sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Time Will Burn

“Não tínhamos o dinheiro das bandas de Brasília, nem o intelecto das bandas do Rio. O nosso lance era rock, botas e garotas. E só”. Nunca vi alguém resumir tão bem uma banda e suas intenções como fez o Luiz Gustavo, ex-voz e rosto do Pin Ups, da formação clássica, quando me explicava, em uma conversa muito rápida por email, o que e quem era o trio que gravou Time Will Burn em 1989. Disco que tem como data “oficial” de lançamento 1990, quando começou a ser distribuído, e que inaugurou uma estética nova da música pop no Brasil. Cantado em inglês de ponta a ponta e sangrando guitarras, causou efeito semelhante, em uma boa quantidade de adolescentes espalhados pelo país no início dos anos 90, ao atribuído por Brian Eno ao Velvet Underground & Nico, o primeiro da turma do Lou Reed: vendeu só 10 mil cópias, mas todo mundo que comprou o disco montou uma banda.

Ninguém sabe quanto Time Will Burn vendeu, nem os próprios integrantes, os três que gravaram o disco. Que também não sabem onde foram parar as masters do álbum – segredo que deve estar em algum lugar do cosmos com Lawrence Brenham (boatos dizem que ele já morreu), fundado da gravadora Stiletto, que lançou o disco.

Claro que o Pin Ups não é o Velvet Underground. Nem uma versão debochada do Jesus and Mary Chain de Santo André (SP), ou do Loop, do Thee Hypnotics ou Stooges. Embora seja engraçado e tentador vê-los, ao menos nessa primeira fase, bem ali no começo dos anos 90, como um escracho junkie e barulhento de toda uma estética do rock que a gente, no Brasil, tava começando a tentar entender, quando o pós-punk era deixado pra trás por uma turma que aumentava as guitarras no volume máximo e celebrava a si mesma.

Porque eles deram motivos pra isso, sobretudo quando, no ápice espetacular do deboche, ainda em 91, se viram no ar, ao vivo, no meio da tarde, no palco do programa Mulheres em Desfile, da TV Gazeta, com as “parceirinhas” Ione Borges e Claudete Troiano, tendo de dublar uma das músicas do álbum com um violão faltando corda. A história, uma das melhores já registradas no rock nacional, foi contada por eles mesmos nessa conversa extensa que tive com Zé Antônio, Marco Butcher e Luiz Gustavo, guitarra, bateria, baixo e voz do disco, que faz 25 anos agora em 2015.

Acho que é por esse tipo de coisa, além de inaugurar um gênero no país, que Time Will Burn seja tão significativo. Tosco, simples e áspero, é o retrato de uma banda que não se levava a sério, com músicos que dispensavam pretensões de vanguarda, e que estavam a fim mesmo era de birita, barulho, garotas e botas. Receita semelhante deu origem a um número incontável de discos absolutos do rock. Um deles veio à tona em 1985 sob o nome Psychocandy, estabeleceu uma estética a partir do mito de um pedal quebrado e da fusão da psicodelia de garagem com o pop das girl groups e hoje, 30 anos depois, botou a banda criadora pra rodar o mundo de novo executando-o de ponta a ponta. Isso depois de influenciar gerações desde seu lançamento.

Mexeu, obviamente, com a cabeça ainda adolescente dos três com quem conversei há alguns meses sobre o Time Will Burn – Zé Antônio e Marco Butcher (morando hoje nos EUA) toparam a conversa por mais tempo. Os desencontros online com Luiz Gustavo permitiram um papo ligeiro por email. O que não impediu o resgate de histórias que cercam o disco que deu origem a um circuito independente no país que por um tempo se chamou “alternativo”, de coloração internacional, que soube absorver influências diversas e pisou sem dó numa cena pop que encerrou os anos 80 pedindo penico.

Eu comecei perguntando pros três, em conversas separadas, se eles se lembravam das gravações do Time Will Burn, 25 anos depois do lançamento. Foi o suficiente. 

Luiz Gustavo – Lembro bem, apesar do barulho!
Marco Butcher - A coisa com o Time Will Burn na real começou com a ideia de gravar umas demos, se não estou enganado. Não acho que ele foi pensado pra ser um disco. Acho que aconteceu de ser um. As faixas foram gravadas em grupos separados, eu acho, então, na real, pra mim pelo menos é como se fossem fases diferentes dentro de um mesmo disco.
Zé Antônio - A gente era bem desorganizado, acho que nem tínhamos pensado em gravar um álbum. Naquele tempo as coisas eram bem mais complicadas, sem internet e a divulgação era quase toda via fanzines ou então em artigos de jornalistas mais antenados com o que estava rolando. Pra facilitar, sempre que possível a gente gravava algumas demos pra mandar pra onde fosse possível. Não tínhamos nenhuma noção de produção, os arranjos eram básicos, enfim, tudo bem ingênuo.
Luiz Gustavo - Metade das músicas do disco foi composta em uma semana, para o show de lançamento da revista em quadrinhos MONGA, A MULHER GORILA, no Madame Satã, em 88.
Marco Butcher - Acho que no final fez sentido, mas não vejo o Time Will Burn como um álbum pensado pra ser um álbum. Uma banda com três jovens explodindo de vontade de tocar e tentar trazer algo que fosse fora do contexto da época aí no Brasil.
Zé Antônio - Acho que desde o início sabíamos o que queríamos artisticamente, mas nosso equipamento era um lixo, e a gente não entendia absolutamente nada do mercado musical. A gente queria tocar… e tocar o mais alto possível.
Marco Butcher - Foi uma época boa, final dos 80. Era tudo mais na cara, mais real, menos domesticado. Cara, foi uma época bem importante pra gente, a banda tava num momento em que a gente respirava música, bebia música, comia música e, é claro, fazia música e show direto. Passávamos muito tempo juntos, os três trabalhando em songs ou matando o tempo falando bobagem, bebendo. O clássico, acredito, sempre atrás de discos. A Galeria do Rock nesse momento era meio que a segunda casa da banda.
Luiz Gustavo – É o nosso melhor trabalho.
Marco Butcher - Acho que com o Time Will Burn foi bem mais fácil, pois não tinha pressão, não tinha selo nem nada que fosse parecido com isso, saca? Era só a gente tentando gravar nossas músicas da forma que as tínhamos na cabeça. Já com o Scrabby foi totalmente diferente. Já éramos uma banda um pouco mais conhecida, com publico, com expectativas e tudo mais. Tudo isso muda muito as condições e a vibe dentro do estúdio, é claro. O Scrabby foi bem mais tenso de fazer. 

O COMEÇO

Zé Antônio - A banda começou de uma maneira esquisita. Eu tocava com uns amigos de Santo André mas nunca dava em nada. Desencanei e um dia vi um anuncio de duas garotas (Syl e Angie), querendo guitarrista para uma banda. Elas citavam muitas coisas boas como influência. Liguei pra elas marcamos um ensaio mas elas não tinham baterista. O Luiz sugeriu que ele poderia levar umas baquetas e marcar um ritmo, e lá fomos nós. Foram dois ensaios, mas uma delas não sabia nem afinar o baixo e a outra era muito desafinada. Quando eu disse pro Luiz que não ia rolar, ele me disse que era uma pena, pois a gente poderia tocar na festa do lançamento da Revista Monga, para a qual ele desenhava. O show seria no Madame Satã (naquele tempo o lugar era incrível), e tocaríamos antes do Ratos de Porão. Eu disse pro Luiz: “Vamos tocar, a gente arranja um baterista e um vocalista, eu toco guitarra, você toca baixo e nós dois fazemos umas músicas”. E assim foi. O Luiz nunca tinha pegado em um baixo. Eu fiz umas linhas, ele decorou, completei com a guitarra e ele escreveu as letras. Em três dias tínhamos as músicas. Ensaiamos mais uns três dias e tocamos com o maior volume que pudemos. Muita gente gostou, foi divertido, embora meu único pedal tenha sido roubado.
Antes do Luiz, tivemos outro vocalista, o André Benevides, gente boa, mas não tinha nada a ver com a gente. O que gravamos com ele, descartamos e nem pensamos em reaproveitar para o disco. Tentamos fazer mais alguns shows, mas logo percebemos que o André estava em outra. O Luiz assumiu os vocais e ficamos alguns meses trocando de baterista até que decidimos usar bateria eletrônica.
O único problema é que não tínhamos dinheiro pra comprar uma bateria eletrônica, hahahaha. Fomos em um estúdio, gravamos as baterias e íamos pros shows carregando um tape deck. A gente soltava a fita e tocava uma atrás da outra tentando não errar. Se deu certo? Não, hahahahaha, mas a gente tocava tão alto que ninguém percebia.
Arranjamos finalmente um baterista, que era menor de idade e quase foi pego pelo juizado umas dez vezes, até que um dia o Marquinhos nos chamou e disse que a bandas era boa, mas o baterista era uma merda. Perguntamos, “ok, conhece alguém a fim de tocar com a gente?” E ele respondeu: “Eu”. E assim ele entrou pra banda, daí viramos um trio.
Aquela época era tudo tão tosco que chamaram a gente pra tocar em uma festa na FAU, na USP. Dei o tape deck pro cara da mesa e fui pro palco. Não tinha nem retorno e eu e o Luiz ficamos no palco sem perceber que a bateria já estava rolando no PA. Perdemos umas três músicas.
Marco Butcher - Talvez o fato de morarmos em Sampa, que é uma cidade que acaba recebendo informações mais rápido e em maior quantidade, tenha feio a diferença no sentido de estarmos mais conectados com o que estava acontecendo no mundo naquele momento.
Luiz Gustavo - Só o Maria Angélica [Não Mora Mais Aqui] chegou perto de fazer algo de diferente na época. Time Will Burn foi divertido de se fazer, numa época difícil de fazer discos. Cada detalhe foi pensado com carinho. As brigas eram brandas e estavam apenas começando. Não fazíamos o tipo marginal, éramos muito educados e tímidos. Não tínhamos o dinheiro das bandas de Brasília, nem o intelecto das bandas do Rio. O nosso lance era rock, botas e garotas. E só.
Zé Antônio - Tínhamos certeza de como queríamos que a banda soasse, e principalmente de como não soasse, rsrsrs, mas o disco foi despretensioso, jamais planejamos algo do tipo. Só tivemos consciência disso quando alguns jornalistas começaram a dizer isso pra nós. 

