quinta-feira, 22 de agosto de 2013

OBSCENE EXTREME 2013

"Curtindo a vida adoidado"
O mês de Julho de 2013 tinha tudo para ser entediante como no ano passado. Parecia inevitável que eu desperdiçasse mais um Verão, afundado em casa, viajando somente pelos locais cada vez mais óbvios da internet. Viver em Praga é certeza de vida social ativa, mesmo para um desempregado sem dinheiro. Só os anti-sociais podem ficar à margem do que Praga oferece. Mas, apesar de tudo, a falta de uma rotina e de uma ocupação acabaram por configurar uma rotina em si. A incerteza, as novidades a cada dia, a insegurança de não saber onde estarei no próximo mês. Julho tinha tudo para ser um mês desesperador, onde eu inevitavelmente fritaria o cérebro em preocupações existenciais e no calor que finalmente se fazia sentir na quase sempre fria capital tcheca.

Os festivais de música estavam à espreita, mas a falta de dinheiro desanimava e eu já me conformara com a não comparecência a nenhum deles. Nem Rock For People, nem Mighty Sounds, nem Play Fast Or Don't, nem Obscene Extreme. No entanto, bastou uma mensagem da Char, lá de Portugal, para me convencer do contrário. Que se foda a falta de dinheiro! Se a Char vai ao Obscene Extreme (OEF), eu também vou. Vamos repetir as loucuras de há quatro anos. E havia mais! Num desses encolhimentos do nosso vasto mundo, aproximei-me da banda brasileira Catarro através do meu grande companheiro Adelvan, de Aracaju. Catarro havia tocado por lá e Adelvan, ao saber que a banda faria uma tour europeia e passaria pela República Tcheca, sugeriu que nos conhecêssemos. Não tinha ouvido falar de Catarro até ler à resenha que Adelvan fizera eu sem blog sobre o selvagem show debaixo de um viaduto na capital sergipana. Era uma banda nordestina com proximidade a gente querida de Aracaju e que viria tocar na República Tcheca. Não poderia perder isso! Seria imperdoável! E ficou decidido: rumaria ao OEF, aos trancos e barrancos, para três dias de loucuras. O resto de Julho que se dane, eu sempre dou um jeito de me virar. O que importa é ir ao OEF e vingar-me de todas as dificuldades vividas nos últimos meses. Há coisas que, mesmo na adversidade, devem ser feitas e ponto final. Dedique-se 100% à razão e você envelhecerá frustrado.

Encontrei-me com Char e seu namorado, Filipe, na principal estação de trem de Praga, no início da tarde, para dali fazermos uma longa e enfadonha viagem de três horas até Trutnov, a Norte do país, já pertinho da fronteira polonesa. Lá encontramos dois ingleses podres de bêbados que nos guiaram ao recinto do festival, a uns bons vinte minutos da estação. Era a minha primeira vez em Trutnov. Em 2009 o OEF havia sido numa localidade perto de Pardubice, mais para o centro do país.

O preço do bilhete foi bem azedo, 1500 coroas checas, o equivalente a 60€ ou uns R$ 150,00. Entrando no recinto do festival, vi logo que o preço estava justificado. Além das 69 bandas de todos os cantos do mundo – com algumas verdadeiras instituições dentro do underground -, a estrutura do festival demandava, evidentemente, o elevado valor das entradas. Podemos, sim, questionar a necessidade de se criar uma estrutura tão forte e profissionalizada. Particularmente, não me incomodo com ela. Ouvi muita gente reclamar e falar que não era necessário isso tudo. Ora, para mim é simples: O OEF é organizado por um punhado de pessoas que adoram música extrema e encaram o festival de forma profissional e preferem optar por uma estrutura mais consistente. Qual o problema? O tempo do Franciscanismo já passou, creio, e realmente espero que as pessoas estejam maduras o suficiente para perceberem que underground e alternativo não são sinônimos de precariedade. Não necessariamente! Poderia ser um festival menor, com menos bandas, menos estrutura e mais barato? Poderia! Há outros assim, como o Play Fest Or Don't, mais voltado para o Crust e o Fastcore. Mas os mentores do OEF preferem conceber algo maior e têm todo o direito de o fazerem. Não são vendidos nem mercenários por causa disso.

