segunda-feira, 10 de novembro de 2014

A BANDA QUE SALVOU NOSSAS VIDAS

"Uma multidão de estudantes se dirigiu à Praça do parlamento Britânico em dezembro de 2010 para pressionar contra uma lei que triplicava o custo das mensalidade escolares. Lá, uma manifestante que parecia jovem demais para já ser nascida quando os Smiths - cuja imagem estampava a camiseta que ela usava - estavam na ativa, escalou as barricadas, com seu cabelo curto tingido de louro, num corte estilo anos 1980, suas botas Dr. Martens e uma calça jeans cargo, como tinha sido a moda naquela época para certo segmento do público feminino. Um fotógrafo na linha de frente a registrou naquele instante, se agigantando sobre uma fila de policiais nervosos do batalhão de choque, o símbolo fálico do Big Ben instantaneamente reconhecível e enorme ao fundo; o escritor Jon Savage mais tarde comparou a imagem à pintura "A liberdade guiando o povo", de Delacroix.”

O trecho acima é uma passagem do livro “A Light that never goes out: The Smiths - a Biografia”, que narra a história dos Smiths – a banda que salvou nossas vidas. Escrito por Tony Fletcher e lançada no Brasil pela editora Best Seller, o calhamaço de mais de 600 páginas conta em detalhes a vida dos quatro rapazes de Manchester desde os primórdios – com direito, inclusive, a uma brilhante dissertação sobre a imigração irlandesa na cidade industrial britânica. Disseca o comportamento excêntrico do vocalista Morrissey e os problemas de relacionamento entre os integrantes e com o “staff” que os circundava; as turnês, sempre conturbadas e prejudicadas pelos caprichos de uma banda que se recusava a “jogar o jogo” e tinha uma verdadeira obsessão por manter sua integridade, apesar de algumas concessões pontuais – das quais, na maioria das vezes, se arrependeram -; as experimentações e técnicas de gravação em estúdio, assim como a criação e o lançamento de singles e álbuns históricos, com os devidos significados por trás das letras, sempre brilhantes; e o fim, que deixou órfã toda uma geração.

O autor contou, em sua empreitada, com a colaboração de Andy Rourke e Johnny Marr, que lhes concedeu entrevistas. Morrissey e Mick Joyce se abstiveram - a atitude deste último, ao contrário do primeiro, ele estranhou, pois deixa claro que, até aquele momento, se considerava amigo do ex-baterista, pivô dos piores conflitos envolvendo a "cozinha" e a dupla de compositores. A trajetória de Morrissey, no entanto, é perfeitamente reconstituída a partir de uma pesquisa exaustiva em arquivos, desde o que saiu na imprensa até depoimentos e correspondências com amigos e desafetos. Temos também os depoimentos de seus companheiros de banda, testemunhas oculares e principais vítimas de suas esquisitices - são incontáveis as vezes em que ele simplesmente não aparece em compromissos profissionais, sem maiores explicações, ou sua dificuldade de comunicação - Andy conta que pegava o mesmo ônibus que Morrissey ao final dos primeiros ensaios da banda e teve que aprender a contar os postes pelo caminho, já que o vocalista não lhe dirigia a palavra durante todo o percurso.

Por tudo isso, e também pela análise refinada do contexto histórico e do que significou a passagem meteórica dos Smiths pelo mundo da música pop, "The Smiths - A Biografia" se converte num excelente “aperitivo” enquanto não sai, finalmente, a versão traduzida da comercialmente muito bem sucedida autobiografia do “maior inglês vivo”, prometida para um futuro indefinido pela editora Globo. Na verdade, a julgar pelo que já li a respeito, o “aperitivo”, especialmente se for lido junto com a fantástica “Mozipédia” – que também já tem versão nacional – parece ser melhor que o prato principal ...

Em tempo: recomendo a leitura junto ao computador, para conferir na rede alguns vídeos e músicas mencionadas no livro. Enriquece muito a experiência ... 

A.

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