segunda-feira, 27 de maio de 2013

35 Anos de Baratos Afins

O rock underground brasileiro tem vários heróis. Na hora de reconhecer os méritos, porém, muitos lembram apenas dos músicos. Na verdade em qualquer lugar ou época, pra uma cena acontecer, é necessário muito mais do que boas bandas. Produtores de eventos, zineiros, jornalistas, programas de rádio, selos/gravadoras, entre outros, também são de extrema importância para o surgimento e manutenção da música que não é ouvida diariamente nas novelas da Globo. Um desses heróis é sem sombra de dúvidas o Luiz Calanca, fundador e proprietário da Baratos Afins.

A Baratos está completando 35 anos de atividade. Tudo começou em 24 de maio de 1978, numa pequena sala do segundo andar de uma galeria em São Paulo que mais tarde ficou conhecida como “Galeria do Rock”. No início era apenas uma loja, mas após 3 anos a Baratos passou a atuar também como gravadora, lançando grandes nomes do underground brasileiro. O primeiro foi o álbum “Singin Alone” do ex-Mutante Arnaldo Baptista. O último foi "Cuidado Garota", dAs Radioativas. Outro projeto importante foram os dois volumes da coletânea “S.P. Metal”, um dos primeiros lançamentos do Heavy metal nacional nos anos de 84 e 85. Só o Stress, do Pará, gravou antes.

Hoje a Baratos já contabiliza em seu catálogo 176 lançamentos, sendo 104 álbuns no formato de vinil e 72 CDs. Grandes bandas passaram pela gravadora, como os Mutantes - toda a discografia do legendário grupo paulistano foi relançada nos anos 80 sob encomenda do selo do Calanca - Ratos de Porão, Golpe de Estado, Harppia, Centurias, Sálario Mínimo, Fellini, Patrulha do Espaço - uma lista grande que não se restringe apenas ao rock. Fica aqui meu respeito e admiração pelo Calanca, um dos grandes heróis do submundo musical brasileiro. Um dos caras que foi, indiretamente, responsável pela minha formação musical - morava em Itabaiana, interior de Sergipe, nos anos 1980, e comprava via correio, na Wop Bop - outra loja pioneira e de saudosa memória - discos independentes. Dentre eles, alguns da Baratos Afins, como o primeiro da Chave do Sol, Akira S e As Garotas que erraram e "Descanse em paz" do Ratos de Porão.

Para conhecer o catálogo completo da gravadora e demais infos acesse o site oficial.

Abaixo, uma matéria publicada no site mofo sobre a produção do segundo disco solo de Arnaldo Baptista - o primeiro lançamento oficial do selo Baratos Afins. O texto é de Rubens Leme da Costa.

Por onde andaria Arnaldo Baptista na década de 80? O que estaria fazendo ou como estava vivendo o eterno Mutante que começou uma carreira-solo em 1974, com Lóki? e nunca mais foi visto? Reapareceu em 1982, com um segundo disco, intitulado Singin' Alone e editado pela independente Baratos Afins. As vidas e viagens de Arnaldo haviam sido guardadas por oito longos anos.

Em 1982, Arnaldo saía de um período negro. Após uma passagem confusa pela Patrulha do Espaço, se viu internado no Hospital do Servidor Público de São Paulo, após vários problemas emocionais e profissionais ocasionado por substâncias pesadas, entre elas o LSD. Acabou caindo do terceiro andar do local, em um incidente nebuloso. Alguns relatos dão conta de que o ocorrido fora um acidente, após uma briga com enfermeiros, que tentavam acalmá-lo em um momento de fúria.

O fato é que passou três meses em coma na UTI e aos poucos foi se recuperando. Ainda estava muito debilitado, com alguns problemas físicos decorrentes do longo tempo em coma, mas desejava voltar a tocar e se apresentar. Nesse período recebia visitas de Luiz Calanca, que havia acabado de montar o selo Baratos Afins e queria lançar um novo álbum do ex-Mutante. Calanca já o havia ajudado meses antes, na produção do show Shining Alone. "Ele pretendia fazer uma série de apresentações sozinho e lançar o disco. Fez o show no Tuca e cuidei da divulgação, vendi bilhete antecipado, recolhi os bilhetes na porta, e gravei o show, que eram as músicas do disco. Eu não tinha nenhuma experiência na área, na parte de gravação o Arnaldo fez tudo sozinho."

Gravá-lo, porém, não era simples. Desde os tempos dos Mutantes insistia em algumas idéias de maneira obsessiva, como o uso de amplificadores valvulados, a paixão pela guitarra Gibson Les Paul e pelo baixo Gibson SG. Assim, ele entra nos estúdios Abertura para gravar e tocar todos os instrumentos do disco, seguindo o modelo de Paul McCartney em seus dois primeiros discos-solos. Arnaldo teria apenas a companhia da parceira Suzana Braga nos backing vocals em "The Cowboy" e "Corta Jaca".

Segundo Luiz Calanca, as gravações para o disco aconteceram antes do "acidente", ou seja foram realizadas nos últimos meses de 1981: "Eu não tenho detalhes da gravação e o próprio Arnaldo não se lembra, mas o Helder Marques (engenheiro de som), disse que ficaram só os dois no estúdio e rolou tudo tranquilamente. Inclusive, muitas coisas foram feitas em um único take."