Regressando ao recinto, de fato fiquei surpreso com a estrutura, ainda maior do que em 2009. Cartazes gigantes, outdoors publicitários do evento, inúmeras tendas de comida, com uma variedade enorme e tudo vegetariano (outro motivo de algumas reclamações, algo que abordarei mais adiante), muitas tendas de merchandising e um espaço especial apenas para merchandising oficial do OEF. O dinheiro é substituído por cupons (cada um deles valendo 30 coroas ou 1,20€ , os copos são recicláveis, possuem design do OEF e podem ser recolhidos e revendidos por 2 cupons cada - e foi nisso que eu me dei muito bem -, etc. Uma estrutura demasiado complexa para quem está acostumado com a precariedade do underground e exatamente por isso ela deve ser vista de forma positiva. Para tratar das necessidades fisiológicas e da higiene havia os famosos Toi Toi, os toilets móveis e apesar de disponibilizarem apenas dois chuveiros, próximo ao recinto havia um local onde poderíamos tomar banho mediante um pagamento simbólico. E também havia um espaço com várias torneiras e até uma mangueira que ficava quase sempre ligada - o calor era realmente intenso. Em relação às apresentações musicais, todos os shows foram filmados e posteriormente disponibilizados no Youtube. Comprando o ingresso ganhávamos um livreto apresentando todas as 69 bandas do festival e uma coletânea em CD com metade delas.

Ao contrário do preço da entrada, lá dentro era tudo barato. A comida, em porções satisfatórios, saia a 2 ou 3 cupons, a cerveja (não bebi mais nada além de cerveja mesmo) a 1 cupom e sobretudo o merchandising, pago com dinheiro mesmo, tinha o preço normal dos shows undergrounds. Em Praga quase não há lojas do submundo musical. Particularmente, só conheço uma. O preço de material em lojas é extremamente caro quando comparados com o preço das tendas nos festivais. Em média, as camisetas custavam 250 coroas (10€ ) e os CDs ou vinis também. Mas havia vários ítems mais baratos e algumas promoções. Numa das tendas estavam vendendo cinco CDs por 5€. Não costumo comprar material, apenas algumas camisas ou vinis, às vezes. Mas para quem coleciona CDs ou vinis, o OEF é um lugar perfeito para tal. Além de se encontrar de tudo, os preços praticados são muito bons.

Uma das coisas que mais me chamaram a atenção foi a grande variedade de comida. De petiscos e sanduíches enormes a pratos bem elaborados. A variedade era tão grande e tudo era tão bom que ficava difícil experimentar todos eles. A vontade era sempre repetir o que havia comido anteriormente. Nota 10 absoluta para a comida do OEF. Na madrugada do primeiro para o segundo dia, ao regressar totalmente bêbado para a minha tenda, ainda tive lucidez suficiente para recolher copos no caminho e consegui juntar 22. Na manhã seguinte, troquei 17 deles por cupons - dos 5 restantes, 4 ficaram guardados como souvenirs e 1 ficou sendo usado durante o festival. Com 17 copos consegui adquirir 34 cupons que, somados aos 20 que eu já possuía, totalizavam 54.

Foi então que a festa começou de verdade para mim. Era a vingança por meses e mais meses só comendo a mesmice de sempre. Tentei provar tudo o que era possível. Acho que não deu, mas tudo o que consegui comer era delicioso, do tradicional Langoš, passando por milho cozinho, espetos de legumes, sanduíches veganos, até pratos à base de batatas, macarrão ou mesmo gulash. Tudo delicioso e eu realmente me entupi de tanto comer, regando com doses exageradas de cerveja.

Algumas pessoas tiveram a ousadia de reclamar da falta de carne. Sacanagem! Ora, aqui eu preciso realmente manifestar estranheza. Estamos falando de gente acostumada a shows e festivais onde há refeições com carne. Eu, enquanto vegetariano, sempre tive alguns problemas devido à falta de alternativa vegetariana. Mas no OEF, meus caros, os vegetarianos se vingam. Pois é, felizmente o Čurby, o organizador principal, é vegetariano e deixa bem claro, há anos, que para ele não faz sentido organizar um festival com refeições à base de carne. E não faz mesmo! Seria totalmente incoerente. Todos já estão bem avisados de antemão e os que quiserem comer suas carnes que as levem consigo, embora eu não veja qualquer sentido nisso, uma vez que o festival oferece uma variedade tão grande de comida (e não é apenas saladas) que não consigo imaginar como alguém pode sentir falta de carne. Tenho certeza que só reclamam por pura birra mesmo, para chatearem. Felizmente são poucos e até diria haver predominância vegetariana entre as milhares de pessoas que participam do festival.

