sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Esse Blues Triste ...

Robert Johnson transbordava da janela. Culpa de um velho amargo, abandonado por filhos e netos naquela noite quente de Pré Caju. Reconheci um amigo. Eu e o vira latas que me arrastava pela avenida deserta. Sem copo de conhaque para jogar do sétimo andar, restava a tristeza recolhida na calçada – farrapos coloridos na sarjeta da cidade sitiada.

Um blues triste, depois de tanto barulho por nada. Cortesia do Capitão Cook e da Máquina Blues. O lançamento do EP virtual não poderia ser mais oportuno. Fabiano já tirou o sorriso do caminho (os camarotes que colocam o rabo dos ciclistas na reta, no entanto, continuam empatando o lirismo dos pedais). “Eu quero passar com a minha dor”.
 

ESSE BLUES TRISTE

Faz tempo que a Máquina promete um disco novo. Com “Esse blues triste”, Sílvio Campos e Melcíades Filho (aka Little Mel) amortizam os juros da dívida. Duas faixas e uma saudade pungente. É preciso muito colhão para uma balada desesperada assim.

Não dá pra redigir um manifesto com apenas duas faixas – além da balada que abre o disco, já mencionada, há também uma homenagem cheia de swing a Celso Blues Boy, maior referência dos caras. Concebidos em conjunto (Paulo Groove e Junior Rikeza completam o quarteto), os arranjos do registro antecipam, contudo, certa sofisticação.


Os desavisados podem estranhar. Eu, mesmo, prefiro a pegada das apresentações, sem a firula dos overdubs. Mas ninguém pode reclamar de sentimento. A Máquina tem feeling pra dar e vender.

Máquina Blues lança ‘Esse blues triste’ no Capitão Cook amanhã, sábado, 22 de fevereiro, às 22 horas.


por Rian Santos

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sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Delirando e Babando ...

Durante a turnê de 1974 o Pink Floyd tocou três novas canções na primeira parte dos shows, seguidas pela execução na íntegra de “The Dark Side of the moon”. As músicas eram "You've Got to Be Crazy" (que mais tarde se tornaria “Dogs”), "Shine On You Crazy Diamond" e "Raving and Drooling”, que posteriormente seria rebatizada como “Sheep”. A letra da música, naquele momento, era bastante diferente da de “sheep” – que foi readaptada, junto com “Dogs”/”You´ve got to be crazy”, para que se encaixasse no álbum conceitual que eles lançariam em 1977, “Animals”.

Em Novembro de 2011 versões das duas faixas gravadas ao vivo em Wembley em 1974 foram lançadas oficialmente como parte das edições “Experience” e “Immersion” de “Wish you were here”, o disco que sucedeu “Dark Side” e para o qual elas foram originalmente compostas.  

"Raving and Drooling” será executada amanhã na edição # 303 do programa de rock.

Abaixo, a letra da música:

Raving and drooling I fell on his neck with a scream
He had a whole lotta terminal shock in his eyes
That's what you get for pretending the rest are not real

Babbling and snapping at far away flies
He will zig zag his way back through memories of boredom and pain

How does it feel to be empty and angry and spaced
Split up the middle between the illusion of safety in numbers
and the fist in your face




sábado, 4 de janeiro de 2014

TRUE TO YOU

Sabendo que você é um vegetariano convicto, gostaria de saber o que te motivou a parar de comer carne?
MATTHEW, Preston.
Se você tiver acesso ao You Tube, deveria assistir um vídeo que se chama The video the meat industry doesn’t want you to see. Se ele não te afetar é porque você é uma pedra. Não vejo nenhuma diferença entre comer animais e pedofilia. Ambos são estupro, violência e assassinato. Se eu for apresentado à uma pessoa que come animais, vou embora na hora. Imagine, por exemplo, se você estivesse numa festa, alguém chegasse em você e dissesse: “Olá, eu gosto de derramamento de sangue, gargantas estripadas e da destruição da vida”. Duvido que você daria seu número de telefone à essa pessoa. 

