sábado, 30 de novembro de 2013

Morrissey way of life

O jornalismo musical não existiria se não fosse por Morrissey. Por ele e por outros artistas de sua subespécie, como Bob Dylan, Johnny Rotten o Kanye West, sempre dispostos a soltar a isca diante da imprensa para depois brigar com ela. Assim, a Autobiography (Autobiografia, em português) que o literato Morrissey acaba de publicar era algo que tinha que acontecer e quando aconteceu foi colocada diretamente e por exigência do cantor na prestigiosa coleção Classics da editora Penguin, ao lado de Nabokov, Joyce e Orwell.

Quem construiu sua educação sentimental a partir das letras e da estética dos Smiths correu (corremos) apressados para estas tão propaladas memórias, em busca de uma dose extra (457 páginas na edição inglesa) da prosa florida e das opiniões radicais de this charming man. Se o legado musical de Mozz consolidou quase duas gerações de homens confusos – embora não os tenha ajudado muito a sair de sua confusão –, o verbo afiado que o cantor de Manchester foi usando na sua relação de amor-ódio com a imprensa e as poéticas evocações da sua Autobiography dão para um decálogo sobre como ser um homem maduro, interessante, sensível e que mantém a pose em tempos de aflição.


1. Não coma carne. Ou, mais ainda, não fique nem sequer fique olhando o depravado espetáculo de outro ser humano devorando um animal indefeso. O vegetarianismo é sem dúvida a postura pública mais conhecida e beligerante de Mozz. Os boatos dizem, inclusive, que ele chegou a despedir algum músico porque descobriu que ele havia comido um hambúrguer durante a turnê. No livro, de qualquer forma, ele descreve a cena em que, como se fosse uma cruel coincidência do destino, ele se encontra pela primeira vez com Jake Walters, que foi seu único parceiro amoroso conhecido, num restaurante, enquanto a este lhe serviam “o que parece ser um prato de comida para cachorro”.
"De repente, chega um momento em que você já não pode conviver com isso e a única forma de protesto que lhe resta em honra do animal é abandonar a cena. (...) Ninguém pode estar tão faminto a ponto de sentir a necessidade de arrebatar uma vida para se sentir satisfeito (...) É um hábito; preguiça e nada mais.” (página 274)

Em sua inflamada retórica, comer carne é um crime atroz “do mesmo nível moral que o abuso de menores. Dá na mesma. Os animais são como crianças, recorrem a nós em busca de proteção. Nosso dever é protegê-los”, Mozz dixit no documentário The Importance of Being Morrissey, de 2002.

2. Despreze a política e os políticos. Em cronológica coerência, a autobiografia de Morrissey começa nas humildes ruas da Manchester de sua infância. Por suas origens, não é de se estranhar a animosidade que o autor de Margaret on the Guillotine expressa com relação a Thatcher:
"Nem dama, nem de ferro, Thatcher é uma ceifadora filosófica, incapaz de reconhecer seus erros. Ávida de poder, se deleita destruindo os mineiros (...). Sua demoníaca influência cobre de sombras a alma extraviada da Inglaterra.” (páginas 143 e 144 de Autobiography)
Tampouco sente simpatia pela família real britânica, entre outros motivos porque “desfrutam com a caça da raposa. São gente desprezível”, particularmente a rainha, “uma ditadora” que a única coisa que faz é “arrebatar o dinheiro do povo inglês”.

E embora por vezes suas declarações e a letra de algumas canções tenham sido interpretadas como dissimuladamente xenófobas, em suas memórias Morrissey se descola de qualquer filiação ideológica organizada. É um sujeito demasiado estiloso para descer à arena política. No mencionado documentário, perguntaram a Morrissey se ele gostava de futebol: “Se ao invés de se jogar em cima da bola, o fizessem com um político, me interessaria. Se chutassem a Tony Blair em vez de um objeto esférico, eu seria cativado pelo futebol.” 

3. Nunca use um casaco marinheiro. Chega um momento na vida de todo homem adulto em que parece feio demonstrar entusiasmo demais pela roupa. Morrissey há muito alcançou o estado da elegância perpétua, mas houve uma época em que tentava conseguir o look definitivo – “um cruzamento entre Oscar Wilde e James Dean” –, ao mesmo tempo em que expressava opiniões bastante intolerantes sobre o estilismo:
"Acho que muita gente tem um dilema com os sapatos. Calçar os sapatos errados pode arruinar a sua vida. É claro que todo mundo deve ser julgado por sua roupa (...) Todos sabemos que não é certo fazer isso, mas não importa. É absolutamente impossível para mim falar com uma pessoa que esteja usando um casaco marinheiro, tanto faz quem seja e quais sejam as suas intenções... ou se está usando um corte de cabelo asqueroso, sou incapaz de suportar uma conversa com alguém assim.”
4. Corte o cabelo. A questão do penteado não admite discussão no universo de Morrissey, uma vez que “se o seu cabelo está mal, toda a sua vida irá mal. Um novo penteado pode mudar completamente a sua visão da vida e as suas ideias políticas... O cabelo governa o corpo... É um fato indiscutível!”. De forma que tudo bem se você for afeminado, mas fique advertido de que “cabelo comprido é uma ofensa imperdoável que deveria ser punida com a morte”. 

5. Fuja das casas noturnas. Burn down the disco. Hang the blessed DJ é um dos refrões mais cantados dos Smiths. Tanto que muitos DJs o tocam com ironia. Mas o desprezo de Morrissey pela música eletrônica e pelo público que ela atrai não tem nada de retórico. Em Autobiography ele lembra que foi convidado para a inauguração do mítico Hacienda de Manchester, um clube que, segundo ele, estava destinado "inicialmente à agonia secreta de um público secreto, mas logo chegaram ônibus cheios, de Blackburn e Bolton, e começaram a descarregar dançarinos de música disco desfigurados e gnomos gorduchos devoradores de torta de carne, com seus cachos cor de cenoura e fedendo a porco em conserva, que tomavam conta do Hacienda como se fosse o seu banheiro público” (página 142).

Expressando-se de uma forma um pouco mais concisa, Morrissey resumiu o assunto em 1992 com uma só frase: “As discotecas são refúgios para débeis mentais. Feitos por gente imbecil para gente imbecil”. 

6. Pare de se fazer de macho. Mais que uma questão de orientação sexual, os homens masculinos demais parecem pouco interessantes a Morrissey. Trata-se, segundo ele, de uma “verdade não reconhecida; os homens afeminados são muito engenhosos, enquanto que os machõezinhos são mais chatos que a morte” (página 48). Em uma entrevista de 2007, já afirmava:
"Todos temos um lado feminino na nossa personalidade (...). Esse lado está associado à arte, e muitos se sentem ameaçados por ele porque está relacionado com o intelecto e a superioridade.”
7. Mas mostre certa indiferença pelas mulheres. Não se trata tanto de misoginia, mas de uma incompreensão genética com relação aos atrativos do sexo oposto. “Misteriosamente, as moças se sentiam atraídas por mim... e eu não entendia por que, já que, embora minhas torpes incursões dessem certo, eu não sentia nenhuma excitação” (página 75). De fato, só depois que o glam rock entrou em sua vida Morrissey se apaixonou por algo que se parecia com uma fêmea: “A primeira mulher por quem me apaixonei foi o Jerry Nola, da capa do primeiro álbum dos New York Dolls” (página 73).