O ambiente do OEF é o de sempre, seu grande cartão de visita, mais até do que as bandas. Gera-se uma enorme irmandade espontânea, não há brigas e o clima é de total festa. Uma grande falha minha foi não ter ido fantasiado. Eu queria ir de Chapolin Colorado. As fantasias variam bastante, há até algumas bem fofas e alguns super-heróis (o Batman passou por lá este ano), mas as que mais chamam atenção são as fantasias bizarras ou mesmo as apelações ao nu e à sexualidade. Freiras com roupa íntima, pessoas desfilando como vieram ao mundo, homens de fio dental ou ostentando enormes dildos e até sadomasoquistas com direito a chicote enfiado no fiofó. Há coisas bem bizarras mesmo! A licença para divertir-se exclui qualquer noção do ridículo e isso é sensacional. Costumo ver muitos posers nos shows que frequento em Praga, por várias vezes senti que o próprio Play Fast Or Don't parece uma passarela para o desfile de barbies radicais. É muita gente demasiado preocupada com a imagem, as roupas apetrechadas e os cabelos dreadlocks são muito bem elaborados e cuidados. No OEF isso não existe, até deixa a ideia de que quanto menos visual uma pessoa tiver, mais verdadeiramente underground ela é. Não estou afirmando nada, estou apenas transcrevendo um pensamento. Se excluirmos as dreadlocks (que realmente imperam), o público do OEF apresenta uma grande diversidade de visual, formando um arco-íris humano agradavelmente esquisito e sem qualquer lógica. Esqueçam as roupas pretas. Esqueçam as poses esnobes e as caras de mauzão. Vão ao OEF com o máximo de cores que conseguirem, tentem ser ridículo, afinal, mais do que um festival de música extrema, o OEF é uma licença para voltarmos a ser crianças. Não há nada melhor do que isso!

Durante a Quinta-Feira, o primeiro dia, os shows começaram às 14:00hs, nós só chegamos ao festival umas duas horas depois e uma vez ali dentro o plano era encontrar velhos amigos, conhecer novos e beber cerveja. Das 15 bandas que passaram pelo palco do OEF nesse dia, vi apenas o rot'n'roll de Malignant Tumour (CZE) com atenção. É uma banda muito divertida, vale sempre a pena vê-los. Tocaram Saddan Hussein is Rock and Roll para o deleite do público. Também acompanhei um pouco de Negative Approach (Hardcore dos EUA), sem gostar muito, e de Kryptopsy (Death Metal do Canadá), ultra-mega-chato, como quase todas as bandas de Death Metal. Bem, há estado de espírito para tudo, obviamente. Os shows não eram o meu interesse no primeiro dia. Apenas lamentei ter perdido o show de Fuck The Facts (Grindcore do Canadá), mas felizmente vê-los-ia uma semana depois em Bruxelas numa gig com Catarro.

Já passava da meia-noite quando Kryptopsy finalmente parou de tocar: era hora do Hell Show. Todos os anos há uma sessão que mistura suspensão de pessoas com bizarria sado-erótica ou whatever...sei lá como definir aquilo. Em 2009 vi uma mulher ter os lábios vaginais serem literalmente costurados. Desta vez houve suspensão de pessoas com ganchos enfiados na pele e a religião parecia ser o tema principal, visto que o sujeito suspenso por mais tempo estava vestido de Papa, e era acompanhado por uma diabinha e uma anjinha, também suspensas com ganchos enfiados nas costas e nos joelhos. Embaixo deles, no palco, um punhado de seres pervertidos, seminus, vestidos de freiras, com indumentários de sadomasoquismo, etc. Todo mundo com seios ou pirocas de fora, dançando e se roçando uns nos outros. Uma putaria à altura do nome do festival. Apesar da pouca luz e da falta de um tripé, consegui fazer algumas boas fotos.

Findadas as atrações no palco, a madrugada se prolongaria na tenda de convívio com um karaokê no Mustache Bar, um barzinho improvisado por ali. Havia um DJ e uma guilhotina. As pessoas deveriam escolher músicas e cantá-las no microfone. Caso errassem, haveria punição. Os homens teriam suas barbas e bigodes rapados (realmente não sei se a punição era a mesma para todos, muitos homens não tinham nem barba nem bigode para serem rapados), no caso das mulheres, não faço ideia, eu já estava bem bêbado para discernir qualquer coisa. Só sei que fui lá, todo metido a esperto, e pedi para cantar Smells Like Teen Spirit de Nirvana. Colocaram-me na guilhotina e só me recordo de estar tentando beijar uma loira que aproximava demais a boca dela da minha - depois eu concluí que era apenas para alcançar o microfone, mas na hora eu estava convencido de que ela queria algo comigo -, quando o cara do bar, um japona sacana, aproximou-se com uma máquina de barbear e, contra a minha vontade, foi rapando todos os pelinhos ruivos do meu doce rosto. Com a cabeça enfiada na guilhotina, só me restava berrar e implorar para que não rapasse, sem que fosse ouvido. Fiquei puto, embora rendido ao momento. Foi a primeira vez em mais de um ano que fiquei com a cara sem pelos. Mas o pior viria no dia seguinte, ao acordar. 