Quem inspirou você a cantar?
KARICACSARY, Fontana.
Bobby Hatfield. Ele era o mais baixo da dupla Righteous Brothers e sua voz tinha uma pegada que me fazia pular para trás do sofá. Você deveria ouvir no You Tube a versão original de You’ve lost that lovin’ feelin’ e aí vai entender o que estou falando. Quando eu gravei Ringleader of the Tormentors, o produtor (Tony Visconti), que é um amigo muito próximo de David Bowie, tentou reunir nós dois para uma versão de You’ve lost that lovin’ feelin’, com Bowie fazendo a voz de fundo que Bill Medley faz e eu fazendo os agudos de Bobby Hatfield. Eu adorei a ideia, mas David não quis. Eu sei que critiquei ele no passado, mas tudo não passou de uma brincadeira de moleque da minha parte. Acho que ele sabe disso. 

Eu conheço muitos jovens, incluindo eu, com dificuldades de se aceitarem. A sua música me ajudou profundamente nesse aspecto. Qual seria o seu conselho para que os jovens se aceitem como são?
RÓISÍN, Dunfermline.
Eu não acho que fazemos isso! Acho que todos nós morremos nos sentindo culpados e envergonhados. Sou tão confuso agora quanto eu tinha dezesseis. Existem muitas forças nos dizendo que não somos bons o suficiente – críticos de música, gerentes de banco, polícia, judiciário, ex-esposas… você tem nervos para dizer à todas elas que está cheio disso? Essa é a única coisa que isso causa. A combinação sociológica do mundo ocidental depende exclusivamente das pessoas NÃO serem elas mesmas. Caso contrário, elas não poderiam ser governadas, assustadas, perdidas e tímidas – como a maioria das pessoas infelizmente são. Você não pode controlar as pessoas dizendo à elas para serem elas mesmas. Quando as pessoas decidem serem elas mesmas, a polícia apela às armas de choque e os governos aos tanques… Egito, Bahrein, Tailândia, Brasil, Ucrânia, Síria… a última coisa que eles não nos encorajam a fazer é ser nós mesmos. Por isso que é sempre chocante quando alguém se levanta e dá uma opinião honesta. Em todos os casos, as pessoas são criticadas pela imprensa e nunca aplaudidas. 

Eu amo sua voz e o seu senso de humor. Poderia nos dizer qual foi a sua inspiração para a música The more you ignore me, the closer I get?
LATICIA, Houston.
Cerca de uma vez a cada nove anos, tenho a impressão de que é mais importante ter o corpo de alguém do que a sua amizade. Uma vez que você já tem o seu espírito, você passa a querer o corpo. Isso nunca funcionou comigo, mas essa foi a inspiração quando escrevi essa música. 

Após sua turnê na Ásia, vendo a enorme quantidade de fãs, você voltaria de novo?
PITO, Jakarta.
Eu implorei tanto para voltarmos que isso agora até dói. Eu nunca estive mais feliz do que em Jacarta. As pessoas sempre dizem sobre Los Angeles como a minha verdadeira família, mas Jacarta deixou Los Angeles em transe. Considerando o quanto eu amo Los Angeles, com certeza isso não é qualquer coisa. Foi incrível receber uma nova dose de vida e nunca irei esquecer o público. Mas para voltar, você precisa esperar que eu seja convidado e até agora ninguém me convidou. Tudo que eu posso fazer é pedir para que outros cantores e outras bandas vão à Jacarta, pois é o coração do novo mundo. 

