domingo, 30 de novembro de 2014

35 Anos hoje.

The Wall é o décimo primeiro álbum de estúdio da banda inglesa de rock progressivo Pink Floyd. Lançado em 30 de Novembro de 1979 ele foi, posteriormente, tocado ao vivo com efeitos teatrais, além de ter sido adaptado para o cinema. Seguindo a tendência dos últimos três álbuns de estúdio da banda, The Wall é um disco conceitual, tratando de temas como abandono e isolamento pessoal. Foi concebido, inicialmente, durante a turnê In the Flesh, em 1977, quando a frustração do baixista e letrista Roger Waters para com seus espectadores tornou-se tão aguda que ele se imaginou construindo um muro entre o palco e o público.

The Wall é uma ópera rock centrada em Pink, um personagem fictício baseado em Waters. As experiências de vida de Pink começam com a perda de seu pai durante a Segunda Guerra Mundial e continuam com a ridicularização e o abuso de seus professores, com sua mãe superprotetora e, finalmente, com o fim de seu casamento. Tudo isso contribui para um auto-impost isolamento da sociedade, representada por uma parede metafórica.

ANTECEDENTES: A In the Flesh Tour foi a primeira turnê da banda em grandes estádios, e em julho de 1977, no último show, realizado no Estádio Olímpico de Montreal, um pequeno grupo de fãs barulhentos que estavam perto do palco irritou Waters a tal ponto que ele cuspiu em um deles. Mais tarde, naquela noite, ao voltar do hospital para tratar uma lesão sofrida no pé, Waters conversou com o produtor musical Bob Ezrin e um amigo de Ezrin, um psiquiatra, sobre os sentimentos de alienação que ele estava tendo na turnê. Ele articulou o seu desejo de isolar-se construindo um muro no palco, separando a banda do público. Mais tarde, ele disse: "Eu odiava tocar em estádios ... Eu dizia para as pessoas sobre essa turnê, 'Eu realmente não estou gostando disso ... há algo muito errado com isso.'" Enquanto Gilmour e Wright estavam na França gravando álbuns solo e Nick Mason estava ocupado produzindo o álbum Green, de Steve Hillage, Waters começou a escrever material novo. O incidente da turnê deu o ponto de partida para um novo conceito, que explorou o isolamento do protagonista depois de anos de interações traumáticas com figuras de autoridade e a perda de seu pai quando criança. O conceito de The Wall era tentar analisar a situação psicológica do artista, usando uma estrutura física como um dispositivo metafórico e teatral.

Em julho de 1978 a banda se reuniu no Britannia Row Studios, onde Waters apresentou duas novas ideias para álbuns conceituais. A primeira foi uma demonstração de noventa minutos com o título Bricks in the Wall. O segundo, um projeto sobre os sonhos de um homem em uma noite, que lidavam com o casamento, sexo, e os prós e contras da monogamia e da vida familiar versus a promiscuidade. A primeira opção foi escolhida pelo grupo para ser o novo projeto do Pink Floyd, enquanto a segunda ideia se tornou um esboço para o primeiro disco solo de Waters, um álbum conceitual intitulado The Pros and Cons of Hitch Hiking.

Em setembro, a banda estava passando por dificuldades financeiras. A Norton Warburg Group (NWG) tinha investido cerca de três milhões de libras (14,1 milhões no valor contemporâneo) do grupo em capital de risco para reduzir as suas obrigações fiscais. A estratégia falhou, deixando a banda enfrentando altas taxas fiscais, que chegava a até 83 por cento. O Pink Floyd terminou seu relacionamento com a NWG, exigindo a devolução de fundos não investidos. A banda, assim, precisava urgentemente produzir um novo álbum para ganhar dinheiro. Devido ao projeto de 26 faixas ter apresentado um desafio maior do que os discos anteriores da banda, Waters decidiu trazer um produtor e colaborador de fora. Mais tarde, ele disse: "Eu precisava de um colaborador que estivesse em uma posição musical e intelectualmente semelhante à minha."

Por sugestão da então namorada de Waters, Carolyne Christie, que havia trabalhado como secretária de Ezrin, a banda o contratou como co-produtor. Desde o início, Waters deixou Ezrin em dúvida quanto a quem estava no comando: "Você pode escrever o que quiser, só não espere qualquer crédito." Ezrin, Waters e Gilmour leram o conceito de Waters, mantendo o que eles gostaram e descartando o que eles achavam que não estava bom o suficiente. Waters e Ezrin trabalharam principalmente sobre a história, melhorando o conceito. Seu script de quarenta páginas foi apresentado ao resto da banda, com resultados positivos: "No dia seguinte, no estúdio, tivemos uma mesa de leitura, como você faria em um jogo, mas com toda a banda, e os olhos de todos brilharam, porque eles podiam ver o álbum pronto." Ele ampliou a história, distanciando-a da obra autobiográfica que Waters tinha escrito, baseando-se em um composto, ou um personagem chamado Pink. O engenheiro Nick Griffiths disse mais tarde do produtor canadense: "Ezrin foi muito bom em The Wall, porque ele conseguiu puxar a coisa toda em conjunto. Ele é um cara muito forte. Houve muita discussão entre Roger e Dave sobre como ele deve soar, e ele preencheu a lacuna entre eles." Waters escreveu a maior parte do material do álbum, dividindo com Gilmour os créditos em "Comfortably Numb", "Run Like Hell", e "Young Lust", e com Erzin "The Trial".

Conceito e história: The Wall é uma ópera rock que explora o abandono e o isolamento, simbolizada por uma parede metafórica. As músicas criam uma história na vida do protagonista, Pink, um personagem baseado em Waters, cujo pai foi morto durante a Segunda Guerra Mundial. Pink é oprimido pela mãe superprotetora e atormentado na escola por professores tirânicos e abusivos. Cada um dessas traumas se tornam os "tijolos no muro". O protagonista vira uma estrela do rock e suas relações são marcadas por infidelidade, uso de drogas e explosões de violência. Como seu casamento desmorona, ele termina a construção de sua parede, completando o seu isolamento do contato humano.

Escondido atrás de sua parede, a crise de Pink aumenta, culminando em uma performance alucinante no palco, onde acredita ser um ditador fascista. Atormentado pela culpa, ele se coloca em um julgamento, onde seu juiz interior ordena-lhe que mande abaixo o seu próprio muro e se abra para o mundo exterior. O álbum gira um círculo completo com suas palavras de encerramento "Não é este onde ...", as primeiras palavras da frase que inicia o álbum, "... Nós chegamos?" com a continuação da melodia da última canção insinuando a natureza cíclica do tema de Waters.

O disco inclui várias referências ao ex-membro da banda Syd Barrett, incluindo "Nobody Home" que sugere a sua condição durante a turnê do Pink Floyd nos Estados Unidos abortada de 1967, com letras como "selvagens, olhos arregalados". "Comfortably Numb" foi inspirada por injeções de relaxante muscular em Waters para combater os efeitos da hepatite durante a In the Flesh Tour.

Gravação, lançamento, promoção e repercussão: The Wall foi gravado em vários locais. Na França, o Super Bear Studios foi usado entre janeiro e julho de 1979, com Waters gravando seus vocais perto dali, no estúdio Miraval. Michael Kamen supervisionou os arranjos orquestrais no CBS Studios, em Nova York, em setembro. Ao longo dos dois meses seguintes a banda utilizava o Cherokee Studios e The Recorder Village, em Los Angeles. Um plano para trabalhar com os Beach Boys no Sundance Productions em Los Angeles foi cancelado. Durante uma semana em novembro, eles trabalharam no Producers Workshop, também em Los Angeles.

James Guthrie, recomendado por Alan Parsons, antigo colaborador da banda, chegou no início do processo de produção. Ele substituiu o engenheiro Brian Humphries, emocionalmente drenado por seus cinco ano com a banda. Guthrie foi contratado como coprodutor, mas não tinha consciência do papel de Ezrin: "Eu me vi como um novo e quente produtor... Quando chegamos, eu acho que nós dois sentimos que tinhamos sido reservados para fazer o mesmo trabalho." As primeiras sessões no Britannia Row foram carregadas de emoção, sendo que Ezrin, Guthrie e Waters tinham ideias fortes sobre a direção que o álbum iria tomar. As relações no interior da banda estavam em baixa, e o papel de Ezrin se expandiu para algo entre Waters e o restante do grupo. Como o Britannia Row foi inicialmente considerada inadequado para The Wall, a banda atualizou muito do seu equipamento, e em março um outro conjunto de demos estavam feitas.

No entanto, a sua antiga relação com a NWG colocou-os em risco de falência, e eles foram aconselhados a deixar o Reino Unido antes de 06 de abril de 1979, por um período mínimo de um ano. Como não residentes não pagam impostos no Reino Unido durante esse tempo, dentro de um mês todos os quatro membros e suas famílias haviam deixado o país. Waters mudou-se para a Suíça, Mason para a França, e Gilmour e Wright para as Ilhas Gregas. Alguns equipamentos do Britannia Row foram realocados na Super Bear Studios, perto de Nice. Gilmour e Wright foram se familiarizando com o estúdio e gostavam de sua atmosfera, depois de ter gravado lá durante a produção de seus álbuns solo. Mason mais tarde mudou-se para perto da casa de Waters, perto de Venice, enquanto Ezrin ficou em Nice.