A Char e o Filipe lembram-se bem do momento em que acordei sozinho na minha tenda, vi uma pilha de copos ao meu lado e entre curtos flashbacks lembrei-me de que algo se passara na noite passada. Foi aí que levei as mãos ao rosto e não senti a barba, embora houvesse algo, parecia que nem tudo fora removido. Sem espelho por perto, a solução foi fazer um auto-retrato com a minha câmera para constatar que o japona filho-da-puta havia deixado um bigodinho de Hitler – ou de Chaplin, no caso dos otimistas. Entrei em pânico! Gritei para a Char e o Filipe, que estavam na tenda ao lado, dizendo-lhes que tinha uma notícia boa e outra má. A boa era que havia uma pilha com mais de 20 copos ao meu lado, o que significaria tirar a barriga da miséria durante o resto do festival, enquanto a má...bem, preciso agradecer ao Filipe por me ter emprestado sua lâmina de barbear quando fomos tomar banho. Rapei tudo e voltei a ficar com cara de rapaz de 18 anos, lamentando a escassez de testosterona que me faz esperar mais de um mês para voltar a ter a barba crescida e densa.

O segundo dia ficou marcado pela comida. De fato me recordo mais dos momentos em que estava comendo do que das apresentações em si. Como havia trocado os copos por cupons e ficado “rico”, não parava de comer e beber muita cerveja, além de atuar como paparazzi com a minha surrada 400D, já pedindo arrego, coitada. Não sei se alguma outra câmera participou de mais mosh e stage diving que a minha “quatrocentinha”. Não creio! Sentado ali nos bancos do “anfiteatro”, vi várias bandas apenas como música de fundo para os convívios que se estabeleciam. Tenho uma vaga lembrança dos shows de Crepitation (Death Metal do Reino Unido), Gruesome Stuff Relish (Grindcore da Espanha) e Gadget (Grindocre da Suécia). Lembranças bem esfumadas mesmo. Depois vi Birdflesh (Grindcore da Suécia) com um pouco mais de atenção até que, finalmente, sobem ao palco os velhotes de Birmingham para mais de uma hora do mais puro e genuíno Grindcore: Napalm Death. Foi a segunda vez que os vi, a segunda no OEF. Fizeram uma homenagem direta ao Čurby pelos 15 anos do festival e nos brindaram com seu ruído politizado. Certamente o próprio Jan do Agathocles preferiria dizer que são uma banda de Mincecore. O ponto alto do show foi, para mim, o cover de Dead Kennedys, Nazi Punks Fuck Off.

Depois de Napalm Death tocaram mais seis bandas, mas eu já estava a caminho da tenda para dormir. Além de não ter dormido quase nada na noite passada, também estava dando uns 30 espirros por minuto devido a uma alergia a não sei quê. O dia seguinte seria o mais esperado em termos de bandas e eu queria estar cheio de energia para desfrutar de tudo. Na madrugada do segundo dia não houve Mustache Bar para mim. Também já não tinha mais pelos na cara para serem rapados.

O Sábado estava lindo, céu azul e muito calor, do jeito que eu gosto. A mangueira estava sempre aberta para nos refrescar e as sucessivas cervejas garantiam as energias. Não estava com ressaca nem cansado. O dia prometia! A primeira banda começaria às 10:00hs e quase todas as bandas que se seguiam pela tarde eram do meu interesse. Depois de dois dias de convívio, comedeira e bebedeira, eis que chegava o momento de desfrutar das apresentações musicais. Começou com Beton (Metal Punk da Eslováquia). Depois vieram Fear of Extinction (D-Beat de Praga), Warfuck (Grind da França) e Distress (Crust da Rússia). Vi a todos. Excetuando os franceses, já os tinha visto noutras oportunidades. Distress fez um grande show em Praga há uns tempos. Desta vez achei menos potente, talvez por não ter sido num local pequeno mais propício. Estive ali sempre junto ao palco desde às 10:00hs da manhã. Depois de uma pausa, regressei para ver Horse Bastard (Grindcore dos Reino Unido) e Infanticide (Grindcore da Suécia). Não conhecia nenhuma delas, mas fui recomendado a vê-las por um mexicano que conhecera e que estava comigo ali junto ao palco. Valeu a pena, sobretudo porque dias depois voltaria a encontrar as duas bandas em Leiden, Holanda, durante outra gig de Catarro. Gente muito legal que passava o tempo todo gritando “muito doido” - em português mesmo, graças aos catarrentos, que já haviam tocado com eles em Berlim antes de chegarem ao OEF.