Tive muita sorte de ver você em Istambul em julho de 2012. Foi uma noite maravilhosa, muito intensa, como um sonho virando realidade. Como foi estar em Istambul e o que você achou do público e do show?
MELIS, Istanbul.
Estamos prestes a gravar um novo disco e uma das músicas se chama Istambul. É uma segunda Roma como minha cidade preferida em todo o mundo. Quando estou em Istambul, sinto como se não pudesse morrer mais. Minha vida é correspondida. Estou tentando reservar o Opera House de Istambul e espero tocar em Ankara, Izmir e Bursa, mas os promotores locais dizem que eu não sou muito conhecido por lá. Mesmo se eu cantar para cem pessoas em Izmir, eu ficaria muito feliz! 

Eu lhe agradeço de todo o coração por ter mudado a minha vida. Como você se sente sabendo que mudou a vida de muita gente?
ORESTES, Greece.
Eu acho que você expressa os seus melhores momentos na arte. Não em relacionamentos, romances, sexo ou na economia. Mas quando você faz isso na arte, trata-se do destino tomando a frente. Pelo menos quando você tem um público você pode dizer que viveu. O público é a maior prova disso. É algo que até mesmo o crítico mais invejoso não pode tirar de você. Eles tentarão, claro. 

Você imaginou que suas letras teriam tanto impacto em tantas culturas diferentes pelo mundo?
ERIC, Syracuse.
Não! Mas tendo excursionado tão extensivamente nos últimos anos, fiquei chocado com o tamanho do público em todos os lugares cantando as letras junto comigo – de Hiroshima a Wellington, Singapura a Seul, Malmö, Cracóvia, Tel Aviv. Eu não acreditava ser uma voz universal quando vi tudo isso a minha volta. Se uma gravadora me promovesse a nível mundial isso seria um estouro. Nuca estive num selo que me visse como nada além de uma pessoa excêntrica. Não sou tão excêntrico assim. 

Sou estilista e adoro seu visual tanto quanto a sua música. De onde vem as suas influências?
KATIE, Cork.
Quando eu era um garoto – sim, um garoto! – eu era muito fascinado por pessoas como New York Dolls, Lou Reed, Patti Smith e Iggy Pop, que deram uma nova definição para a sexualidade. Mas a verdade é que eu sempre gostei de roupas masculinas e estilos muito bem definidos. Provavelmente você nunca ouviu falar em Fabian porque ele é praticamente pré-histórico hoje em dia, mas eu adorava o jeito que ele se vestia durante o seu auge. Sempre gostei de ternos masculinos tradicionais e calças com design clássico. Eu não gosto do visual urbano moderno e tenho mais preferência por roupas que não trabalham com contornos físicos. É importante saber vestir o que você gosta senão você fica parecendo um bobo da corte… ou um João Bobo… você escolhe. 

Que tipo de música você ouve quando não está escutando a sua própria?
ØYSTEIN, Norway.
Eu nunca, nunca, nunca, nunca, nunca, nunca paro de ouvir música. Eu ouço tanto que chega a me preocupar. Eu deito no banho e me desligo. O tipo de música é variado, mas ultimamente tenho ouvido I really loved Harold e também Johnny Boy, de Melanie Safka. A música pode trazer vida aos vegetais e disso eu sei, afinal eu sou um vegetal. 

