sábado, 3 de abril de 2010

Entrevista com Delinquentes, de Belém do Pará

1 . O Delinqüentes é, se não a mais antiga banda do estilo ainda em atividade na região norte do país, uma das. Conte-nos em que ano tudo começou e como foi a gênese da banda, como foram seus primeiros contatos com o universo do punk/HC, qual a primeira formação e o que era ter uma banda punk em Belém do Pará no meio dos anos 80.

Jayme K: Bom, a Delinquentes surgiu em 1985, mais precisamente na noite de recírio (festa religiosa que acontece 15 dias após a maior festa religiosa do país). A cidade toda em festa e entre um gole e outro de cachaça, eu e mais um amigo conversávamos sobre montar uma banda de punk / hardcore. Ele tocava no Insolencia Pública (1ª banda punk da cidade) e estava querendo fazer algo paralelo à sua banda principal. Só que a sua banda paralela acabou sendo a minha banda principal pro resto da vida (risos). Meu contato com o punk foi justamente vendo um show deles na cidade, e aquilo me chapou de primeira. Foi um choque. Logo comecei à fazer contato com os caras e à aparecer nos ensaios da banda. Ser ou tocar punk em Belém na década de 80 era algo inusitado. Usar moicano era ser um marciano. E era ser contra tudo e contra todos. Até mesmo contra os ditos rockeiros da época, pois até mesmo alguns heavys da época me condenaram por passar do "metal" pro "punk". Coisa dos anos 80 mesmo, rsrsrsrs.

2. Como foram os primeiros shows da Delinqüentes ?

Jayme K: Toscos. Lembro que o 1º show nós repetimos a 1ª música 3 vezes até acertar. Mas todo mundo veio elogiar a gente. Acho que mais pela amizade mesmo. Muita coragem gostar daquilo, hehehe. Um pouco mais adiante, como não haviam muitos espaços pra tocar, resolvemos eu e mais o movimento da época (que era o NCP - Núcleo de Conscientização Popular) fazer nossos próprios shows, em centros comunitários, clubes, etc... Isso foi bastante importante não somente para a banda, como para o movimento punk da cidade na época.

3 . Quando e de que forma a banda começou a divulgar seu trabalho para além das fronteiras do estado do Pará ? Quando foi a primeira vez em que vocês tocaram fora de sua cidade natal ?

Jayme K: O movimento punk sempre teve seu forte nos contatos inetrestaduais. E olha que estamos falando de uma era pré internet, onde nem e-mail existia. Eram cartas mesmo. Divulgávamos nossas demo-tapes (o equivalente aos CD-R's de hoje) pro Brasil inteiro e até pra fora. Graças à esses contatos, fizemos algumas viagens na época e a 1ª foi justamente para Aracaju, no 1º Festcore de Aracaju, em 87 ou 88. Lembro como se fosse ontem, pois marcou muito. Importante frisar que algumas dessas amizades perduram até hoje.

4. Você teria idéia de quantas demos a Delinquentes gravou antes do primeiro disco propriamente dito, e de que forma foram gravadas ?

Jayme K: Acho que umas 6 ou 7 , incluindo as coletâneas. Vale ressaltar mais uma vez que a 1ª demo coletâna que participamos foi a Fúria e Ódio, do amigo Sylvio (Karne Krua). Já a 1ª demo individual foi a Infecto Humano, de 88. Foi gravada num estúdio caseiro. Na hora de colocarmos as vozes, ficávamos do lado de fora da sala, com o ouvido grudado na porta e os microfones na mão, para ouvir o som que saía. Acho que o estúdio não possuía fone de ouvido, rsrs. Mas essa demo foi bem divulgada. Com ela espalhamos nosso som pros quatros cantos do país através das cartas.

5. Ainda nos anos 80 a Delinqüentes tinha uma relação forte com a incipiente porém ativa e combativa cena punk de Aracaju, chegando a tocar aqui, se não me engano, na primeira edição do Festival Festcore. Conte-nos como foi a experiência.

Jayme K: Pois é. Eu conhecia o Sylvio da época que eu ainda tocava nos Desesperados. Recebia um zine dele e tudo. Quando ele começou à divulgar que ia fazer esse evento, nós logo nos oferecemos pra tocar. Só que tínhamos entendido que o festival daria uma ajuda de custo. Isso foi uma Inexperiencia nossa mesma. Em nenhum momento ele havia dito isso. Resultado: Ficamos ilhados quase um mês em Aracaju, mas até que foi legal. Conhecemos muitas pessoas bacanas. Eu quase virei um sergipano, hehe.

