domingo, 1 de junho de 2014

The Jesus & Mary Chain

Foto por Rodrigo Sommer
Não dá pra negar que houve uma certa dose de decepção para os que foram ver o The Jesus & Mary Chain ao vivo no Memorial da América Latina domingo passado. Muito por conta da falta do peso e da distorção, que só deram as caras, e mesmo assim em níveis abaixo do que gostaríamos – creio que posso falar por todos os presentes, pelo menos os que conheciam a banda – no bis, quando tocaram uma seqüência de seu disco mais célebre e barulhento, o primeiro, “psychocandy”. Os demais contratempos já eram previsíveis: a perfomance sofrível de Willian – que não cantou, apenas tocou – ou tentou tocar – guitarra - e o mau humor de Jim, que chegou a interromper a apresentação por três vezes. A falta de entrosamento era evidente, mas a qualidade das canções e o simples fato de estarmos ali, em frente a uma bela estrutura – tá “podendo”, a Cultura Inglesa – montada ao lado da icônica mão com o mapa da América Latina sangrando diante de um dos maiores mitos do rock mundial, compensou o esforço de sair de casa – no meu caso, de muito longe – num domingo chuvoso. Chuva que deu uma trégua e recomeçou, por incrível que pareça, exatamente na hora em que eles começaram “Happy when it rains”! Um daqueles momentos mágicos que ficarão guardados para sempre na memória dos presentes ...

O show do jesus foi também, eu confesso, uma desculpa “de luxo” para passar alguns dias em São Paulo, nossa megalópole insana e frenética, entre amigos queridos, discos, livros e cinema da melhor qualidade. Dentre os muitos bons programas possíveis recomendo uma visita à Sensorial Discos (Rua Augusta, 2.389 – jardins), que tem um bom acervo de cervejas, CD´s e discos de vinil a preços convidativos num um ambiente aconchegante e ótimo atendimento. De lá você pode seguir para o número 2075 da mesma rua e pegar uma ou mais sessões no Cinesesc, que atualmente abriga em seu saguão uma belíssima exposição de fotografias com astros do cinema nacional. Lá vi dois filmes, um bom – “Hotel Mekong”, tailandês, de Apichatpong Weerasethakul, uma espécie de exercício estético semidocumental – e sobrenatural - filmado às margens do rio que separa a Tailândia do Laos – e outro ótimo: “Heli”, de Amat Escalante, brutal produção mexicana que merece um parágrafo à parte ...

A história, totalmente “Mundo cão” e muito bem contada, se passa numa cidade do interior do México assolada pela violência do narcotráfico. Violência que é escancarada na tela sem concessões, sem desvios de olhar. Gira em torno das conseqüências de um romance adolescente que desanda devido ao roubo de dois pacotes de cocaína desviados dos estoques apreendidos por um esquadrão militar, numa trama de vingança banhada em sangue. Absolutamente chocante, principalmente porque sabemos que é real.

por Adelvan - Abaixo, entrevista conduzida por Fabiana de Carvalho e publicada originalmente no g1.

© Copyright 2000-2014 Globo Comunicação e Participações S.A.

A história do rock britânico certamente seria muito diferente – e menos barulhenta – se os irmãos Jim e William Reid não tivessem criado, em 1983, o Jesus and Mary Chain. Sem saber tocar quase nada, mas com um talento nato para compor doces melodias e soterrá-las em paredes de guitarras distorcidas e muito altas, a dupla garantiu o primeiro sucesso da então recém-criada gravadora Creation, de Alan McGee, que lançaria ainda bandas como Primal Scream, Teenage Fanclub, My Bloody Valentine e Oasis, entre muitas outras.

No domingo (25), o Jesus and Mary Chain faz sua terceira visita ao Brasil, após shows em 1990 e 2008, como a principal atração do encerramento do 18º Cultura Inglesa Festival. O evento, que tem ainda apresentações dos galeses do Los Campesinos! e dos brasileiros Monique Maion, Voliere e Staff Only, acontece na Praça Cívica do Memorial da América Latina, a partir das 12 horas. Veja abaixo como retirar os ingressos gratuitos.

Em novembro, Jim e William, únicos remanescentes da formação original, vão tocar, na íntegra, seu disco de estreia, em shows em Londres, Manchester e Glasgow. “Psychocandy” completa 30 anos em 2015 e, com sua combinação perfeita de doçura e psicose, tão bem definida no título, é considerado um dos discos mais influentes do rock britânico em todos os tempos. Também às vésperas da histórica data está sendo lançada uma biografia oficial, “Barbed wire kisses: The Jesus and Mary Chain story”. Escrito pela jornalista Zoe Howe, o livro chegou às lojas inglesas no dia 19 de maio.
Em entrevista ao G1, por telefone, Jim Reid falou principalmente de sua complicada relação com o irmão William, com quem divide os vocais e guitarras. As brigas entre eles já aconteciam na década de 80, quando a banda fazia caóticos shows de 15 minutos que, invariavelmente, terminavam em equipamento destruído e pancadaria entre músicos e plateia. Muitos anos depois, elas chegaram a provocar o fim da banda, em 1998, após o lançamento do sexto disco, “Munki”.

Em 2007, porém, os irmãos chegaram a um acordo e voltaram aos palcos no festival Coachella, nos Estados Unidos. Desde então, fizeram alguns shows e prometeram um disco novo, que ainda não saiu porque, previsivelmente, os dois nunca chegam a um acordo. Depois da reunião – que não significa necessariamente que fizeram as pazes – Jim e William apresentaram apenas uma música nova, “All things must pass”, em 2008.
Leia a seguir a entrevista de Jim Reid.