A recente lei que proíbe o uso de animais em testes para cosméticos nos EUA foi um enorme avanço para o bem-estar dos animais. Que outras leis você gostaria que fossem aprovadas em favor dos animais?
AMBER, Derby.
Gostaria que todos os governos fossem forçados a aprovar leis de proteção aos animais, como banir zoológicos e circos. Gostaria que comercais de TV que promovem alimentos de carne fossem seguidos de um comercial que mostrasse passo a passo como porcos e vacas se transformam em commodity nos supermercados. Gostaria que perguntassem para a rainha da Inglaterra por que ela usa um filhote de urso eletrocutado na cabeça. Gostaria de perguntar para todos os chefs que são celebridades por que eles acham que animais não têm o direito de viver. Se Jamie “Orrível” está tão convencido de que a carne é saborosa, por que ele não frita a carne dos filhos dele em um microondas? Teria o mesmo gosto que um cordeiro. A cantora Cilla Black apareceu recentemente na TV nos dizendo como ela prepara pernil de cordeiro para o jantar e, uma vez que um cordeiro é um filhote, eu perguntaria que tipo de mentalidade Cilla Black tem para convencer a si mesmo de que comer um bebê é OK. Em um outro programa de TV, um ator chamado Jeremy Edwards explicava como ele estava impressionado em descobrir que na Sibéria há mamutes com DNA preservado o suficiente para ressuscitá-los – obviamente extintos há milhares de anos. Edwards estava entusiasmado por isso e disse: “Gostaria de provar um hambúrguer de mamute”. Isso é, infelizmente, típico de um ser-humano idiota. Embora a indústria da carne sozinha esteja destruindo o planeta, gostaria de perguntar ao presidente Obama por que ele não diz nada sobre isso. Embora a indústria da carne exerça uma pressão absurda sobre a profissão médica, gostaria de perguntar aos líderes mundiais por que eles não dizem nada sobre esse assunto. Embora os alimentos de carne estejam matando metade da raça humana rapidamente, gostaria de perguntar à estes líderes por que eles não se importam minimamente. Dinheiro, apenas dinheiro faz o mundo girar. Gostaria de perguntar também aos que comem carne por que elas estão tão certas de que os animais merecem um tratamento tão bárbaro e horripilante. Gostaria de perguntar por que elas acham que animais não devem ter nenhum direito à vida ao mesmo tempo em que exigem ferozmente o direito divino de viver como quiserem só por terem nascido. 

Você é uma das poucas pessoas em nosso tempo que realmente influencia o que eu penso sobre a vida e sobre a arte. Você já pensou em escrever um romance?
HANNA, Germany.
Em 2013 eu publiquei minha autobiografia e ela tem sido um sucesso maior do que qualquer disco que eu já lancei, então sim, estou a meio caminho de um romance. Tenho esperanças. O fato é que as rádios não tocam as minhas músicas e a maioria das pessoas perderam sua fé na indústria da música, além de que é amplamente sabido – e com razão – que o número 1 das paradas são compradas pelas grandes gravadoras. Não há mais paixão no rock ou no pop e não acho que as pessoas areditam nem por um instante que os rostos que nós vemos constantemente na televisão e nas revistas sejam remotamente populares. Tudo é uma questão de marketing. Todos os hits de hoje são parcos e monótonos. Você nunca será pego de surpresa por uma música que esteja fora desse padrão. Esta não é só a minha opinião, mas é a opinião de todo mundo que eu conheço. 

Se você fosse escolher a melhor música que você já escreveu, qual seria e por que?
JULIA, Philippines.
Eu escolheria Life is a Pigsty, do Ringleader of the Tormentors. Sempre sou acusado por falar demais, mas já temos pessoas suficientes que não dizem nada. Pelo menos um de nós tem permissão para falar livremente alguma coisa? Sentimentos, para mim, são muito mais profundos do que expressões, e todos carregamos uma terrível solidão dentro de nós. A vida é um chiqueiro porque todos nós – sem excessão – morremos em lágrimas. Pouquíssimas pessoas morrem de um ataque de alegria numa roda gigante. 

Qual é a realização que você mais se orgulha na vida?
PADDY, Stockport.
Muitas pessoas me dizem que pararam de comer carne por causa de algo que eu disse (o tradutor foi uma delas :P ). Não posso pedir mais do que isso e não me atreveria a pedir mais do que isso. Se você apoia matadouros, você deveria apoiar Auschwitz. Não tem nenhuma diferença. Pessoas que discordam com essa declaração deveriam estar dentro de um matadouro. 

Que pergunta você gostaria que um entrevistador lhe fizesse e qual seria sua resposta?
ASH, York.
Eu não faço uma entrevista para uma revista britânica desde 2007, de modo que esse assunto não me perturba mais. Como entidade, o Smiths não me interessa mais. Contanto que não me façam mais perguntas sobre reunião dos Smiths, eu não entrarei em coma profundo.