8. Pare de ficar com tesão. Na verdade, para Morrissey isso é mais fácil do que para a maioria. Sua natureza idealista e melancólica o faz sentir repulsa ao sexo como ato ginástico. Desde sempre, Morrissey cultivou uma calculada ambiguidade acerca de sua sexualidade, embora, como mencionamos no primeiro ponto, finalmente reconheceu uma relação mais ou menos estável com um homem, mas só quando “pela primeira vez o eterno ‘eu’ se converte em ‘nós’ e finalmente consigo ficar com alguém” (página 274). Naquela época, Morrissey tinha cerca de 35 anos. Nesse sentido, havia flertado desde muito jovem com o celibato, e na entrevista para um picture disc de 1983 afirmava que estava “apenas a uns centímetros de se enfiar num monastério”. Trata-se, como ele mesmo reconheceu para David Bowie, de uma atitude muito pouco rock’n’roll:
"David me disse: “Houve tanto sexo e tantas drogas na minha vida que não consigo acreditar que ainda esteja vivo”, ao que eu repliquei elevando a voz: “Houve TÃO POUCO sexo e tão poucas drogas na minha que não consigo acreditar que ainda esteja vivo” (página 245).
9. Comprometa-se com sua arte. Claramente, é o destino que vai escolher você, mas, uma vez que você sinta o chamado, seu compromisso deve ser de vida ou morte. A Morrissey a providência se apresentou com as primeiras edições do programa Top of the Pops, quando ele tinha apenas seis anos de idade:
Toda atividade humana parece inútil comparada aos meninos e meninas que cantam na televisão, pois eles encontraram a resposta, enquanto o resto de nós buscava a pergunta. Eu também cantarei. Se não, tenho de morrer.” (página 43)
10. Dê o que falar. “A maioria das pessoas que faz música não tem nada a dizer como entrevistado”, disse Morrissey ao L.A. Weekly. Evidentemente, “eu sou a exceção à regra. Por isso me mantenho afastado de todo mundo, porque não quero que me etiquetem, não quero pertencer ao rebanho. Acho mais interessantes os que se dedicam a cavar valas do que os músicos e cantores”.

E como consequência direta dessa atitude, Morrissey sabe que é julgado e com frequência mal interpretado. Ou talvez não tão mal interpretado. Lemos na página 201: “Quando ouço alguém dizer que sou “um pouco excessivo” (o que é uma maneira amável de dizer que você é ‘insuportável’), entendo por que pensam isso. Eu digo a mim mesmo que é verdade, sou um pouco excessivo – se não fosse, os holofotes não me iluminariam”.

por Ruben Pujól

El país

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quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Pete Townshend - A Autobiografia

Está sendo lançada no Brasil a autobiografia do guitarrista do The Who, Pete Townshend, pela Globo Livros. O livro, intitulado “Pete Townshend - A Autobiografia”, é a versão traduzida de “Who I Am: A Memoir”, escrito pelo próprio músico e que saiu, no Reino Unido, em outubro.

Principal compositor do The Who, Townshend escreveu a biografia a partir de uma carta recebida de um fã em 1967, quando o grupo era ainda uma promessa, que foi guarda para ser lida 45 anos depois. Nesse período, o guitarrista viu o The Who se transformar numa lenda do rock, muito por conta de seu trabalho prolífico. Townshend é idealizador das óperas rock “Tommy” e “Quadrophenia”.

Além da carreira musical, na maior parte do tempo junto com o Who, o livro traz à tona episódios de infância que se alternam entre as turnês em que acompanhava o pai clarinetista e as reminiscências de abusos que teria sofrido quando viveu com a avó materna. O trauma decorrente dessa violência é evocado pelo autor quando passou pelo pior momento de sua vida, ao ser preso, em 2003, sob a acusação de pedofilia.

O livro recapitula a criação do The Who, desde os ensaios iniciais com o amigo de infância e baixista John Entwistle até o primeiro contato com o vocalista Roger Daltrey, passando pela entrada do incontrolável baterista Keith Moon; a formação clássica do Who. Townshend ainda relata o processo criativo e dá crédito aos músicos que mais o influenciaram, como os Beatles. O contato com outros artistas é uma constante: Paul McCartney, George Harrison, Eric Clapton, Mick Jagger, Jimi Hendrix, David Bowie e Elton John, entre muitos outros, aparecem nas memórias do guitarrista.

Pete Townshend também fala dos bastidores do mundo do rock, sem deixar de fora as dificuldades de manter um casamento quando se é rockstar, o desejo permanente de abandonar o The Who, as farras durante as turnês, as brigas por causa de dinheiro, o conflito entre arte e negócios, o consumo abusivo de álcool e cocaína, as mortes de Moon e Entwistle, e o amadurecimento da amizade com Daltrey.

por Marcos Bragatto

reg

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Segundo Inverno, uma entrevista

Considerada um dos maiores expoentes do post punk punk nacional da atualidade, a banda paulistana Segundo Inverno vem frequentando todo o circuito de casas de shows em SP nos últimos anos, sempre em excelentes apresentações, e também aumentando a frequência de shows em outros estados, como Paraná e Brasília. Inclusive com várias visitas ao renomado festival “Woodgothic” que acontece  em Minas Gerais.

Segundo Inveno é uma das atrações da edição de sábado, dia 30/11/2013, do programa de rock.

Abaixo, uma entrevista exclusiva para o site revoluta.



Poderiam começar fazendo um pequeno resumo da carreira do Segundo Inverno?
Segundo Inverno é uma banda de rock paulistana formada por André Januzzi (bateria), Dennis Monteiro (voz/guitarra), Penna Lopes (baixo) e Renato Andrade (voz/guitarra). O SI tem três EP’s, o primeiro, homônimo de 2009, o segundo “O homem dos olhos cinzas” de 2010 e o terceiro “Faça Algo” de 2013 (os três podem ser encontrados para download na internet). Nosso primeiro disco oficial foi lançado no fim de 2012 com o nome de “As coisas que movem o mundo” em formato SMD. Também participamos de algumas coletâneas que tiveram lançamentos físicos como a “De Profundis III” e “50 tons de ódio”. Somos influenciados pela estética minimalista da música post punk. Nós todos já passamos por outras bandas, como: Persephone Eyes, Days are Nights, Broken Days e Indigesto.

Vocês estão lançando agora o primeiro disco. Falem um pouco a respeito, desde as composições, tempo que levaram para gravar até o lançamento oficial.
Começamos a gravar o nosso CD oficial no segundo semestre de 2010, só conseguimos lançá-lo em 2012. O processo foi bem complicado, como costuma ser para toda banda independente. Durante a gravação tivemos duas mudanças na formação. Regravamos algumas vezes várias músicas até chegarmos às versões definitivas que entraram no álbum. A ideia desse disco era reunir nossas composições desde 2009 quando começamos, mesclando com coisas mais recentes. O CD reúne músicas dos nossos dois primeiros EP’s em novas gravações junto com composições criadas durante 2011 e 2012, basicamente “As coisas que movem o mundo” é um resumo dos três primeiros anos da banda.