AS GRAVAÇÕES E A ASSINATURA COM A STILETTO

Luiz Gustavo - Não lembro. Através do Tomas Pappon?
Zé Antônio – Um dia o Thomas Pappon falou sobre a possibilidade de um disco pela Stilletto. O orçamento era inexistente. Juntamos o pouco que tínhamos e fomos ao estúdio do Rainer Pappon pra gravar algumas músicas e completar o álbum. Eu, o Luiz e o Marquinhos dividimos a conta, e até hoje o Rainer reclama que o Marcos não pagou a parte dele, hahahaha. A gente não poderia perder a oportunidade. Gravar um disco era algo impensável.
O Pappon propôs o disco meio de sopetão, e nos demos conta de que não tínhamos tantas músicas. Entramos no estúdio pra completar a duração de um álbum. Algumas poucas músicas já existiam, e outras nós descartamos.
A verdade é que todas as gravações do álbum foram tratadas do mesmo jeito: como uma demo. A única faixa que teve um cuidado maior foi “Sonic Butterflies”, na qual colocamos efeito na voz, e mesmo assim foi algo bem tosco, rsrsrs.
As gravações eram muito simples. Ensaiávamos em um estúdio com um Tascan de quatro canais e nos virávamos com isso, do jeito que dava. O máximo que a gente conseguia era usar um reverb na voz.  Quando o Thomas sugeriu o estúdio do irmão, achamos que tudo seria diferente, afinal o cara era um profissional respeitado. Mas a verdade é que ele não entendeu nosso som, nossa barulheira e a impressão que eu tive é a de que ele nos queria fora de lá o mais rápido possível. O diálogo era sempre o mesmo: “Ficou bom?” E ele respondia: “Tá ótimo, vamos pra outra!”
Marco Butcher - Me lembro do convite do selo para lançar o play. Na época esse mesmo selo estava cuidando de alguns artistas bem Legais como os Bad Seeds e, se não me engano, cuidando também do lançamento do Sister, do Sonic Youth, aí no Brasil. Hahah, eram outros tempos, celebrávamos tudo.
Zé Antônio - O Lawrence [Brenhan, proprietário do selo] adorou, ele entendia o que estávamos fazendo, mas ele era um cara muito maluco. Várias vezes fomos pra lá esperando uma reunião pra falar do segundo disco (que ele nunca lançou), e acabávamos saindo bêbados de tanta champagne e whisky que rolava naquela gravadora. Se a gravadora tivesse continuado, teríamos lançado mais um disco com eles, mas a Stilleto fechou de uma maneira bem suspeita e o Lawrence sumiu do mapa. Alguns anos depois ouvi um boato de que ele morreu na Inglaterra. Pra você ter uma ideia, ligamos durante uns dois meses pra lá e uma secretária sempre dizia que ele estava ocupado. Um dia eu e o Luiz fomos até a Stiletto e o local estava vazio, só com uma coitada atendendo o telefone e dizendo que ele estaria em reunião. E, com essa história, a master do Time Will Burn também sumiu.
Marco Butcher - Estávamos sempre por lá [na Stiletto]. Até porque tínhamos amigos trampando ali e tals. Como o Luis e a Claudia. Gente que a gente conhecia da noite. O Lawrence sempre tava tentando agitar coisas. Por um tempo acabou virando meio que um ponto pra gente resolver promo, fotos, shows, enfim, tudo que na época tava no pacote de cuidar do disco.
Luiz Gustavo - Eu acabei me envolvendo com a amante dele [Lawrence] na época. Ele era um cara inflamado, mas muito engraçado e bem enrolador. 

O LANÇAMENTO

Zé Antônio - As histórias mais bizarras vieram depois do Time Will Burn. Nessa época eu e o Luiz éramos muito focados na música. O Marquinhos era o mais desencanado, faltava em ensaios e shows, mas ele é foda, sempre soube o que fazer sem que a gente precisasse falar nada.
Marco Butcher - Me lembro que eu e o Luiz tomamos um porre no dia que saiu o disco. No Retrô, se não me engano. Acho que fomos até lá e pedimos pro DJ tocar na pista ou algo assim. Na época era incrível pensar em algo nosso tocando num club, nas caixas grandes. Saudoso Toninho, se não me engano. Era um dos DJs que estavam sempre por lá.
Zé Antônio – [O disco foi lançado no] Final de dezembro de 89. Mas só começou a ser distribuído em janeiro de 90, por isso para nós foi 90, e comemoramos só agora os 25 anos.
Luiz Gustavo - Lembro de quando o disco foi lançado. Fomos antes para um boteco na rua Maria Antônia comemorar com os amigos.
Zé Antônio - Porra, se lembro. Foi incrível! Era algo inacreditável. A DJ que mais nos ajudou foi a Elaine. Ela tocava sempre o nosso disco e muita gente conheceu assim. Umas três músicas acabaram virando hit na pista do Retrô, mas a gente também não saia de lá.
Quando o Jesus and Mary Chain veio tocar aqui pela primeira vez [1991] o baixista, Douglas Hart, acabou no Retrô e conheceu a banda ouvindo naquela pista. Naquela época acabamos indo ao hotel pra conversar com ele, demos o disco, etc. Mas parou por aí.
O lançamento do disco também aconteceu no Retrô. Foram três dias de show e casa cheia, inacreditável…
Luiz Gustavo - Fizemos uns 100 shows só no Espaço Retrô.
Zé Antônio - Fizemos vários shows do Time Will Burn, mas lançamento propriamente dito só mesmo no Retrô. Tocar as músicas era fácil, tudo muito simples. Deixávamos algumas de fora, “Sonic Butterflies”,”Hard To Fall” e “These Days”, por serem mais calmas. Os shows eram muito enérgicos e a gente completava com versões do MC5 e Stooges.
Marco Butcher - Cara, tocamos tanto, não parávamos nunca. Na época, rolava muito show no interior e em cidades como Santos e outras. Íamos muito a Curitiba, Porto Alegre, estávamos sempre viajando e tinha um lance que era o tal comboio, amigos vindo na cola pros shows fora de Sampa. Isso era engraçado. Coisas do rock, hahaha.
Era o começo e as coisas estavam rolando bem no sentido que conseguíamos armar shows e tals. Isso ajudou a promover o álbum um pouco mais.
Zé Antônio - Antes do disco já tínhamos alguns amigos e fãs que sempre estavam nos shows, mas depois isso aumentou bastante. É claro que não me comparo a nenhuma banda grande, mas para uma banda alternativa nos anos 90 até que era um público bom. A 89fm chegou a tocar algumas musicas, fizemos um show pra rádio no Aeroanta, que depois foi transmitido na íntegra, aparecemos em alguns programas de tv, artigos em jornais, revistas e fanzines… tudo isso ajudou muito. E também começamos a tocar fora de S.Paulo. 

NA TV: CLIP TRIP E MULHERES EM DESFILE (TV GAZETA), MATÉRIA PRIMA (TV CULTURA)