Os problemas tornaram-se mais aparentes quando a relação de Roger com Wright "azedou". Os quatro raramente iam juntos ao estúdio. Ezrin e Guthrie ​​Mason previamente gravaram faixas juntos, e Guthrie também trabalhou com Waters e Gilmour durante o dia, retornando à noite para receber as contribuições de Wright. Wright, preocupado com o efeito que a introdução de Ezrin teria nas relações internas da banda, estava ansioso para ter o crédito de produtor no álbum (os álbuns da banda até o momento constavam sempre como "produzido por Pink Floyd"). Waters concordou com um período experimental com a produção de Wright, mas depois de algumas semanas ele e Ezrin expressaram sua insatisfação com os métodos do tecladista. Gilmour também expressou sua irritação, queixando-se que a falta de Wright estava "deixando-os todos loucos". Wright também tinha seus próprios problemas, um casamento fracassado e o início da depressão.

As férias da banda foram reservadas para agosto, depois que eles estavam para se reunir no Cherokee Studios em Los Angeles, mas a Columbia lhes ofereceu um melhor negócio em troca do lançamento do álbum no Natal. Waters, portanto, aumentou a carga de trabalho. Ele também sugeriu a gravação em Los Angeles dez dias antes que o acordado, e contratar outro tecladista para trabalhar ao lado de Wright, cujas partes ainda não haviam sido registradas. Wright, no entanto, recusou-se a diminuir suas férias em Rhodes.

Em sua autobiografia, Inside Out, Mason diz que Waters chamou O'Rourke, que estava viajando para os Estados Unidos no QE2, e disse-lhe para ter Wright fora da banda no momento em que ele chegasse a Los Angeles para mixar o álbum. Em outra versão gravada por um historiador da banda, Waters chamou O'Rourke e pediu-lhe para falar com Wright sobre os novos arranjos de gravação, a que Wright supostamente respondeu "Diga a Roger para se foder ...". Wright não concordou com essa lembrança, afirmando que a banda concordou em gravar apenas durante a primavera e início do verão, e que ele não tinha ideia de que eles estavam tão atrasados. Mason escreveu mais tarde que Waters estava "chocado e furioso", e sentiu que Wright não estava fazendo o suficiente para ajudar a completar o álbum. Gilmour estava de férias em Dublin, quando soube dos acontecimentos, e tentou acalmar a situação. Mais tarde, ele conversou com Wright e deu-lhe seu apoio, mas lembrou-lhe sobre sua contribuição mínima para o álbum. Waters, entretanto, insistiu na saída de Wright. Vários dias depois, preocupado com sua situação financeira, Wright saiu. A notícia da sua partida foi omitida da imprensa musical. Embora seu nome não tenha aparecido em qualquer parte do álbum original, ele foi contratado como músico da banda na The Wall Tour.

Em agosto de 1979, Wright concluiu as suas funções no Cherokee Studios auxiliado pelos músicos de estúdio Peter Wood e Fred Mandel, e Jeff Porcaro tocando bateria no lugar de Mason em "Mother". Com seu dever completo, Mason deixou a mixagem final para Waters, Gilmour, Ezrin e Guthrie, e viajou para Nova York para gravar seu primeiro álbum solo, Nick Mason's Fictitious Sports. Em antecipação do seu lançamento, limitações técnicas levaram a algumas mudanças que estavam sendo feitas no conteúdo do The Wall, com "What Shall We Do Now?" sendo substituídos pela semelhante, mas mais curta, "Empty Spaces". "Hey You", por outro lado, foi movida de seu lugar original, no final do lado três, para o começo.

No Super Bear, Waters havia concordado com a sugestão de Ezrin, de que várias faixas, incluindo "Nobody Home", "The Trial" e "Comfortably Numb", deveriam ter um acompanhamento orquestral. Michael Kamen, que já havia trabalhado com David Bowie, foi contratado para supervisionar esses arranjos, que foram executadas por músicos da Filarmônica de Nova York e Orquestra Sinfônica de Nova York e um coral da Opera de Nova York. Suas sessões foram gravadas na CBS Studios, em Nova York, apesar do Pink Floyd não estar presente. Kamen conheceu a banda apenas depois que a gravação foi concluída.

Ezrin e Waters supervisionaram a captura de vários efeitos sonoros utilizados no álbum. Waters gravou o telefonema usado na demo original de "Young Lust", mas esqueceu de informar seu destinatário; Mason assumiu que era um trote e desligou o telefone com raiva. A chamada é uma referência direta a um incidente da banda na turnê Flesh, quando uma chamada de Waters à sua esposa Judy foi atendida por um homem. Waters também registrou os sons do ambiente em Hollywood Boulevarde e o engenheiro Phil Taylor gravou alguns dos ruídos de pneus em "Run Like Hell" de um parque de estacionamento do estúdio, e um aparelho de televisão sendo destruído foi usado em "One of My Turns". De volta ao Reino Unido no Britannia Row Studios, Nick Griffiths gravou o esmagamento de louça para a mesma canção. Várias transmissões de televisão foram usadas no álbum e um ator, reconhecendo a sua própria voz, aceitou um acordo financeiro com o grupo no lugar de ação legal contra eles.

O professor maníaco presente em todo o álbum foi dublado por Waters, e a atriz Trudy Young forneceu a voz da groupie. Os backing vocals foram realizadas por uma gama de artistas. Ezrin sugeriu liberar "Another Brick in the Wall part II" como um single com uma batida no estilo discoteca, que inicialmente Gilmour não gostava, embora Mason e Waters estarem mais entusiasmados com a canção. O baixista foi originalmente contra a ideia de lançar um single, mas tornou-se mais receptivo, uma vez que ele ouviu a mixagem de Ezrin e Guthrie da canção. Com dois versos idênticos, a canção foi enviada para Griffiths, em Londres, juntamente com um pedido para que encontrasse grupos de crianças para a execução de várias versões das letras. Griffiths conversou com Alun Renshaw, diretor de música na escola próxima do Islington Green, que estava mais do que entusiasmado com a ideia:
"Eu queria fazer música relevante para as crianças—não apenas ficar sentado ouvindo Tchaikovsky. Eu pensei que as letras eram grandes—"Nós não precisamos de nenhuma educação, não precisamos de nenhum controle de pensamento ..." Eu apenas pensei que seria uma experiência maravilhosa para as crianças."

Griffiths primeiro gravou com pequenos grupos de alunos e, em seguida, convidou mais, dizendo-lhes para afetar um sotaque de cockney, e gritar, em vez de cantar. A voz do coral foi sobreposta doze vezes para dar a impressão que havia mais gente cantando e depois foi enviada para Los Angeles. O resultado foi que Waters estava "radiante", e a canção foi lançada, tornando-se um hit de Natal. Houve alguma controvérsia quando a imprensa britânica informou que as crianças não tinham sido pagas por seus esforços, mas depois cada criança recebeu uma cópia do álbum, e a escola recebeu uma doação de mil libras (3000 libras em valor contemporâneo).

O álbum foi disco de platina 23 vezes e é o 3.º álbum mais vendido desde sempre nos Estados Unidos, chegando à primeira colocação nas tabelas da Billboard 200 em 1980. "The Wall" foi reeditado em CD em 1994 no Reino Unido e em 1997 no resto do mundo. No ano 2000, por ocasião do 20.º aniversário do seu lançamento, foi novamente reeditado. Em 1998 os leitores da Q magazine votaram em The Wall como o 65º melhor álbum de todos os tempos e em uma enquete similar em 2003, leitores da Rolling Stone o escolheram como o 87º melhor álbum de todos os tempos.

O Pink Floyd tocou The Wall em concerto apenas em Nova Iorque, Los Angeles, Londres, e Dortmund. As atuações incluíam pequenos filmes animados de Gerald Scarfe projetados em uma área circular atrás de um muro gigante construído para o show. Também havia gigantescas marionetes dos desenhos. Os grandes palcos dos espectáculos exigiam enormes equipamentos (incluindo guindastes) e custavam muito dinheiro. Por isso a banda perdeu muito na realização dos espectáculos, à exceção de Wright, que por ter sido "expulso" da banda por Waters, fora contratado como um cantor externo, ganhando assim um capital fixo, diferentemente dos componentes da banda.