“As Coisas Que Movem o Mundo” – o título do CD – pode ter várias interpretações, sem dúvida. E no ponto de vista da Segundo Inverno, qual seria?
Acreditamos que a interpretação é individual, nossas músicas tem um forte apelo existencial, nossas letras são quase sempre em primeira pessoa, abordamos temas e experiências humanas, existe espaço também para críticas sociais e o uso do sarcasmo e do cinismo. Foram dois anos e meio de gravação e produção do disco, todas as nossas experiências pessoais estão registradas lá, exatamente por existir esse apelo introspectivo e pessoal nas nossas músicas seria impossível não imprimir as coisas que acreditamos e que experimentamos no nosso álbum, mesmo que de forma lírica ou subjetiva. Esperamos que cada pessoa que escutar o CD possa se identificar com as coisas que movem seus mundos.

A arte da capa tem ligação com esse título de alguma forma?
Na verdade nos inspirou, mas a capa veio bem antes disso, entre 2008 e 2009 um amigo chamado Bruno Arena Inocêncio, que só conhecemos virtualmente, permitiu que o Dennis usasse uma obra sua em uma de suas bandas. Desde então Dennis guardou a carta na manga, até que em 2011 decidimos usar a imagem, mas nem tínhamos ideia do nome que daríamos pro álbum. A ideia do nome veio em um ensaio quando nosso antigo baixista Carlos Porto sugeriu “as coisas que movem o mundo” gostamos muito do nome!

O disco foi lançado em parceria com diferentes selos e apoios. Essa foi uma forma de viabilizar seu lançamento em tempos que o CD já não vende mais como antes?
Na verdade nosso CD foi uma produção independente, não lançamos por nenhum selo. Produzimos no formato SMD. Como sempre, estávamos num puta aperto, precisávamos de grana para lançá-lo e buscamos apoios de algumas pessoas envolvidas com o meio underground de São Paulo que já tínhamos amizade como a “Loja Ferro Velho”, o “Projeto Via Underground” e o “Projeto Nephilim”, esses nos ajudaram financeiramente com os custos do CD, ainda tivemos um apoio das “Lojas Ferro Velho”, “Baratos e Afins” e “Locomotiva Discos” que vendem nosso material em São Paulo.

E imagino que essa iniciativa é ótima para as pessoas no final, já que ele chega num preço muito acessível (inclusive impresso na capa).
O CD tem encarte 12 por 24 colorido, com todas as letras, apesar de demorado foi como queríamos, apesar da burocracia de ser prensado na Zona Franca de Manaus (risos). Lançamos no formato SMD e eles trabalham com o preço sugerido de R$7 (sete reais) que realmente é um preço acessível a todos, gostamos muito do resultado!

Parece que vocês tiveram problemas com um selo antes disso tudo acontecer, e isso retardou em muito o lançamento do disco. Isso é verdade?
Tivemos alguns problemas com pessoas que prometeram ajuda e no fim atrasaram nosso CD, além de duas mudanças de formação, iríamos lançar através de um selo mas a pessoa que representava o selo não cumpriu com os prazos programados, foi um problema sério. Quando se faz música própria é bem complicado encontrar apoio e ainda temos que passar por situações como essas. Lançamos independentes mesmo e pretendemos continuar assim, não queremos apresentar ao nosso público uma música que foi gravada há um ano, queremos gravar e lançar! Não precisamos dessa burocracia toda.

Voltando ao álbum: as composições são assinadas basicamente pelo Dennis e Renato. Cada um chega com a ideia totalmente pronta ou o restante da banda de alguma forma também participa?
Geralmente chegamos com uma letra pronta, no Segundo Inverno Renato e Dennis escrevem as letras, cada um escreve aquilo que canta. Desde o final de 2012, o André entrou na banda, ele também escreve e em breve teremos musicas com letras dele, mas a parte de composição da música geralmente acontece em conjunto, quase sempre elas partem de algum riff de baixo ou de uma sequência básica de 4 acordes. Mas já escrevemos coisas na hora do ensaio, não temos muita regra pra isso, o importante é liberdade pra criar.

Também se nota a diferença e estilo de cada um na abordagem dos temas escritos, às vezes mais politizados ou introspectivos…
Sobre as letras o Renato escreve algo mais direto, utilizando jogo de palavras, ele tocou em algumas bandas punks e gosta de escrever sobre temas políticos e do dia a dia, misturando um pouco de ironia, afinal tem tudo a ver com o punk, um estilo de vida que sempre será atual! Apesar de algumas pessoas terem parado no tempo. Enquanto o Dennis escreve de forma mais subjetiva e poética… Atualmente as nossas novas composições tem ganhado um cunho social maior! Mas achamos isso muito bom, ter diferentes compositores e diferentes formas de escrever, em uma banda acreditamos ser uma vantagem! Um exemplo clássico no rock nacional é o Titãs nos anos oitenta.

E a repercussão do disco? Como está sendo tanto pelo público quanto pela mídia especializada?
A repercussão tem sido bem tímida por enquanto, nossa maior forma de divulgação até aqui foi quando estivemos no Festival Woodgothic, em São Thomé das Letras (MG), no mês de Junho passado. Lá tivemos um contato maior com o público de outras cidades e estados e fizemos uma boa divulgação do nosso material. Alguns fanzines e mídias virtuais também resenharam nosso CD, como o tradicional fanzine Rock do ABC.

Durante um tempo a banda foi um power-trio, com o uso inclusive de bateria eletrônica. Quando sentiram a necessidade de um baterista “real’’ na banda e o quanto isso influenciou/mudou o a sonoridade da banda tanto em estúdio quanto ao vivo?
No começo achávamos ótimo que algumas pessoas reclamassem e não entendessem a proposta da banda, principalmente alguns que estavam acostumados à santa trindade do rock!!! (risos). Mas penso que a música quando é feita com garra e honestidade não precisa de um padrão para ser seguido. Continuamos usando a velha drum machine. Mas com o tempo precisávamos de um pouco de liberdade para improvisar e o André Januzzi, o novo baterista, também toca guitarra e canta. Ficou bem legal agora, temos mais um vocalista e guitarrista também. Acho que sentimos a necessidade de algo mais direto, mais rústico e orgânico em nossa sonoridade. Pretendemos gravar coisas novas com elementos eletrônicos, o importante é ter mais opções.

A banda é frequentemente rotulada de Post Punk. E escutando o disco percebemos influências diversas, tanto de coisas brasileiras dos anos ‘80 quanto de fora. Quais as inspirações musicais de vocês?
Nossas inspirações são principalmente o Post Punk francês, alemão e inglês, o tradicional Punk Rock, a New Wave, No wave, Cold wave… esses sons minimalistas dos 70 e 80, até mesmo muita coisa da música eletrônica. O post punk que pode ter um monte de sonoridades diferentes, não ficamos presos a um estilo. Então a ideia inicial é tocar uma música meio cavernosa e depois uma música de poucos segundos. Ser agressivo e calmo, este é o Segundo Inverno. Caras que ouvem o “Rudimentary Peni”, “Crass”, “Inca Babies”, “Siekiera”, a boa e velha New Wave, Rock nacional, etc.