Zé Antônio – com o Beto Rivera [Clip Trip] foi ok, meio impaciente mas ok. No Mulheres em Desfile [atual Mulheres] foi bizarro. O Cesinha, divulgador da Stiletto, nos ligou um dia antes pra avisar que deveríamos estar no programa em determinada hora e isso era tudo o que sabíamos. Fomos achando que seria uma entrevista. Ao chegar, um produtor perguntou “cadê a trilha do playback?” Começamos a rir. O Cesinha deu um jeito e disse que poderiam tocar o disco. A gente nunca tinha feito isso. Como poderíamos fazer playback sem nenhum instrumento? O cara arranjou um violão e eu joguei a bomba pro Luiz, que começou a dublar toscamente e a girar o violão, que só tinha umas três cordas, hahaha. Foi um dos piores momentos do programa, com senhoras da audiência reclamando dos nossos cabelos, das nossas roupas e da minha bota, que tinha um furo na sola e o câmera deu close. Enfim, um desastre pra produção, mas nos divertimos bastante.
Marco Butcher - Bota furada ou era eu ou o Luiz, hahaha, sempre. Muito bom! Usávamos as botas até derreter, literalmente. Quanto mais velhas melhor, no velho esquema Keith Richards.
Luiz Gustavo - Lembro bem do Mulheres em Desfile porque fui eu que dublou, de pé, tocando um violão velho, enquanto o resto da banda ficou sentada atrás de mim balançando os pés.
Marco Butcher - Ah sim, Serginho [Groisman, apresentador do Matéria Prima] eu lembro, tocamos ao vivo, mas os outros dois… nem ideia. Ah pera, umas minas, claro. Meio culinária, né? Hahaha, nossa, isso, eram as parceirinhas: Claudete Troiano e Ione Borges, hahah, típico programa da tarde, tv aberta. Nossa, como vc sabe todas essas coisas?
Zé Antônio - Na TV Cultura, fomos duas vezes, uma delas no programa do Kid Vinil [Boca Livre], gravado no Teatro Franco Zampari, que foi ótimo. Eram três bandas; nós, o Gueto e outra que faltou. A produção sugeriu ao Gueto que tocasse em dois blocos e eles se recusaram, nós topamos e o Luiz tocou sentado porque esqueceu a correia do baixo e o Gueto não quis emprestar de jeito nenhum. Depois muita gente comentou achando que a gente tava fazendo gênero Velvet Underground, mas não foi nada disso.
Mas o pior foi no programa do Serginho Groisman, nem lembro qual era o nome, acho que era Matéria Prima. Lembro que chovia pra cacete e um monte de fãs do Pin Ups foram até lá mas não puderam entrar, pois a plateia era de escolas. Com a chuva um dos ônibus não apareceu e a produção não teve alternativa, liberou a entrada de todo mundo.
O Serginho já entrou irritado dizendo que ninguém poderia sair do lugar durante as músicas. O aviso não adiantou nada. Lembro que um dos nossos amigos, o Gringo, que depois seria eternizado na música “Caminha (que aqui é de Osasco)”, do Defalla, saltou da plateia, caiu em cima de um câmera e chamou todo mundo que invadiu o palco. Intervalo, broncas, ameaças e tudo se repetiu no segundo bloco, hahahaha.
Depois tinha uma parte séria, de perguntas. Não me lembro o assunto, mas tinha um sociólogo comentando algo e o Serginho foi justamente no Gringo e perguntou o que ele achava. A resposta veio logo: “O que eu acho do que?” O Serginho ficou transtornado, passou a mão na cabeça dele e disse: “Inteligência rara esse moleque”, hahahahaha.
Anos depois voltamos pra gravar na Cultura, mas já com outra formação. Acho que ficamos banidos por um tempo, hahahahaha. 

MATÉRIA NA REVISTA BIZZ EM ABRIL DE 1991 E A SUPOSTA ARROGÂNCIA

Luiz Gustavo – Eu não lembro dessa matéria.
Zé Antônio - Isso era bem complicado. Muita gente nos ajudou naquela época, o Marcel Plasse, Kid Vinil, [Fernando] Naporano, o Jefferson de Souza, (posteriormente muitos jornalistas foram importantes, mas isso já em outros álbuns).  Mas, por outro lado, muitas das bandas da geração anterior à nossa eram formadas por jornalistas, e rolava uma certa disputa por espaço, então por várias vezes fomos ignorados. O Alex Antunes era um dos que ficavam à parte de tudo isso… ainda bem que lembrei.
Mas a matéria da Bizz froi problemática. Ela aconteceu na Stilletto entre muitas garrafas de Chandon e, como conhecíamos o jornalista, ficamos relaxados, respondendo alguns absurdos por brincadeira antes de dar a resposta séria. É claro que ele sabia disso, mas por algum motivo colocou só as bobagens e passou uma imagem absolutamente arrogante da banda. Foi a primeira vez que tive consciência do quanto as entrevistas podiam ser editadas e manipuladas
Se as respostas ao menos tivessem sido colocadas em um contexto bem humorado, talvez as pessoas entendessem, mas não foi isso que aconteceu.
Marco Butcher - Era uma cena muito pequena. Algumas poucas pessoas que gostavam ou conheciam esse tipo de sonoridade. Bandas como o Killing Chainsaw ou mesmo o Second Come do Rio. Era uma ou outra, mas acho que elas vieram um pouco depois da gente.
Zé Antônio - A verdade é que naquela época poucas bandas se ajudavam. Tínhamos uma ligação forte com o Killing Chainsaw, Mickey Junkies, etc… mas muita gente adorava falar mal. Era difícil. Hoje acho que isso colaborou muito para que aquela cena tão interessante não tenha atingido o respeito necessário. Quem vê de longe, hoje em dia, terá outra leitura, mas quem viveu aquilo tudo sabe do que eu estou falando.
Marco Butcher - Acho que [gravar o disco foi] um felling de se sentir parte de algo real naquele momento. Um registro físico de nossas ideias. Não era uma demo, era um vinil. Difícil explicar, mas enfim, tinha toda uma mitologia em volta do vinil. Ainda existe, mas não me afeta mais. 

AS COMPARAÇÕES COM O JESUS AND MARY CHAIN. INCOMODAVA?

Zé Antônio – Absolutamente. Jesus sempre foi uma das grandes influencias da banda. A gente meio que queria parecer com eles, é só ver nossos cabelos, rsrsrsr. Negar isso seria desleal. Amávamos todas essas bandas que você citou. Faltou Spacemen 3, que a gente também ouvia muito.
Nós sempre ouvimos muita coisa, até hoje somos todos viciados em música. É impossível não absorver nada, imagem e sonoridade também, referencia estéticas etc..
Marco Butcher - Falta de informação sempre incomoda, né? Acho que sim e não, sei lá. A gente ouvia eles da mesma forma que ouvia Stones ou MC5 ou Birdland ou os Velvets. Então acho que não, eu gosto do primeiro dos Jesus e os singles, os primeiros. Depois nah, acho um porre.  Psychocandy, isso, gosto desse. De resto não ligo não.
Loop, taí, acho que nessa época ouvíamos mais Loop do que Jesus. Eu gosto do Taste, do Telescopes. Depois nah, mas isso eu vim a perceber depois. Popeira Manchester horrível pra boi dormir, tô fora. Nunca entendi o que rolou com essa banda. O Taste é um disco bom. Daí quando ouvi o segundo álbum [The Telescopes, 1992], affe, muito ruim demais. Tipo uma popeira com batidinha balaco baco safada! Deletei geral da minha vida, rsrsrsr. Mas Loop sempre foi classe, tenho todos, se puns. Adoro, Loop é demais. Não ouço há anos, mas taí na coleção, muita coisa pra ouvir. 

O ‘MITO’ JUNKIE. BANDA-PROBLEMA? SHOWS EM SANTOS E O AMPLIFICADOR DE CARRO

Zé Antônio - E o pior é que a maioria das histórias é real. Mas não que nós fossemos diferentes da molecada daquela época, alguns amigos eram muito mais loucos que qualquer um de nós, mas por ter banda tínhamos mais atenção. É claro que em um determinado ponto percebemos a importância disso, mas o estrago já estava feito e daí, relaxamos.
Luiz Gustavo – Não era mito.
Zé Antônio – Que eu me lembre, após a Bizz rolou uma fama de arrogante, mas de encrenqueiros até que não. Pelo menos eu nunca soube. Éramos tranquilos pra tocar com o que tivesse, fiz show com guitarra plugada em um tojo de carro e rolou do mesmo jeito. No final a fama até que foi boa, hahaha.
Marco Butcher - Santos. Me lembro disso. Na Ilha. Fazíamos shows ali direto. Na época sempre tinha um clube novo rolando ali. Era bem bizarro na real. Fechava um, abria outro, nunca era o mesmo, mas sempre na ilha.
Zé Antônio – o Tojo foi aqui em São Paulo mesmo. Não lembro o nome do lugar mas foi uma noite de histórias incríveis, hahahaha. Estávamos no palco, o dono nos pressionando pra começar o show e ninguém sabia do Luiz. De repente abre a porta do banheiro e o Luiz sai de lá junto com a mulher do dono hahahahahah! A noite terminou com um amigo, o Raul, que normalmente é um doce de pessoa, totalmente alterado destruindo o lugar.
Marco Butcher - Lembro que uma vez um amigo marcou um show pra gente na Baixada [Santista], não lembro em que cidade. Daí fomos, tudo bem. Quando chegamos lá, não conseguíamos achar o amigo nem o lugar. Quando finalmente achamos, era uma lambateria. OBA era o nome, hahahah. Três músicas ou quatro depois de começarmos, o dono nos pagou pra não tocar mais. Talvez essa seja a única memória q eu tenha de shows, não lembro mesmo.
Zé Antônio - Santos realmente rendeu muuuuitas histórias, mas essa da lambateria foi em Itanhaém. Nunca havíamos tocado fora de São Paulo e um amigo arranjou um show naquela cidade. Perguntamos onde e a resposta era sempre a mesma: “um lugar que eu dou som de vez em quando, confia em mim”. Faltando apenas alguns dias pro show ele disse: “o lugar se chama Lambateria Oba, mas no dia eu vou discotecar e só vai público de rock”. Mentira, é claro. Tinham uns gatos pingados pra nos ver, mas começou a chegar o público da casa sem entender quem eram os estranhos.
Entramos no palco, tocamos uma única música e então senti alguém agarrar o meu braço. Era o dono do lugar, que me puxou para um canto e disse: “o cachê tá aqui, tem até um pouco a mais, mas pelo amor de Deus, parem de tocar agora!” E foi o que aconteceu, hahaha.
Pra completar, voltamos de carona no carro de uma amiga, Tania, que chorou metade do caminho depois de atropelar um pobre tatu.
Marco Butcher - Sim, o povo da casa. Tinha um ou outro surfista e tals, mas nah, casais e tals.
Zé Antônio - Não no clube, mas em boates da ilha, que normalmente eram alugadas para shows alternativos. Rolou de tudo. Uma vez o palco eram em L, em volta da cabine de som. Chegamos lá e não tinha nenhum amplificador, as guitarras iriam ser ligadas diretamente na mesa de som. Eu avisei que não rolava, mas depois de muita insistência liguei e queimei três canais da mesa. O DJ, puto da vida só repetia uma frase: “Eu falei que não dá pra ter banda, tem que ser sexta romântica!!” hahahaha
Outra vez o Farofa, do Garage Fuzz, nos ligou perguntando se a gente ia mesmo tocar em Santos, pois tinham vários cartazes na cidade de uma festa na praia das vacas. E era mentira. Pegamos os instrumentos, lotamos um carro e fomos pra tal festa. Na entrada, dissemos: Somos o Pin Ups, que vai tocar aqui, não é isso? Os caras não sabiam o que fazer, inventaram desculpas de que o cartaz estava pronto e não deu pra falar com a gente e coisas do tipo. Ofereceram open bar, mas a bebida era tão ruim que fomos embora. Lembro do Luiz se divertindo pondo fogo nas coisas com a vodca que eles serviam. 