Cquote1.svg Em 1980 quando terminámos em Nova Iorque, Larry Maggid, um promotor de Philadelphia […] ofereceu-nos 1 milhão de dólares por espectáculo, mais despesas, para fazermos dois concertos de 'The Wall'no JFK Stadium [...] e eu recusei. Tive que voltar a explicar tudo aos outros membros do grupo. Disse-lhes que deviam ter lido as explicações do que 'The Wall significava para mim'. Disse-lhe que já passavam três anos desde que tínhamos tocado num estádio e que tinha jurado nunca mais voltar a fazê-lo; disse que 'The Wall' perdia a chama completamente, tocado num estádio, e que nem o público nem a banda nem ninguém conseguiam aproveitar alguma coisa que valesse a pena e que por isso não ia fazê-lo Cquote2.svg
Roger Waters - Junho de 1987, com Chris Salewicz
Cquote1.svg Talvez a minha aprendizagem de arquitetura me tivesse ajudado a ver os meus sentimentos de alienação perante o público do rock’n’roll, o que foi o ponto de partida para 'The Wall'. O facto de ter encarnado uma narrativa autobiográfica era como que secundário à questão principal, que era uma afirmação teatral na qual eu dizia: Isto não é horrível? Aqui estou eu em cima do palco e vocês estão aí em baixo, não é horrível? Que porra é que nós estamos aqui a fazer? Cquote2.svg
Roger Waters - Junho de 1987, com Chris Salewicz

Fonte: wikipedia

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quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Paul, o "bom moço"

Ele foi usado na recente campanha presidencial pela propaganda governista, mas está longe de ser um petralha, ou mesmo tucano, ou mesmo qualquer coisa. Seu regresso ao Brasil foi citado para dizer que nunca dantes na história deste país um beatle havia nos visitado tantas vezes – um meme de sucesso que depois inspirou outros com artistas menores, como Madonna, Pearl Jam, Iron Maiden e outros.
          Sir Paul McCartney, o melhor compositor dos quatro, o galãzinho da banda, o arrumadinho, o vegetariano, o que fuma mas não traga, o que se casou com uma loira milionária, o que toca todos os anos no aniversário da rainha, o que só pensava no dinheiro, segundo seus ex-colegas. Uma enorme fama feita de várias pequenas famas, e se usarmos um termo mais simples e atual, poderíamos dizer que ele é… o beatle coxinha.

          Seria injusto chamá-lo de reacionário, e convenhamos que esses tempos de polarização vêm magnificando o significado do termo. Coxinha é coxinha. Coxinha não é sinônimo de fascista, embora um fascista possa se identificar com a lógica e o estilo de vida de um coxinha. O fato é que o perfil de Paul McCartney é o que mais identifica a classe média entre os quatro rapazes de Liverpool, assim como já foi mostrado sobre Pelé em comparação a Maradona.

          Apesar de aparentar ser o almofadinha do grupo, McCartney foi, junto com Ringo Starr, quem teve a vida mais dura antes do estrelato. O pai dele não era um vagabundo –seu desemprego era fruto dos tempos econômicos bicudos que o país enfrentava após a guerra, algo que os brasileiros podiam entender melhor quando comentam sobre os beneficiários do Bolsa-Família–, mas a família vivia do salário de sua mãe, que era enfermeira. A morte dela em 1956 (quando ele tinha apenas 14 anos), iniciou um período de aperto financeiro para os McCartney, que só terminaria na década seguinte, com o sucesso do músico e sua banda.
          As mesmas dificuldades financeiras seguidas de uma repentina e vertiginosa ascensão social marcaram a vida de Pelé e Paul, e talvez explique porque eles são defensores e ícones da defesa da meritocracia. Quem pensa que o pobre de direita é um fenômeno exclusivamente brasileiro se engana, tem gente assim no mundo inteiro, inclusive na Inglaterra pós-Segunda Guerra, quando a grande maioria da classe trabalhadora era bastante pobre e muitos, como os McCartney, eram admiradores do conservador Winston Churchill.
          Aliás, essa é uma das grandes ironias dos Beatles, pois McCartney era sim um filho da classe trabalhadora, enquanto John Lennon foi criado pela tia ultra-conservadora e educado dentro de padrões de classe média tão estritos que talvez tenham provocado seus anseios de rebeldia, que ele libertou através da música.
          Até nisso, Lennon e McCartney foram os antagonistas perfeitos, e só se fizeram amigos porque calharam de se conhecer quando ambos estavam chorando a recente perda de suas mães –a de John morreu atropelada quando ele tinha 17 anos. Dez anos depois, quando Ringo cantava Try With a Little Help From My Friends, as diferenças já vinham à tona e a amizade submergia como um submarino.
          Um parêntese: se estamos, pelo menos no Brasil, em tempos de amizades desfeitas por causa de política, nada melhor do que aproveitar o tema para abordar um dos grandes clássicos do machismo universal. Depois de 44 anos, várias hipóteses sobre o fim do Beatles já foram provadas e reprovadas, mas a que ficou no imaginário popular é a mesma indicada pela Bíblia para o fim do paraíso. A culpa foi da mulher. No caso do quarteto inglês, da pobre Yoko Ono.
          Como quase tudo no mundo das fofocas do showbiz, não foi bem assim. John Lennon realmente obrigou a banda a aceitar a presença de Yoko em todas as reuniões, mas essa foi uma decisão dele, baseado em sua própria mudança de conceitos. Ele queria que a mulher, a quem passou a ver como o negro do mundo, passasse a ser parte importante da sua vida e não um apêndice, o que foi uma mudança evidentemente política –e que depois se percebeu muito claramente em sua carreira solo, em suas ideias de não-discriminação, que o marcaram como o mais político dos quatro. Recordemos que George Harrison também obrigou os companheiros a acompanhá-lo em sua viagem hindu, com a qual nem todos os demais estavam de acordo, e nem por isso as pessoas culpam o Maharishi pelo fim da banda. E quem foi o responsável por fazer desse ciúme por Yoko o argumento oficial para o fim da banda, nas primeiras entrevistas dadas após a separação? Sim, foi o Macca, que depois mudou de versão diversas vezes, mas a opinião pública já havia comprado a ideia.
          Os dois beatles já falecidos foram os únicos que nunca mudaram de postura sobre a separação do grupo. Mesmo George, que retomou sua amizade com Paul para gravar Free as a Bird, manteve sua opinião sobre ele ser o mais preocupado com os negócios. Claro que John se referia a isso de forma mais sarcástica, o acusou de corroer a unidade do grupo com sua ganância, entre outras coisas.
A biografia de Paul McCartney escrita pelo jornalista escocês Ross Benson –um dos melhores livros que se pode ler sobre os Beatles, justamente porque não se faz de advogado do biografado ao narrar seus conflitos com os companheiros– confirma o caráter ambicioso de McCartney em diversos momentos de sua vida.
          Nos últimos anos da banda, quando o desgaste já era evidente, inclusive antes de John e Yoko se conhecerem, foi Paul o responsável por forçar a manutenção da banda, por medo de que a separação significasse uma carreira solo de sucesso somente para Lennon e não para os demais –e usava exatamente esse argumento para que George e Ringo estivessem do seu lado. Também teria sido ele o único a apoiar Harrison na ideia de viajar à Índia, pensando que poderia recuperar a relação.
          E teria sido Macca o que mais se esmerou em recuperar os direitos autorais das canções dos Beatles, segundo relato de Ross Benson no livro-biografia. Teria sido uma sugestão dele ao então amigo Michael Jackson o que levou a perder suas últimas esperanças. Na época do Say Say Say, Paul e Michael eram bastante próximos, tanto que o roqueiro britânico se permitiu dar conselhos ao jovem músico estadunidense: “o importante é ser dono dos direitos autorais, é onde realmente se ganha dinheiro, imagina quanto dinheiro eu perdi nesses anos todos”. Dias depois, Michael encontrou Paul para lhe contar que havia seguido sua sugestão. “Comprou seus direitos autorais?”, perguntou o beatle. “Não, comprei os teus!”
          Uma traição que ele aceitou, mas não perdoou, apesar de sua última colaboração juntos ser num álbum chamado Pipes of Peace (“cachimbos da paz”). A canção-título do disco era uma tentativa de ser mais político, mas acabou mostrando que seu lado político era insosso e coxinha, produzindo um dos clipes mais bocós de todos os tempos. Nessa época, ele tentava tomar o lugar do já falecido Lennon como o beatle pacifista. No fim das contas, as carreiras solo dos dois foram brilhantes, mas enquanto Paul era apenas um extraordinário e talentosíssimo músico multi-instrumentista, John se tornou um ícone da paz mundial e fez até canção para os heróis da classe trabalhadora – retomando a ironia que ambos carregaram desde a juventude.
          Enfim, Paul McCartney não é um reacionário. Pode ser ganancioso, mas nunca expôs sua consciência vegetariana em propagandas da Friboi. Talvez pense, como Lobão, que as monarquias são charmosas, e por isso canta para a rainha em seus aniversários, mas certamente não tem uma boa opinião das ditaduras desde a desastrosa viagem às Filipinas, e não apoiaria um grupo de malucos pedindo intervenção militar em lugar nenhum do mundo.
          E se você, comunista, socialista, anarquista, libertário ou coisa que o valha, resolver deixar de ouvir esse gênio canhoto da música porque ele só usa a esquerda para tocar seus instrumentos, pense bem se não é você quem está defendendo a política do Live and Let Die.

por Victor Farinelli

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quarta-feira, 26 de novembro de 2014

The Wall, 35 anos ...

"The Wall", obra-prima do Pink Floyd, estará fazendo 35 anos de lançado no próximo domingo, dia 30 de novembro de 2014. Lembrarei a data nas próximas edições do programa de rock. Aqui, aproveito para reproduzir um "post" do co-fundador do programa, Fabio "Snoozer", publicado em seu blog por ocasião do lançamento das novas versões remasterizadas do disco, há 2 anos ...