A banda vem ganhando nome tocando em todo circuito da cidade de São Paulo e também fora. Vocês notaram o crescimento do público, pessoas estão seguindo vocês regularmente?
Acho que aos poucos muitas pessoas passam a conhecer o nome e ouvir um pouco da nossa banda. Tem um pessoal que acompanha sim e isto é muito bom! Seguimos divulgando o que é um “trabalho de formiga” dentro deste universo com milhares de bandas. Tem muitos lugares que gostaríamos de tocar e muitas publicações e pessoas que estamos tentando “apresentar” a banda que agora em Junho fez 4 anos, e nesse tempo conseguimos tocar em cidades como Curitiba, Brasília, São Thomé das Letras, e algumas cidades do interior de São Paulo.

O Segundo Inverno é um dos destaques frequentes do importante festival “Woodgothic” que acontece todo ano em Minas Gerais. Falem a respeito pra quem ainda não conhece o evento:
O Festival acontece na cidade de São Thomé das Letras, hoje em dia de forma bienal, esse ano foi nossa terceira apresentação nos quatro anos de vida do festival. Apenas não tocamos na primeira edição, em 2008, ainda não existíamos (risos). É um festival independente voltado às diversas vertentes da música darkwave/postpunk e gótica no Brasil. Tocar nesse festival é sempre muito gratificante para nós, podemos fazer contato com pessoas e bandas que tocam pelo Brasil e exterior, pois todo ano o festival leva alguma atração internacional para a cidade.

Quem anda fazendo um trabalho interessante, e que vocês curtem aqui no Brasil?
Para não fugirmos do tema, bandas que tocaram conosco nos últimos anos no Woodgothic, como “Ecos d’alma”, “Poemas de Maio”, “Blue Butterfly”, “Escarlatina Obsessiva”, “Plastique Noir”, “Downward Path”, “Signo XIII”, “Drei Hexen”, “Bells of Soul”, “Glassbox”, não dá pra lembrar de todos, mas são muitos que estão fazendo esse “corre” conosco.

Pensam em licenciar esse disco no exterior e quem sabe fazer shows lá fora um dia?
Quem sabe algum dia surja alguma proposta de algum selo lá fora, na época que o Dennis tinha o selo nós tinhamos maiores contatos com o pessoal que distribui som lá fora, hoje em dia temos bem menos contato, mas nada impede que isso aconteça.

Nesse tempo de estrada, que pontos positivos e negativos destacariam na cena independente nacional?
Pontos negativos eu acredito que todas as bandas já passaram ou ainda vão passar. Do underground ao mainstream. Tivemos de improvisar com o Dennis tocando baixo quando fomos para Curitiba, pois o nosso antigo baixista abandonou o barco um dia antes! (risos). Já ligamos todos os instrumentos em uma única saída de som para que pudéssemos tocar em uma gig no interior. Entre outras roubadas que só a vida de um músico underground pode proporcionar.
E os planos do Segundo Inverno para o futuro?
Estamos divulgando o nosso novo EP “Faça Algo” e também o nosso álbum, estamos envolvidos na produção de dois novos vídeos para o segundo semestre deste ano.

Algo mais que gostariam de acrescentar?
Primeiramente queremos agradecer o espaço e gostaríamos de deixar nossos contatos que são a forma direta de interagir conosco e é sempre nesses “canais” que estaremos divulgando nosso trabalho, são eles:

www.youtube.com/segundoinverno
www.facebook.com/segundoinverno
www.soundcloud.com/segundo-inverno
www.segundoinverno.blogspot.com
E-mail: segundoinverno@gmail.com

por Márcio Carlos

revoluta

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quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Mondo Massari

Imortalizado como o apresentador do Lado B, extinto programa da MTV, o ex-VJ Fábio Massari fala sobre o lançamento de seu novo livro, "Mondo Massari", e outros assuntos relacionados aos bons sons


Apresentadores com conhecimento musical suficiente para comentar sobre gigantes do rock ou bandas desconhecidas do grande público. Nada de carinhas bonitinhas e absolutamente sem conteúdo. Sim, esse cenário já existiu, em uma época distante, na MTV. Um dos grandes nomes dessa época áurea da emissora foi o jornalista Fábio Massari.

O “reverendo”, como também é chamado, está lançando o seu quarto livro, “Mondo Massari”, que reúne entrevistas e matérias feitas pelo jornalista. O projeto homônimo surgiu em 1999, como um programa na MTV, e depois passou pela revista Rolling Stone e pelo portal Yahoo. “O livro procura reunir o material dessas empreitadas e as entrevistas do ETC, programa de rádio na OI FM que, como explico na introdução do livro, quase se chamou ‘Mondo Massari’. O ciclo ficou assim: TV, revista, portal e rádio. O livro é uma coletânea bem completa desse material”, explica.

Fábio é o maior nome do jornalismo musical brasileiro, essencialmente por causa de sua sede em buscar bandas novas e levá-las ao conhecimento do público. Trabalhar com cultura, no Brasil, aliás, é uma tarefa para abnegados. Dentro desse contexto, qualquer produção relacionada ao tema exige muito esforço. “O processo ficou por conta da editora Edições Ideal, de São Bernardo do Campo para o Mondo fazendo livros de música! O processo de edição ficou todo a cargo da editora, que tem que se virar, digamos assim, com a parte industrial e comercial do projeto. Como autor, fico no esquema básico de contratado da editora”, conta.

O apoio da Edições Ideal facilita muito todo o processo de publicação do livro. O reverendo sabe bem disso, pois já enfrentou o desafio de lançar um trabalho de forma independente. “O meu segundo livro, ‘Emissões Noturnas’, que traz entrevistas do meu programa Rock Report da rádio 89 FM, foi feito na independência, para ‘sentir o drama’ do processo. Imagino que, na época, em 2003, o processo era um pouco mais dramático! Pelo menos me pareceu”, relembra.

Apesar de receber apoio para a publicação dos seus livros, a “missão” de descobrir e levar os bons sons aos ouvidos ávidos dos que apreciam o seu trabalho não é menos dura para Massari. Diante de uma sociedade cada vez mais voltada para o lado comercial de qualquer tipo de arte, falar de boa música é um trabalho abraçado por poucos. “Falando mais do corte musical, sempre foi para apaixonados, mesmo, mas existe espaço e muito interesse do público. Talvez como ‘mercado’ não seja uma coisa tão volumosa, mas existe e alimenta, contribui para a própria existência de um cenário cultural/musical”, analisa.

O Lado B

Um dos programas mais importantes da história da MTV foi o Lado B, que foi ao ar de 1991 ao ano 2000. Nele, Massari pode desfilar todo o seu conhecimento musical, garimpando artistas em todos os recantos do planeta e apresentando ao público bandas tão obscuras quanto fantásticas. “Não fui o único apresentador do Lado B, mas acabei sendo identificado, e me identificando, claro, com o programa, com a missão Lado B, porque é isso que era, ou se transformou à medida que fomos fazendo e pirando”, conta.