6. Muito tempo depois a Delinqüentes voltou a dar um giro pelo nordeste e passou de novo por Aracaju. Fale-nos dessa turnê, o que aconteceu de forma geral e quais foram os frutos que vocês colheram dela.

Jayme K: Foi uma turnê que pegou quase o nordeste inteiro (São Luís, Fortaleza, Maceió, Aracaju, Salvador e João Pessoa). Conhecemos muitas pessoas bacanas e fizemos bons contatos que até hoje ajudam na banda. Só teve um lance ruim: É que foi a turnê de divulgação do nosso 1º CD e ele não saiu a tempo, então fizemos a viagem toda só fazendo os contatos para mandar depois os cds e divulgando demos e camisas... Mas os shows por si só valeram muito.

7. Em que lugares, Brasil afora, a Delinqüentes já tocou, e como foi a recepção da banda pelo publico, muita diferença de um lugar para outro ? E fora do país, já tocaram ?

Jayme K: Sim, tocamos em vários lugares já com essa galera nova. Ainda com o antigo baixista (Sandrão, que gravou o CD Indiocídio conosco), tocamos no Palco do Rock (Salvador - BA), há uns 3 anos atrás, e a moçada lá agitou bastante no nosso show. E já com essa nova formação, fizemos 3 viagens recentemente: Em Macapá (AP), no Festival Quebramar (com participação do RDP); Em São Luís (MA), no São Luís Rock Festival (com a participação do Matanza) e no Grito Rock América do sul, em Taguatinga (DF), com participação do Terror revolucionário, entre outros. Em alguns lugares já havíamos tocado (como em são Luís e Macapá), então já houve uma certa receptividade. Já em Brasília, apesar de ser a 1ª vez que estávamos indo por lá, tivemos contato com algumas pessoas que já conheciam a banda de tempos e alguns eram até velhos conhecidos nossos de correspondência e ainda não nos conhecíamos pessoalmente. Foi um dos shows mais proveitosos para a banda, inclusive, pelos contatos feitos. É sempre legal quando vamos para outro estado e as pessoas cantam, pedem as músicas, sobem no palco para cantar e agitar. E isso tem acontecido praticamente em todos os lugares que vamos e é uma coisa que antecede a internet, ou seja, a maioria já conhecia a banda de tempos mesmo, talvez fruto da nossa perseverança na cena. Já quanto a tocar fora do Brasil, não falta vontade, mas nunca tivemos oportunidade. Tamos devendo essa...

8. A carreira da Delinqüentes aconteceu de forma constante, ou houve algum hiato (tipo, vários anos parada) em algum momento da banda ?

Jayme K: Acho que no início da banda (86), porque eu não estava me entendendo com a galera. Queria levar a banda prum outro caminho (a moçada era muito doidera, só chapação...) e a saída foi essa. Ficou parada por quase um ano e depois retornou com outra moçada, levando a coisa mais à sério.

9. Fale-nos da gravação do primeiro CD da Delinquentes, ficaram satisfeitos com o resultado, tanto artisticamente quanto em termos de retorno – nem digo financeiro, porque isso praticamente não existe nesse universo, mas de divulgação.

Jayme K: A gravação não nos decepcionou. Foi feita em sistema analógico e isso deu um peso legal no disco, apesar de achar que guitarras poderiam estar mais agressivas. Em relação à distribuição, ela teve uma divulgação razoável, pois ficamos com pouca porcentagem dos CD's, mas teve uma boa aceitação na mídia independente (A revista rock Brigade, por exemplo, deu nota 9 ao disco e considerou o mesmo um dos melhores discos de hardcore do ano).

10. Nunca tiveram vontade de ter gravado um vinil ? Há algum saudosismo da parte de vocês por este formato de mídia em especial ?

Jayme K: É o sonho de muita gente, né? Desde o início, quando lançamos o 1º, eu já pensava nisso. Quem sabe agora, com os rumores da volta da fabricação no Brasil, isso seja possível...

11. E o segundo CD, “Indiocidio”, como foi gestado e como está sendo distribuído ?

Jayme K: Está bem gravado, pelo menos isso posso dizer. Acho que está sendo bem mais divulgado, e não somente pela internet, porque estamos espalhando o mesmo em cada estado que tocamos ou mesmo mandando pelo correio. Essa é a grande vantagem do disco ter sido lançado pelo próprio selo - você ter material em mãos pra mandar.

12. “Indiocidio” indica uma preocupação da banda com relação às questões ambientais, políticas, econômicas e antropológicas relativas à sua região. Como a banda se posiciona ideologicamente e como vêem a situação da Amazônia hoje, houve melhoras em relação ao passado, ta tudo estagnado na mesma ou piorou ?