G1 – A pergunta é inevitável, já que disso depende a existência da banda. Como anda o relacionamento entre você e seu irmão?
Jim Reid – 
Sempre vai ser problemático entre William e eu, sempre seremos problemáticos. Termos essa banda juntos é uma grande alegria, mas é preciso certo esforço para as coisas funcionarem. Acho que existe muita tensão, que acaba indo parar nas músicas e ajuda a fazer bons discos. Não acho que nós dois voltaremos a ser melhores amigos novamente, mas sabemos como não incomodar um ao outro. Definitivamente é a banda que nos mantém juntos. Não conversamos muito e, sempre que o fazemos, é sobre a banda. Depois desse show (no Brasil) vou passar uns tempos em Los Angeles e nós não vamos nem nos ver.
G1 – Havia uma enorme expectativa pela volta da banda, mas desde que vocês se reuniram não fizeram muitos shows e lançaram apenas uma música nova. Por que?
Jim Reid – 
Basicamente é uma questão de oportunidade, sabe. Nós não precisamos tocar mais, não existe necessidade. No momento não há um disco novo para promover, então, de vez em quando, quando temos vontade de fazer alguns shows, reunimos a banda e fazemos uma pequena turnê. A diferença é que agora fazemos pelos fãs, sem ter um álbum ou uma gravadora te dizendo pra fazer turnês para promovê-lo. Agora é algo simplesmente por puro prazer e eu gosto disso.
Não acho que nós dois voltaremos a ser melhores amigos novamente, mas sabemos como não incomodar um ao outro"
Jim Reid, sobre o irmão William
G1 – E quando exatamente você e William decidiram reunir a banda e por que?
Jim Reid –
 Por várias razões. Não tocamos juntos durante nove anos. É esquisito. Nos anos 90 eu não imaginaria que algum dia iria querer voltar a tocar com o Jesus and Mary Chain porque era tão terrível, tão inacreditavelmente doloroso. Então, se naquela época alguém me dissesse ‘olha, você vai fazer isso de novo um dia’, eu nunca acreditaria. Mas, você sabe, nove anos é um tempo longo e é tempo suficiente para curar algumas feridas. Então comecei a pensar ‘talvez não tenha sido assim tão ruim’, entende? Mas levou um bom tempo até tudo acontecer. O pessoal do Coachella ficava nos convidando todos os anos, tentando levar a banda para tocar no festival. E aí simplesmente aconteceu de eu e William nos falarmos por telefone após um longo tempo. E percebemos que eu achava que ele nunca iria querer voltar e ele pensava que eu é que não aceitaria. Foi quando entendemos que ambos estavam interessados.
G1 – E você alguma vez imaginou que estaria tocando no Jesus and Mary Chain 30 anos depois de lançar 'Psychocandy'?
Jim Reid –
 Oooh! (risos). De jeito nenhum eu poderia imaginar isso. Quando você tem vinte e poucos anos simplesmente não imagina como será o futuro. Eu tenho 52 agora. Há trinta anos eu não imaginava que esse tipo de coisa poderia acontecer. Quando você tem vinte não pensa em como vai ser quando tiver cinquenta.
G1 – E além dos shows para os 30 anos do primeiro disco, quais são seus planos? Alguma novidade sobre aquele disco que vocês prometem desde 2007?
Jim Reid – 
Sim, temos planejado um disco há bastante tempo mesmo. Mas discutimos muito sobre como gravá-lo e onde fazer isso. Então ainda não gravamos nada. Mas acredito que em algum momento haverá um disco novo sim. Vai ser preciso uma dose de sorte, acho (risos).
G1 – No início vocês ficaram famosos pelo caos no palco e pelas violentas brigas em seus shows de 15 minutos. Quando você acha que o Jesus and Mary Chain se tornou uma banda mais madura?
Jim Reid – 
Bem no comecinho tínhamos nossas razões... quer dizer, pra começar nós nem tínhamos muitas músicas pra tocar. Outra coisa é que nós queríamos nos certificar de que seríamos muito barulhentos e extremos e pensávamos que nada poderia causar mais impacto nas pessoas do que tocar dessa forma por 20 ou 25 minutos no máximo. Mas depois lançamos outro disco, tínhamos mais músicas e as pessoas passaram a esperar mais de nós. Além disso, todo mundo envelhece, todo mundo muda. Os caras de bandas não são nem um pouco diferente.
G1 – E você acha que hoje em dia é impossível uma banda ser tão espontânea quanto vocês eram no início? Acha que não há mais espaço para a inocência daquela época do início da gravadora Creation?
Jim Reid –  
Sim, você tem razão, é impossível ser daquele jeito, tudo mudou de forma absurda. No início, a Creation Records era basicamente Alan McGee, Dick Green e nós, as bandas. Não existiam nem escritórios. As bandas simplesmente ficavam no quarto de hóspedes da casa do Alan, dobrando encartes, montando as capas dos discos e coisas assim. Hoje em dia eu nem sei te dizer mais como funciona o mundo da música. Está mais fácil gravar um disco, claro, mas a música escocesa ficou muito pior. O indie, ou punk, ou seja lá como for que você queira chamar, não consegue revelar uma banda boa. Esse tipo de música está quase como era o jazz nos anos 90.
G1 – Você ainda percebe a influência do Jesus and Mary Chain em outras bandas? Qual a maior contribuição de vocês, na sua opinião?
Jim Reid – Não ouço muitas músicas novas. As pessoas me dizem sempre que existem bandas que soam como o Mary Chain e algumas mencionam isso em entrevistas. Quer dizer, às vezes até ouço alguma banda e reconheço algo de Jesus and Mary Chain ali, é legal isso. Mas acho que nossa maior contribuição são nossos discos e a maneira como realmente não nos importávamos no início. Havia muita gente na indústria musical que não nos queria e que achava que não podíamos gravar as coisas que fizemos naquela época. Acho que tivemos muita sorte.
G1 – E com que  frequência as pessoas ainda abordam vocês para falar sobre a banda e os discos mais antigos?
Jim Reid – 
Bem, eu moro em Midlands [região central da Inglaterra] e tenho que ser honesto com você: ninguém me conhece ou sabe quem eu sou. Mas, sim, quando viajamos muita gente ainda vem falar sobre a banda, especialmente integrantes de outras bandas.
G1 – Vocês estiveram duas vezes no Brasil, a primeira delas há mais de 20 anos. Você se lembra de muita coisa daquela época? E como compara as duas visitas?
Jim Reid – 
Sim, eu me lembro muito bem da primeira visita, na verdade. O público era muito entusiasmado. E, bem, éramos obviamente bem mais velhos da segunda vez, mas também foi ótimo. A única grande diferença pra mim é que eu estava bastante sóbrio dessa vez, porque foi durante um período de cinco anos durante os quais eu não bebia.

BIZZ, JESUS & MARY CHAIN ::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::



JESUS & MARY CHAIN

            KROQ, 106,7 FM. Pasadena, Los Angeles. Pronuncia-se "Kay Rock", é a radio da moçada ultra high tech, em um subúrbio de luxo de L.A. Jesus And Mary Chain, com o basic black de praxe, incluindo as imitações de ray-ban compradas em lojinhas de segunda mão, passeia pelo estúdio. Ou melhor, prostra-se ao lado de dois microfones. Mary Chain prepara-se para conquistar a Califórnia, eldorado da afluência, dinheiro, sexo, plástico e rock´n roll. Mary Chain, como se sabe, é o Velvet Overground dos anos 80.
            Daqui a pouco tocam em Santa Mônica, point de surfistas, windsurfista, naturistas e yuppies variados. Willian Reid, escocês on the rocks, de Glasgow, porém viciados em cerveja, é claro, está meio assustado com a Califórnia: "Aqui é legal. Mas é estranho. Não tem inverno. Como á que essas pessoas conseguem viver sem inverno? Será que neva na Califórnia?" Digo que no Brasil também não neva. "Então é tudo igual à Califórnia" Não, meu filho, Há algumas pequenas diferenças...
            Reid á o homem por trás do white noise do Mary Chain. No palco, fica de costas para a platéia durante os 25 ou 35 minutos de show nunca é mais do que isso - agachado e curvado sobre sua guitarra, tirando um elegantíssimo ruído incessante de serra elétrica e melodias e almas, puras pérolas pop. Quando fala, seu sotaque é de morte. Escocês, ainda com algumas cervejas enrolando a língua, é fogo: "Aqui eu sempre pergunto para as pessoas se elas estão me entendendo. Parece, mas não é a mesma língua..."
            E então, depois de provocar tumulto na lúgubre Manchester, depois de virar darling da mídia londrina - mesmo a mais metida - Mary Chain chega para desconcertar os EUA, como quatro garotinhos dark do apocalipse? "Não acho difícil. Dificilmente seremos um grande grupo na América. As rádios não tocam o nosso álbum. Só as college rádios (Nota: rádios das universidades, não comerciais, onde toca Mary Chain, Smiths e similares)". "Os disc-jockeys acham que não é um disco comercial". Mas onde toca, causa emoção. Mary Chain será então um cult group, como o Velvet? "Temos tocado em lugares não muito grandes, no máximo para mil pessoas, duas mil. É um pouco diferente de Duran Duran. A América é OK, mas não estamos pensando em virar um super grupo. E muito difícil entrar nesse mercado. Não é como a Inglaterra, que é uma ilha, é só Londres quase. Aqui são cinqüenta países diferentes,"
            Vários ouvintes ligam para a rádio e perguntam a mesma coisa: "Por que vocês se chamam Jesus and Mary Chain?" Reid já deveria ter as respostas gravadas. "Ora, é um bom nome. Soa bem. E original" Direto, como são os escoceses, não há por baixo de tudo nenhum conceito sobre a Sagrada Família ou uma provável subversão do rock´n roll pelo catolicismo. Cada. ouvinte faz do nome e da postura - o que quiser.
            A decantada pose - ou falta de - do Mary Chain no palco também não tem mistério. "Fazemos shows curtos porque as músicas são curtas e, mais do que isso, a platéia se enche. E não vejo nenhum motivo para ficar pulando no palco. As pessoas pagam para ouvir música. E o que nós fazemos."
            Velvet. Um tema inevitável. "E um dos meus grupos favoritos. Tenho ouvido muito "Some Kind of Love", ou "What Goes On". Outra influência foram os Doors. Dos grupos novos, gosto dos Cocteau Twins". Quando menciono Beach Boys, Reid generaliza: "O que me pega são mais melodias da época do que um determinado grupo".
            Reid vai tomando cerveja, a língua enrola mais, o sotaque fica mais de morte e os ouvintes da rádio ainda querem saber o porquê desse nome esotérico. Uma gatinha liga desesperada porque não vai poder ir ao show. Diz que eles são a melhor banda do mundo, Reid permanece imperturbável. Será que esses escoceses têm soul? ´Puxo a conversa para James Brown, Sam Cooke, ´que, na sua época de gospel, cantava uma música linda chamada "Jesus, Wash My troubles" (Jesus, lave de mim meus problemas). Reid não parece muito interessado em música negra, mas acorda com Brown e Cooke: "É fantástico. Mas não cabe na nossa coisa. Nós estamos mais preocupados com o controle, em chegar a uma canção perfeita, curta, simples".
            O DJ pede para Reid escolher um hit de Mary Chain. Sugere "Never Understand". Reid diz que é óbvio. Prefere "Inside Me". Perfeito: é uma ânsia, uma raiva - ou um monstrinho como o de Alien - que vive dentro do personagem. O ritmo é quase primal, tambor da África, voz psicodélica de fundo de poço, e tudo descamba para uma distorção free de entortar a espinha.
            Como Reid vê todo esse carnaval dos ingleses em cima de Mary Chain? A salvação do pop e coisas do gênero? "Os jornais de música na Inglaterra são muito provincianos. Não somos apenas uma banda que quer fazer boas canções pop. É muito simples. Não tem mistério".
            Não tem mesmo. O Show em Santa Mônica dura no máximo meia hora. Platéia super fluente. Todo mundo chegou pela freeway, de carro, parou no estacionamento gigante e foi embora, bem comportado, ao final.
            Atmosfera de culto. Palco negro, sem nenhum adereço. E aquela distorção das esferas. Vai na veia antes do show tocou Specimen, um remanescente psico-gótico londrino, linha glitter, agora radicado em São Francisco. Muita esbórnia por nada. Um contraste brutal com a simplicidade de Mary Chain. Evoluíram barbaramente. Eu os vi pela primeira vez há um ano, em Manchester. Era um caos. Seu set, agora,  é uma aula de pureza pop. No meio do lixo atômico-musical, é para dar graças à Virgem Maria.