Em tempos em que o barato (não nos preços) é comprar luxuosos LPs em prensagens novas de alta fidelidade, só mesmo essa massiva campanha de gravadoras multinacionais relançando discografias completas das mais queridas e amadas bandas do rock mundial para aquecer o mercado de discos. Uma das primeiras a ter sua discografia remasterizada e embalagens 'repackiadas' foi o Led Zeppelin (Atlantic). Ainda não estava em voga o digipack, que aproxima o CD da experiência única de se manipular um LP. Uma década depois a EMI jogou duro e finalmente atualizou a discografia de um campeão de vendas: os The Beatles! Não só o som foi melhorado, mas as embalagens deram aquela sensação de justiça sendo feita à grandiosidade da música. Os fãs agradecem, o departamento de vendas das lojas também! Rolling Stones e Bob Dylan vêm aos poucos explorando relançamentos que fazem mesmo um cara que já tem uma edição qualquer do LP e o CD lançado na década de 90 (com som pífio comparado ao LP original) vá lá e compre pela terceira vez o mesmissimo disco, mesmo que não possua nenhum 'extra'.

A discografia dos Doors é um caso à parte: a Elektra não só capricha nos encartes e na remasterização dos clássicos álbuns com Jim Morrison, mas há inserções de conversas de estúdio antes e depois das músicas, faixas bônus aos montes em cada disco, e "Light My Fire" com a rotação consertada (é, o que ouvíamos anteriormente era a master feita a partir de uma fita acidentalmente acelerada). No caso da EMI - os supracitados Beatles e a vitoriosa campanha "Why Pink Floyd" com a gigantesca caixa "Discovery" -, os relançamentos apresentam os tracklists idênticos aos originais. Tiro certeiro pro 'hardcore fan' não se desapontar, afinal o mais importante fator em qualquer disco é o som, e esse é o grande trunfo desses 'remasters', assim como nos dos Beatles (seja estéreo ou mono). O segundo fator mais importante é a apresentação do material, e se nos besouros já tava lindo, com o Pink Floyd é um passo adiante. Especialmente nas edições "Experience" e "Immersion" de três álbuns-chave do quarteto inglês: Dark Side of The Moon, Wish You Were Here e The Wall, também relançados em vinil. As  edições "Discovery", no entanto, não deixam a desejar. Embalados no plástico nas vitrines parece fino demais, mas justiça seja feita, o digipack usado é capa dupla e os encartes contém imagens das artes originais retrabalhadas, fotos, letras e ficha técnica completa. Não dá pra querer mais que isso, né...

Ao pensar com meus botões que discos do Pink Floyd eu daria prioridade pra adquirir, certamente escolheria o álbum de estreia (The Piper at the Gates of Dawn), que amo de paixão, o Meddle e o Animals. Também tem o A Saucerful of Secrets, Ummagumma e o Wish You Were Here, mas em nenhum momento o The Wall figurava em qualquer 'top 5' que eu fizesse sem pensar muito. Assim como alguns clássicos do Zeppelin, Deep Purple e Sabbath, o The Wall é daqueles discos que ouvi tanto na adolescência que estava dentro de uma gaveta (um muro?) cuja importância eu subestimava. Eu sequer o havia ouvido na antiga versão em CD. Só conhecia mesmo o velho LP CBS de meu irmão e, claro, o genial filme de Alan Parker que mune o espectador de vívidas imagens para sempre indissociáveis do áudio original.

Eis que em uma recente ida a Itabaiana e visita à loja TNT Rock com pouco tempo disponível para escolher entre vários títulos apetitosos, me deparo com a edição "Experience" do disco-do-muro. O CD é triplo, contendo o disco duplo original, mais o extra intitulado "Work in Progress", contendo não as demos de Roger Waters - presentes nos extras expandidos da caixa "Immersion" - mas já as sessões de estúdio com a banda ainda encontrando as melhores soluções não só nos arranjos (algumas músicas contém diferenças gritantes), mas também no ordenamento das faixas que, em se tratando de The Wall, faz toda a diferença!

O disco duplo original é uma obra ímpar não só na discografia do Floyd, mas de uma visão que não se encontra em nenhuma outra banda. Pensei, pensei, e não achei absolutamente nada parecido. Mesmo sem ter havido filme (lançado em 1982) é uma narrativa completa, em 02 atos, com personagens, efeitos sonoros (altamente valorizados na remasterização), e a mais emblemática performance de Roger Waters que, pra quem não sabe, é o grande gênio por trás da concepção do álbum, e canta diversas músicas de maneira tão visceral que você não acredita que ele é apenas o vocalista do Pink Floyd, mas ele é o próprio Pink, personagem principal da trama narrada em The Wall. De fato, a gênese do álbum partiu da própria experiência de Roger vendo os shows de sua banda se transformarem em um mega evento, tocando em estádios e perdendo o contato próximo aos fãs de outrora. A catarse veio após um show da turnê do disco anterior, Animals, onde Rogério Águas cuspiu em um fã que havia furado o bloqueio dos seguranças para poder subir no palco, berrando o quanto amava o Pink Freud. Adicione a essa egotrip sua história de vida pessoal, tendo perdido o pai para uma guerra, e o amigo e líder dos primódios do Floyd, Syd Barrett, para a loucura causada pelo uso abusivo de drogas alucinógenas.

Listo aqui o que há de realmente diferente e interessante no CD extra: o "prelúdio" (a única demo original de Roger inclusa) que é uma colagem de sons tirados de gravações da Vera Lynn - que viraria tema para uma composição original incluída no LP ; "Teacher Teacher" (retrabalhada como "The Hero's Return" em The Final Cut de 1983), "Sexual Revolution" e "Backs to the wall", faixas deletadas do disco original, lançado em novembro de 1979, além das duas contribuições de David Gilmour (fora "Run Like Hell") com trechos inteiros completamente diferentes: "Young Lust" e "The Doctor" (que virou "Comfortably Numb"). Isso não quer dizer que as outras faixas são dispensáveis. É incrível como The Wall é um trabalho onde os detalhes são tão importantes quanto as melodias ou solos de guitarra. Várias músicas que conhecemos de cor e salteado aparecem em versões idênticas... até um arranjo no meio ou final da música aparecer e você perceber que o produto final foi o resultado de várias tesouradas para incluir no disco duplo o que havia de mais essencial no repertório e dentro de cada música. Mérito da dupla Waters-Gilmour que assinam a produção junto a Bob Ezrin (um cara que tem no currículo o Berlin de Lou Reed e Destroyer do Kiss). Além destes, um nome aparece como co-produtor: James Guthrie. Esse engenheiro de som foi tão importante para este trabalho (que realmente tem um som só seu, extremamente peculiar), que foi chamado para produzir o disco seguinte, The Final Cut (o canto de cisne de Roger Waters à carreira Floydiana), e é um dos responsáveis pela remasterização de todo o catálogo relançado em 2011. Guthrie também foi recrutado para a transposição de The Wall de um trabalho de estúdio para show ao vivo. Gilmour, que não raramente batia de frente com as decisões egoístas do líder assumiu a direção musical do show, sendo responsável por contratar e ensaiar os músicos extras e de coordenar toda a equipe durante o espetáculo.

Foram somente 27 shows na turnê promocional do disco, ou seja, se você estava em um deles pode se considerar um 'lucky bastard' só por ter estado presente. Roger Waters reviveu o mesmo conceito nos anos 80 e mais recentemente com uma turnê, mas nada se compara à experiência original. Na caixa "Immersion" tem um DVD que traz uma ou duas faixas em vídeo, mas a dura realidade é... show completo em alta definição, sem chance! Dá pra arriscar alguns registros de filmadora postados no Tubo, mas o que mais aproxima fidedignamente da experiência é o CD duplo "is there anybody out there?", que também foi remasterizado e incluído na tal da imersão. Para sorte de quem adquiriu o lançamento original (não é inédito, já havia sido lançado anteriormente, em tiragem limitada) o livreto do encarte é recheado de ótimas fotos em papel especial, depoimentos dos 04 membros e também de James Guthrie, um "Behind The Wall" (antes do doc) com detalhes da produção... ou seja material suficiente para atestarmos a grandeza do projeto.

Confesso que tinha ouvido poucas vezes os CDs ao vivo - que tenho desde 2001. Afinal, como colocado no início do post, The Wall é daqueles discos que simplesmente não me dava vontade de ouvir, por eu saber exatamente de onde vem e pra onde vai. Lógico que ao adquirir o CD triplo remasterizado eu logo revisitei o ao vivo, e não me arrependi. É mais uma luz na evolução do repertório. Há músicas no set list do show que não estão presentes no disco de estúdio, nem nas demos "in progress". Nos textos mencionados, a gente aprende que realmente tudo foi uma questão de escolha de prioridades e, claro, devemos lembrar da limitação do vinil em relação ao tempo de cada lado dos LPs. Músicas como "What Shall We Do" (cuja letra havia sido impressa no vinil original!?!) e "The Last Few Bricks" (um instrumental que une vários temas do disco 1, antes de "Goodbye Cruel World") dão maior linearidade à narrativa musical, ao passo em que a gente entende que a exclusão delas não atrapalhou em nada o entendimento da obra lançada em 1979. E, assim como nas demos que conheci agora, esse novo gás em "Is there anybody out there" me fez perceber outros detalhes que diferem as versões ao vivo das de estúdio. Não são poucas as músicas que tem partes instrumentais extendidas (basicamente para solos), como a jam em "Another Brick in the Wall Pt. 2". Outras como "The Show Must Go On" contém uma estrofe completamente nova. Ou seja, ela devia existir desde sempre, porém a faixa foi encurtada no disco, por razões já especuladas.