Tradução de Raphael Simoni, São Paulo, 03/01/2014

TTY / replies : January 2014 

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quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

ANGOLA DEATH METAL

O Xido conheceu o casal completamente sem querer quando ele estava filmando um documentário sobre trabalhadores chineses de ferrovias. Em um café, um cara com dreads curtos e uma camisa Oxford azul o abordou. Eles conversaram. E antes que Xido pudesse  perceber, estava sendo levado para um show de death metal de um homem só, abastecido por um gerador e iluminada pelos faróis de um caminhão. Assim, ele achou seu próximo projeto. Eu falei com ele no intervalo entre a mostra de documentários de Copenhagen, CPH:DOX, e partida dele para Angola, para a première do filme.

Noisey: Oi Jeremy. A cidade de Huambo parece destruída no seu filme. Em relação aos prédios, tem ainda alguma coisa que vela a pena ser salva?
Jeremy: Grande parte dos projetos de reconstrução estão acontecendo em Luanda, onde estão transformando-a em alguma coisa parecida com Miami Beach. Huambo foi a cidade que mais sofreu, mas não teve o mesmo investimento. Agora mesmo, muitos prédios portugueses estão começando a ser reconstruídos. Mas foi uma merda. É uma pena, porque costumava ser absolutamente lindo.

Ainda existem descendentes de ex-colonialistas brancos em Angola?
Com certeza. Existem muitos angolanos brancos. Também há um monte de portugueses agora. Inclusive, o país desde 2008 tem sido um centro para imigração interna: se você quer ir embora e fazer uma grana em Portugal, o sonho é ir para Angola e trabalhar em uma mineradora ou construtora. Aliás, o que me fez me interessar foi porque eu fui comissionado para criar uma peça para um grande teatro em Lisboa e eu conheci uma angolana lá. Perguntei inocentemente se ela iria ficar por Portugal ou preferiria ir para outro lugar da Europa depois de terminar seus estudos e ela me olhou como se eu fosse insano e disse: “A Europa está morta. O futuro é Angola.” Existe muita riqueza em potencial por lá.

Como é o relacionamento deles com a internet? Imagino que isso pavimentou o caminho para a existência da cena de death metal.
A internet definitivamente tornou possível a cena. Isso permitiu que eles aprendessem que existem outras pessoas no mundo, em outras cidades, que estão pensando da mesma forma que eles. Um dos maiores efeitos da guerra foi a fragmentação da comunicação dentro do país. Antes da guerra você podia dirigir uma tarde inteira de Benguela para Luanda, mas no final da guerra isso normalmente levava dois dias. No interior do país os fios foram destruídos. Na costa, os fios de fibra ótica no oceano ainda estão lá para fornecer internet. Não dá para colocar cabos no interior do país porque ele está recheado de minas terrestres. Você pode explodir. E também em áreas muito pobres, as pessoas começariam a cavar para tirar os cabos, pensando que existem cobre neles para vender.

Então qual foi a solução?
A única coisa que funcionou foi quando tinha a internet por satélite –todo mundo comprou uma antena móvel para conectar no computador. E isso fez toda a diferença. É um país onde até hoje em dia é muito complicado mandar uma carta para alguém, porque os endereços não existem mais. Mas todo mundo tem um endereço de e-mail. Todo mundo está no Facebook. É assim que se acha alguém lá. Isso permite que todo mundo organize shows e criem uma comunidade. É absolutamente importante para a cena de rock extremo.

Seria um bom ponto mencionar o risco geral do filme Death Metal in Angola se parecer um pouco com o Heavy Metal in Baghdad?
Sim, mas apenas no marketing existe esse problema em potencial: música inesperada em um lugar inesperado. Super exótico. Mas eu estava apenas interessado em contar a história desses caras. E por isso eu senti que essa música poderia aguentar as histórias que eles tinham para contar sobre a vida e as coisas que viram. Em um contexto nórdico, todas as letras são fantasmagóricas. Fantasiosas, na verdade. Mas para esses caras, por causa das coisas que passaram, aliviar os extremos da dor que entram no metal extremo em um contexto angolano é quase jornalístico. É quase uma reportagem.