PSYCHOCANDY - The Jesus and Mary Chain (WEA)

            Não é propriamente uma revolução e sim um exercício de radicalismo, que segue uma lógica safada de venenosa. A seguinte: até hoje, a melhor musica pop têm uma entre duas possíveis caras - o pop ingênuo, melodioso e assobiável dos anos 60 pré-Beatles (os Beach Boys e os grupos vocais produzidos por Phill Spector); ou então o barulho afiado do rock pós-Velvet Underground (Pistols, Ramones, Birthday Party). O Jesus & Mary Chain, num caso de inédita esquizofrenia, opta simultaneamente pelas duas linhas e o resultado dá num bombom recheado de cereja e ácido sulfúrico.
            É uma revolução. Assassina a canção e altera o relacionamento entre consumidor e objeto de consumo (essa foi demais!). O que eu quero dizer é que o LP não é o mesmo para se ouvir de uma esticada só, deitadão no sofá. Recomenda-se uma faixa apenas de cada vez e daí sair para a rua, É uma premonição: a arte quer morrer, está pedindo um golpe de misericórdia, uma eutanásia. Única explicação para a perversão de enterrar sob uma placa de microfonia as mais belas melodias. Mais perverso é seu efeito retroativo: ressuscitar a adrenalina tão barateada nas linhas de montagem punk/metal.
            Da incendiária série de compactos que catapultou o J&MC para as primeiras páginas dos jornais e capas de revistas, só ficou faltando "Upside Down". O resto recheia o LP com a deliciosa sensação de estar massacrando a jugular do Império da Mediocridade com uma serra elétrica. "Never Understand" e "You Trip me Up" talvez sejam os dois clássicos eternos do lote, mas sua mamãe e/ou os vizinhos jamais saberão as diferenças entre uma e outra.
            Que caia a Bastilha. Psychocandy é a melhor guilhotina.

            José Augusto Lemos

Bizz # 012 – JULHO 1986

DARKLANDS - The Jesus & Mary Chain (WEA)

            O feedback ficou para a história. O segundo LP dos irmãos Reid é puro candy, cândido até as lágrimas. O doce psicótico de seu LP anterior virou balada azedinha. As notas continuam as básicas: lá, ré, sol - às vezes mi. Mas ninguém consegue tocá-las com o sentimento de frustração, a sugestão distorcida (o buzz e o drive) de decadente letargia que suspira da guitarra de William. E o vocal de Jim, apenas inigualável, sussurrando os mais resignados lamentos desafetados de sua (nossa) geração... Wow!
            Darklands é um disco cinzento. "Happy When It Rains", o hit (single), é a versão anos 80 de "Singin´ in the Rain". Tempo nublado também em "Nine Million Rainy Days", a ponte musical impossível entre "Ocean" do Velvet Underground e o voodoo whoop de "Simpathy for the Devil" dos Rolling Stones, e em "April Skies", outro hit de danças definitivas ("sacrifice myself to you", com os pulsos abertos). Lágrimas, lágrimas de chuva. Românticos decepcionados, garotos de vinte anos. Obra-prima da decepção juvenil, inspirada em Stones, Beach Boys ("Cherry Came Too" é surf music de inverno), Velvet e Lou Reed ("On the Wall" é "Walk on the Wild Side" ao lado de uma "Femme Fatale") e Pink Floyd (especialmente em "Deep One Perfect Morning"). Estilos que geram estilo. O Estilo. Perfeito, enfim, como uma balada de violão para encerrar o vinil.

            Marcel Plasse

Bizz # 032 – MARÇO DE 1988

BARBED WIRE KISSES (B-SIDES AND MORE) - The Jesus And Mary Chain (WEA)
            O doce psicótico dos irmãos Reid está de volta, numa coletânea que teve a inspiração de se chamar "Beijos de Arame Farpado". Na verdade, tudo o que o grupo não prensou em LP daria um álbum duplo... De qualquer modo, aqui estão o primeiro single, "Upside Down", o mais recente, "Sidewalking", sobras de estúdio, demo e a mutação radioativa do sonho de verão de Jan & Dean, em "Kill Surf City". Noise infernal, assustadora, obscena como um beijo à força. Amém ou se masturbem. Radical.
            M.P.

O PARAÍSO PERDIDO

            A salvação do pop pela microfonia? A única banda ainda capaz de resgatar a inocencia? Os mais habeis artífices de cancões agridoces? Quem são afinal esses garotos vindos das terras sombrias da Escocia? Eva Joory conversa com Jim Reid, em Londres, e Marcel Plasse voltou no tempo, atrs da resposta...

            Dois irmãos com menos de vinte anos em Easte Kilbride (isto é, lugar nenhum, Escócia). Passatempo disponível: tomar ácido e brigar em lugares abandonados. Adolescência difícil para Jim e William Reid. Jim lembra: "Fiquei cinco anos desempregado. Foi isso que nos a idéia de montar uma banda". O que mais poderiam fazer? Ok, "eu canto e você toca guitarra..." No baixo e na bateria, os amigos Douglas Hart e Bobby Gillespie. O básico.
            "Antes do desemprego, eu trabalhava numa fábrica, o que era bastante deprimente. O desemprego foi voluntário porque minha experiência na fabrica foi horrível. Odiei esse trabalho. Nunca mais quero voltar pra lá. Se oi grupo acabar amanhã, prefiro continuar desempregado a ser um pouco mais feliz..."
            Quando eles tinham 15 anos - "a idade certa para aprender" - , as entrevistas de Johny Rotten e os shows de grupos punks jorravam maravilhosamente. "Isso mudou a minha maneira de ver o mundo, me deu confiança! A idéia do grupo, porém, só veio muito depois - apesar de sempre termos gostado de tocar, ou, pelo menos, tentando tocar. Em 1984, quando criamos a banda, foi mais pelo desespero do desemprego e de medo de chegar as 40 anos sem ter feito nada na vida".