A concepção do Lado B atingiu em cheio uma fatia da audiência que não estava interessada nos artistas pop do momento. A inspiração veio do programa 120 Minutes, da MTV americana. “Nós adaptamos e tentamos fazer do nosso jeito, aproveitando material dos gringos, claro. E incluímos os brasileiros nessa viagem, com clipes, entrevistas e cobertura de festivais como o Juntatribo, SuperDemo, Abril Pro Rock, Boom Bahia e BHRIF”, diz.

A saída da MTV

Massari saiu da MTV em 2003, após mais de uma década de serviço aos bons sons. De acordo com ele, não ficaram mágoas e nem ressentimentos, só lembranças boas. “Foi o fim de um ciclo, mesmo, ou algo do gênero. Foram 12 anos exatos, de fevereiro de 1991 até fevereiro de 2003. Passei por vários departamentos e realizei coisas fantásticas. Aprendi um montão e conheci um mundão de gente bacana. Tá bom assim!”, afirma.

Após sair da emissora, Massari lançou três livros, “Rumo à Estação Islândia” (2001), “Emissões Noturnas – Cadernos Radiofônicos de FM” (2003) e “Zappa – Detritos Cósmicos” (2007). O jornalista também apresentou os programas Poploaded, no portal IG, ao lado de Lúcio Ribeiro, e ETC, na OI FM.

A partir do fim da década de 1990, já sem Massari e Gastão Moreira, que apresentava o programa Fúria Metal e era outra referência de qualidade dentro da emissora, a MTV foi se tornando, cada vez mais, um veículo comercial. O conhecimento musical dos apresentadores foi dando lugar aos VJs jovens e burocráticos. Era o “início do fim” da emissora. “Opções editoriais, corporativas, estratégias, compromissos… Preguiça danada, né. Desde muito tempo, tá chato num canal, é só trocar! Ainda mais se considerarmos que, para quem gosta de música, nunca antes na história desse planeta nós tivemos tantas alternativas legais para buscar informação e nos deleitarmos com os bons sons”, analisa. Você pode ler neste link a entrevista que o Cwb Live fez com Gastão Moreira, no último mês de setembro.

Os novos projetos

Apesar de ter acabado de lançar o “Mondo Massari”, Fábio já está trabalhando em outro projeto, esse em parceria com o amigo e ex-companheiro de MTV, Gastão Moreira. A publicação abordará os grandes shows internacionais que aconteceram no Brasil antes da primeira edição do Rock in Rio, que aconteceu em 1985. “Esse é um projeto mais a longo prazo. Tem toda uma galáxia de acontecimentos ‘live’ no Brasil pré-Rock in Rio, muita história boa como o futebol do time do Rick Wakeman, (ex-tecladista do Yes), contra ‘ilustres’ como Miele, Sérgio Chapelin, Chico Buarque e Odair José. Dá para imaginar?”, conta.

A “evolução” da indústria musical

Nos anos 1980/90, as bandas começavam a romper os laços que as mantinham presas às grandes gravadoras. A nomenclatura “indie”, de “independente”, começava a ser aplicada sistematicamente em qualquer grupo que não fosse atrelado a essas majors. Atualmente esse cenário é muito diferente. “Acho que, hoje, talvez, eles tenham muito mais espaço e oportunidades do que antes, quando havia uma concentração nesse ou naquele ‘canal’. Existem muito mais possibilidades hoje, principalmente na independência”, diz.

O reverendo acredita que, atualmente, as chances de uma banda independente se tornar conhecida são maiores. Apesar da enorme quantidade de grupos, e a consequente concorrência entre eles, a internet oferece essa condição. “Tudo bem que é mais diluído, muita coisa pode sumir ou ficar fora do radar. Mas hoje as bandas tem muito mais chances de se tornarem, ou estarem inseridas em cenas, auto-suficientes”, analisa.

Os bons sons da atualidade

Grupos como Pixies, Ride, Stone Roses, Drop Nineteens e Pavement eram frequentadoras assíduas do Lado B. No século 21, Massari continua vasculhando os bons sons pelos quatro cantos do planeta. Ele revela que tem ouvido duas bandas, especialmente. “Crippled Black Phoenix e Anjo Gabriel!”, crava.

O rock curitibano, que na época do Lado B estava em evidência com grupos como o Boi Mamão, Magog, Dive, Resist Control e Tods, ainda chama a atenção de Massari. “Curto várias, de vários tipos e gêneros, de Relespública a Ruído MM. ESS foi a mais legal que vi ao vivo”, revela.

Além do seu gosto pelo rock alternativo, poucas pessoas sabem que o reverendo também aprecia o lado mais violento do rock and roll. “Acho o Ghost bem legal. Sou entusiasta dos extremos, black metal, doom”, diz. Em relação ao grupo sueco, que se apresentou no Rock in Rio, no último mês de setembro, e também nas cidades de Curitiba e São Paulo, Massari tem uma opinião bem definida. “O lance do Ghost é que parece ter virado uma daquelas bandas que todo mundo tem uma opinião a respeito, sem ter ouvido. Não se relativiza a questão do conteúdo. Em alguns momentos parece o Blue Oyster Cult e, acredite, para mim isso é um baita elogio!”, analisa.

Fugindo do lugar comum, tão em voga em tempos de “politicamente correto”, o reverendo Fábio Massari vem abençoando seus fiéis com o cálice dos bons sons, há mais de duas décadas. Que assim continue.

CWB Live

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domingo, 17 de novembro de 2013

Várias Variáveis ...

É alvissareiro e, quiçá, inspirador, quando a principal atração de um festival independente produzido numa cidade periférica do mundo globalizado capitalista é uma banda local. O Mopho fechou a primeira noite do festival Maionese, ocorrido em Maceió no final de semana passada, e não decepcionou: um show enxuto, com um repertório perfeito focado em algumas de suas melhores composições retiradas de todos os seus três álbuns. Não foi perfeito: João Paulo, o principal compositor, guitarrista e “frontman”, se mostrava um tanto quanto inquieto, prejudicando a ritmo da apresentação com recorrentes ajustes no equipamento entre uma música e outra, mas isso não foi motivo suficiente para que se perdesse o brilho do conjunto da obra.

Não foi perfeito mas chegou perto, da perfeição. Como sempre, salta aos olhos a incrível competência de todos os que ocupavam o palco, sem exceção. Mas não aquela competência mecânica, insossa, típica de quem está ali apenas para fazer bem seu trabalho e garantir o ganha pão: a competência de quem tem muito a mostrar, em forma e conteúdo, e se esmera em passar aquelas mensagens codificadas em forma de música da melhor forma possível, sem firulas perfomáticas, aos que estão assistindo, na platéia. Emocionante. Pra voltar pra casa – dos pais de Maíra Ezequiel, que me hospedaram de forma extremamente generosa e hospitaleira – com a alma lavada.