Depois veio uma banda de noisegrind japonesa, que na verdade era um duo (baixo e bateria). Uma mulher tocava baixo e berrava. Achei a banda mais estranha e difícil de digerir de todo o festival. Chama-se Sete Star Sept. Não digeri bem, sei lá. A próxima banda que vi foi Simbiose, de Portugal. Já os conheço há mais de uma década e um dos seus álbuns, o Bounded in Adversity, está no meu top 10 dentre todos os álbuns de Crust que já ouvi. Talvez até top 5. Já os tinha visto algumas vezes em Portugal e finalmente estavam ali no OEF. É uma banda com muito potencial. Creio que não têm a atenção que merecem por não serem dos EUA ou da Inglaterra. O show de Simbiose foi o primeiro em que verdadeiramente me diverti no mosh, enquanto tentava fazer o máximo de fotos possíveis. Meses antes do OEF eu contatei o vocalista Johnie para perguntar sobre uma possível passagem por Praga durante a pequena tour europeia que fariam, mas infelizmente não foi possível. Eu tinha muita vontade de trazê-los a Praga e como conheço as três pessoas que mais organizam shows de Crust por aqui, pensei que seria possível, mas a banda não tinha tempo. Menos mal que tocaram no OEF. O som de Simbiose mudou um pouco devido às mudanças na formação, que sempre me pareceu ser instável. O álbum referido anteriormente é brilhante, beira a perfeição, mas nunca consegui digerir bem as gravações posteriores a ele, somente as anteriores. Questão de gosto à parte, foi durante a apresentação de Simbiose que presenciei os momentos mais emblemáticos do festival, quando um punhado de crianças que não tinham sequer dez anos adentraram ali no meio do mosh e algumas delas até subiram no palco. Um garotinho loirinho, de uns cinco anos de idade, esteve ali ao lado do vocalista Johnie por bastante tempo e até proferiu alguns berros no microfone enquanto a banda tocava. Tenho uma foto desse momento que é, na minha opinião, A FOTO do OEF 2013. 

Digam-me, onde, em qual festival, podemos ver criança em shows de música extrema? Onde podemos ver crianças subindo no palco e pulando, fazendo stage diving? Sim, porque até isso aconteceu. A Sonia, uma francesa que dias depois eu voltaria a encontrar em Paris noutra gig de Catarro, tratou de pegar algumas daquelas crianças e colocar no palco e em seguida segurou-as quando deram seus saltinhos, todas sorridentes. Que momento incrível! E como aquelas crianças são corajosas! Eu, com cinco ou mesmo dez anos de idade, morreria de medo e desataria a chorar se alguém me levasse num lugar com gente tão esquisita e barulho tão grotesco. Mas eles, aqueles sacaninhas, estavam se divertindo e não paravam de rir, era como se fosse uma enorme festa de crianças. De fato éramos todos crianças ali, por mais velhos que fôssemos.

Eram 16:00hs quando Simbiose encerrou sua participação e eu comecei a ficar cansado e com sono. Como as bandas seguintes não me interessavam muito, decidi ir à tenda dormir um pouco para garantir energias para a noite. Dormi durante quatro horas. Sete bandas passaram pelo palco enquanto eu encontrava-me algures nos confins dos sonhos. Fui acordado pela Char e pelo Filipe - antes havia pedido para me acordarem quando Krisiun começasse a tocar, caso eu ainda não tivesse acordado. Das sete bandas, parece que preciso lamentar bastante não ter visto os goregrinders alemães Cock and Ball Torture. Consta que fizeram o show mais colorido e divertido do festival, com várias boias e bolas coloridas, fantasias, máscaras e até confetes. Não foi um show, foi uma apresentação carnavalesca. E eu dormindo na tenda...

Quando a Char e o Filipe me acordaram, Krisiun já estava no palco afinando os instrumentos. O meu interesse pela banda surgiu com o último álbum, The Great Execution, um dos melhores que ouvi nos últimos tempos. Estava ansioso para vê-los ao vivo, é uma banda que conheço há muitos anos mas só com o último álbum passei a prestar mais atenção. Bem, talvez pelas expectativas criadas, o show não foi o que eu esperava. Não foi ruim, mas não teve empolgação, foi tudo muito automático. Os três músicos estavam bem distantes uns dos outros e pouco se moviam, permanecendo parados enquanto tocavam com os cabelos cobrindo os rostos. Diria que não assimilaram o espírito do festival e fizeram uma apresentação demasiado rígida. Quando chegou na metade do show tudo parecia meio enfadonho, embora eu tenha subido no palco quando o Gordo (Ratos de Porão) se juntou a eles para cantar Extinção em Massa, música do último álbum que tem sua participação. Mas confesso que subi só para que me fotografassem mesmo.