            Mas quem queria ouvi-los? quem queria ouvir uma fita demo de garotos de East Kilbride? Talvez alguém em Glasgow, onde, segundo a imprensa musical britânica, tudo acontece. Aconteceu pouco e eles acabaram se mudando para Londres: Jim, William e Douglas morando no mesmo buraco - Bobby ficou em Glasgow.
            Hosannas histéricos nas páginas da sessão Live (Ao Vivo) do semanário New Musical Express deram início à falação. No ano anterior, a sensação havia sido os Smiths. A imprensa estava à cata de novos darlings. E The Jesus & Mary Chain não podia ser um nome menos arrogante. Entretanto, apesar de todo o barulho do primeiro compacto. "Up-side Down" (lançado pelo então microscópico selo Creation), eles ainda não eram uma revelação iluminada.
            Jim: "Tivemos muita sorte em atrair a atenção de jornais como o NME, que sempre falava de nós com matérias dizendo que éramos os futuros Beatles (risos) !"
            A celestial tríade de compactos seguintes, já pelo selo Blanco Y Negro, foi o canto de sereia do grupo. Bateria e baixo mínima, vocal dulcíssimo e guitarra como um sintetizador no inferno. "Never Understand": o elogio mais eloqüente da irresponsabilidade adolescente desde "Pretty Vacant" dos Sex Pistols, numa canção-spray - algo como um mix de Beach Boys e os momentos mais experimentais dos Buzzcoks -, com um lado B igualmente brilhante ("Suck", a canção mais ácida do grupo, e o cover de "Ambition" , do Subway Sect). "You Trip Me Up": uma onda para o Surfista Prateado (herói dos quadrinhos Marvel), ou, segundo Jim, "a canção de verão do Jesus & Mary Chain" - um arraso em pleno sol -, reverberações e ecos de Suicide. E, finalmente, a balada pop mais doce de 1985, "Just Like Honey": guitarras envolvendo um vocal sem fôlego - uma versão acústica no single de 12 polegadas dá a medida exata do quão suave os irmãos Reid podiam ser, apesar deste mesmo single conter "Head", a faixa mais psicótica de sua carreira.
            E então, tchan!, o LP Psychocandy... Um doce psicótico, uma trip ácida, corrosiva e caramelada. O nome perfeito para o álbum perfeito - melhor disco de 1985 segundo a imprensa britânica: melhor disco de 1986 pela votação de BIZZ. Bem ou mal, todo mundo falou em Psychocandy. Como ficar indiferente a sua agressividade/suavidade?
            No entanto, a fascinação do ruído, da microfonia abissal, hipnotizou o público - inclusive jornalistas -, de tal forma que a deliciosa incrustação pop dos irmaõzinhos escoceses perdeu-se num enfoque indevido. E Psychocandy era justamente o equilíbrio perfeito entre a tempestade e a bonança. Por ocasião de sua primeira turnê americana, Jim e William preferiram ser comparados aos Beach Boys do que aos Sex Pistols. "Psychotic Beach Boys!", disse o vocalista à revista Spin.
            De qualquer forma, J&MC não surgiu como um grupo terminal - o último suspiro do rock, ao qual sobrariam apenas destroços, nos moldes do punk rock. J&MC, como o nome redentor supõe, veio à Terra como a salvação do pop. Ou quase isso. O que os movia em busca divina perfeição era uma questão básica: o que é e sempre foi o pop perfeito? De um lado, o barulho de Velvet Underground e Stooges, do outro, a suavidade de Beach Boys, Monkees, etc. No meio disso, uma dezena de esquecidos fundamentais... "Claro que ouvimos disco e fomos influenciados por eles, mas não só por uma década em particular. De uns tempos pra cá, todo mundo em Londres ficou meio enlouquecido com os anos 60. Não gosto de fazer parte desse movimento (ao contrário de Bobby Gillespie, uma das franjas mais sixties do novo Velho Mundo). Acho que os anos 50 foram muito mais importantes. Foi fácil ter sido Rolling Stones nos 60, difícil foi ser Chuck Berry nos 50."
            O karma do ruído foi superado no primeiro disco pós-Psychocandy, o EP Some Candy Talking - um lançamento de 12 polegadas com quatro faixas, incluindo uma versão acústica de "Taste of Cindy", uma das faixas do LP anterior, e uma canção chamada justamente "Psychocandy", mais para "Just Like Honey" do que para o wall of Sound de microfonia e distorção que tanto falatório havia alimentado. NME, Melody Maker e Sounds voltaram a ficar de quatro. A única faixa barulhenta, ironicamente, chamava-se "Hit"...
            Jim: "Os ruídos e a microfonia estavam destruindo o grupo. As pessoas só comentavam o barulho que fazíamos, ignorando nossas composições. Foi algo bastante incompreendido, tanta gente causando tumulto em cima de uma coisa tão pequena: é só um som específico de  guitarrista!" Esse barulho", porém, foi tomado como inovação no cenário musical, apesar de ser velhíssimo - vide Velvet Underground. Logo apareceram os herdeiros - alguns, inclusive, que existiam antes do próprio J&MC - Primitives, The Shop Assistants, The Pastels... Microfonia se tornou palavra de ordem - o acid rock dos 80, de acordo com críticos apressados. Ah, a memória! Sonic Youth, lançou seu primeiro EP em 1982, mas poucos se deram conta na época. Não, tampouco a trip dos irmãos Reid era essa. Não havia mistério ou pretensão em seu wall of sound...
            Jim: "Em nossos primeiros shows não sabíamos tocar nada. Pra maioria das pessoas não éramos músicos, ou o que tecnicamente pode se chamar de músico. E o que não podíamos fazer tecnicamente compensávamos com a imaginação. Foi um excelente meio de contrabalançar nossas deficiências! Antes de formarmos a banda eu não sabia tocar nada, William uns poucos acordes e não tínhamos baterista. O que decidimos fazer foi a coisa mais óbvia, para quem não sabe tocar: barulho!"
            Barulho extremo e destruição! O equívoco na divulgação de seus shows acabou levando o grupo às páginas policiais, como nos velhos tempos do punk rock. "Tinha muito a ver com o que as pessoas liam sobre nós. Muita gente foi aos nossos primeiros shows só pra brigar. Eu realmente não entendo essa atitude. Se você se sente violento, existem coisas bem mais construtivas para se fazer.
            No começo, eu achava apenas engraçado - não podia ser sério! Depois, a situação foi se agravando... Mas nunca deixou de ser patética!"
            Até agora, a única mudança na formação do J&MC ocorreu com a saída de Bobby Gillespie, que optou por sua própria banda, Primal Scream, onde canta - .. As pessoas sempre o viram mais como o vocalista do Primal do que como o baterista do Jesus..." Em 1987, os irmãos Reid e Douglas Hart foram  acompanhados por uma bateria eletrônica.
            Os novos singles, "April Sky" e "Happy When It Rains", são convites irresistíveis à dança - sem microfonia, fascinação ou repulsão, amor e morte... Apenas céu! O novo Jesus & Mary Chain, do LP Darklands é puro candy, docinho pop com sabor de mel. Jim: "Já imaginávamos as críticas que íamos receber. Quando paramos de usar  microfonia todo mundo nos criticou, é claro. Só posso dizer que a pior coisa que poderíamos fazer seria repetir a receita de Psychocandy. Mas cada um quer uma coisa diferente - os críticos e a gravadora gostariam de um som tipo U2 (risos)! Nós apenas não nos esforçamos para agradar ninguém, a "não ser nós mesmos. Darklands era o disco que queríamos ouvir. E quando formamos o J&MC queríamos justamente isso: tocar as músicas que sempre quisemos ouvir!"
            Apesar das aparências, Darklands não é um álbum suave. "Se o disco passa essa impressão é unicamente pelo efeito das guitarras. O estilo das gravações é igual ao do Psychocandy. Só tiramos fora a microfonia. E nós não tínhamos nenhuma obrigação em nos repetir! O que nos irrita mais é que, com Darklands, as pessoas que achavam que devíamos parar de usar microfonia agora acham que devíamos continuar com nosso som distorcido e barulhento!"
            As letras continuam a paulada de sempre: "Minha tendência, minha inspiração para escrever vem quando estou muito triste, e é por isso que nossas músicas soam tristes. Sentimos que temos necessidade de dizer coisas quando estamos deprimidos. Quando estou contente, quando saio bastante e me divirto encontrando pessoas, compor é a última coisa que passa pela minha cabeça. Além disso, no pop, o lado triste da vida é a unica coisa que vale a pena ser contada.Não estou interessado em cantar sobre o clichê ´boy meets girl´ numa discoteca, e romances banais. Isso não significa nada para mim nem pra ninguém - eu espero. Romance é a coisa mais natural do mundo, por isso deixa de ser importante".
            O atual som do J&MC também registra, de maneira definitiva, sua atração por surf music. De "Kill Surf City" (lado B de "April Sky"), variação anos 80 do clássico "Surf City" de Jan & Dean, a uma versão explícita de "Surfin´ USA" dos Beach Boys: "O que estamos fazendo é o que a surf music deveria ter sido. Você ouve os Beach Boys e as músicas são sensacionais! Mas o jeito como elas ficaram é terrível. Ouvindo Beach Boys você pensa: Por que eles não usam roupas de couro? Por que não falam palavrões? Por que não chutam alguém no público? É tudo certinho demais! Contudo, as músicas são formidáveis. Eles tinham um grande potencial, mais não chegaram lá, eu acho. Admito que pra nós foi fácil fazer essas versões em 1987. Acredito que nos anos 60 seria bem mais difícil. Isto é, o que fizemos foi bom, mas se tivéssemos feito isso em 1960 teria sido genial!"
            Autocrítica não lhes falta. Isso chega mesmo a ser mortal. São a antítese do show business. Sequer sonham em lotar estádios e fazer megaturnês mundo a fora. Pelo contrário: quanto menos tocarem ao vivo melhor. "Por duas razões: levamos semanas pra gravar algo que fique com boa qualidade - tentar reproduzir o mesmo som num show é impossível! A outra razão é que temos que tocar as mesmas músicas na turnê inteira! No final, acabamos odiando nossas próprias músicas, e é deprimente chegar a esse ponto. Por isso fazemos turnês relativamente curtas. Não entendo como U2 e Dire Straits ficam rodando durante dezoito meses!"
            Da mesma forma, os shows são diminutos. "No começo eram quinze minutos! Tínhamos seis músicas de dois minutos cada, pouca coisa pra tocar. E tocar pouco causava impacto nas pessoas: ´pô, uma música tão diferente e só vinte minutos!´ Deixávamos todos boquiabertos. Se tocássemos mais, iriam pedir pra gente parar, afinal era meio insuportável. Agora, se o show é bom, voltamos para o bis e aí chegamos a tocar 45 minutos (risos)!"
            Yeah: "O sucesso não nos mudou em nada. E nem tínhamos alguma pretensão. Quando formamos o grupo, foi por puro amor à música. Entretanto, algumas coisas que fazemos agora não tem nada a ver com esse amor - dar entrevistas, escolher capas, ser fotografados... Nunca pensa mos em fazer essas coisas. O mais difícil é ter que fazê-las sem vontade!"
            Haverá lugar para toda essa inocência à beira da última década do século? Haverá ainda pessoas que fiquem felizes com uma simples chuva? Ah, Jim Reid, como dói perceber que os "corações são as coisas mais fáceis de quebrar..." Yeah, vamos nos quebrar, então, frágeis que somos, mais ou menos em torno dos 20 anos... É, Jim, dancemos chorando! Ainda há uma banda capaz de inspirar esse tipo de sentimento. Bendito o fruto do vosso ventre...