A ENTRADA DA BAIXISTA ALÊ BRIGANTI

Zé Antônio – O Luiz queria só cantar, ter mais espaço no palco. Pensamos em algum baixista, mas não sabíamos quem. Um dia cheguei no Retrô e o Marquinhos veio com a Alê e disse: “essa é a nossa baixista, já falei com ela tá tudo certo”.
Lembro que fiquei muito irritado e até hoje me culpo pelo quanto eu hostilizei a Alê nos primeiros ensaios e shows. Fui bem mal educado com ela e me arrependo. Mas logo ficamos muito amigos e eu percebi que eu fui ranzinza, ela tinha tudo a ver com o Pin Ups. E, de todos que passaram pela banda, a Alê é minha amiga mais próxima. 

O LEGADO DO TIME WILL BURN. HOMENAGEM A THE NAIL WILL BURN, DO LOOP? 

Marco Butcher – Tem muita coisa que não me lembro mesmo, já fiz tanta coisa depois disso. Tanto disco, banda, lugares, enfim… vira um bolo total tudo. Haha, é tempo demais, e trabalhos demais entre aquilo e hoje. Eu não tenho nem ideia. Eu não tenho o disco por exemplo. Ou, se tenho, não faço a menor ideia onde está. Numa das pilhas de disco pela casa.
Não faço nem ideia de quantas cópias vendemos. Mais de mil, com certeza, mas fora isso não sei dizer mesmo. Acho que na época a tiragem mínima era de mil cópias.
Zé Antônio - O nome da banda foi sugerido por mim, mas o do álbum foi pelo Luiz. Talvez seja inspirado no Loop, mas só ele pode responder isso rsrsrs.
Em relação ao álbum… Sou muito crítico com tudo o que faço então é claro que quando ouço o Time Will Burn penso que gostaria de gravar tudo de outra maneira, com mais guitarras e cuidados de produção. Mas tenho um carinho enorme por esse álbum. Ele abriu muitas portas para a banda e selou a amizade com o Luiz Gustavo e a Alê, me proporcionou histórias, e momentos inesquecíveis.
Em relação à importância, acho que só comecei a perceber isso quando alguns músicos citaram o disco como influência e pessoas que eu nunca havia visto lembravam do Time Will Burn. Na época isso nem passava pela minha cabeça. Fico realmente feliz em saber que algumas pessoas acham que de alguma forma ajudamos a pavimentar algum caminho para bandas novas, mas prefiro ouvir do que falar sobre isso. Se realmente deixamos algum legado, tudo o que passamos valeu a pena.
Marco Butcher - Na real, eu nunca penso em Pin Ups, man. Não sou do tipo saudosista, tampouco me apego a discos ou bandas, acho que minha relação com música é diferente disso. Gosto de estar em movimento e só, sempre tentando trazer algo. Não sei dizer se muito lá atrás. Mas não é algo em que eu pense ou tome como referência pra minhas coisas nem nada. Acho bacana que as pessoas olhem pro Time Will Burn e tenham essa química com ele. Eu tenho, mas é em outro sentido, foi nosso primeiro álbum. Mas nunca olhei pra trás e parei pra pensar no que ele fez ou deixou de fazer pela cena, ou isso ou aquilo.

NOTA: Amanhã tem "Time Will Burn" no programa de rock
19H/104,9 FM em Aracaju e região
www.aperipe.com.br

por Filipe Albuquerque

BEM PARANÁ

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Karina Buhr é um monstro ...

A cantora Karina Buhr lançou nesta terça-feira (8) o primeiro single de Selvática, seu terceiro álbum, programado para sair no dia 29 de setembro, através de download gratuito. Na definição da compositora, a faixa Eu sou um monstro é um grito feminista. “letra fala da canseira da princesa rosa-loira-adormecida que tanto nos atormenta e vive querendo virar monstro, já sendo. É aquela fera puxando as rédeas e escolhendo pra onde vai, saindo da inércia, que resolve o que vai fazer e sabe o que vai acontecer com ela.

O show de lançamento do novo disco acontece nos dias 02 e 03 de outubro no Sesc Pompeia com participação especial de Denise Assunção. O novo álbum está em pré-lançamento no site Kickante. A Revista Brasileiros bateu um papo rápido com a cantora para falar sobre a música nova:

Brasileiros – A música tem uma letra super sucinta. De onde vem o lance de fazer uma letra tão direta? 
Tem ela no livro Desperdiçando Rima (Fábrica 231). Não sei de onde veio isso da letra direta, na  verdade nunca pensei nisso de ser uma letra direta. Ela não ia ser letra de música, ia ser uma poesia do livro, só depois fiz a música pra ela. 

De onde surgiu a ideia para a letra?  Vem de uma história pessoal, de histórias de outras mulheres ou tudo isso junto? 
Vem de tudo junto. Não é uma história específica, é sobre muitas histórias de mulheres, que nascem sob um mesmo estigma.  

Por que escolher esta faixa para apresentar o álbum?
Tinha que escolher uma delas e acho que ela tem uma agressividade e peso que o disco tem. Achei que ela daria um bom “bom dia” do disco. 

O que é “o monstro” da música? Ouvindo a música senti que cabem mil interpretações ali. Você sente isso também ou tem uma interpretação mais definida do que escreveu? 
Tenho uma interpretação bem definida. Mas acho maravilhoso que você sentiu que cabem mil interpretações ali. Acho essa a melhor parte de se fazer músicas e letras, cada um que ouve, poder ouvir sua própria versão. Não me sinto bem destrinchando uma letra, explicando tudo. Acho que o mistério é justamente essas mil interpretações. Essa coisa que eu falei sobre ela, que você cita nas aspas, já fiz um esforço grande pra tentar traduzir um pouco a música. Esforço no sentido de achar que tava fazendo uma coisa errada, que não ia dar certo isso de traduzir. E aí tentar mais que isso acho que quebraria o encanto.

(continuando ... ) Você é vista como um ícone feminista pelo público. Você buscou essa posição ou surgiu naturalmente? Qual a importância de
difundir essas ideias atualmente?

Essa posição foi vindo naturalmente, eu não tenho vontade de ficar construindo alguma imagem. Sempre falei sobre essas coisas na vida, mesmo antes de ser artista, mas minha ideia de feminismo é que um dia a gente não precise mais ser feminista. O ideal é que seja tudo tão normal e cotidiano que a gente não precise mais se defender quanto a isso. Vamos ser feministas enquanto for preciso. É um saco bater sempre na mesma tecla? Sim, mas é um saco maior ainda passar pelas coisas que as mulheres passam, então vamos continuar.

Já foi cobrada pela família ou pela sociedade para ser mais feminina? Acredita que rotular comportamentos e características como femininas ou masculinas ainda é um tabu presente na sociedade?
Ainda está muito presente, tanto que é uma luta muito grande a de quem tenta acabar com o preconceito de transfobia, homofobia, pois tudo isso está impregnado no machismo. Desde quando você nasce menina, com tudo rosinha, mesmo que hoje já não seja proibido fazer isso ou aquilo, ainda tem o preconceito de quem pode fazer o quê. Foi isso que vivi na minha vida, as meninas que iam jogar futebol ou ser cientistas, eram as que quebravam todas as barreiras possíveis, porque as condições e direitos não eram iguais. Essa ideia do que é de homem e o que é de mulher é que atrapalha tudo. Existe esse mito de que homem é irresponsável, imaturo e, para as mulheres, têm aquilo de serem maduras, maternais. Qualquer pessoa pode ser as duas coisas.

Você costuma defender suas causas políticas publicamente, acredita que esse seja um dever do artista? De que maneira a arte pode ajudar a propagar seus próprios ideais?
Acaba que como artista, quando você fala das suas questões, seja em uma música ou em um show, e isso acaba se espalhando. Quando escrevo em redes sociais, o tema se espalha mais rápido ainda. Assim, você acaba disseminando o seu trabalho e suas ideias, mas acredito que é de cada um, não precisa de uma regra. Tem gente que faz muito sem falar tanto, tem gente que fala muito mas é superficial, tem gente que faz os dois. Acho que é uma obrigação de todo mundo, não só do artista. Muitas vezes o seu público pode não concordar com suas ideias, mas é importante espalhar.