Depois veio Aborted. Não vi. Estive conversando com a Juliana e seus amigos, todos brasucas do Rio Grande do Sul que vieram à República Tcheca por causa do OEF. Em seguida era a vez dos Ratos (de Porão). Foi aí que me acabei mesmo, eu e a minha “quatrocentinha”. E foi aí que finalmente encontrei o Pedro (Catarro). Andava à procura dos catarrentos desde o primeiro dia e até tentei invadir a área vip reservada às bandas, sem sucesso. Pelo que ouvi, parece-me quase unanimidade que Ratos fez o melhor show do festival. Não sei, questão de gosto. Para quem estava lá no meio da bagaceira toda, sem dúvidas que foi. Eu confirmo isso, embora não tenha estado lá em todos os shows. Ratos tem uma energia especial ao vivo. Só há um álbum deles que costumo ouvir com alguma frequência, que é o Anarkophobia. Mas ao vivo dá mais gosto, parecem mais rápidos e ao contrário de muitas outras bandas, eles soam bem audíveis e inteligíveis. 


Foi muito foda estar ali no meio daquele bando de loucos, tentando proteger o rosto e a câmera das pessoas voando para cima de nós a todo instante. Levei com uma botinada no nariz e nos segundos a seguir ao golpe tive a certeza de que o meu nariz havia quebrado, tamanha eram as dores. Felizmente meu nariz é grande e duro, deve ter rachado a bota. Depois disso decidi subir mais uma vez ao palco enquanto deixei a minha câmera com um desconheci ali do meio do mosh para que tirasse uma foto minha com o Gordo, coisa de tiete mesmo, super poser. Só que os seguranças do OEF que vigiavam o palco não permitiam que ninguém avançasse para além das caixas de retorno, que também serviam para demarcar o espaço de atuação das bandas do espaço em que poderíamos ficar antes de saltar. Pois é, mas que se fode, né? É um festival underground e são apenas alguns segundos. Mas o sacana do segurança não gostou nem um pouco e me pegou mesmo pela gola da camisa e me empurrou para fora, praticamente me jogando sobre as pessoas. Achei a atitude bem exagerada, mas tudo bem. Apenas fica aqui o registro. As bandas que atuam no OEF não são formadas por popstars intocáveis, não deveria haver nenhum problema em bailar ao lado deles por alguns segundos e sobretudo um segurança “amador” que só está ali ajudando os companheiros da cena não deveria pegar alguém pela gola e atirar para baixo. Desde que comecei a ter alguns problemas de saúde ligados à ansiedade e tal, com dores em várias partes do corpo, fiquei bastante receoso em dar pulos do palco durante shows. Antes era uma loucura total, saltava sempre e muitas vezes caia direto no chão, como ocorreu durante o OEF 2009, quando fiquei com um buraco no joelho depois de atirar-me do palco. Tem sido tudo bem diferente nos últimos 18 meses e quando subo num palco para fazer fotos ou fazer gestos para o público, a minha ideia é descer pelo cantinho, sem saltos – embora nas semanas seguintes, durante a tour com Catarro, eu tivesse esquecido um pouco o receio causado pela doença, voando bem alto em vários shows.

O show de Ratos durou uma hora e foi pura energia. O público, que lotava o recinto, ficou realmente em êxtase. Vi a banda seguinte, Exhumed, sem prestar muita atenção. Mas depois veio Agathocles e seu Mincecore. Gostei mais de quando os vi em Portugal há sete anos atrás. Agathocles é o tipo de banda que funciona muito melhor em shows pequenos e apertados. Foi o que achei enquanto os via, talvez devido às lembranças do show que vira lá nas lusitânias. De qualquer forma, Agathocles é uma das fundadoras do Grindcore, uma lenda do gênero e merecem todo o respeito sobretudo pela seriedade e pela forma como encaram a cena e as questões políticas que estiveram na origem do Grindcore. Por isso o vocalista Jan diz que a banda toca Mincecore, para distinguir das bandas de Grindcore voltadas para temáticas de horror e de gore, que para mim não têm o menor interesse.

Em seguida foi a vez de Holocausto Canibal, de Portugal. Conheço o guitarrista da banda, PG, desde 2001, quando saí do Brasil para ir morar lá em Braga, Norte de Portugal. Na época éramos todos adolescentes ainda desvendando o underground. Doze anos depois, estamos no maior festival de música extrema do mundo. O tempo passa...

A banda seguinte foi Wake, do Canadá. Mas eu estava com fome e fui comer rapidinho para não perder a última e mais esperada banda do OEF 2013: Catarro, diretamente de Mossoró, Rio Grande do Norte, Brasil. Eu nem conhecia a banda até o Adelvan escrever sobre o show que fizeram debaixo de um viaduto em Aracaju, como parte de um evento sensacional chamado Clandestino, cuja ideia é mesmo tocar em locais inusitados, sem permissão (leia o que ele escreveu aqui).

