nós, o que ele concordou, tendo até aparecido numa festa que o César organizou em Santos, e prometendo que mandaria os CDs naquela semana. E nunca mais ouvimos falar dele. Não deixa de ser um collector's item e até veio com as 4 faixas bônus do cassette, sendo que 3 delas não existem em CD nem mesmo no box ("Dive to Drown" porque ficou um horror, embora a música seja boa, "Fairy Tales", por ser muito longa e "Radio Dull", até hoje eu não sei o motivo).

Foi revoltante ter que entrar no Extra (por alguma razão, a coleção da Wop-Bop foi distribuída na rede em todo país, para um público que provavelmente nunca ouviu falar daquelas bandas), para ter que comprar um disco da minha própria banda.

Em 2004, antes do conceito do box, o Rodrigo Lariú (do selo Midsummer Madness) entrou em contato com o Verta, interessado em lançar o Fairy Tales e o Vessels' Town em cd, com faixas extras, mas separadamente. Eu, que ainda estava no Ceará, e o Verta passamos semanas no telefone discutindo sobre quais extras entrariam ou não. Começamos a pensar em shows. Nessa época, o Cesar tinha um trio, mais por diversão do que outra coisa, chamado Avalanche, que tocava covers e muito do nosso material.

O Avalanche era formado por ele, o Marreco (que já tocara baixo em shows conosco) na guitarra, e o Lee Luthier no baixo. Considerando que o Cesar era ex-membro, eles estavam afiados no nosso material, a distancia geográfica que nos separava, e o fato de que o Midsummer Madness era um selo mais voltado para guitar bands, resolvemos que usaríamos o Avalanche como banda de apoio nos shows.

Mas, ainda em 2004, o Alex Nakanda (ex Vanishing Point e ex Cybernetic Faces) gravou uns 4 ou 5 covers do Harry e postou no site da Fiber, mantido pelo Enéas Neto, e a principal referencia na música eletrônica por aqui. As músicas bateram o recorde de downloads do site, surpreendendo tanto o Enéas como a nós mesmos, que não achávamos que o Harry ainda gerasse algum interesse. Daí nasceu a ideia do box contendo os 2 álbuns e o EP. Conversamos com o Lariú que levou de boa, não descartando um disco de inéditas no futuro, e usamos as faixas gravadas em Serra Negra para entrarem como bônus tracks. Além disso, a Fiber promoveu um concurso de remixes, no qual os 2 vencedores teriam suas faixas incluídas no box.

Fizemos o show de lançamento em 2005, tocando junto com a banda belga The Neon Judgement, e mais alguns no circuito de SP. Ficou difícil shows em outros lugares, pois o fato da banda contar agora com 6 membros (ao vivo, para futuras gravações, seria mantida a formação do Fairy Tales) inviabilizava transportes e hospedagens. O último show foi no Centro Cultural Vergueiro no final de 2006. Além do que, os outros tinham pouco tempo para a banda devido a seus afazeres.

Eu, como estava desempregado depois que fechei a loja, ao menos tinha tempo para compôr material novo, e era frustrante não dar vazão a ele. Assim, em 2009, caí fora e montei o H.A.R.R.Y. and The Addict com o Ricardo Santos. Fizemos várias músicas novas e regravamos alguns clássicos do Harry antigo, que não foram lançados oficialmente, mas estão disponíveis na net. E fizemos nossa estreia abrindo para a clássica banda belga Vomito Negro, ao mesmo tempo em que estava sendo lançado o tributo Sky Is Grey, com outras bandas tocando nosso material.

Infelizmente, esse começo promissor foi esfriando, pela falta de espaço numa cena que só tem encolhido nos últimos anos, fizemos uma meia dúzia de shows em 2009 (a partir de nossa estreia em julho), 2 shows em 2010, 1 em 2011 e só, até agora. Eu me mudei para São Thomé das Letras, mas continuava indo regularmente a Santos, onde nunca deixei de ensaiar com o Avalanche. Daí surgiu a base do que seria o novo projeto.

Mofo: - Gostaria que fizesse um paralelo sobre a cena independente dos anos 80 com a atual. Converso com muitas pessoas e elas reclamam que o espaço hoje é bem mais reduzido, o interesse do público é bem menor e que muitos locais oferecidos possuem condições precárias. É isso mesmo?
Johnny Hansen: - Esta provavelmente será a resposta mais curta, pois a pergunta já explica tudo. Até uns 15 anos atrás, existia até um circuito nas lojas para a venda de demo tapes em cassetes. Bandas absolutamente desconhecidas encontravam um público ávido por material novo. Essa curiosidade desapareceu. Hoje só há espaço para bandas cover, o público só quer ouvir o que conhece, e a maioria não tem discernimento para decidir se gosta de algo ou não, e a mídia faz a festa impingindo porcarias.