A noite havia começado bem mais cedo para nós, que chegamos atrasados, com o Medialunas, de Porto Alegre – e adjacências – tocando para um público reduzido no Armazém Usina, um simpaticíssimo galpão restaurado e situado na região do porto do histórico bairro do Jaraguá. À parte os problemas acústicos, típicos de um ambiente que não havia sido projetado originalmente para abrigar apresentações musicais, o lugar me impressionou. Tinha até ar condicionado! E o festival, em si, foi o mais bem estruturado e organizado que vi nos últimos tempos, com direito, inclusive, a um bazar de produtos alternativos bem mais rico do que o que se costuma ver nesses tempos de farta oferta gratuita de material cultural virtual. Conseguiu o feito, inclusive, de me fazer usar meu cartão de crédito, coisa que não estava nos planos, definitivamente! Mas foi por uma boa causa: comprar os dois primeiros discos do Kafka, banda pós-punk paulistana dos anos 1980, nas edições originais em vinil, da Baratos Afins, e “Viva”, o disco ao vivo do Camisa de Vênus, que foi o item numero um de minha coleção e que eu tive o disparate de trocar por uma edição em CD xexelenta, não me perguntem porque. Finalmente o encontrei de novo com a capa e encarte interno – raridade! - em bom estado. R$ 30,00 cada disco do Kafka e 15 o do Camisa. Achei barato.

Mas voltemos ao Medialunas: é uma simpática dupla de indie rock que canta musicas melódicas porém “esporrentas” em português, espanhol e inglês – se bem me lembro. Já os tinha visto na noite anterior, em Aracaju, e gostado bastante. Os vocais são alternados entre o guitarrista e a baterista, que tem uma voz doce mas bate forte nas peles, quando necessário.

Na sequencia, Xique Baratinho. Fazem, em Maceió, mais ou menos o mesmo que o Maria Scombona em Aracaju: um som calcado no rock mas com forte sotaque regional. Ou seria o contrário? Enfim, é “fusion”. E é muito bem composto e executado de forma extremamente competente, também. E também têm muitos anos de estrada, o que faz com que tenham músicas bastante conhecidas do público local, que cantava junto em vários momentos. É bom, mas não é muito a minha praia ...

Foto: Nando Magalhães
Porque minha praia é o rock. E Autoramas é rrrrrock, como eles fazem questão de deixar bem claro em cada mínimo acorde ou movimento de palco, numa insistência que, às vezes, soa até irritante. Há quem ache, inclusive, meio falso, “poser”, mas eu discordo. Já vi vários shows deles e sempre me deixo envolver pelo clima de celebração roqueira juvenil embalado por batidas retas, melodias simples e solinhos de guitarra tosquinhos porém “gostosinhos”. E por Flavia Couri, musa, estilosa, maravilhosa. Nem curto muito os dois últimos discos, um tanto quanto “jovem guarda” demais para o meu gosto, mas ao vivo continuam muito bons.

A noite seguinte, no sábado, para nós, os eternos Atrasildos da Silva, começou com o Zefirina Bomba, da Paraíba, no palco. Lamentei ter perdido Ataque Cardíaco, de Delmiro Gouveia – a cidade mais Hard Core do interior do nordeste – que todo mundo dizia que foi muito bom. Zeferina é um esporro do caralho, é realmente impressionante o barulho que Ilson consegue tirar daquele violão velho. Mas acho-os muito fracos em termos de composição, o que compromete o resultado final. Ok, eu sei, é punk rock, é “grunge”, é pra ser simples mesmo, mas não sei, acho que exageram na dose do minimalismo - por opção estética, talvez. Em todo caso, fizeram um bom show, pois acreditam no que fazem e isso garante a energia primária que é o motor que move as engrenagens do rock.

Aí vieram uns tais Nelsons, de Paulo Afonso, com um tal “Cangaço HI-FI” que nada mais é que uma emulação daquela mistura que já deu tudo o que tinha que dar nos anos 1990 de rock com rap e guitarras com scratch. Chatíssimo. E o Foxy Trio, de Olinda, Pernambuco, que faz um som bem mais lento, introspectivo, com longas passagens climáticas interrompidas aqui e ali por explosões “guitarrísticas” muito bem orquestradas. Não funcionou muito bem no palco, no meio de um festival, mas deu pra sentir que têm algo a dizer. Vale uma conferida posterior, no sacrossanto recesso do lar ...

O metal esteve presente com o Death “mezzo” “nu” metal do Abismo, local. Competentes. Barulhentos. Mas eu, particularmente, não agüento os clichês do estilo. Afinação baixa, vocais guturais, som meio “grooveado” com passagens “pula pula” em meio a convites às rodas de pogo. Não foi ruim, mas também não impressionou. Deu pro gasto.

Foi um bom aquecimento para a Necronomicon, sensacional formação roqueira calcada no que de melhor os anos 60 e 70 nos deram em termos de peso “sabbáthico” e psicodelia “crua”. Músicas longas, cheias de passagens, vocais berrados porém cantados, bateria devidamente castigada com energia e estilo, conduzindo com perfeição a guitarra de Lillian Lessa que eu finalmente consegui ouvir da forma que sempre quis: em alto e bom som! Nem tenho muito mais o que falar desses porras, sou fã incondicional. Segundo melhor show do festival, perdendo apenas para a Mopho.

Poderia ter ido embora, mas queria ver o Mukeka di Rato. Para tanto tive que esperar o chatíssimo Zander e seu “emotional Hard Core”, o popular “emo”. Vai um pouco na linha do Dead Fish, com letras “emocionais”(dã) cantadas a plenos pulmões em meio a boas guitarras ligadas no talo. A galera parece gostar muito. Eu não.

O show do Mukeka foi mais ou menos a bagaceira de sempre. Nem o melhor nem o pior que eu já vi – e vi vários. A impressão que tenho é que o Sandro voltou aos vocais sem o mesmo pique de antes: faz o show meio que no piloto automático, pra cumprir tabela. O que, na verdade, não faz o menor sentido, porque tenho certeza que ele não vai ficar rico sendo o vocalista do Mukeka di rato. Mas vai ver é só impressão minha. Enfim, foi divertido, mas o som estava muito embolado, sem definição. Tocaram canções clássicas de todas as fases e discos da banda. Destaque para “carne”, a música, que eu acho muito foda. Muito acima do repertório da própria banda, inclusive.

Fiquei bastante surpreso, positivamente falando, com a estrutura e a organização do Festival. Esperava que fosse algo mais mambembe, improvisado. Impossível não comparar o que vi naquele final de semana em Maceió com o atual momento em que passamos aqui, em Aracaju. Afinal, desde a “morte” – independência ou morte, lembram? – do PUNKa, em 2004, a cidade não tem nenhum festival independente acontecendo de forma regular e organizada. Vivemos à mercê da maré dos momentos, ora com muitos e excelentes shows acontecendo ao mesmo tempo em pontos diversos, ora com nada a fazer.