Por Marcel Plasse e Eva Joary

Bizz # 031 – FEV. 1988

AUTOMATIC - The Jesus and Mary Chaln (Blanco Y Negro/WEA)
            Depois do álbum mais punk dos anos 80 (Psychocandy)e do mais nublado (Darkland), os irmãos Reid atacam de heavy movido a bateria eletrônica, microfonia e vocais adocicados. Automatic está para "Sidewalking" - seu último single, não incluído no LP - assim como Darklands estava para "Some Candy Talking". O som da banda nunca foi tão pesado tão dançante simultaneamente. A microfonia é ensurdecedora, mas a batida eletrônica recobre as arestas como pele de veludo. A inércia junkie de Darklands cedeu lugar à ação automática. Seus três ou quatro acordes básicos são na verdade os clássicos elementos de todo o hip pop - Velvet Underground, Stooges, T.Rex, Ramones. Sim, você já ouviu isto antes: nos melhores discos de todos os tempos, O novo sotaque arrogante dos garotos só sublinha o óbvio: Automatic é puro rock´n´roll. E eu gosto.
            M.P.

Bizz # 054 – JAN. 1990

THE JESUS AND MARY CHAIN - Honey´s Dead (Blanco Y Negro/Warner)
            Alegrai-vos, seguidores do distorção e adoradores da microfonia. Jesus voltou! Mais de dois anos sem lançarem nado novo (sem contar o cover presente no coletânea The Last Temptation Of Elvis), não fizeram os irmãos Reid distanciarem-se de seu som. Prova disso é o tão esperado novo álbum, cujo título alude à "Just Like Honey". Nesse intervalo, puderam comprar um estúdio e incorporar influências das novos bondas indie inglesas (quase todo o disco traz o baterista do Curve), além do agora cult som de Seattle. Em Honey´s Dead o microfonia é atenuado, mas a guitarra motoserra característica do JAMC comparece sempre. "Sugar Ray" e "Rollercoaster" (esta batiza o turnê com eles, My Bloody Valentine, Dinosaur Jr e Blur) são os exemplos mais óbvios. E, por mais que esses glasgonianos digam o contrário, a postura autodesintegradora continua forte. Em "Reverence" o morte vira hino: "Quero morrer como Jesus Cristo/quero estar numa cama de pregos/quero morrer num dia de sol/quero morrer como JFK".
            J.J.E.S.