O que posso dizer de Catarro? Acho que Adelvan já disse tudo em sua resenha, não há muito mais a acrescentar. É, sem sombra de dúvidas, a banda com atuação mais caótica que eu já vi nessa década e meia de underground. Não há nada igual! Shows de Punk, HC, Crust, Fastcore ou Grindcore costumam ter uma grande energia e agitação do público, certo? Agora imagine o pogo mais agitado que você já viu. Imaginou? Pois é, agora imagine uma banda que consegue ser mais caótica que esse público que você imaginou. Se você não imaginou nenhuma banda é porque nunca viu Catarro ao vivo. É comovedor! Eu fiquei chocado, meio atônito enquanto tentava fotografar tudo o que conseguia mesmo estando meio bêbado e mesmo levando com pessoas voadoras por cima de mim. Como foi o último show do festival e já eram quase 03:00hs da manhã, o “battlefield” não estava lotado, a maioria das pessoas dispersara depois do show de Ratos. Azar delas! Não sabem o que perderam – na verdade alguns até vieram a saber depois, quando encontraram Catarro em suas cidades Europa adentro.

Consta que, durante a apresentação dos meninos de Mossoró, houve uma prática sexual oral no palco. As vídeos gravados não mostram com clareza se houve mesmo ou se não passou de uma encenação, uma brincadeira. De qualquer forma, fica o suspense. Após o show os caras da banda abriram uma mala cheia de merchandising ali na frente do palco mesmo. As pessoas que ficaram até ao fim para vê-los não se arrependeram, estavam todos muito surpresos, como deu para ver em seus rostos. Lembra o que eu disso sobre o show de Ratos ter sido o melhor? Esqueça! Foi o melhor na parte de fora do palco. Na parte de dentro os catarrentos não deram chance para ninguém.

E o OEF nunca mais terá um show de encerramento como o deste ano.

Antes do show de Catarro eu só havia conhecido o vocalista Pedro, que estivera comigo batendo cabeça durante a apresentação dos Ratos. Depois conheci o resto da trupe, tiramos fotos em frente ao palco e a sensação de estar ali com um monte de nordestinos foi muito foda! Depois disso, desencontramo-nos, já que eu estava com os caras de Simbiose na tenda de cerveja e depois...bem, depois sentei-me numa das mesas por ali mesmo e só me levantei dela quando já eram altas horas da manhã e uns malucos chilenos começaram a tocar de forma bem improvisada ali ao lado da tenda de cerveja. Era uma espécie de Jam Session, sei lá. Só sei que ainda tive energias para estar ali dançando com o punhado de malucos que ficaram até aquela hora ali comigo, bebendo e conversando durante toda a noite e toda a manhã. Vimos quase todo mundo que compareceu ao festival ir embora e nós permanecemos. Primeiro estive ali com os membros de Simbiose, depois com os de Holocausto Canibal, com a Char e o Filipe, e por fim, num entra e sai de pessoas, acabei encontrando uns canadenses, uns austríacos, espanhóis e chilenos e estivemos todos ali por horas e mais horas, indo comprar cerveja num quiosque fora do recinto porque dentro já não havia mais, estava tudo fechado.

Entre nós estava também o Jan, vocalista de Agathocles, com quem tive o enorme prazer de conversar durante horas e descobri que ele é um dos seres humanos mais amáveis que já conheci. Que pessoa incrível! Tão atencioso, tão humilde, sincero e lúcido. O cara é vocalista de uma das três maiores lendas do Grindcore mas ele é que me tratava como tal, sempre tão gentil em suas palavras. Certo momento perguntei-lhe: “E aí, Jan, como é trabalhar com pessoas que têm problemas mentais...ups...desculpa, esse não é o termo correto”. Nunca esquecerei sua resposta, pelas palavras e pelo tom sincero que usou, quase implorando por compreensão: “Juliano, aquelas pessoas não têm problemas, a sociedade é que tem problemas”. Jan é o cara! Agathocles é a banda!