O dono da Baratos Afins conta que foi procurado por Suzana enquanto Arnaldo ainda estava em coma para lançar o disco. "Após o acidente do Arnaldo, na virada de 1981 para 1982, ela veio me procurar com o tape das gravações, que estava guardado, já no fim de janeiro de 1982. Arnaldo nem participou do contrato entre a Baratos e a Suzana, pois estava em coma no hospital."

Calanca prossegue: "A Suzana me mandou as letras, escritas à mão, e mandei fazer a composição. O digitador deixou com um monte de erros e numa segunda edição optamos por deixar sem o encarte. Na parte do áudio, levei o material em fita de 1/4 de polegada e pedia o tempo todo para o engenheiro de som da RCA-Victor para colocar mais grave; eu sempre queria mais peso e o disco ficou todo abafado. O CD que foi feito anos depois (a partir dos másteres originais) deixou o som mais próximo do real. Além disso, submeti as musicas ao depto de censura, fiz o corte do acetato, prensei os discos. Me lembro que levei algumas cópias para ele, que estava saindo da coma e chegou a me assinar uma cópia, e escreveu no disco, 'eu tenho vivido muito sozinho ultimamente'". Para ele, lançar um disco do de Arnaldo Baptista era um motivo de orgulho: "O Singin' Alone foi o primeiro disco do selo."

Assim foi  editado o segundo LP de Arnaldo. Um disco cheio de letras em inglês (sete, no total) e com temáticas mais utópicas. Era um músico diferente, cantando de uma maneira mais grave, compondo canções mais experimentais do que no disco anterior e misturando experiências pessoais com delírios e sonhos. Lentamente ele tentava se reconstruir emocionalmente, voltando aos palcos com o show “Abrindo para porta de uma nova vida”, no Tuca, teatro que tinha visto alguns shows solos e com o Patrulha, nos anos 70.

Singin' Alone é a visão de um homem sofrido, que tenta entender o mundo de uma maneira totalmente particular. Ele abre a obra com a triste "I Feel In Love One Day", que fala de seus tempos de Mutantes, quando tinha uma casa, uma banda, uma esposa, Rita, a quem chama de uma "mulher fria, com olhos de serpente".

"O Sol" é uma canção mais declamada do que cantada, com uma letra quase indecifrável. "Bomba H Sobre São Paulo" descreve uma possível bomba caindo sobre a capital paulista. "Hoje de Manhã Eu Acordei" traz Arnaldo questionando a vida moderna e suas dúvidas. A emocionante "Jesus, Come Back To Earth", traz Arnaldo ao piano falando de um Deus maior, absoluto e pede que ele traga o rock'n' roll e o sorriso do mundo." Arnaldo era fascinado pela tecnologia, idéia abordada em "Ciborg" e "Coming Through The Waves of Science". O disco fecha com o blues "Train", onde Arnaldo declama que se sente solitário, que quer voltar, mas não sabe mais onde é sua casa. Musicalmente, Singin' Alone exige bem mais do que Lóki? por ser um álbum mais complexo feito por um homem mais complexo. Por isso mesmo o álbum necessita de uma audição mais paciente.

Em 1987, Arnaldo lançaria o LP “Disco Voador”, também pela Baratos Afins. Segundo Calanca, "quando gravamos o Disco Voador, ele tinha me mandado um K7 gravado em órgão de churrascaria com acompanhamento de baterias e arpejos eletrônicos e estava cantando de forma triste, isso bem depois do acidente. Marcamos algumas horas estúdio Vice Versa e o piano de calda foi até afinado esperando por ele, que se recusou a regravar. Ele sabia exatamente o que queria em níveis de freqüência e tipos de efeitos; o Arnaldo conhece muito bem toda linguagem de estúdio, mas, infelizmente trabalhamos juntos muito pouco tempo. O Disco Voador tem mais valor terapêutico que artístico para ele."

Em 1996, Arnaldo assinou um contrato com a Virgin, que lançou o disco em CD, contendo uma gravação inédita de "Balada do Louco" especialmente para o disco, com produção de Guto Graça Mello. A gravação trazia Márcio Lomiranda, nos teclados, o guitarrista Wander Taffo, o baixista Fernando Nunes e o baterista Cezinha. É a primeira versão de Arnaldo em português da canção, já que foi registrada com a voz de Sergio nos tempos dos Mutantes.

O CD acabou sendo remasterizado por Pena Schmidt, mas infelizmente, se encontra fora de catálogo.

Discografia:

Solo:

Loki? (1974)
Singin' Alone (1981)
Disco Voador (1987)
Let It Bed (2004)

como Arnaldo & Patrulha do Espaço:

Elo Perdido (1977)
"Faremos uma noitada excelente..." (1978)

“Set” de “Singin´ Alone”:

Lado A

01. I Feel In Love One Day
02. O Sol
03. Bomba H Sobre São Paulo
04. Hoje de Manhã Eu Acordei
05. Jesus, Come Back To Earth
06. The Cowboy

Lado B

01. Sitting On The Road Side
02. Ciborg
03. Corta Jaca
04. Coming Through The Waves of Silence
05. Young Blood
06. Train
 

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