Bizz # 083 – JUNHO DE 1992

IRMÃOS DO BARULHO

            Os irmãos William e Jim Reid estão de mau humor. Vestidos do tradicional preto dos pés à cabeça, eles se recostam nas poltronas confortáveis de sua gravadora e fazem cara de tédio.
            Pois é, a síndrome do "come-back": você passa alguns anos dando duro, compondo e gravando e, quando volta... "São sempre as mesmas perguntas", reclama Jim. "Como se tivéssemos tirado dois anos de férias! E aí aparecem os boatos de que vamos nos separar. É tão cansativo!"
            "Nós queremos um disco que soe bom daqui há dez anos, quando as pessoas tiverem se esquecido do que ou de quem estava na moda. Meus discos prediletos são assim: Stooges, Beatles... uma música boa atrás da outra. E demoramos o que precisávamos demorar para conseguir isso."
            Honey´s Dead, o novo LP, promete recolocar o Jesus And Mary Chain no mapa musical. Nele, os Reid voltam com grandes riffs, vocais preguiçosos e... sim, batidas dançantes! "Eu sei". Jim me interrompe. "Algumas pessoas vão reclamar, dizendo que todo mundo está fazendo isso. E daí? Elas se encaixam com o que estamos fazendo. E também você tem de se lembrar de que já usamos as dancebeats em 88, com Sidewalking. Só que agora o resultado foi muito melhor".
            "Seria burrice eu te dizer que durante a explosão toda da dance music não tenhamos nos sentido ameaçados", diz Jim, o mais falante da dupla. "Foi um período amedrontador: as coisas mudavam tão depressa que não sabíamos mais onde nos encaixávamos. A verdade é que, enquanto continuamos a fazer bons discos, sempre haverá um lugar para nós."
            A capa do single "Reverence" (o enterro de Kennedy, Jesus escrita no alto) e a do LP (a Virgem em tons de bege) parecem estar destinadas a controvérsia. Jim e Will discordam totalmente, apesar de minha insistência no assunto. No entanto, Jim chega a confessar seu interesse por imagens religiosas: "Até agora tínhamos evitado essas idéias, porque já basta o nome da banda! Mas não há nada melhor que um crucifixo: existe algo de incrível em um homem numa cruz".
            Falando em morte, falemos em ressurreição - a do Mary Chain, que se prepara para voltar ao circo do rock com a turnê Rollercoaster, na companhia do Dinousaur Jr, My Bloody Valentine e Blur. Jim e Will estão furiosos, pois a gravadora anda espalhando que o projeto é baseado na famosa Lollapalooza, de Perry Farell. "Não tem nada a ver", Jim me garante. "É um pacote, como o Hendrix e o Pink Floyd faziam nos anos 60."
            Antes de partir, me lembro de uma conversa com Jim em 89, quando ele anunciou que "o rock vai voltar com tudo em 94." O evento aconteceu antes do espera. do, digo, citando o sucesso do Nirvana. Jim espera "que isso signifique que o rock´n´roll está saindo das mãos de gente como Skid Row, Van Halen e Guns N´Roses e voltando para aquilo que ele representava: rebelião, não negócios". Claro que sobra também para a "maior piada do rock", o Guns N´Roses (Will: "Use Your Illusion" tem 37 músicas ruins e três boas, uma das quais é do Paul McCartney!").
            No fim os dois se acalmam o suficiente - só para reafirmar a importância do Jesus and Mary Chain para os anos 80. Jim: "Quando as pessoas pensam naquela década, só se lembram de duas bandas: nós e os Smiths. Há tantas bandas por aí dizendo que só começaram a tocar porque viram um show do Jesus And Mary Chain..."

Por Anamaria G. de Lemos

Bizz # 083 – JUN. 1992

JESUS AND MARY CHAIN - Warner - The Sound Of Speed
            Não mataram os trintões irmãos Reid, como eles imploravam no último álbum. Mas os anos 90 ouviram pouco do J&MC: foram cinco singles e um álbum. The Sound Or Speed é o tributo à crise, a segunda coletânea do grupo com três versões de músicas de álbuns, cinco covers e algumas idéias que não deram certo. Exceto "Reverberation" - de um tributo a Roky Erickson - líder dos 13th Floor Elevators -, as músicas foram lançadas em singles entre 88 e 93. O último, "Speed", aparece integral. É dele a melhor faixa, "Something I Can´t Have", ao estilo de "Happy When It Rains" e de "April Skies". De resto, covers de "Little Red Rooster" (Willie Oixon) e "My Girl" (Robinson e White), ambas feitas pelos Rolling Stones, além da inusitada "Tower Of Song" (Leonard Cohen). Talvez seja o único avanço deste disco: revelar um provável futuro blues. E arriscam até um próprio, em "Write Record Release Blues". Será?...
            MARCEL PLASSE

1994

THE JESUS AND MARY CHAIN - Blanco y negro/Warner - Stoned And Dethroned
            Este é o álbum acústico prometido pelos irmãos Reid há dois anos - mais elétrico e produzido do que o esperado. O violão de doze cordas dá um ligeiro sotaque country ao som, mas, como Ramones, não há jeito de JAMC soar muito diferente. William repete o riff de "April Sky" em todo disco. Jim continua a se ajoelhar, falando de meninas, de drogas e de Jesus, tudo no mesmo fôlego. Talvez por isso tenham convidado gente nova. Hope Sandoval (Mazzy Star), participa de "Sometimes Always", balada de amor masoquista que aponta a nova paixão musical do grupo: a parceria Nancy Sinatra e Lee Hazlewood. Shane MacGowan, ex - The Pogues, empresta seu vocal bêbado à "God Helps Me". De resto, Velvet Underground continua a ser a maior influência deles. Pode parecer pouco, mas JAMC nunca foi progressivo. Como Ramones, não precisa mudar nada para fazer um disco convincente.

Marcel Plasse

1994

            The Jesus And Mary Chain - Munki - Creation/Sony
            A ordem blasfema dos irmãos escoceses Jim e William Reid entrou em cena em 1984, passando a motosserra na porta. Com guitarras zumbindo feito máquinas dementes a massacrar doces melodias, eles foram aclamados pela crítica como a salvação do rock. Espertos, tiraram o ruído já no segundo disco, Darklands (1987), revelando o que havia de belo por baixo da distorção. Injetaram baterias programadas e sons seqüenciados no terceiro, Automatic (1989), e seguiram fazendo variações sobre o tema.
            Neste sexto álbum de carreira, "a corrente de Jesus e Maria" volta com os mesmos acordes, poucos e bons; os mesmos vocais, limitados e entorpecidos, os mesmos toques eletrônicos, agora graciosamente ultrapassados, e as mesmas letras, bem sacadas e sarcásticas. Inovações? "Perfume", com a voz sexy de Hope Sandoval, soa quase trip hop, e "Moe Tucker" é cantada por outra convidada, Sister Vanilla. Mas a grande novidade é que o disco é animadíssimo. O Jesus está inspirado como não se ouvia desde Honey’s Dead, de 1992. Fecho de ouro: "I Hate Rock’n’Roll": "Odeio rock’n’roll, e toda essa gente sem nada pra mostrar".