Resumo da ópera: The Wall ao vivo é a famosa "ultimate experience": não dá pra ficar melhor que isso (quer dizer, o áudio remasterizado deve ter melhorado o que já era bom). Nas fotos, dá pra ter uma boa ideia do que era essa experiência do ponto de vista da plateia: até o final do primeiro set o muro ia sendo construido. No segundo set, várias brincadeiras eram feitas para aproveitar o 'cenário', como Roger cantando no que seria o quarto do personagem Pink, ou David solando "Comfortably Numb" do alto do muro... Impossível ficar indiferente também às animações feitas por Gerald Scarfe, tão boas que se tornaram parte essencial do filme de Alan Parker. As animações eram projetadas no muro, claro. Melhor telão, impossível.

Post-scriptum (elocubrações sobre o que veio depois): The Wall é tão marcante que enterrou de vez uma banda que já assumiu que vivia uma crise desde o estouro de The Dark Side of The Moon, lançado em 1973. As sessões de Wish You Were Here e Animals já foram tensas, culminando na demissão (!) do incomparável Richard Wright, que numa atitude de extrema hombridade (sorte nossa) fez questão de ir até o fim das gravações de The Wall e de sair em turnê como músico contratado (!???) da banda-loucura de Waters. E o que veio depois? Uma grande viagem de Roger chamada de "Requiem for a Post-War Dream" ou simplesmente The Final Cut. Um disco do Pink Floyd sem Richard Wright? Give me a break. Racionalizando: The Wall é tão grandioso que engoliu o Pink Floyd em seu próprio vórtice. A serpente mordeu a própria cauda (ou qualquer metáfora semelhante). O caminho traçado por The Wall nunca deveria ter sido repetido, o que mais ou menos é a única maneira de justificar a existência do Final Cut. E que disco estaremos discutindo daqui a mais 30 anos? The Final Cut? Acho improvável, mas The Wall será para sempre rediscutido, reouvido e reassistido...

por Fábio "snoozer"

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quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Um Tributo ao Culto da Morte ...

Um dos maiores nomes da música extrema da América Latina, a banda baiana de death metal Headhunter DC é admirada pelos apreciadores do estilo não só no Brasil, mas mundo afora – mesmo. Após uma bem-sucedida primeira turnê europeia em 2013, o grupo é agora homenageado com um álbum-tributo em dois volumes.

Prática comum no rock desde os anos 1990, os álbuns-tributo costumam trazer bandas e artistas gravando canções de determinada banda ou artista que se quer homenagear. Lançado pelo selo paulista Mutilation Records, o tributo ao Headhunter tem um título longo e com reticências, como já é tradição nos discos da banda: Born to Punish The Skies... A Deathmetallic Brotherhood in Darkest Mourning for God: Tribute do Headhunter DC. Mal traduzindo: Nascido para punir os céus... Uma irmandade deathmetálica no mais sombrio luto por Deus: Tributo ao Headhunter DC – título mais do que coerente com a ideologia anticristã (ou melhor: antirreligião) da banda. “A ideia partiu do dono da Mutilation Records, o Sérgio Tullula”, conta o vocalista da Headhunter, Sérgio Baloff Borges. “Ele já tinha essa ideia há uns três anos. Aí um dia ele comentou que já estava mais do que na hora de rolar esse tributo. Fiquei honrado, claro”, acrescenta.

Dividido em dois volumes, o disco um saiu no mês passado e conta com 17 bandas do Brasil e do mundo fazendo releituras de músicas pescadas dos cinco álbuns da banda, lançados desde 1991. O volume dois, segundo Baloff, “sai no primeiro trimestre de 2015”. “É um projeto complicado, por que você lida com muitas bandas e fica dependendo da agilidade delas. Só esse volume um levou um ano e meio para ficar pronto”, conta.

Se vacilar, sai um terceiro

Quem acabou coordenando toda a produção foi o próprio Baloff, que convidou bandas com as quais o Headhunter tem afinidade: “São bandas que tem um elo com a gente – ideológico e musical”, define. Com o tempo, a notícia da organização do tributo acabou se espalhando na comunidade death / black metal: “Inicialmente, seria um volume só. Mas foi tanta banda entrando em contato, querendo participar, que tivemos que fazer em dois volumes. Se vacilar, sai até um terceiro”, diverte-se.

Das dezessete bandas do  volume um, doze são brasileiras: Inner Demons Rise, Eminent Shadow, Decomposed God, Malefactor, Poisonous, Pure Noise, Bastard, Queiron, Holder, Insaintfication, Unborn e Nervo Chaos. Há ainda uma alemã (Revel in Flesh), uma holandesa (Funeral Whore), uma polonesa (Embrional), uma chilena (Demonic Rage) e uma norte-americana (Dead Conspiracy).

"Na sua maioria, são bandas de death metal mesmo. Mas tem de outros estilos, como a Pure Noise, de Vitória da Conquista, que faz noise core, um estilo bem 'anti-música', que pegou uma faixa de nosso primeiro álbum, que é mais ou menos do mesmo estilo deles. No segundo volume vai ter uma banda de black meta, que tocal sem deixar de ser death, mas é bem legal, a Eternal Sacrifice, daqui de Salvador. Não é bairrismo termos quase que só bandas de death, mas é que tem mais a ver", detalha.

"Até acho que seria bem interessante ver uma banda de heavy metal tradicional fazer um cover nosso, mas como costumo me referir a este tributo, ele meio que uma congregação de death metal. É mais que um tributo: é uma celebração ao death metal em si", define Sérgio.

"As bandas de fora do Brasil são bandas com quem já tenho contato há há alguns anos, como a Dead Conspiracy (USA), de quem eu já era fã em 1988, tinha demo tape deles, era fanático pelo som deles. Então é interessante hoje eles participarem de um tributo para gente. Fiquei muito honrado com a banda da Alemanha (Revel in Flesh), que fez uma versão foda que abre o disco. Mas no geral fiquei bem satisfeito com todas as bandas. Agora, como são bandas diferentes, gravando em estúdios diferentes, você sente diferenças de gravação e de qualidade. Aí o que a gente faz é nivelar os volumes, para não ficar um mais baixo que o outro. Fora isso, não mexemos em frequência nenhuma. Basicamente, o volume e damos uma masterizada para dar uma encorpada no som, mas não mexemos em mais nada. Foi tudo masterizado e compilado aqui mesmo em Salvador. A coordenação foi toda minha", continua Sérgio.

Obsessão com reticências

"A concepção da capa que fizemos com o Juanjo, que já tinha feito a capa do nosso último CD, um trabalho fantástico dele aliás. A ideia foi justamente pegar elementos de cada capa de nossos discos ficou bem interessante. Agora, essas reticências no título é meio uma obsessão minha. Não tem muita frequência essa sua pergunta, aliás. É como se fosse um sentido de continuidade, mesmo. Tenho obsessão com reticências. Nosso único disco que não tem reticências no título é o segundo, que foi do nosso ex-baixista. Se fosse meu...", ri Sérgio. "Sim, é coisa de louco obcecado, mesmo. Tenho obsessão com reticências e os números 13, 7 e 666", conta.

No encarte, o vocalista e baixista Jeff Becerra, pioneiro do death metal com a banda californiana Possessed, elogia o Headhunter: “Banda incrível, de estilo old school e avant garde ao mesmo tempo, serei sempre fã e tenho sorte de ser um irmão para eles”, escreve. "Pô, esse cara do Possessed é o pai do death metal. Ele deu um depoimento por que é meu amigo pessoal mesmo. Já dividi o palco com ele em 2008, fui no show deles ano passado em São Paulo. Fiquei mais do que honrado com as palavras dele", agradece Sérgio.

Parceiro de cena baiana, Lord Vlad, da Malefactor, ecoa as palavras do americano: “Esse próprio disco-tributo já é a prova do que te digo: se não fosse brasileira – ou melhor: baiana – o Headhunter teria muito mais reconhecimento”, afirma. "No nosso caso, escolhemos uma musica que é mais diferente até para eles mesmos, pois é mais cadenciada, não tão acelerada. Não foi fácil, mas ficou mais plausível. Ficaria forçado fazer alguma faixa que não tem nada a ver com a gente", conta Vlad.

Com seu último álbum (In Unholy Mourning..., 2012) lançado na Europa pelo selo alemão Evil Spell, o Headhunter não para.

“De sábado em diante tocamos todo fim de semana até o fim do ano. Dia 22, Boqueirão Rock Metal Festival (Cícero Dantas). Dia 30, no Festival Suiça Baiana (Vitória da Conquista). Dia 6, no Bahia Metal Festival (Alto do Andú, Salvador). E dia 14, no Zoombie Ritual Open Air (Rio Negrinho - SC). O culto não para”, avisa Sérgio.

Born to Punish The Skies...  Tribute to Headhunter DC Vol.1 / Vários artistas / Mutilation Records / R$ 22 / Vendas: www.facebook.com/HeadhunterDc

por Franchico

rock loco

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

“DADA”, do Discarga Violenta

Das cinzas do que restou do projeto “Cooperativa do caos”, que pretendia lançar uma coletânea mapeando a cena punk/HC do norte e nordeste do final da década de 80, surgiram pelo menos dois frutos memoráveis: a demo-tape “suicídio”, da Karne Krua, e o compacto “Cosmopolita”, da Discarga Violenta.