Depois de um longo período de pasmaceira e estagnação, quando os poucos produtores que ainda se arriscavam a promover por aqui apresentações com bandas de fora de médio ou pequeno porte - estas últimas de passagem em turnês “do it yourself” - cansaram de tomar prejuízo, por falta de público, a maré parece estar, aos poucos, virando. Por conta, em grande parte, do grande momento que vivemos, paradoxalmente, na cena local, com o surgimento de excelentes novas bandas, como a Tody´s Trouble Band, e a lenta projeção além-fronteiras provincianas de outras já não tão novas, como a The Baggios. Um dos grandes responsáveis por essa “retomada”, digamos assim, foi o pessoal que organiza os eventos “Clandestino”, feitos na rua, sem porta, sem cobranças, embora não sem custos.

O “Happening” cooperativo teve mais uma edição na última quinta-feira, dia 07 de novembro de 2013. Aconteceu na praça do farol da Farolândia, próximo à UNIT, com apresentações da Renegades of punk e do Medialunas, de Porto Alegre – e adjescências. Foi lindo, como sempre. O gerador roncando, o rock rolando, as crianças brincando e o vento soprando. E fanzines circulando! Lá recebi, das mãos do camarada Aquino, a cópia # 22(de 50) da simpática publicação xerocada com sobrecapa em papel vegetal “linhas tortas”, em primeira e gloriosa edição. Bacana, bem diagramado, com bons textos de Josimas e Maria Rita Kehl, poemas de Hilda Hist e Carlos Drummond de Andrade e um pôster “militante” de Ivo Delmondes. Digo mais: naquela mesma noite, ali vizinho, no CHE, os goianos do Hellbenders se apresentaram para um bom público com as locais Nucleador e Tody´s Trouble Band.

Hellbenders faz aquele rock pesado “mezzo” stoner cantado em inglês que se tornou característico de Goiânia. Um bom show, energético, com boas composições e uma boa presença de palco – um pouco exagerada, é verdade, especialmente da parte de um dos guitarristas e principal vocalista, que não se cansava de fazer caras e bocas e mostrar a língua a la Gene Simmons, mas enfim, faz parte do show dele, fazer o que ...

Já a Nucleador vem renascendo das cinzas em grande estilo com um novo – que já nem é mais tão novo – vocalista e novas – que também não são mais tão novas – composições que estarão no seu aguardado segundo disco. Tão aguardado que já está sendo chamado de “o chinese democracy sergipano”.

Tody´s Trouble é foda, melhor banda da cidade, atualmente. Mas naquela noite exageraram no desleixo e só foram subir no palco em adiantadas horas, por pura vagabundice, já que estavam todos lá, batendo papo, e o som estava “de cima”. Vi um pouco do show, como sempre ótimo, e me mandei.

Além do CHE e do Tio Maneco – que é mais “light”, apenas flerta com o som preferido do capeta – o Capitão Cook está reabrindo as portas e estão surgindo, surpreendentemente, novos espaços para apresentações de rock “underground” na cidade. Caso do Saloon, no Augusto Franco, e da Caverna do Jimi Lennon, no centro. Lá vi, dias atrás, um excelente show de Hard Core com mais uma devastadora apresentação da Karne Krua, que não só se recusa a “morgar” como vem se superando a cada dia em todos os aspectos, seja nas novas composições, seja na energia que entregam ao vivo. E perdi a estréia do Skabong, primeira banda inteiramente dedicada ao ska da cidade – antes havia o Friendship, que flertava com o estilo. Porque estava discotecando no segundo show depois da reabertura do cook, com Snooze e Arthur Matos. Que não deu praticamente ninguém, porque além do ska com renegades no Caverna estava acorrendo, no Tio Maneco, um show de covers com Plástico jr. E Cia. Ltda. Além do Saloon, onde certamente também estava rolando um rock.

É isso então. Ainda não temos um festival bem estruturado que aconteça com periodicidade, mas por outro lado a cena está viva e ativa, se multiplicando com qualidade, o que é mais importante e pode gerar uma movimentação mais forte, permanente e, suprema ambição, SUSTENTÁVEL! Meta perseguida pelo Zons, festival muito bem articulado ao qual não compareci justamente porque estava em Maceió, no Maionese.

“Várias Variáveis”, como dizia o “grande filósofo” Humberto Gessinger.

SQN.

A.

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quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Vestígios das noites passadas ...

Criamos fungos aqui ...
O simpático auditório do Museu da Gente Sergipana foi pequeno, na noite de ontem, para abrigar o público que compareceu à “premiére” de “Na Estrada do tempo”, documentário que flagra a Plástico Lunar, uma das mais importantes bandas do rock sergipano, entre turnês, shows “domésticos”, gravações para o novo disco e discussões sobre a Segunda Guerra Mundial.

Dirigido por Alessandro Santana, o “Cabelo”, da Faz o que pode produtora, o filme tem um bom ritmo e excelente montagem, com direito a tomadas experimentais – numa delas é mostrada, por tempo maior do que o convencional, uma esteira de aeroporto que não traz nenhuma bagagem – que, inseridas no contexto, fornecem uma identidade própria ao produto final, sem deixá-lo cansativo. Muito pelo contrário: a utilização de diferentes recursos, filtros e linguagens resulta numa dinâmica que justifica a duração do filme, um “média metragem” – produções do tipo, totalmente “do it yourself” e com recursos caseiros de captação de som e imagem, geralmente se adequam melhor ao formato de curta metragem.

Um homem com uma câmera
Na tela, tivemos acesso aos bastidores da convivência entre os integrantes da banda, além de assistirmos às apresentações nos estúdios da Trama – os técnicos de som locais foram entrevistados e se mostraram impressionadíssimos com o talento dos caras – e no projeto “Prata da casa”, no SESC Pompéia, em São Paulo. Passaram ainda por Minas Gerais,  Curitiba e Santa Catarina, onde se apresentaram, pela terceira vez, no festival “psicodália”, que é realizado ao ar livre, no campo, em clima de “Woodstock”. Há ainda o registro de shows “em casa”: o Concerto para o fim do mundo, em Aracaju, na noite tida como a última para a raça humana por uma interpretação do calendário maia, e a apresentação no projeto “Verão Sergipe”, do governo do estado, realizado na Barra dos Coqueiros, cidade vizinha à capital sergipana, na qual eles contaram com uma inesperada participação de Gilberto Gil durante o cover de “punk da periferia”. Para delírio de Marcos Odara, o baterista, fã incondicional.

Mas o grande destaque, sem sombra de dúvidas, vai para o bom humor com que são retratados diálogos antológicos, como os que Odara e Plástico jr. travam sobre a importância de Stalin e da União Soviética na vitória sobre os nazistas durante a segunda guerra mundial, ou quando Júnior – os dois, ele e Odara, são as “estrelas” no quesito “verborragia” – anuncia um experimento que poderá resultar na melhor ou pior produção de eventos de todos os tempos, comandada por um ser híbrido imaginário denominado Chackelma Nunes Montalvão. Quem é “do meio” sabe do que ele está falando. Boa parte da platéia sabia, e riu muito.

Destaque também para a trilha sonora, cheia de versões inusitadas para antigos “hits” e com o resgate de músicas ainda mais antigas e um tanto quanto esquecidas do repertório da banda, como “fungos”.

Antológico!

A.