Pedro Só

1998

OTITE À ESCOCESA

            Ritz (Nova York) 14/03
            É meio difícil escandalizar Nova York. Mesmo trazendo a reputação de "´banda mais capaz de provocar tumultos" do cenário musical inglês. Jesus & Mary Chain estreou no Ritz. dia 15 de março. com uma recepção entusiasmada, mas sem escandalizar ninguém. Abrindo o show, uma banda praticamente desconhecida. Vulcan Death Grip, conseguiu até mais: uma gostosa mistura de humor (a banda faz cenas bem falsificadas de desmaios. vômitos e alguns mergulhos bem reais na platéia) e entusiasmo. Guardem o nome da cantora do grupo. Ann Magweson. E prestem atenção: Vulcan Death Grip é aquele toque da morte de Vulcano usado pelo homem de orelhas pontudas na velha série de TV Jornada nas Estrelas, que até hoJe tem espectadores fanáticos nos States.
            Mas não é muito justo ficar falando do Vulcan Death Grip, quando a noite era de Jesus & Mary Chain. Depois de alguns poucos meses escandalizando os ingleses (eles são escoceses, mas proibidos de trabalhar na Escócia), a banda conseguiu alguns admiradores nos Estados Unidos. Agora, o selo Reprise, da Warner, achou que era hora de lançar o LP da banda. Para promovê-Io, foi organizada uma excursão americana, principalmente em clubes de tamanho médio, como o Ritz (em que a venda de cerveja é permitida, ajudando a acender os entusiasmos, ao lado de estimulantes menos legais).
            A maior diferença entre o LP, Psvchocandv, e a banda ao vivo é que, em casa, a gente sempre pode abaixar o volume. Porque o som de Jesus & Mary Chain é atordoante, capaz de provocar uma otite nos ouvidos menos prevenidos - do erotismo de coisas como "´Just Like Honey" (uma ode ao cunnilingus) ao escândalo de .. Sowing Seeds" ou "You Trip Me Up", todas compostas por Jim e William Reid.
            Musicalmente, as definições podem ser muitas. A maior influência é um punk-rock quase puro, com uso inescrupuloso de microfonia, uma espécie de Velvet Underground multiplicado por mil. Os dois irmãos, Jim e William Reid, cuidam das guitarras e dos vocais, embora seja quase impossível decifrar palavras, do baixo de Douglas Hart e da bateria de Bobby Gillespie.
            Decifrar é a palavra-chave, com esta banda. Se a gente fica apenas no barulho, dispensa o grupo como mais uma tentativa de seduzir pelo exagero. Mas, detrás desta barreira de som, existem paisagens de melodia e emoção que justificam alguns grandiosos elogios que Jesus & Mary Chain tem recebido. O punk-rock está lá, mas com uma insubordinação incendiária que é muito mais que um simples renascimento dos Sex Pistols.
            A banda existe há pouco mais de dois anos, e Jim Reid, com 19 anos, gosta da definição de seu grupo dada pela imprensa conservadora de Londres: "´Nos chamam de escória. Levo isso muito a sério". A BBC mal toca a banda, claro, mas Jim sabe por quê: "A BBC é uma muralha de estupidez, feita de velhos de 50 anos que acham que sabem o que é bom para a garotada".
            A verdade é que o Chain é uma injeção de vitalidade, depois de tantos grupinhos adocicados na onda de Duran Duran, Culture Club, Wham! e Spandau Ballet, que andavam construindo uma imagem de adolescentes conformistas, incapazes de ver a diferença entre um namoradinho cheio de grilos e uma verdadeira paixão. Afinal de contas, Romeu e Julieta tinham 15 anos, doces como pombinhos, mas vocês viram no que deu a verdadeira paixão de fogo que pode existir quando o sexo está tomando conta do corpo jovem. A Jesus & Mary Chain tem algo desse fogo. E não se escandalize muito com o nome da banda: foi tirado de um velho filme de Bing Crosby que ele fazia o papel de um padre.
            A platéia do Riu certamente não era tão jovem (é preciso ter 18 anos para entrar no clube, um velho teatro sem as cadeiras, na rua 11 de Manhattan). Mas, ao reagir, demonstrou uma inteligência básica: a capacidade de escutar, para finalmente decifrar o ue significa este novo som. Por enquanto, é o que se pode fazer. A imprensa inglêsa ou elogiou demais ou criticou demais Jesus & Mary Chain é um som que: precisa mais do que isso: como uma mensagem que chegasse de outro planeta, precisa ser decodificada, entendida. Até lá, para curtir o grupo ainda acho que o disco é o melhor veículo. Ao vivo, há muitos momentos em que o som ultrapassa o chamado "limiar perigoso", e simplesmente machuca o ouvido.

Por Marco Antônio de Menezes

Bizz # 011 – JUNHO 1986

CHUVA ÁCIDA

            Prego (Milão) 29/09/87
            Tudo é muito simples. De pyschocandy a darkiands. De doces pop - com a psicose de rigor - à terra desolada onde se contrapõem luz e trevas. De palavras suaves e distorções em estado bruto a palavras ásperas e sons limados. De auras  elusivas, romântico-adolescentes, a intimações de maturidade, anarquia consciente, violências em micro e macro escala, desencontros homem-mulher. O que aconteceu com os doces românticos da corrente da Madonna com Bambino? Desencanto? Experiência interior? Cinismo da poluição neo-subnarciso e neo-subvulgar? Não. É simples. Os meninos de Glasgow, iconoclastas aos quais se atribuía uma psique selvagem, simplesmente cresceram. Mais sábios. Mais melancólicos - em suas implicidade provincial escocesa. Mais dark? Mais dark, se nos referimos a estados de espírito, não a estados de fashion.
            De novos Pistols, sem a menor sombra de sex, e novos Velvet, com legítima descendência underground, a apenas Jesus & Mary Chain - sem conotações irônicas endereçadas ao Vaticano. Qual é a essência de Jesus & Mary Chain fase darklands, em vinil e ao vivo? Está naquela linha de "April Skies", sob a voz espectral de Jim Reid, e a marcha elétrica memórias-dos-melhores-anos-de-nossas-vidas: "Making Love on the Edge of the Night". Entre amores, noites e fronteiras, os meninos de Glasgow exercitam uma nova e adquirida sabedoria de vida.
            Eles vêm de preto, sem a mínima provocação espetacular - apenas a ênfase nas contraluzes e o máximo de pausa desconcertante entre canções. Na fase psychocandy, o anti-show durava 35 minutos cravados, sem replay. Vi o ritual em 86, em Los Angeles, para um público basicamente de cripto-esnobes de praia. Não entenderam muita coisa - assim como os irmãos Reid e distintos chaps não demonstraram o menor interesse em incentivar sua curiosidade. Na fase darklands temos 55 minutos cravados, também sem replay. A formação é a mesma, mas não o conceito. Desapareceu o kit de bateria minimal. Só sampled drums. Baixo, claro, minimal. Feixe de guitarras. Jim Reid enrolando-se progressivamente no fio do microfone e no stand do dito - balé saboreado com delícia por fetichistas de metais esguios. Para completar, o quinto personagem na corrente de Jesus e Maria: a mesa, com seu set de efeitos especiais. Cacofonia discreta linha fuzz-feedback-overdrive-delay, mais para fundo de garagem equipado do que as pilotagens automáticas do rock de arena.
            Ainda são capazes de construir lindas melodias, quase californianas, agora ainda mais audíveis, pois menos soterradas pela barragem de white noise. Perfeito trabalho de atualização anos 80 das faixas de sensibilidade exploradas por Shangri-Las e Beach Boys. Trata-se de um set que nos põe a sonhar, divagar, viajar por um feixe de emoções despertando de seus sonos de gelo. Corrosão derretendo-se em melancolia. Um comentário adequadissimo à época. Os milaneses, claro, não entenderam. Nem poderiam. Esta é Yuppieland em estado bruto.
            Mary Chain avicina-se a early Stones em "9 Million Rainy Days", um Reid fala de água, chuva, isolamentos, desolamentos. Passagem adorável pelos clássicos instantâneos - de "Just Like Honey" a "You Trip me Up", de "April Skies" a "Happy When it Rains". Entre céus aguados e viagens de mel, Jesus & Mary Chain confirmam-se como a grande contribuição escocesa para a sobrevivência do romantismo nos tardios anos 80. Final adequado em registro revivalista-iconoclasta: "Kill Surf City", ou a surf music em Hang Ten sobre um mar de limalhas de ferro. Em nome do Pai, do Filho e da Virgem Santíssima, we are all happy when it rains.