Discarga Violenta (com “i” mesmo, não me pergunte porque) era (é?) uma banda de Natal, RN, que fazia um som rápido, barulhento e inventivo. “Cosmopolita”, o EP 7 polegadas, vinha embalado num pôster que, ao ser dobrado, formava capa, contracapa e encarte. Orgulhava-se, em letras garrafais no folheto publicitário xerocado que vinha encartado no disco, de conter 19 sons em apenas 6 minutos.

Começa muito bem, com “liberte-se”, uma faixa cadenciada baseada num ótimo riff de guitarra e letra minimalista que, no final, descamba num “noise” densenfreado para então encerrar retomando o riff. E assim segue, alternando passagens mais “melódicas” – desleixadas, toscas, mas melódicas – com barulho puro e simples. E sempre com ótimas letras que transmitem grandes mensagens em poucas palavras. Pérolas da síntese punk.

Impressionou. O que não sabíamos é que o melhor ainda estava por vir: em 1993 eles lançaram um segundo EP, “DADA”, muito melhor pensado e acabado, em todos os sentidos – tanto gráfico quanto musical. Na parte gráfica, destaque para o charmoso selinho da bolacha, com uma foto da banda. Já quando digo “musical” falo na qualidade das composições, especificamente, pois a execução continuava tosca, com uma única e poderosa exceção: o baterista “Tampinha”, que conduz o disco com maestria combinando de forma perfeita batidas “blast beat” com passagens nitidamente “jazzísticas”. Uma evolução impressionante! Adriano Stevenson, ex-Devastação e depois Rotten Flies (onde está até hoje), havia saído para dar lugar a Derek, na guitarra, mas deixou como legado uma belíssima coleção de canções que merecem ser dissecadas num “faixa-a-faixa” ...

Começa num ritmo “nervoso”, porém preciso, no Hardcore rapidíssimo “Libera”, em que musica e letra se casam de forma perfeita. É seguida por “Raimundo”, um poema “desmusicado” de Carlos Drummond de Andrade. “Desmusicado” apenas em sua primeira parte, puro noise, porque em seguida a mesma faixa entrega a primeira e impressionante levada “jazzística” do disco. A essa altura, na primeira ouvida, já desconfiávamos que tinha algo de muito especial ali ...

Todas as demais faixas confirmam a “desconfiança”. A terceira tem uma letra que se resume a duas sentenças: “Ame seu ódio/e aja já”, mas ditas de forma brilhante num ritmo cadenciado e vigoroso. “Equilibrio bem/mal” tem o melhor momento “percussivo” do disco, enquanto “Expresso Liberdade” é a mais fraca - meio “feijão com arroz”. O lado A se encerra com “Não esqueça”, da Devastação, outra banda clássica e pioneira da primeira geração punk potiguar. Excelente composição.

O lado B começa lascivo, com “caralho dói”, e segue no mesmo ritmo de “vai e vem” com “Anjos da cidade” – “trepadas gozadas isso é que é bom”. Mas a mais original, em termos de arranjo, é a faixa seguinte, “povo sem vergonha”, que se desenrola através de um diálogo, quase um “repente”, com uma voz feminina – Gigi Melo - deliciosamente carregada de sotaque nordestino. Fechando tudo, “Um pássaro”, um belíssimo libelo libertário que nos faz ter vontade de jogar tudo pro ar e “nascer de novo”, “indo arriscar”. Periga ser a melhor do disco ...

E que disco! “DADA”, do Discarga Violenta, é uma obra-prima.

Tenho dito isso há mais de 20 anos, e nunca mudei de idéia ...

Vou tocar na íntegra, na próxima edição do programa de rock.

19H, sábado, 104,9 FM em Aracaju e região.

A.

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segunda-feira, 10 de novembro de 2014

A BANDA QUE SALVOU NOSSAS VIDAS

"Uma multidão de estudantes se dirigiu à Praça do parlamento Britânico em dezembro de 2010 para pressionar contra uma lei que triplicava o custo das mensalidade escolares. Lá, uma manifestante que parecia jovem demais para já ser nascida quando os Smiths - cuja imagem estampava a camiseta que ela usava - estavam na ativa, escalou as barricadas, com seu cabelo curto tingido de louro, num corte estilo anos 1980, suas botas Dr. Martens e uma calça jeans cargo, como tinha sido a moda naquela época para certo segmento do público feminino. Um fotógrafo na linha de frente a registrou naquele instante, se agigantando sobre uma fila de policiais nervosos do batalhão de choque, o símbolo fálico do Big Ben instantaneamente reconhecível e enorme ao fundo; o escritor Jon Savage mais tarde comparou a imagem à pintura "A liberdade guiando o povo", de Delacroix.”

O trecho acima é uma passagem do livro “A Light that never goes out: The Smiths - a Biografia”, que narra a história dos Smiths – a banda que salvou nossas vidas. Escrito por Tony Fletcher e lançada no Brasil pela editora Best Seller, o calhamaço de mais de 600 páginas conta em detalhes a vida dos quatro rapazes de Manchester desde os primórdios – com direito, inclusive, a uma brilhante dissertação sobre a imigração irlandesa na cidade industrial britânica. Disseca o comportamento excêntrico do vocalista Morrissey e os problemas de relacionamento entre os integrantes e com o “staff” que os circundava; as turnês, sempre conturbadas e prejudicadas pelos caprichos de uma banda que se recusava a “jogar o jogo” e tinha uma verdadeira obsessão por manter sua integridade, apesar de algumas concessões pontuais – das quais, na maioria das vezes, se arrependeram -; as experimentações e técnicas de gravação em estúdio, assim como a criação e o lançamento de singles e álbuns históricos, com os devidos significados por trás das letras, sempre brilhantes; e o fim, que deixou órfã toda uma geração.

O autor contou, em sua empreitada, com a colaboração de Andy Rourke e Johnny Marr, que lhes concedeu entrevistas. Morrissey e Mick Joyce se abstiveram - a atitude deste último, ao contrário do primeiro, ele estranhou, pois deixa claro que, até aquele momento, se considerava amigo do ex-baterista, pivô dos piores conflitos envolvendo a "cozinha" e a dupla de compositores. A trajetória de Morrissey, no entanto, é perfeitamente reconstituída a partir de uma pesquisa exaustiva em arquivos, desde o que saiu na imprensa até depoimentos e correspondências com amigos e desafetos. Temos também os depoimentos de seus companheiros de banda, testemunhas oculares e principais vítimas de suas esquisitices - são incontáveis as vezes em que ele simplesmente não aparece em compromissos profissionais, sem maiores explicações, ou sua dificuldade de comunicação - Andy conta que pegava o mesmo ônibus que Morrissey ao final dos primeiros ensaios da banda e teve que aprender a contar os postes pelo caminho, já que o vocalista não lhe dirigia a palavra durante todo o percurso.

Por tudo isso, e também pela análise refinada do contexto histórico e do que significou a passagem meteórica dos Smiths pelo mundo da música pop, "The Smiths - A Biografia" se converte num excelente “aperitivo” enquanto não sai, finalmente, a versão traduzida da comercialmente muito bem sucedida autobiografia do “maior inglês vivo”, prometida para um futuro indefinido pela editora Globo. Na verdade, a julgar pelo que já li a respeito, o “aperitivo”, especialmente se for lido junto com a fantástica “Mozipédia” – que também já tem versão nacional – parece ser melhor que o prato principal ...

Em tempo: recomendo a leitura junto ao computador, para conferir na rede alguns vídeos e músicas mencionadas no livro. Enriquece muito a experiência ... 

A.

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quinta-feira, 6 de novembro de 2014

p(r)aneta lamma

Na música popular brasileira, dois artistas usaram a palavra “lama” com tanta insistência, que o referido termo acabou assumindo o papel de palavra chave em ambos os trabalhos. Quero me referir a Damião Experiença e Chico Science. Ainda assim, o sentido do termo é completamente diferente em um e outro.

A lama em Chico tem um sentido preciso, localizável: os manguezais dos rios de Recife. João Cabral já se referia a essa lama em Morte e Vida Severina. Essa lama é a base do Mangue Beat: é denuncia, mas é também inserção: “A ciência conseguiu juntar/o mangue com o mundo/e de lá saiu um malungo boy malungo/Antenado, camarada, malungo./Sangue bom. Francisco de Assis. Malungo sempre bom.” in "Malungo".

Da Lama ao Caos, fala-se em Sandino e Lampião. E a revolução é o caminho a se trilhar, sem abrir mão da modernidade. Sair da miséria tem como corolário o computador e a modernidade. A lama é a miséria e a insurreição. A música de Chico e seus respectivos arranjos apontam na direção dessa inserção ao mundo moderno. Cheia de overdrives e dub, lado a lado com os tambores do maracatu, o hibridismo já era sugerido no tropicalismo: Luiz Gonzaga e Beatles. Não é de se admirar, portanto, que houvesse pronta aceitação, apesar da morte prematura de Chico. A nossa “Inteligenzia” adotou o Mangue Beat de braços abertos e Chico Science, ainda que com apenas dois discos, se tornou referência de nossa cultura.

O mesmo não se pode falar em relação a Damião Experiença. Caso limite, passou ao largo da nossa “Inteligenzia”. Nenhum disco seu, dos tantos que produziu (alguns chutam o número de 36), consta de alguma lista dos dez mais. É uma sombra na música popular brasileira, quando não é motivo de chacota. O programa Ronca Ronca, que me fez conhecê-lo, certa ocasião entrevistava o músico Frejat e este fez menção a uma gravação de Damião no estúdio de Torquato Mariano:

- o técnico de som estava preparando os equipamentos e quando informou a Damião que podia começar, este lhe disse que já havia terminado (risos).