Quando começou a fazer arte, você pretendia utilizá-la para quebrar padrões? Aconteceu naturalmente?
Eu faço tudo muito naturalmente, não penso antes ‘eu vou quebrar padrões, vou protestar’. Pode ser que eu faça um livro inteiro falando sobre o mar e a lua, a gente tem que ter leveza também, pois existem os dois lados. Desde uma banda como os Racionais, que são incríveis fazendo o que fazem, até um cara como o Jack Johnson que toca violão na praia e também é maravilhoso. É massa ter tudo isso misturado, cada um vai falar melhor de uma coisa. Eu, na vida pessoal, não sou performática, sou mais tímida, muitas vezes ninguém entende nada. Mas é que ali no palco é aquele momento, que estou cantando aquelas músicas, na vida sou mais pra dentro mesmo.

Já te ouvi dizer que era contra expressões como o regionalismo. Por que motivo? Acredita que isso atrapalha em vez de fortalecer?
Na verdade quando se fala de música e cultura regional no Brasil, se está falando do Norte ou do Nordeste, qualquer lugar que não seja o Sudeste, então isso é que é um saco. Quando alguém diz ‘ah, sua música tem uma pegada de música regional’. Regional de que região? De repente um som que tem muito coco, maracatu.. é chamado regional, mas se for um samba, que é do Sudeste, não é. Vira regional porque está fora do núcleo.

Sua música é uma mistura de diferentes estilos e sua personalidade no palco é forte. Leva a sua experiência como atriz do Teatro Oficina para o show ao lado da música? O que mais te marcou em suas experiências com Zé Celso e o que você leva delas na artista que você é hoje?
Acredito que inconsciente eu trouxe, passei sete anos lá. E lá a rotina era cantar, tocar, dar texto, tudo ao mesmo tempo. E eu gosto disso, tudo ao mesmo tempo, então vai para o meu show de alguma maneira. Foi quando eu cheguei lá que entendi o que era o Oficina e o Zé Celso. Não foi difícil, mas foi diferente de tudo o que eu tinha feito. Isso de tirar a roupa no começo me assustou, mas depois virou algo completamente natural e foi muito bom ter se tornado natural.

É difícil para o artista tentar explicar de onde vem a sua inspiração, você acredita que se coloca nas composições e poesias que cria? Ou tenta criar a partir de algo externo? Que tipo de coisas, cheiros, lugares ou pessoas te inspiram mais no processo criativo?
Eu não penso de onde eu tiro inspiração ou criação, acho que se eu pensar muito não sai. É claro que a gente é inspirado por tudo que vê e que ouve, mas quando eu vou fazer, não vou pesquisar ou procurar alguma coisa específica. Pelo contrário, quando vou fazer, tento fazer o meu melhor ali e depois acabo pensando que pode ter tido a ver com algo que vi em outro lugar. É na confusão, no meio de tudo. Até já tentei ir pra outro lugar. Uma vez fui pra uma praia lá perto de Ubatuba, ia passar 15 dias escrevendo. Cheguei lá e passei 15 dias tomando banho de mar, lendo, dormindo, não fiz nada disso. É um processo do dia a dia.

Na grande parte de suas entrevistas, você evita dar respostas muito fechadas, que tenham por base o certo ou errado, sim
ou não. Você acredita no equilíbrio e na existência de múltiplas possibilidades em tudo?

Eu evito sim, porque até pode acontecer de eu dizer que acho algo certo e depois dizer que não, e tudo bem isso. Até porque a opinião pode mudar, posso falar algo com muita certeza agora e depois ser outra coisa. Não têm só dois lados de cada coisa. Isso de todo mundo ter que dar opinião sobre tudo, tem que ter opinião fechada, não precisa. Às vezes você não sabe sobre aquilo, ainda está percebendo ainda o que é. O que me agonia é isso, todo mundo tem que ter uma opinião formada sobre tudo. Tento entender melhor antes de falar, não tachar as opiniões.

Qual a importância da existência de pequenas editoras e gravadoras? Essa presença independente faz diferença no mercado?
Acho isso muito importante, fiz discos independentes, sempre segui esse caminho. Esse caminho independente é muito importante, existe uma liberdade total de tema, de formato, a limitação é só pela grana. A tiragem é menor, mas tem outras coisas boas, outras trocas. Gente que faz fanzine, HQ, isso é muito bom. Se tivesse uma gravadora e chegasse com uma proposta massa, eu faria também, tem muito artista que já fez coisa bacana com gravadoras, não é uma regra. A distribuição de música e as coisas vão mudando e a gente descobre novos caminhos.

(e mais) Socialista Morena – Quando você fez a foto do disco sem blusa, achou que o Facebook fosse censurar?
Karina Buhr – Só pensei no Facebook depois. Mas pensei: claro, tem grandes chances de ele vetar, porque vetam um monte de desenho meu. Achava que isso podia acontecer, sim.

Você já tinha sido bloqueada antes?
Já. Com desenhos, com o Sexo Ágil (revista eletrônica que edita anualmente). Tem uns caderninhos que eu fiz para a Livraria Cultura que tentei divulgar no Facebook e não deixaram. O Sexo Ágil todo ano vetam, tanto quando a capa é desenho quanto quando é foto.

Qual foi a idéia da capa do CD?
A idéia é ser este personagem, Selvática, que conta a história do disco. Desde o começo eu imaginei ela assim, uma guerreira, uma mistura de um monte de coisas. Aquela faca que eu uso, na verdade é uma lança ianomâmi, estou com um punhal cigano… São umas referências misturadas, mas simbolizando uma guerreira. Este nome eu tirei do Gênesis, da Bíblia, que fala de uns animais selváticos, que são os bichos escrotos: ratos, serpentes, escorpiões. E depois quando entra a mulher em cena, comecei a viajar que ela também seria selvática, por tudo que rolou na história até hoje e como elas são representadas também nestes textos todos: sempre que tem mulher é relacionado à traição, à fraqueza. 

O que você acha de mamilos serem tão “polêmicos”? Estamos vivendo tempos conservadores demais?
A gente sempre viveu, mas pelo menos na arte isso era uma coisa tranqüila, era um lugar onde dava para respirar. O que não dava na vida real, dava para respirar em foto, escultura, desenho… E agora está cada vez pior e não é só no Facebook. A gente ficou pensando: e loja de disco, será que vão querer botar tarja? Teve a história do disco de Juçara Marçal no Itunes, né? 

Qual?
Um desenho do Kiko Dinucci de uma mulher com o peito de fora que foi censurado. Então tem essa história sobrevoando, é horrível. Quando comecei a fazer o Sexo Ágil, o primeiro era falando basicamente disso, da vontade de poder tirar a blusa na rua, onde estiver, porque é a nossa burquinha. Eu chamo de mini-burca e a burca de blusão. Me lembro de quando era pequena, do momento em que tive de botar o sutiã na praia, do momento em que passei a andar de camisa. De como isso foi ruim pra mim, na época, que é também a idade em que as meninas no mundo árabe têm que botar véu, começar a se cobrir… É como se de repente chegasse numa idade em que a gente ficasse muito perigosa e os homens não vão poder resistir e só vai acontecer coisa ruim. Eu ligo isso, essa coisa de não poder ficar com o peito de fora em qualquer lugar, ao momento em que começou essa confusão toda, de você usar uma roupa curta e ser culpada de qualquer coisa ruim que lhe aconteça. Começou ali. Eu lembro muito dessa sensação de estar na praia, com 11 anos… 

Quando o peitinho da gente começa a apontar, né?
E o meu demorou, então fiquei lá muito relax. Minha avó, mãe do meu pai, ficava reclamando: ‘parece um menino, parece um menino’. Eu ficava sem nada, só com 11 anos que eu fui botar na praia a parte de cima do biquíni. E aí quando começa isso, começa a agonia na vida da gente, que nem uma blusa transparente pode usar. Tá no frio acende o farol, pronto: bota a bolsa na frente. É insuportável. 

Parece uma coisa importada da direita americana.
Isso vai tomando uma força muito louca. Essa coisa do Facebook mesmo, parece uma besteira, dizem: ‘ah, é só sair’. Não, é uma ferramenta muito poderosa de comunicação. Muita gente usa para trabalho, é uma comunicação muito forte. E ela começa a decidir quais vão ser os assuntos, quais vão ser as imagens que a gente vai poder usar. Então cada vez menos aparece peito e cada vez mais fica como natural censurar peito. O maior problema é esse: que quem faz as coisas comece a se censurar antes que venha a censura de fora. 

E desde a arte clássica, peitos de fora nunca foram um grande drama…
Pois é. Teve uma charge que recebi de um bando de homem olhando revistas de mulher nua numa banca e do lado deles uma mulher com o símbolo feminista, com o peito de fora, e a polícia levando. É bem isso. Se for uma nudez de mulher dentro daquele universo que é para mostrar para os homens, isso pode. Mas se é em outro contexto, se é uma mulher tirando porque quer tirar, aí não pode, fica proibido. Aí é que é louco.