Por Pepe Escobar

Bizz # 029 – DEZ. 1987

JESUS & MARY CHAIN

            Citi Club (Boston)
            Eles podem ter renunciado à barulheira total em disco, mas ao vivo continuam mais ruidosos do que nunca. A atual turnê da banda prova isso à exaustão. Não importa se eles tocam canções próprias ou clássicos do maculelê: o resultado é uma torrente incontrolável de decibéis.
            Poderia estar tudo bem - quem gosta do Jesus só quer mesmo saber do noise. O problema é que falta lucidez à banda. A detonação não parece intencional. A tropa dos irmãos Reid demonstra estar perdida.
            O clima é perfeito. Sobre o palco, uma tela em forma de estrela, tema da capa do último disco deles, Automatic, mostra slides de imagens psicodélicas intercaladas com palavras do tipo "TV", "fuck", "Jesus", "psycho" e "sick".
            As camisetas vendidas na entrada do clube trazem a mensagem "Jesus & Mary Chain, a escolha de uma geração perdida" (a base é o slogan "Pepsi. a escolha da nova geração"). Na platéia. o mais otimista parece ter lido Werther e achado alegre demais.
            O som é destroyer. As tradicionais "April Skies" e "Sidewalking" se alternam com as novas "UV Ray", "Blues From A Gun", "Road On" e "Gimme Hell".
            Falta só uma coisa: Jesus & Mary Chain saber o que está fazendo. A maioria das bandas toma drogas para entrar a milhão no palco e destruir. Exemplo máximo: Mission. Mas o Jesus segue outras vias. Os irmãos Reid e asseclas já sobem para tocar totalmente bodeados, a qualidade cai. Fãs deixam o clube já nas primeiras músicas.
            Jim Reid, responsável pelos vocais, tenta falar alguma coisa mas não sai nada. O baixista Douglas Hart tropeça ao andar pelo palco. Mas eles estão muito acima da média. Um concerto ruim do Mary Chain vale por duzentos do Barão Vermelho em forma total. As letras são as certas. As melodias pegam de modo exato. A técnica queima um pouco o filme, mas o mundo está cheio de músicos ruins. Por que nenhum deles inventou o som Jesus? Esses caras são especiais.
            No bis, eles voltam à velha forma. Flashes estroboscópicos cegam a platéia. As guitarras ionizam o ar. O slam dancing toma conta da área. Nenhuma reação da banda. Passam o tempo todo viajando em flertes com os amplificadores.
            Pode não ter sido o máximo. Mas o pop está de tal modo infestado por arrivismos e empulhações de todo tipo que temos de louvar aos céus por Jesus & Mary Chain existir. Certo, eles estão pouco se lixando. Mas o que é melhor: essa indiferença honesta ou o psicodelismo de araque dos ex-góticos Stone Roses?
            O que faltou de lucidez para o show principal apareceu em excesso na abertura, com o Nine Inch Nails. Em um ritual de violência e desconstrução, as unhas de nove polegadas escalpelaram quem ousou ouvi-las. Nine Inch Nails é o rock industrial na maioridade.
            Em disco, a banda é um cara só: Trent Reznor, do Cleveland, Ohio (estado onde surgiram, entre outros, os Cramps e os Pretenders). Ao vivo, Reznor tem guitarra. teclados e bateria para acompanhar. Em algumas músicas, ele próprio toca uma guitarra extra.
            Trent Reznor é dessas figuras que perturbam de tão brilhantes que são. Suas letras transbordam de ironias, referências camp e nonsense. Em matéria de performance, está na linha de frente da selvageria. Na segunda música, a platéia já adotou o mosh. Reznor e seu guitarrista a seguiram. Passaram o show todo trocando socos e empurrões. Entre um e outro número, o guitarrista cuspia cerveja na platéia.
            Os dois maiores sucessos do Nine Inch Nails - "Terrible Lie" e "Sanctified" - entraram no set. Sobrou até para uma estranhíssima cover de "Get Down, Make Love", do Queen.
            Como definiu o crítico americano Jon Pareles. Jesus & Mary Chain e Nine Inch Nails fazem parte de uma geração que, antes mesmo de amadurecer, já viu demais. O clima não é de choque - a mordacidade permeia o som deles. São cronistas da podridão.

Por Álvaro Pereira Júnior

Bizz # 058 – MAIO 1990

JESUS & MARY CHAIN

            "Penetration", jorram os alto-falantes. O tape que inicia cada show da turnê Automatic de The Jim And William Chainsaw. "A canção pop perfeita não existe", sentenciou Jim na manhã do dia anterior, numa das raras coletivas de sua vida. A imprensa exigia a Verdade de Jesus. A verdade de Jesus & Mary Chain entrou sempre atrasada no palco, confirmando que a pontualidade britânica não passa de um mito. "Fuck", repetiriam nas mais variadas situações, "Fuck", sua palavra favorita. Melhor, apenas álcool.
            "Everything´s Alright When You´re Down", canta Jim, uma hora atrasado em relação ao cronograma. Os shows cariocas foram introspectivos, com as palavras de Jim ainda mais baixas e para dentro do que nos discos. Down. As guitarras gritando rock´n´roll e todos morrendo de ressaca.
            Nenhuma música além do programado nas folhas com o repertório, coladas aos pés de cada músico, curiosamente com o tom de cada uma assinalado. Nenhuma gracinha em português ou inglês durante o espetáculo. No palco, Jim é a coisa mais parecida com uma estrela - ou o mais próximo que um garoto carismaticamente tímido é capaz de chegar dessa ilusão, erguendo o pedestal do microfone e batendo sua base contra o solo, com alguma raiva, encamando cada acorde saturado de desencanto radical, emaranhando-se nos fios e à beira de um choque no microfone. "Tongue tied and tied to the tongue", como diz "Halfway To Crazy".
            Cada show, um repertório. As covers de "Who Do You Love", de Bo Diddley, e "Guitar Man", de Elvis, marcaram as apresentações cariocas. A maioria das músicas foi do LP Automatic. A estréia acabou seguida por um passeio pela areia de Copacabana, à la "Ride", segunda música executada no Brasil. A imprensa queria saber se eles se consideravam uma banda de surf rock. Caminhar na praia à noite foi o mais próximo que se permitiram chegar deste rótulo. "Fuck the beach!", resumiu Douglas, numa bruma de álcool no porão do Espaço Retrô. "São Paulo is better."
            A primeira apresentação paulista revelou os problemas da acústica do Projeto SP. Era impraticável repetir a performance carioca. A mudança radical aconteceu na noite seguinte. Já no primeiro acorde, a guitarra de William apita. Microfonia lendária a caminho. "São Paulo is better" começa a se traduzir pelo triplo de barulho, álcool e ressaca.
            Em "New Kind Of Kick", o baixo de Douglas desmaia. Após três tentativas frustradas de animar a canção, eles decidem tocar sem baixo. Jim acrescenta "fucks" extras à letra, e os aplausos de incentivo mixam-se aos de admiração. A música seguinte é "Just Like Honey". O baixo falha novamente e Jim coloca as mãos na cabeça, rindo, sem dizer uma palavra. A raiva de William rosna microfonia. Sua guitarra blasfema sem cessar. A batida das músicas desacelera em meio ao inferno, a luz estroboscópica possuída, enquanto o feedback rasga sua garganta elétrica.
            "Sidewalking", a música que sempre encerrou a primeira parte dos shows, parece interminável. A banda sai e William permanece desafiando a resistência do público com suas estridências. O hiato antes do bis é o mais demorado, mas o público não vai embora. Amortecido, não acredita no que vê e quer mais. São apenas duas músicas no bis, uma convenção da turnê, com "Kill Surf City" demolindo o final. O apocalipse. Uma viagem de ácido a seco. Suicida. Novamente abandonado entre os cacos de seus acordes, William, solitário com sua máquina de assassinar tímpanos, compõe o adeus. Que anos são esses, Jesus, quando o êxtase é uma dor de ouvido? O zumbido não cessa, mesmo depois de a reverberação ser bruscamente interrompida pelas luzes e uma gravação de William cantando "New York, New York". Não cessa a noite inteira, e nem no dia seguinte. "Fuck!" O "solo" de William ainda não acabou!

Por Marcel Plasse

Bizz # 062 – SET. 1990

            Rio (28/06)
            þ "Everything´s Alright When You´re Down"
            þ "Rider"
            þ "Hardest Walk"
            þ "Head On"
            þ "Halfway To Crazy"
            þ "Coast To Coast"
            þ "Her Way Of Praying"
            þ "Taste The Floor"
            þ "9 Million Rainy Days"
            þ "You Trip Me Up"
            þ "Who Do You Love"
            þ "Take It"
            þ "April Skies"
            þ "Blues From A Gun"
            þ "Sidewalking"
            þ "Guitar Man"
            þ "Kill Surf City".

            SP (01/07)
            þ "Everything´s Alright When You´re Down"         
            þ "Rider"
            þ "In a Hole"
            þ "Coast To Coast"
            þ "Halfway To Crazy"
            þ "Head On"
            þ "Her Way Of Praying"
            þ "Living End"
            þ "Taste The Floor"
            þ "9 Million Rainy Days"
            þ "New Kind Of Kick"
            þ "Just Like Honey"
            þ "April Skies"
            þ "Blues From A Gun"
            þ "Sidewalking"
            þ "Gimme Hell"
            þ "Kill Surf City".
 




Nenhum comentário:

Postar um comentário