Em Damião, seja por uma insuficiência técnica ou mental, o reguea não é reguea, a música é quase sempre a mesma, o seu violão de poucas cordas só faz barulho e a gaita não toca lá coisa com coisa. Daí, a primeira diferença em relação a Chico, que, quando ouvimos, distinguimos o maracatu, a embolada, a ciranda e outros ritmos pernambucanos. Em Chico existe a idéia de uma restauração agregada a novas tecnologias. Já em Damião não existe restauração nenhuma, é tudo impreciso, inacabado, precário, e daí, por mais paradoxal que seja, a sua força.

O mundo de Damião é tão subjetivo, que está longe de qualquer inserção ao mundo moderno. Em seu livro, que se repete em suas músicas, suas afirmações contra o aborto e contra a nova igreja (teologia da libertação) estão na contramão da história. Poderia-se mesmo, diante desse anacronismo, construir-se um mundo reacionário, anti-moderno, não fosse a sua linguagem de bas-fond, cheia de palavrões e sexo. Impossível um discurso lógico em sua fala, ao contrário do Mangue Beat. É aí que talvez pudéssemos aproximá-lo a Bispo do Rosário com sua técnica de assemblage e seu amor à taxonomia. Psicótico e também marinheiro, como havia sido Damião, Bispo retirava do lixo os seus materiais, o que dava a seu trabalho uma conformação ao tempo. Ambos foram contemporâneos. Se o discurso de Bispo esvaziava-se de uma lógica narrativa, uma vez que a idéia de coleção retira o privilégio de determinados materiais em relação a outros, o discurso de Damião também o fazia. “Todos são iguais, homem ou mulher, preto ou branco, todos são iguais”. E aí, creio, está a base de seu trabalho e o sentido que toma a palavra lama: “ Porque todos nós iremos para a lama. Porque depois que nós morremos, a gente vai para o chão, se a gente é queimado, depois as cinzas, a gente põe no chão e elas viram lama. Então eu digo: Planeta Lamma. É o planeta mais certo que existe no universo. Porque todos ali são iguais, um não pode falar do outro porque todos vão para ali, para serem eles mesmos, podem ser brancos, amarelos, pode ser encardido. Pode estar lindo, pode estar bem pintado, pode ter a maior mansão, tudo de confortável, de repente bateu o coração, e vamos todos nós para o Planeta Lamma” .

Não é à toa o nome “Damião Experiença”. A palavra “experiência” tem em Damião um status tal e qual a palavra “lama”. E se pensarmos bem, ambas se equivalem. Aliás, sua biografia está quase toda nas canções. Não nego que ao me remeter a “Jimmy Hendrix and Experience”, e mesmo “Fátima Bernardes Experiência”, fui levado inicialmente a pensar a “experiência” no sentido científico do termo: um laboratório de experiência, experimentações científicas como o skylab americano. A questão é que, dessa forma, pode-se mergulhar numa determinada prática, em detrimento a outras do senso comum, e então instaurar-se um processo de hierarquização. Os movimentos vanguardistas do século passado caíram nessa armadilha e acabaram apenas invertendo o platonismo, o que os impediram de uma alternativa real à Metafísica.

Mergulhar no seio da experiência, desarticulando qualquer possibilidade de discurso, é aonde nos leva as canções de Damião, alguém de olhos e ouvidos bem abertos ao seu tempo. E lá vai a sucessão de suas imagens:

“o erro foi meu, casar com mulher furada, que outro comeu”; “a mulher que faz aborto não tem pena do seu próprio corpo... para evitar, deve tomar no ânu o ano inteiro”; “vamos deixar de lado a TV – máquina doida”; “a música é pátria do universo, não tem fronteira”; “planeta lamma – 27 palmo debaixo da terra, pode ser barões, ladrões”; “a droga é a história do universo, a língua das pessoas é mais suja do que as drogas”; “o mundo é minha pátria – eu abro a janela, uma aquarela”; “não gosto de ditadura, tem fingimento com abertura”; “sou a favor da natalidade, de tudo que é vida”; “a camisinha é pra pegar dinheiro”; “gurilões, bichos da cara preta”; “minha mina me largou por outra mulher, eu só gosto de mulher sapatão”; “Adeus, Adolfo Hitler, Eva Brown”; “Volta Getúlio Vargas para se encontrar com Fidel Castro”; “Vamos fazer açúcar para exportar para a Rússia”; “os homens estão virando mulher”; “os bichos da cara preta matando de escopeta, não têm medo de careta”; “Rastafari é ser livre”; “vim lá do sertão em busca de solução”; no xadrez – lá mesmo me tornei um vagabundo mesmo sem querer”; “estou desempregado, sem comer e sem dormir”; “você é negra, seu irmão também era negro, quem matou ele? Você sabe muito bem”; “a lida do morro, a vida do morro, os homi desceram, deixando atrás o ódio e a dor”; “o povo da América Central é tudo raçudo”; “morro do galo, era tudo natural, agora não é mais, é tudo artificial, pão com doce pra dar gosto na erva natural”; “só os mendigos salvam o planeta”; “mamãe não quer que eu seja homem não, que homem tem que trabalhar, metido a machão, usa chifre na cabeça pra dizer que é machão”; “o mundo foi bem feito, todo mundo tem defeito, ninguém é direito, não adianta prender, bater, matar, vocês só sabem criticar as mulheres da rua, os travestis, as mariposas”; “eu quero uma mulher livre, que seja humilde pra casar com Damião Experiença, uma mulher bonita pra me sustentar, que saiba passar, que saiba gozar, eu não ando com mulher de graça”; “eu vou para a praia de Havana plantar banana, Havana – cidade maravilhosa de América Central”; “eu não me sinto envergonhado de dizer que nunca trabalhei”; “eu sou peixe, sai do meu pé... mas eu estou aqui na terra, eu não gosto de mar”; “eu não nasci no Brasil, eu nasci na União Soviética, minha mãe é cubana, meu pai é revolucionário, militar da União Soviética, minha mãe é abolicionária”; “eu vejo com olho aberto a chuva levando barraco da favela”; “amor de mulher é dinheiro”; “o que está acontecendo eu já previa, rei de espada, dama de ouro... faria um jogo melhor se eu fosse um rei de ouro”; “eu gosto de apanhar de mulher, eu sou masoquista, ela pode bater, dá na minha cara, dá na minha boca, eu quero gozar a vida. Desde que ela me pague, ela pode fazer o que quiser comigo, eu quero uma mulher, me bate, me dê um bolachão”; “tenho raiva de quem trabalha, sempre fui sustentado por mulher”; “é livre ser Rastafari, eu sou é Rastafari lá do sertão”; “o mundo é dos inteligentes, dos espertos”; “o mundo é dos inteligentes, está dividido em duas potências”; “eu sou fã dos Estados Unidos e da Rússia”; “o papa visita a favela e não faz nada por ela, Papa papão, ta papando o meu próprio pão”; por que a razão de nós americanos da América do Sul não viajamos pra Cuba, para tirar as dúvidas dos jornais americanos que tanto criticam Cuba, falando de Fidel Castro; “homens da lei ficam fazendo certas maldades com essas pobres mulheres (prostitutas), dentro de suas casas vaidade, tanta coisa incubada, eles ficam com tanta raiva, pegam os travestis, mulheres das enxurradas, dando tanta porrada”; “marinheiro João Cândido foi um revolucionário da marinha brasileira... pqgou um navio, saiu baia a fora e gritou – ou liberta a chibata ou aumenta o fogo. Os Homi gritaram bem alto – a chibata ta libertada”; “qual o homem ou mulher que não faz o 1999? Eu não faço porque não gosto”; “meu pai e minha mãe batendo com cipó de caboclo, fui obrigado a fugir, assim mesmo agradeço o que ele fez comigo, quebrou minha boca, minha cabeça”; “Viajando pra Cuba e pra Cortina de Ferro, perturbado da cabeça, mamando as meninas mais novas. Não valho nada mas as mulheres ficam tudo em cima de mim, gostam da minha língua”; “os bichos da cara preta estão acabando o Brasil”; não tem nenhuma gravadora, eu financio o meu próprio acústico... é tudo de graça, não precisa comprar”; “eu quero casar com essa vagabunda, essa cadela arrombada. Estou brocha, já fui o maior cafetão do mangue”; “ eu nasci na Colômbia, Bogotá, vou fumar a pretinha de lá, vou navegar a branquinha de cá”; “ sábados, domingos e feriados, dias de cornudo ficar em casa”; “prostitutas enlatadas, casadas, tanto faz da zona, tanto faz da família”; “diabo tem chifre, demônio bota chifre no homem”; “eu sou a favor da vida, sou contra o aborto, toma no cuzão pra não fazer aborto”; “lésbicas, gays, mulheres que eu amo, elas trazem mulheres pra vocês e pra elas”; “mulher casada quer ser vaca de boi”; “eu casei e virei gay, todo gay é casado”; “neném, vai dormir que papai vai ser mamãe e mamãe vai ser papai”; “botei sua mãe na zona pra me alimentar”; “a mulher é a galinha, o homem é viado, ela fala pra ele – dá em cima de mim, viado!”; “eu só gosto de mulher que só gosta de mulher e toda vez que chegar em casa só encontro mulher”; “só gozar com aquela merda lá que tem em casa?”; “gayzão quer ficar casado pra disfarçar que é gay”; “eu sou casado, eu sou cornão, cornão casado, mas já estou velho, brocha, vou dar no pé”.