Jayme K: Dizer que continua a mesma porcaria seria ser otimista demais. O planeta está rumando ao caos completo e por esse motivo, o mundo todo volta os olhos à amazônia, querendo um pedaço da região para seus próprios benefícios. Troca-se de ministros mas o desmatamento continua à todo vapor. O que falamos nas letras todo mundo vê, não somente o povo daqui. Mas algumas pessoas preferem falar de amor ou outras coisas mais... Nada contra, mas optamos por esse caminho.

13. Façam uma análise da evolução da cena rock do Pará do tempo em que vocês começaram até agora. Como a banda Delinqüentes se posiciona na cena rock de Belém hoje em dia, como é a relação de vocês com as demais bandas, e como é a agenda de shows da banda, estão sempre tocando, participam dos festivais ?

Jayme K: A cena não somente rockeira, mas musical, de Belém, cresceu muito. Citar todas as bandas que estão fazendo acontecer seria impossível aqui. Há bandas saindo, morando fora até, como o Madame Saatan, e outras que insistem mesmo na aqui na própria cidade. Aqui há estilos pra todos os gostos. Desde o metal ao Punk, pulando pro Pop. Johny Rockstar, Ataque fantasma, Sincera, Dharma Burns, Aeroplano, Suzana Flag, Rennegados, Warpath, tenebrys, telaviv, Baixo calão. Mantemos um bom contato com bandas de todos os estilos. Tocamos com bandas de HC e punk rock, mas também somos chamados pra tocar com bandas de pop rock, de metal e etc... Quanto aos festivais, há desde os grandes, como a Se rasgum , até os de pequeno e médio porte, como o Madruga Fest, Hardcore reunion, Verdurada, Rock Solidário, fora da panela, etc... Eu mesmo organizo dois que tem um certo nome na cidade, que é o Tacakaos Festival e o Fabrikaos Festival. Em ambos, eu gosto de misturar bastante os estilos.

14. Pra completar, já que as letras da banda têm um forte cunho politico/ideológico, qual sua visão da política no Brasil em todos estes anos de existencia da Delinquentes ? Algo mudou ? Pra melhor ou pra pior ?

Jayme K: Deveria ter melhorado com o governo Lula. Aqui mesmo em Belém temos um governo do PT (governadora Ana Júlia). Não vou dizer que em alguns aspectos não melhorou, pois temos um certo diálogo com a secretaria de cultura, por exemplo, através da Pró-Rock (movimento da qual faço parte). Através desse diálogo conseguimos fazer umas atividades em plena praça pública e até mesmo trazer bandas como o Inocentes uma vez. Mas em termos de saúde e educação o governo local deu uma grande estagnada e deixou à desejar, infelizmente. Em se tratando do Brasil, nem precisa falar, né? Certas burradas do nosso presidente já botaram por água abaixo qualquer ilusão de que uma esquerda poderia melhorar o país.

15. Pra finalizar: Noto que tu deve ter mais ou menos a mesma idade que eu e continua bem magrinho e gostosinho, heim ? qual seu segredo, é herança genética ?

Jayme k.: Hahahahahhahaha. O pessoal aqui brinca, dizendo que eu caí num tanque de formol, rsrs. Mas que nada. não é tanto assim. A cerveja já vai criando espaço dentro da barriga. Porra, mas que pergunta, hein Adelvan? Rsrsrs. Mas eu na verdade me preocupo mais é que a minha cabeça e principalmente o meu pensamento em relação à banda, à cena e ao mundo não envelheça, porque o que vemos de gente nova com cabeça de velho poraí, não é brincadeira, hein? e isso mesmo dentro do movimento punk, rocker, ou sei lá o quê.

Adelvan Kenobi perguntou
Jayme "Katarro" respondeu

ABRIL DE 2010

2 comentários:

  1. Tenho o CD Pequenos Delitos, é para mim um clássico! Apesar de eu não curtir muito crossover, acho Delinquentes muito legal, comprei o CD por acaso aí em Aracaju e até hoje tenho comigo. E há muito pessoal por aqui que também gosta :-)

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  2. Valeu Adelvan, pela entrevista e oportunidade. tenho um apreço muito grande (sem demagogia) por Aracajú, pois foi um marco na história da banda (nossa 1ª viagem, nossa 1ª participação em coletânea de fora do estado, etc...), além das amizades legais que fizemos nessa cidade, nas duas vezes que fomos tocar aí. Esperamos um dia retornarmos, quem sabe divulgando esse nosso novo disco.

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