E é claro que as melhores coisas nem giram em torno necessariamente do metal. É só uma visão de pessoas tentando reconstruir qualquer tipo de cultura em um lugar onde a própria cultura foi erradicada.
O que realmente mudou tudo para mim foi conhecer a Sonia que é dona do orfanato. Perceber que é ótimo pegar fragmentos de história e começar do zero a criar uma história: uma história deles imaginando que tipo de cidade que eles vão construir pelos próximos 20 ou 30 anos. Isso tem vários paralelos com Detroit, de onde eu sou. Ambas cidades foram dizimadas. E agora estão tentando ser reconstruídas. Eles estão olhando em volta, pensando a longo prazo. Eles estão dizendo: onde estaremos como sociedade daqui a 20 anos?

Você já esteve antes na África?
Não, nunca estive. Como eu disse, cresci em Detroit e para todo mundo da minha vizinhança, inclusive eu mesmo, a coisa toda de voltar para a África era algo grande para a gente – realmente não acho que eu era ciente do fato que era branco naquela idade... mas eu nunca tive a oportunidade. Então, felizmente, Angola foi a minha primeira chance.

No filme Last Train to Zona Verde, o Paul Theroux fala como grande parte dos americanos negros –os que são descendentes de escravos- são originários de Angola, justamente porque lá era o verdadeiro coração do tráfico de escravos. Você diria que isso é verdade?
Certamente. Cinquenta por cento de todos os escravos mandados para o Brasil eram de Angola. E 25% desses escravos que foram para os Estados Unidos também eram de Angola. Uma das maiores prisões dos Estados Unidos é chamada de “A Fazenda”. É gigante e coloquialmente é chamada também de “Angola”. É uma parte enorme da cultura.

Agora você está usando o Rockethub para custear o projeto de levar as bandas do Death Metal From Angola em turnê para as cidades que antes faziam parte do cinturão de ferro dos Estados Unidos –Detroit, Cleveland, Baltimore e Gary. Eu não tenho muita certeza se eu vi alguma conexão.
A conexão é tudo que tem a ver com Detroit. Quando estava em Angola, me impressionei com as semelhanças visuais entre o lugar e Detroit. Lembrou muito a vizinhança que eu cresci. Cresci com muitos tiroteios. Não cresci em uma zona de guerra. Mas o que eu consigo tirar da cena angolana é a sua resiliência. A habilidade de se desviar das adversidades. Por isso nós nos juntamos com a Associação Fulbright para ir para os lugares nos Estados Unidos que mais sofreram com a desindustrialização. Nós devemos mostrar o filme como um ponto de partida sobre como você pode começar a falar sobre reconstruir uma comunidade.

Acredito que o problema com o hip-hop é que ele se tornou efetivamente a linguagem do mainstream dos EUA. Então se você quer falar sobre a música das classes baixas e dos párias, o metal ainda representa isso.
É e sempre será. É realmente fascinante para mim, porque eu cresci não gostando desse estilo, pensando que o metal era o que a molecada branca dos subúrbios curtiam. Mas a medida que eu fui me envolvendo cada vez mais no projeto, mais eu comecei a entender. É extremamente classe operária.  E existe uma ética da técnica. Então há uma ambição no centro disso: você precisa ser muito bom para tocar metal. Você não precisa ser tão bom para formar uma banda punk. Tem também a coisa de lá em termos do aprendizado que você deve passar, o que é muito importante no contexto da Angola: algumas dessas pessoas que estão tocando essa música por aí são uma das mais inteligentes que eu já conheci.

por Gavin Haynes

http://www.deathmetalangola.org/

Rock Made In Angola

noisey

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