Não é uma questão de gosto músical: pode conferir que os fãs de funk/pagode/axé não sabem escrever, não reconhecem uma ironia e aceitam qualquer ideia que lhes é impingida, por mais absurda que seja. Isso é ótimo para governos que querem se perpetuar no poder a troco de panis et circensis e bolsa isso ou bolsa aquilo, mas para quem trabalha com cultura, é um pesadelo. E, infelizmente, o fenômeno parece mundial, tanto que as grandes bandas e artistas tem preferido fazer turnês tocando seus álbuns clássicos na íntegra do que promover novos trabalhos.

Mofo: - Hansen, agradeço a entrevista Fale dos projetos futuros seus e da banda. E deixe um recado aos fãs..
Johnny Hansen: - De uns anos para cá, voltei a me interessar sério pela guitarra. Ligando os pontos, percebi que eu não tenho nada gravado com uma guitarra decente (quase o mesmo pode ser dito do Cesar, que só gravou bateria de verdade em duas faixas, o resto foi tudo com electronica), o interesse do público pelo material já estabelecido, o fato de que várias coisas que eu vinha tocando com o Avalanche soam melhor do que as versões originais e a questão de que não somos mais tão jovens, então se fosse preciso deixar ao menos um legado, essa seria a hora.

Resolvemos regravar o Fairy Tales apenas com guitarra, baixo e bateria. Na verdade, regravamos 7 das 10 faixas, porém acrescentamos 9 inéditas (uma boa parte composta naquela época, e umas poucas novas mesmo). Eu tinha visto o video da série Classic Albums relativo ao Never Mind The Bollocks, dos Sex Pistols, um disco que até hoje soa bem produzido (afinal, o produtor Chris Thomas, foi o mesista do Álbum Branco), e vi o engenheiro de som Bill Price mostrando a parede de guitarras que o Steve Jones (um dos unsung heroes do instrumento) construía gravando várias vezes as bases uma por cima da outra.

E finalmente, creio que consegui diminuir a distância entre conceito e resultado final. O Johnsson acabou ouvindo os bounces (uma amostra não mixada e não timbrada, feita geralmente logo após a gravação para referência) e se interessou pelo projeto com ele já em andamento, e veio para Santos e gravou teclados (sem nada programado, tudo tocado a mão) nas faixas, que ainda serão mixadas.

A questão é decidir o que fazer com elas. CDs perderam todo o atrativo. Gostariamos de lançar em vinil, mas sai muito caro, e teria que haver algum selo interessado. Talvez montemos uma capa e botemos para baixar gratuitamente na net mesmo. E fora dos Sesc da vida, não há muito espaço para shows (cansamos dos buracos alternativos, sem equipamento, sem pagamento e ainda nos tratando como eles estivessem fazendo um favor em nos deixar tocar em seus porões), mas na hora não pensamos, fomos lá e fizemos. Ainda não sabemos também com que nome lançaremos esse trabalho.

O H.A.R.R.Y. and The Addict ainda existe, e também está com gravações novas em fase de mixagem.

Pensei em usar The Yardrats de novo, afinal é um trabalho que remete a nossas origens, mas um anime japonês está usando um nome parecido e isso iria ferrar com a busca no Google (para a qual, o nome Harry já é um problema).

Deveremos manter o nome Harry (and the Addicts) mesmo, ficarei com 2 projetos de nome parecido, mas não posso resolver todos os problemas do mundo.

Encerrando, gostaria de agradecer a você e ao seu blog pela chance de uma entrevista tão detalhada, e reconheço que fazer um trabalho assim por aqui, exige uma dose de insensatez tão grande quanto a necessária a mim para continuar fazendo música nesse lugar após tantos anos de obscuridade. Mas vamo que vamo...



Para quem quiser conhecer a música do Harry, basta acessar esses endereços:

http://soundcloud.com/hansenharryebm

http://soundcloud.com/h-a-r-r-y-and-the-addict

http://www.reverbnation.com/johnnyhansenhansenharryebm

http://hansenharryebm.tnb.art.br/

http://harryandtheaddict.tnb.art.br/

http://www.myspace.com/harryandtheaddict

http://www.harrynet.com.br

Discografia

Caos EP (1987)
Fairy Tales (1988)
Vessels' Town (1990)
Chemical Archives (1994)
Taxidermy - Boxing Harry (2005)

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Diablo Motor - Não quero te entender (demo)
O Garfo - Hard Clichê
The Launderettes - Turn around
Dinosaur jr. - Watch the corners
The Jon Spencer Blues Explosion - Vary rare

Dois Sapos e meio - Jardins da imaginação

Gangrena Gasosa - Artimanhas do catiço

Big Black - The power of independent trucking
Melt Banana - A dreamer who is too week to face up to
Nine Inch Nails - Hapiness in slavery
Bad Cock - Elected but not mine (Ao vivo)

Misfits - Where do they go
Ramones - I wanna be sedated
Muzzarelas - 2000 beers after
Zumbis do Espaço - Vampira 2005
Rotten Horror - I Am a ghost
Drakula - A cidade em pé de guerra

The Sisters of Mercy - Gimme Shelter
Yeah Yeah Yeahs - Diamond sea (live acoustic)
Siouxsie & The Banshees - Hall of mirrors
Melvins - My generation

Spiritualized - I gotta fire
The Raveonettes - Aly, walk with me

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