Vira atentado ao pudor.
É. E engraçado, essa coisa de ficar muito relax de ficar com o peito de fora de novo, depois da infância, eu tive no teatro Oficina. Maravilhoso ver isso lá dentro, como a gente é completamente livre de fazer isso lá dentro. Mesmo. E é uma sensação muito boa, passar duas, três, seis horas de peça sem roupa. E isso ser uma coisa completamente natural. Tem muita gente que vai lá e se choca e são pessoas que não se chocam de estar numa boate de strip. Acham natural este outro tipo de nudez. 

Você sempre foi uma pessoa muito engajada. Como está vendo a situação política que a gente está vivendo?
Eu fico me sentindo sabotada o tempo todo, dá vontade de nem ler mais nada do que está rolando, esperar pra ver o que vai acontecer e depois respirar de novo. Porque é uma sensação de impotência muito grande, é uma força muito grande da mídia inteira querendo defender as suas causas. É um cenário fake que se criou e que a gente começa a viver como se fosse realidade e de repente essa realidade é a maior de todas. Essa coisa do impeachment, poucos meses depois de a mulher ser eleita pela maioria das pessoas, começar este boicote e virar o que virou! É uma coisa muito surreal, apesar de ser repetição de histórias que a gente vê no mundo desde sempre. Só que estar presente dentro de uma, quando está acontecendo, é diferente de analisar de longe o que ocorre em outro país. É uma coisa muito esquizofrênica, na verdade, porque a maioria das pessoas que votou em Dilma, eu incluída, acreditou nas coisas que ela sempre defendeu, e de repente ela não só não representa mais muito disso como também não assume que representa o outro lado. A questão indígena, por exemplo, é muito absurdo como é tratada. É um partido que está junto dos latifundiários e os latifundiários odeiam este partido. 

Tenho a impressão que ela, no atual momento, não está agradando a ninguém.
Ela não agrada nem quem votou nela nem quem não votou. Fica uma situação desesperadora. O Mato Grosso do Sul está em guerra e não se faz nada. Quando teve aquele movimento dos Guarani-Kaiowá ela nem recebeu eles! Uma coisa muito estranha. 

Você iria para a rua defender o governo se houver impeachment?
Eu não quero de jeito nenhum que role impeachment, não pode acontecer, é surreal. Mas, ao mesmo tempo, me falta essa força de ir para a rua defender o governo porque o governo também não está fazendo as coisas que eu acredito. Esse é um problema muito grande. Vejo isso como um problema geral, vejo muita gente nessa situação: não quer que o impeachment aconteça de jeito nenhum, mas falta esse fogo pra ir para a rua porque está vendo um monte de merda que está rolando no governo. 

Quem votou na Dilma apostou em uma guinada à esquerda e o que está acontecendo parece uma tentativa de agradar quem não votou nela…
…E não está agradando. Não está agradando e nem vai agradar. Então por mais que eu não queira que aconteça não tenho esse fogo para botar mais uma camiseta. 

Acho que muita gente iria para a rua defender a democracia, defender o voto que deu, não exatamente para defender o governo.
Pois é, eu também teria que ir nesse carro de som aí (risos). Ia ter que ir não no “defender o governo”, mas no “defender a democracia”. Isso aí total. Mas essa que é a grande armadilha: você quer defender, mas não isso que está aí rolando. Ao mesmo tempo sou contra o impeachment com unhas e dentes.

Seu disco pode ser baixado ou é vendido também?
Dá para baixar grátis e vendo também. Trabalhamos de todas as formas. Vendo disco, livro, caderno, desenho, copo… Mas eu não sou uma empresária, não sei negociar. Faço e tento colocar junto do meu trabalho, não é uma coisa de ‘tino para negócios’. 

Acho que a palavra deste século é independência, né? Artistas estão nessa, jornalistas estão nessa…
Eu gasto uma grana nestes catarses, nestes kickantes da galera… Compro livros, discos de todo mundo. Acho que é o caminho. É muito direto, você não está sendo enganado. Sabe que aquilo ali é uma coisa que você acredita. Agora o grande problema que eu acho é que tem um descompasso entre a música que é feita hoje e o modo como a mídia trata. O jornalismo de música continua agindo como era no passado. Tem essa necessidade do novo, do CD, tem uma necessidade de coisas que não são mais demandas reais de quem faz música. Tem uma mania, por exemplo, de chamar de ‘alternativo’. Chamam de alternativo porque ganha menos dinheiro, isso não diz nada sobre você. Ou ‘nova cena’, né? Eu fico rindo porque ao chegar em São Paulo zerou, né? Porque em Recife a vida inteira eu já ria muito disso lá – ria pra não chorar. E aqui zerou, virei de novo “nova cena”, “nova geração”. Estou com 41 anos e sou ‘nova geração’ para sempre… É muito engraçado. Você faz durante muitos e muitos anos e fica sendo ‘nova geração’, ‘alternativo’ para sempre. 

O legal do independente é que a gente coloca nosso grãozinho anticapitalista no mundo também.
Sim, total! E eu falo sempre que não faço música querendo agradar, pensando em agradar aquele público. Mas depois que eu faço fico torcendo para que um número maior possível de gente goste daquilo. Lógico, querer que seu trampo faça sucesso no sentido bom do sucesso. De ficar tranqüila, viver do seu trampo, mas quando se está criando, é liberdade completa. Inclusive assumindo os riscos de saber que aquela coisa não vai agradar um monte de gente e, em vez de ganhar público, vai perder. Então tem sempre esse friozinho na espinha no meio: e aí, será que vai rolar? Puf. Joga. Vamos ver qual é. Este é um risco que escolhi. Se eu não fizer assim, era melhor ter feito outra coisa na vida.

(Clique aqui para comprar o novo CD de Karina Buhr)

Cynara Menezes é a Socialista Morena
Vinicius Félix para a Brasileiros



Isabella Andrade para o uai






quarta-feira, 9 de setembro de 2015

O Fim.

Quando entramos no palco para o nosso último show, a noite era toda dos rapazes. Por fora, todos pareciam mais ou menos os mesmos, como nos últimos trinta anos. Por dentro era outra história.

Thurston deu dois tapinhas no ombro do nosso baixista Mark Ibold e correu para a frente do palco, seguido por Lee Ranaldo, nosso guitarrista, e em seguida Steve Shelley, nosso baterista. Achei aquele gesto tão falso, tão infantil, tão fantasioso. Thurston tem muitos conhecidos, mas, com os poucos amigos homens que tinha, nunca foi de falar coisas pessoais, e nunca foi do tipo de dar tapinhas no ombro. Foi um gesto que anunciava: Estou de volta. Estou livre. Estou solo.

Fui a última a entrar, e tive o cuidado de deixar uma distância entre Thurston e mim. Eu estava exausta e cautelosa. Steve tomou seu lugar atrás de sua bateria como um pai atrás de uma escrivaninha. O resto de nós nos armamos com nossos instrumentos, como um batalhão, um exército que só queria que o bombardeio terminasse.

Chovia torrencialmente, formando cortinas de água. A chuva sul-americana é como a chuva em qualquer outro lugar, e faz você se sentir igual também.

Dizem que quando um casamento termina as pequenas coisas que você nunca percebeu antes praticamente fazem o seu cérebro se partir ao meio. Durante toda a semana isso tinha sido verdade para mim sempre que Thurston estava por perto. Talvez ele sentisse o mesmo, ou talvez sua cabeça estivesse em outro lugar. Eu realmente não queria saber, para ser honesta. Fora do palco, ele estava sempre escrevendo no celular e andando em volta do resto de nós como um garoto culpado e obsessivo.

Depois de trinta anos, aquela noite era o último show do Sonic Youth. O Festival de Música e Artes SWU acontecia em Itu, nos arredores de São Paulo, Brasil, a oito mil quilômetros da nossa casa na Nova Inglaterra. Era um evento de três dias, transmitido pela televisão latino-americana e também pela internet, com grandes empresas patrocinadoras, como Coca-Cola e Heineken. As atrações principais eram Faith No More, Kanye West, Black Eyed Peas, Peter Gabriel, Stone Temple Pilots, Snoop Dogg, Soundgarden, gente assim. Éramos provavelmente os menores artistas da escalação. Era um lugar estranho para as coisas chegarem ao fim.

Ao longo dos anos, nós tínhamos tocado em um monte de festivais de rock. A banda os via como um mal necessário, embora o aspecto tudo ou nada de não se ter passagem de som antes de tocar fazia com que eles fossem emocionantes também. Festivais significam trailers e tendas nos bastidores, equipamentos e cabos de alimentação em todo lugar, banheiros químicos fedorentos, e algumas vezes encontrar músicos dos quais você gosta pessoalmente ou profissionalmente, mas nunca consegue ver ou encontrar ou conversar. Equipamentos podem quebrar, atrasos acontecem, o tempo é imprevisível. Há momentos em que você não consegue ouvir nada nos monitores, mas você continua e tenta fazer a música chegar a um mar de gente.

Festivais também significam um set mais curto. Esta noite nós iriamos encerrar tudo com setenta minutos de adrenalina, assim como tínhamos feito nos últimos dias em festivais no Peru, Uruguai, Buenos Aires e Chile.

O que havia de diferente das turnês e festivais anteriores era que Thurston e eu não estávamos falando um com o outro. Nós tínhamos trocado talvez quinze palavras durante toda a semana. Após vinte e sete anos de casamento, as coisas tinham desmoronado entre nós. Em agosto eu tive que pedir a ele para sair da nossa casa em Massachusetts, e ele saiu. Ele estava alugando um apartamento a um quilômetro de distância e indo e voltando sempre para Nova York.