Esse é o vocabulário de Damião Experiença. E assim posto, parece mais uma bricolagem, juntando coisas incompossíveis, mas retiradas da experiência. Tara, vagabundagem, comunismo. Materiais retirados do lixo histórico e, ainda que antagônicos, postos lado a lado, como uma coleção de objetos. Qual dentre eles tem a primazia? Aí é que está. Pra quem viveu o ápice da guerra fria, deve mesmo ficar atônito ao ouvir Damião declarar-se fã da Rússia e dos Estados Unidos. “ E eu digo que a terra é um ser vivente, porque ela nos constrói e depôs nos destrói. É por isso que esse livro se chama “Planeta Lamma”, o planeta da verdade, da realidade, é a coisa mais certa que existe, não adianta, o ser humano como homem e mulher são todos iguais”.

A lama ou terra é a base, o fundamento mesmo de um discurso pragmático, anti-lamentação, ao contrário de Chico Science que vê a lama como negação humana e motivo para insurreições. A lama em Damião iguala, em Chico Science é luta de classes e estopim. A lama em Damião induz a transformação pelo trabalho, em Chico Science induz a revolução e a luta armada. A lama em Damião é um apelo a união dos diferentes, em Chico um convite a porrada. E se o instrumento dessa luta em Chico integra a tecnologia, Damião, se não a nega, ao menos não a endeusa.

Daí porque em Chico existe sempre dois mundos: “Pernambuco em baixo do pé, e minha mente na imensidão”; a lama e o caos; o passado e o moderno. "Com as roupas sujas de lama/porque o barro arrudeia o mundo/eu sou como aquele boneco/controla seu próprio satélite./Andando por cima da terra,conquistando o seu próprio espaço. in “Um Satélite na Cabeça”, de Chico Science

Em Damião, ao contrário, o mundo é um só: “e é aqui que termina as minhas histórias e meus versos, as minhas músicas. É o mundo, é o Planeta Lamma”.

O programa MATADOR DE PASSARINHO, que venho apresentando toda segunda-feira, à meia-noite, no Canal Brasil, foi programado para ter vinte e seis entrevistas. Até o momento foram ao ar oito entrevistas, mas já gravamos vinte e três. Na reta final de concluirmos as gravações, fui à campo na tentativa de fecharmos uma das últimas entrevistas e, provavelmente,  a mais difícil: Damião Experiença.

Foi assim que desembarquei na estação terminal do metrô: Praça General Osório. É ali que o nosso personagem procurado habita.

O seu endereço é desconhecido. Sabemos que reside na comunidade do Cantagalo, mas não sabemos exatamente onde. O produtor do programa, Heitor Zanatta, em contato com pessoas que já tiveram acesso à Damião, deu-me as piores notícias. Mesmo assim, fui a seu encalço com uma leve e vã esperança.

Rondei as imediações e fui até o elevador que dá acesso à comunidade. Desisti de subir e voltei na direção da praça. Chegando à avenida principal, ou ia na direção de Copacabana, ou ia na direção do Leblon. Decidi então pela segunda opção e, quando me pus a atravessar a rua, dei de cara com ele.

O próprio. Era Damião. Menos espalhafatoso, camisa abotoada até o pescoço, chinelo de dedo. Parece inverossímil, tamanha a coincidência. Mas era ele mesmo, setenta e sete anos, o baiano arretado que gosta de mulher lésbica.

E a gente ali em meio a avenida. Me pagou um café no bar da esquina. À certa altura, um mendigo bêbado se aproximou, o conhecia. Pediu-lhe cinquenta centavos. Fiz questão de dar para que se afastasse e pudéssemos continuar a conversa. Depois, Damião me informou que o mendigo era um turco rico que se perdeu nas drogas.

Conversamos muito. Muita gente das imediações conhece Damião. Me informou que estava quase cego : um dia amanheceu assim ; mas queria distância de médico.

Não me reconheceu. Porém, depois de dizer-lhe meu nome, soltou essa : você continua no Banco do Brasil ?

A conversa se desenvolveu em meio a delírios e lucidez. Disse-me que sua mãe era judia e seu pai, russo. Depois me falou que viajou recentemente para a Colômbia.

Falei-lhe do meu programa e que tencionava entrevistá-lo. Pediu-me que desistisse, que até o Jô Soares tentou levá-lo e não conseguiu.

Eu o fiz ver que ele era a minha principal referência. Lembrei-lhe do disco que fiz em sua homenagem, o SKYLAB III. Cheguei a dizer-lhe que era um gênio, mas ele fez pouco das minhas palavras.

À certa altura, perguntei-lhe se era boato o que cheguei a escutar várias vezes: atribuíam-se aos Novos Baianos o arranjo e a execução de alguns de seus discos. Ele prontamente negou, chegando inclusive a informar que os Novos Baianos nem o conheciam. Depois, me garantiu que ele próprio tocou todos os instrumentos.

Falamos de muita gente, desde André Midani, que, segundo Damião, chegou a convidá-lo várias vezes a assinar contrato, até Caetano Veloso que, para ele, é música de viado.

Quando perguntei se tinha muitas mulheres, me falou que atualmente estava broxa.

Em seguida, me perguntou se eu era casado. Eu quis negar. Percebi que sua pergunta era uma afirmação, assim como também percebi a distância imensa que nos separava. Eram seus momentos de extrema lucidez : nada lhe escapava.

Não sei se por vergonha, por piedade, ou mesmo por algum estranho senso de realidade, respondi que era fodido. Ele não compreendeu.  Eu repeti : eu sou fodido. E ele replicou : eu sou mendigo.

Num dado momento, um rapazinho me reconheceu e quis tirar uma foto. Mas nesse instante, Damião desapareceu.

Cheguei a avistá-lo em seguida, um pouco à frente, num ponto de ônibus  (gosta de andar de ônibus pra desanuviar a cabeça). Alcancei-o e o agradeci por tudo.

-  obrigado por que ? 

Foram suas últimas palavras.

por Rogério Skylab

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A SEGUNDA MELHOR BANDA DE ROCK DE LIVERPOOL.

Carcass é uma banda de death metal do Reino Unido. Formada em 1985, em Liverpool, contava com Bill Steer (guitarra), Jeff Walker (baixo), Ken Owen (bateria) e Sanjiv (vocal). Um ano depois, Sanjiv (vocal) saiu da banda e não houve mais notícias. O único material onde ele participa é a primeira demo do grupo, Flesh Ripping Sonic Torment. Na mesma época o guitarrista Bill Steer foi para o Napalm Death, outra banda de Grindcore. Mas Steer não abandonou o Carcass - ele considerava o Napalm Death seu trabalho paralelo. Esses acontecimentos resultaram em um período de inoperância na banda. O período foi curto, e para provar que o Carcass estava novamente à ativa, em 1987, sem o vocalista Sanjiv, o conjunto começa a trabalhar como um trio. Os vocais mais urrados e guturais ficavam por conta de Bill Steer, e o baixista Jeff Walker cuidava dos vocais "gritados".

Em 1988 o Carcass lança seu primeiro álbum intitulado Reek of Putrefaction. A capa trazia fotos de pessoas mortas, corpos em decomposição, mutilados e despedaçados. Este disco se tornaria um clássico do grindcore, por sua inovação. No entanto, a qualidade da gravação deixa bastante a desejar. Melhorou no segundo ...

Na lacuna de tempo entre o lançamento Reek e o segundo álbum, Ken Owen adquiriu um bumbo duplo para o seu kit de bateria, permitindo então o uso de pedal duplo para a composição das novas músicas. Jeff Walker afirma que esta foi uma das principais razões para que Bill Steer levasse a banda mais a sério e deixasse o Napalm Death para se dedicar integralmente ao Carcass. 

Symphonies of Sickness, o segundo álbum, teve uma produção melhor, com a ajuda de Colin Richardson. Este álbum apresenta uma estrutura mais similar ao death metal, com passagens de riffs mais complexos, lentos e solos de guitarra. Na segunda metade da turnê do Symphonies um segundo guitarrista já se apresentava na banda, Michael Amott, que viria a integrar permanentemente o grupo. Seu trabalho já é notado no segundo Peel Sessions e no terceiro álbum já havia sua contribuição em criações.

Os álbums Heartwork e Necroticism - Descanting the Insalubrious costumam figurar nas listas de melhores discos de Death Metal da história. Recentemente voltaram à ativa depois de um grande hiato e lançaram o aclamado Surgical Steel.

Reza a lenda que tocarão aqui ... 

Terrorizer ...

Terrorizer é uma banda de death metal/grindcore americana formada em 1987. Depois de se separarem, seus membros ganharam reconhecimento tocando em influentes bandas de metal extremo, como Morbid Angel (David Vincent, Pete Sandoval), Napalm Death (Jesse Pintado) e Nausea (Oscar Garcia, Alfred "Garvey" Estrada).

REZA A LENDA que vão tocar em Caruaru ...

INGRESSOS À VENDA!

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