Ainda debaixo de um sol escaldante, brincávamos, entre todos, de dar banhos uns aos outros. Uma das austríacas que estava ali, uma de cabelo verde, cujo nome nem me recordo, só faltava dizer “ei, Juliano, é você mesmo que eu quero, não faça cara de desentendido”. A forma como ela me encarava me deixava meio sem graça e eu, sem saber muito bem por que motivo, fingia que não estava captando nada. Até que ela se levanta, pega-me pelo braço e diz-me para irmos buscar algo para beber. Eu fui, mas mais por receio de que ela me batesse. Ela era bonita. Não sei, achava-a atraente, mas tinha um aspecto extremamente imundo. Naquele instante, isso não era problema para mim, eu também não era dos mais limpos, digamos. Mas houve algo nela que me fez recuar. Talvez por seu visual demasiado “squat”. Tenho sempre um pé atrás quando vou me meter com meninas da cena mais politizada, já vi serem armados grandes casos de histeria e acusações de sexismo por absolutamente nada de relevante. Então, por fim, até levei uma rasteira dela e caí no chão enquanto fazíamos uma rodinha de pogo ao som dos chilenos malucos. O Jan disse que ela era uma menininha da mamãe, que tinha um visual muito fodão, vivia em squat, mas recebia papinha da família. Não sei, ela não confirmou, disse que se virava sozinha. Pouco me importava! Acho que foi a primeira vez que me senti atraído por alguém e ao mesmo tempo tentei evitar ao máximo qualquer aproximação física. Talvez tenha sido burro, talvez estivesse apenas bêbado. 

Outra pessoa que me marcou foi um espanhol de Almería, que conheci no segundo dia do festival e que virou um bom amigo, estando também até ao final. Todo esse grupo, incluindo os chilenos da banda cujo nome desconheço, acabou ficando unido e partilhando bebidas e comidas até altas horas da tarde. As minhas costas já estavam assadas e assustadoramente vermelhas. O incrível é que eu não tinha sono! Já passava das 18:00hs quando encontramos um velhinho numa tenda nos oferecendo, de graça, uns panelões enormes cheios de comida vegan. Um velhinho de uns oitenta anos, ali, do nada, nos oferecendo comida. Surreal! Já não sabia se estava muito bêbado ou se estava tendo alucinações devido à insolação. A verdade é que, surpreendentemente, os melhores momentos do OEF foram vividos depois de todos os shows, com gente desconhecida de vários países. Isso não tem preço!

Quando decidi ir embora, com medo de já não haver trem de regresso a Praga – a Char e o Filipe já haviam ido de manhã, quando eu ainda estava no auge da farra toda e àquela hora já estavam num avião de regresso a Portugal -, vi o Jan conversando com os demais membros de Agathocles e outras pessoas, todos numa mesa junto à entrada da tenda de cerveja, onde haveria o after party com cinco bandas, incluindo um set especial de Exhumed. Mas eu lá queria saber de after party! De longe, sorri e fui embora, sem me despedir. Não gosto de despedidas, apenas sorri observando aquele cara tão agradável de se conversar, agradecendo-lhe por existir.

Regressei a Praga de trem, sozinho. Durante a viagem comecei a passar muito mal, parecia beirar o desmaio. Foi quando lembrei que além de ter tomado muito sol durante várias horas seguidas, eu não bebera sequer um copo d'água durante os três dias de festival, enchendo-me de cerveja apenas. Estava, provavelmente, totalmente desidratado. Não havia saliva na boca e a viagem de regresso a Praga duraria umas três horas. Aproximei-me da primeira pessoa que encontrei com uma garrafa de água e pedi-lhe, no meu sofrível tcheco, para que me deixasse beber, pois eu estava passando mal. Era um casal jovem que prontamente deixou-me levar a garrafa de 1,5 litros inteira. Não passaram dez minutos até que eu a esvaziasse. Melhorei um pouco, mas horas depois, em Praga, já na cama tentando dormir, tive alucinações pela primeira vez na minha vida. Tudo o que havia no quarto, sobretudo roupas espalhadas e móveis, transformavam-se em pessoas desfiguradas que tremiam desesperadamente como se estivessem agonizando. Eu é que estava agonizando! Bebi vários copos d'água até que a alucinação diminuiu e eu consegui dormir.


No dia seguinte encontraria os catarrentos no centro de Praga para passear um pouco. Eles estavam com a Sarka e o Jakub, dois checos de Praga que os hospedaram. Nessa noite também dormi na casa deles e no dia seguinte fomos ao Modrá Vopice, onde Catarro tocaria junto com Agrotóxico e duas bandas tchecas. Foi ali que eles tiveram a ideia de me raptarem e me levarem para os demais países da tour europeia. No início recusei e achei a ideia absurda. Na manhã seguinte já estávamos em Amsterdam, na segunda maior ocupação anarquista do mundo.

Mas isso é assunto para outro report. Por enquanto, resta-me dizer que provavelmente já não estarei morando em Praga quando chegar a próxima edição desse festival incrível, mas, esteja onde estiver, quero vir a ele todos os anos, mesmo que para isso seja necessário entrar num avião.

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por Juliano Mattos

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