O casal que todos acreditavam que era de ouro e normal e eternamente intacto, que deu a jovens músicos a esperança de que eles poderiam sobreviver no mundo louco do rock-and-roll, agora era apenas mais um clichê de um relacionamento maduro fracassado – uma crise de meia-idade masculina, outra mulher, uma vida dupla.

Thurston fingiu uma reação surpresa quando um técnico lhe passou sua guitarra. Aos cinquenta e três anos, ele ainda era o garoto magro e desgrenhado de Connecticut que conheci em um clube no centro de Nova York quando ele tinha vinte e dois e eu, vinte e sete anos. Ele me disse depois que tinha gostado dos meus óculos de sol com lentes que levantavam. Em seus jeans, tênis Puma antigo, e camisa branca de manga comprida para fora da calça, ele parecia um menino de dezessete anos congelado em um diorama, que não queria ser visto na companhia de sua mãe, ou de qualquer outra mulher, para falar a verdade. Ele tinha os lábios do Mick Jagger, e braços e pernas finas que parecia não saber como usar, e a cautela que você vê em homens altos que não querem dominar outras pessoas com sua altura. Seus longos cabelos castanhos camuflavam seu rosto, e ele parecia gostar assim.

Aquela semana foi como se ele tivesse voltado no tempo, apagado nossos quase trinta anos juntos. “Nossa vida” tinha voltado a ser “minha vida” para ele. Ele era um adolescente perdido em fantasias de novo, e o exibicionismo de rockstar que ele fazia no palco me irritava profundamente.

O Sonic Youth sempre tinha sido uma democracia, mas todos nós tínhamos nossos papéis também. Fui para meu lugar no centro do palco. Não tinha começado dessa forma e eu não tenho certeza de quando isso mudou. Era uma coreografia que datava de vinte anos atrás, quando o Sonic Youth assinou com a Geffen Records pela primeira vez. Foi então que soubemos que, para as grandes gravadoras, a música importa, mas muito se resume ao visual da garota. A garota ancora o palco, suga o olhar masculino, e, dependendo de quem ela é, lança seu próprio olhar de volta para a plateia.

Como a nossa música pode ser estranha e dissonante, minha presença no centro do palco também torna muito mais fácil vender a banda. Olha, é uma menina, ela está usando um vestido, e ela está com esses caras, então deve estar tudo bem. Mas não era assim que a gente funcionava como uma banda indie, por isso eu estava sempre preocupada em não ficar muito na frente.

Eu mal consegui me segurar durante a primeira música, “Brave Men Run”. Em um ponto a minha voz parecia que estava raspando contra o seu próprio fundo, e aí o fundo caiu. Era uma música velha, bem do começo, do nosso disco Bad Moon Rising. Eu escrevi a letra na Rua Eldridge, em Nova York, em um apartamento onde Thurston e eu morávamos na época. Essa música sempre me faz pensar nas mulheres pioneiras da família da minha mãe ralando para chegar na Califórnia através do Panamá, e minha avó sendo mãe solteira durante a Depressão, sem nenhuma renda de verdade. Poeticamente, ela me lembrava de como eu juntei pela primeira vez minhas influências artísticas na minha música. Eu tirei o título de uma pintura de Ed Ruscha que mostra um veleiro deslizando através de ondas e cristas espumosas.

Mas isso foi há três décadas. Esta noite Thurston e eu não olhamos um para o outro nem uma vez, e quando a música acabou, virei meus ombros para o público para que ninguém na plateia ou a banda pudesse ver meu rosto, embora isso tivesse pouco efeito. Tudo o que fazia e dizia era transmitido de uma das duas telas de vídeo de quarenta metros de altura no palco.

Por algum motivo – simpatia, ou tristeza, ou as manchetes e matérias em espanhol, português e inglês sobre a minha separação de Thurston que nos seguiram por todos os lugares que fomos naquela semana – tivemos o apoio apaixonado dos públicos da América do Sul. A multidão desta noite se espalhava na nossa frente e se misturava com as nuvens escuras ao redor do estádio – milhares de jovens encharcados de chuva, cabelos molhados, costas nuas, camisetas regata, levantavam as mãos segurando celulares e meninas nos ombros escuros dos rapazes.

O mau tempo tinha nos seguido pela América do Sul, de Lima para o Uruguai, para o Chile e agora para São Paulo – um filme-espelho cafona do estranhamento entre Thurston e eu. Os palcos dos festivais eram como versões musicais de estranhas cenas domésticas – uma sala de estar, ou uma cozinha, ou uma sala de jantar, onde o marido e a esposa se cruzam pela manhã e preparam xícaras de café para si mesmos sem nenhum se importar com o outro, ou com qualquer passado em comum.

Depois desta noite, era o fim do Sonic Youth. A nossa vida como um casal, e como uma família, já tinha acabado. Nós ainda tínhamos nosso apartamento na rua Lafayette, em Nova York – embora não por muito tempo – e eu ia continuar morando com a nossa filha, Coco, na nossa casa no oeste de Massachusetts que compramos em 1999 de uma escola local.

“Olá!” Thurston gritou alegremente para a multidão pouco antes de a banda começar com “Death Valley '69”. Duas noites antes, no Uruguai, Thurston e eu tivemos que cantar juntos outra música antiga, “Cotton Crown”. A letra era sobre amor, e mistério, e química, e sonhos, e sobre ficar juntos. Era basicamente uma ode à cidade de Nova York. No Uruguai eu estava muito chateada para cantá-la, e Thurston teve que terminar sozinho.

Mas eu ia conseguir cantar “Death Valley”. Lee, Thurston e eu, e depois só nós dois, ficamos lá. Meu futuro-ex-marido e eu enfrentamos aquela massa de brasileiros molhados pulando, nossas vozes juntas corrigindo as palavras antigas, e para mim foi uma trilha sonora em staccato de energia crua e surreal, de raiva e dor: Hit it. Hit it. Hit it. Bater. Bater. Bater. Acho que nunca me senti tão sozinha em toda a minha vida.

O comunicado para a imprensa emitido um mês antes por nossa gravadora, a Matador, não dizia muito:

Os músicos Kim Gordon e Thurston Moore, casados em 1984, anunciam sua separação. O Sonic Youth, com a presença de Kim e Thurston, irá manter as datas da sua turnê sul-americana em novembro. Planos para além dessa turnê são incertos. O casal pediu respeito por sua privacidade pessoal e não pretende comentar o assunto.

“Brave Men Run”, “Death Valley '69”, “Sacred Trickster”, “Calming the Snake”, “Mote”, “Cross the Breeze”, “Schizofrenia”, “Drunken Butterfly”, “Starfield Road”, “Flower”, “Sugar Kane”, e encerrando com “Teen Age Riot”. O set list de São Paulo nos levava de volta para quando começamos, letras que Thurston e eu tínhamos escrito separados ou em conjunto, músicas que fizeram o Sonic Youth atravessar os anos oitenta e noventa, e os nossos álbuns mais recentes.

O setlist podia parecer uma compilação de nossas melhores músicas, mas foi cuidadosamente pensado. Durante o ensaio e toda aquela semana, eu me lembro de Thurston fazer questão de dizer à banda que não queria tocar esta ou aquela música do Sonic Youth. Em um certo momento eu me toquei que algumas músicas que ele queria deixar de fora eram sobre ela.

Nós podíamos ter cancelado a turnê, mas tínhamos assinado um contrato. É tocando ao vivo que as bandas ganham a vida, e todos nós tínhamos famílias e contas para pagar, e no caso de Thurston e eu, a mensalidade da faculdade de Coco para pensar. Ao mesmo tempo, eu não tinha certeza se seria bom fazer esses shows. Eu não queria que as pessoas presumissem o que quer que tivesse acontecido entre Thurston e mim, eu estava fazendo o papel da mulher que aguenta tudo do marido, oferecendo apoio a ele. Eu não estava. E fora do nosso círculo mais próximo ninguém realmente sabia o que tinha acontecido.

Antes de irmos para a América do Sul, o Sonic Youth ensaiou por uma semana em um estúdio em Nova York. De alguma forma, eu consegui passar por aquilo, com a ajuda de um Xanax, a primeira vez que tomei um durante o dia. Em vez de ficar em nosso apartamento, que agora parecia contaminado para mim, os outros concordaram em me deixar em um hotel.

Fiéis à banda, todo mundo fingiu que tudo estava igual. Eu sabia que os outros estavam muito nervosos sobre como as coisas estavam entre mim e Thurston para interagirem comigo, considerando que todos sabiam as circunstâncias da nossa separação, e até mesmo conheciam a mulher em questão. Eu não queria que ninguém se sentisse desconfortável, e além de tudo, eu tinha concordado em continuar com a turnê. Eu sabia que todos tinham suas próprias opiniões e eram solidários, mas fiquei surpresa com a forma jovial com que todos estavam agindo. Talvez todo mundo estivesse muito chocado pela irrealidade. O mesmo aconteceu na América do Sul.

[...]

Alguém me disse que o show inteiro de São Paulo está online, mas eu nunca vi e não quero ver.

Naquele último show, eu me lembro de querer saber o que o público estava notando ou pensando sobre esta pornografia crua e estranha de tensão e distância. O que eles viram e o que eu vi foram provavelmente duas coisas distintas.

Durante “Sugar Kane”, a penúltima música, um globo azul da cor do oceano apareceu no telão atrás da banda. Ele girava muito lentamente, como se exprimisse toda a indiferença do mundo em relação às suas próprias voltas e giros. Tudo passa, o mundo dizia, como o gelo derrete, e os postes de luz mudam de cor quando nenhum carro está por perto, e o mato cresce em paredes e calçadas rachadas, e as coisas nascem e depois as coisas se vão.

Quando a música terminou, Thurston agradeceu ao público. “Eu mal posso esperar para ver vocês de novo”, ele disse.

A banda fechou com “Teen Age Riot” do nosso álbum Daydream Nation. Eu cantei, ou cantei pela metade, as primeiras frases: “Spirit desire. Face me. Spirit desire. We will fall. Miss me. Don’t dismiss me."

Casamento é uma longa conversa, alguém disse uma vez, e talvez a vida de uma banda de rock também seja. Poucos minutos depois, ambos tinham acabado.

Nos bastidores, como sempre, ninguém falou nada sobre este ser o nosso último show, ou sobre qualquer coisa, na verdade. Todos nós – Lee, Steve, Mark, nossos técnicos de som – morávamos em diferentes cidades e regiões do país, de qualquer maneira. Eu estava muito triste e preocupada que eu fosse explodir em lágrimas se fosse me despedir de qualquer um, embora eu quisesse. Em seguida, cada um seguiu o seu próprio caminho, e eu voltei para casa, também.

Thurston já havia anunciado vários shows solo que começariam em janeiro. Ele iria para a Europa e, em seguida, voltaria para a Costa Leste dos Estados Unidos. Lee Ranaldo estava planejando lançar seu próprio álbum solo. Steve Shelley estava tocando direto com a banda Disappears, de Chicago. Eu faria alguns shows com um amigo músico chamado Bill Nace, e trabalharia em obras de arte para uma futura exposição em Berlim, mas ficaria principalmente em casa com a Coco, ajudando-a em seu último ano do ensino médio e no processo de candidatura para a faculdade. Na primavera, Thurston e eu tínhamos colocado à venda nosso apartamento da Rua Lafayette, em Nova York, e ele fora finalmente vendido seis meses depois. Fora isso, assim como o comunicado para a imprensa dizia, o Sonic Youth não tinha planos para o futuro.

[...]

Sempre foi difícil para mim criar um espaço emocional próprio perto de outras pessoas. É alguma coisa de infância, uma sensação de nunca me sentir protegida por meus pais ou do meu irmão mais velho, Keller, que costumava me provocar implacavelmente quando éramos pequenos – a sensação de que ninguém ali estava realmente prestando atenção. Talvez para um artista é isso o que um palco se torna: um espaço que você pode encher com o que não pode ser expresso ou obtido em qualquer outro lugar. No palco, já me disseram, eu sou opaca ou misteriosa ou enigmática ou mesmo fria. Mas mais do que qualquer uma dessas coisas, eu sou extremamente tímida e sensível, como se eu pudesse sentir todas as emoções se agitando em um ambiente. E acredite quando eu digo que, uma vez que você ultrapassa essa minha personagem, não existem mais quaisquer defesas ali.


Kim Gordon, a autora do texto - primeiro capítulo de sua autobiografia, "A Garota da Banda", recém lançada no Brasil pela Editora Rocco - é instrumentista, vocalista, artista visual, produtora musical, diretora e atriz. Ganhou notoriedade como baixista da banda pós-punk Sonic Youth, que ela formou com Thurston Moore e Lee Ranaldo em 1981. Em 1990, dirigiu o videoclipe de “Cannonball”, do Breeders, em colaboração com Spike Jonze. Anos mais tarde, lançou sua própria marca de moda, a X-Girl. Atuou no filme Últimos dias, de Gus Van Sant, e participou de episódios das séries Gossip Girl e Girls. Em 2012, após a dissolução do Sonic Youth, Kim formou o Body/Head com seu amigo Bill Nace. Em junho de 2015, a 303 Gallery, de Nova York, inaugurou uma mostra com seu trabalho.

A garota da banda

Autor: Kim Gordon
ISBN: 978-85-68432-35-8
Assuntos: BIOGRAFIA/MEMÓRIAS/DIÁRIOS, MÚSICA

Tradução: Alexandre Matias E Mariana Moreira Matias
Preço: R$ 34,50

15x22 cm
288 pp. |

#





sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Morrissey de volta, definitivamente ...

Chega de boato. O cantor Morrissey volta ao Brasil em novembro para quatro apresentações, conforme antecipado antes. Os shows acontecem em São Paulo, no dia 17, em “uma proposta mais intimista”, no Teatro Renault, e no dia 21, no Citibank Hall; no Rio de Janeiro, dia 25, no Citibank Hall; e em Brasília, dia 29, no Net Live.

Os ingressos custam entre R$ 70 e R$ 620, dependendo da modalidade e da cidade, e a venda, para o grande público, começa no dia 15 de setembro. Os clientes do dos cartões Citi e Diners Club, contudo, têm direito à pré-venda exclusiva para os shows no Citibank Hall de São Paulo e do Rio de Janeiro, entre os dias 8 e 14 de setembro.

Os ingressos podem ser adquiridos nas bilheterias oficiais (Teatro Renault e Citibank Hall, em São Paulo; Citibank Hall, no Rio de Janeiro e Central de Ingressos, em Brasília), pela internet (www.ticketsforfun.com.br) e demais pontos de venda em todo o país, nesse link: http://premier.ticketsforfun.com.br/shows/show.aspx?sh=pdv

Os shows fazem parte da turnê do álbum “World Peace Is None of Your Business”, lançado em julho do ano passado. A última vez do cantor no Brasil foi em março de 2012; veja como foi aqui.

Há cerca de dois anos, Morrissey cancelou uma turnê pelo Brasil por questões de saúde. No ano passado, ele revelou que vem tratando um câncer (saiba mais). Veja abaixo todos os detalhes da turnê de novembro:

São Paulo
Teatro Renault: Av. Brigadeiro Luís Antônio, 411 – Bela Vista
Dia 17/11, terça, 22h
Preços: R$ 620 (Setor Premium), R$ 580 (Setor Vip), R$ 620 (Camarote), R$ 510 (Camarote ZZ), R$ 510 (Plateia A), R$ 450 (Plateia B), R$ 350 (Balcão A), R$ 250 (Balcão B), R$ 140 (Balcão Visão Parcial) ou R$ 200 (Setor Vip Visão Parcial)
Informações e vendas: www.ticketsforfun.com.br
Bilheteria Oficial:
Teatro Renault: Av. Brigadeiro Luís Antônio, 411 – Bela Vista, diariamente, das 12h às 20h (em dias de espetáculo, a bilheteria funciona até o início da apresentação).
Início das vendas grande público: 15 de setembro
Pré-venda exclusiva entre os dias 8 e 14 de setembro

São Paulo
Citibank Hall: Av. das Nações Unidas, 17955 – Santo Amaro
Dia 21/11, sábado, 22h
Preços: R$ 600 (Camarote I), R$ 550 (Camarote II), R$ 580 (Pista Premium), R$ 270 (Pista), R$ 220 (Plateia Superior I), R$ 200 (Plateia Superior II), R$ 180 (Plateia Superior III) ou R$ 100 (Visão Parcial Plateia Superior)
Informações e vendas: www.ticketsforfun.com.br
Pontos de venda: http://premier.ticketsforfun.com.br/shows/show.aspx?sh=pdv
Bilheteria Oficial:
Citibank Hall: Av. das Nações Unidas, 17.955 - Santo Amaro, diariamente, das 12h às 20h
Início das vendas grande público: 15 de setembro
Pré-venda exclusiva entre os dias 8 e 14 de setembro

Rio de Janeiro
Citibank Hall: Av. Ayrton Senna, 3000, Cj 1005 – Shopping Via Parque - Barra da Tijuca
Dia 25/11, quarta, 21h30
Preços: R$ 260 (Pista), R$ 520 (Pista Premium), R$ 600 (Camarote) ou R$ 350 (Poltrona)
Informações e vendas: www.ticketsforfun.com.br
Pontos de venda: http://premier.ticketsforfun.com.br/shows/show.aspx?sh=pdv
Bilheteria Oficial:
Citibank Hall: Av. Ayrton Senna, 3000, Cj 1005 – Shopping Via Parque - Barra da Tijuca, diariamente, das 12h às 20h
Início das vendas grande público: 15 de setembro
Pré-venda exclusiva entre os dias 8 e 14 de setembro

Brasília
Net Live: SHTN, Trecho 2, Conjunto 5, Lote A - Asa Norte
Dia 29/11, domingo, 20h
Preços: R$ 500 (Pista Premium, Lote 1), R$ 540 (Pista Premium Lote 2), R$ 580 (Pista Premium Lote 3), R$ 300 (Pista Lote 1), R$ 340 (Pista Lote 2) ou R$ 380 (Pista Lote 3)
Informações e vendas: www.ticketsforfun.com.br
Pontos de venda: http://premier.ticketsforfun.com.br/shows/show.aspx?sh=pdv
Bilheteria Oficial:
Central de Ingressos Brasília Shopping: SCN Quadra 5 - Bloco A Piso G2, de segunda a sábado, das 10h às 22h, e domingos e feriados, das 14h às 20h
Início das vendas grande público: 15 de setembro