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domingo, 10 de novembro de 2013

Na Estrada do Tempo

Com uma linguagem de home-video, que transita entre documentário e vídeo musical, o média-metragem Na Estrada do Tempo traz para as grandes telas o convívio da banda sergipana Plástico Lunar, no palco e fora dele. A produção de 56 minutos, dirigida e roteirizada por Alessandro Santana, estreia no circuito de exibição independente nesta terça-feira (12), em sessão a ser realizada no Museu da Gente Sergipana, às 18h30.

Foram mais de três anos de captação de imagens, que resultaram em um arquivo com aproximadamente oito horas de material bruto, em alta definição. Para a realização do filme, o videomaker acompanhou os bastidores de turnês do grupo de rock psicodélico pelo eixo sul-sudeste e também o início do processo de gravação do segundo álbum, assim como o retorno a Aracaju, cidade natal da banda.

O acervo mantido por Santana foi o pontapé inicial para a concretização da produção. “Daí, surgiu à ideia de complementar, editar e fazer este documentário, que registra, de uma forma um tanto íntima, o convívio da banda, com uma linguagem de home vídeo, assim como os vídeos de turnê de bandas de rock dos anos 90, que, geralmente, eram filmados por membros da banda, roadies ou amigos próximos”, explica o diretor.

A sessão de lançamento será aberta pelo média-metragem Na Estrada do Tempo, seguido do curta-metragem "Vestígios da década passada", de 11 minutos, que integra os extras do DVD fazendo um apanhado do material captado em equipamento analógico, registrado entre 2005 e 2008.

Sobre a banda

Criada em meados do ano 2000, a Plástico Lunar flerta com a música negra norte-americana e com a prog-psicodelia brasileira, trabalhando com criatividade o bom e velho rock´n roll. Atualmente formada por Daniel Torres, Plástico Jr, Leo Airplane e Marcos Odara, o conjunto musical se caracteriza pela forte identidade autoral e por uma essência criativa, comprovada em sua discografia, que conta com participações em coletâneas, dois EP´s independentes, um single e um CD lançado pelo selo paulista Baratos Afins.

Sobre o diretor

Nascido em Aracaju, é especialista em Artes Visuais. No ano de 2000, começa a produzir na área de audiovisual fazendo câmera no curta metragem "a paquera". Em 2007, começa a atuar como diretor, produzindo o vídeo "Desconforto ... ou qualquer título que lhe caia melhor"; em 2009, em parceria com Bruno Monteiro e Mauro Luciano, realiza o curta metragem de ficção “A eterna maldição do Cacique Serigy”. Sua produção entre 2008 e 2013 contabiliza mais de 20 vídeos de curta e média duração (alguns inéditos até hoje) além de videoclipes para bandas como Karne Krua, e a brasiliense Satanique Samba Trio.
Fonte: Assessoria de Imprensa
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Modern life is rubish.

Um bulldog tipicamente inglês se estende no carpete, com os olhos baixos e deprimidos. A voz em off explica. "Há 18 anos, somos governados pelos mesmos líderes. Ainda temos o talento, as habilidades e a criatividade de sempre, talvez mais". O cachorro adormece enquanto o narrador fala da perda de propósito da Inglaterra, em um mundo em constante mudança.

A perspicácia do vídeo de campanha de Tony Blair ao gabinete do Parlamento Inglês, em 1997, é retratar um símbolo da fauna do país como um pequeno-gigante adormecido, enquanto apela para termos queridos à juventude como "talento" e "criatividade". Uma estratégia de marketing meticulosamente montada.

Para passar uma imagem revigorante, Blair aproximou-se do mundo pop como nenhum outro político. Trocou cabeçadas com o astro da seleção inglesa Gary Lineker, jogou partidas públicas de tênis e até arranhou para as câmeras alguns acordes em sua guitarra, guardada desde os tempos de faculdade. Sua cartada principal era cooptar para sua campanha os jovens astros da música britânica, envolta na metade dos anos 1990 em uma onda de nacionalismo kitsch chamada Britpop.

Um dos alvos de Blair era o guitarrista Noel Gallagher, do Oasis. O desbocado roqueiro foi promovido em algum tempo a cabo eleitoral por seu comprometimento em rasgar seda publicamente para o futuro primeiro-ministro. O outro era Damon Albarn, do Blur. O vocalista e compositor da banda de Essex, ao nordeste de Londres, simpatizou no início, mas não embarcou no projeto e se disse manipulado. Arquiteto do Britpop, o músico abandonou sua obsessão pelos modismos ingleses no mesmo ano em que Blair assumiu o poder. Mas, 15 anos depois, a nostalgia bateu. Quem for ao show do Blur no Planeta Terra neste sábado 9 pode esperar um desfile de ótimas canções com sotaque inglês, feitas literalmente para inglês ver.

De 1993 a 97, os artistas do Britpop reverenciaram os pilares da cultura britânica. O ônibus de dois andares, a tropa real e seus capacetes felpudos, a paixão por jogos de azar, o fim de semana tedioso em parques. O patriotismo estava em todos os campos da arte. Em uma instalação, o artista plástico Damien Hirst expunha uma ovelha em um tanque de formol. Em Trainsportting, o cineasta Danny Boyle tratava do vício em heroína, mas também em pints de cerveja, corridas de cavalo e fish and chips. O estilista Ozwald Boateng resgatava os terninhos justos do Mod dos anos 1960 em seus desfiles. E claro, o Oasis insistia no símbolo cultural mais manjado do Reino Unido: os Beatles.

Antes de todos veio Damon Albarn. Em 1992, o Blur tinha dois hits razoáveis, reconhecimento mediano na Inglaterra e esforçava-se para cruzar o Atlântico. Naquele ano, realizou uma turnê de 44 shows pelos Estados Unidos, um desastre total. Eram casas pequenas, públicos minguados, desinteresse por tudo que não fosse Nirvana e o grunge, brigas entre integrantes e caos financeiro. Como muitos dos shows eram em cidades interioranas, foi a chance de Albarn conhecer mais de perto a pobreza cultural da classe média americana. E perceber como os britânicos a emulavam. O compositor passou a refletir sobre a mesma “perda de propósito da Inglaterra” que levaria alguns anos depois o bulldog de Tony Blair aos roncos.

O segundo álbum do Blur, Modern Life is Rubbish, de 1993, é o disco de menor sucesso comercial da carreira. Vendeu cerca de 15 mil cópias, número irrisório até para bandas independentes. Mas poucos discos definiriam tanto o modus operandi da cultura britânica da metade dos anos 1990. Nas letras, há um vértice indiscutível: a Inglaterra em meio “aos enlatados do USA”.

Para quem não conhece e imagina canções de protesto de um Renato Russo inglês, o disco não é revoltado; a crítica deságua em humor. Em “Advert”, Albarn fala das propagandas e suas promessas de férias paradisíacas e curas para dores de barriga. Na faixa seguinte, descreve o personagem “Colin Zeal”, uma espécie de coxinha britânico, bronzeado e politicamente correto, cujo principal objetivo na vida é ser pontual. Em “Chemical World”, fala do baixo preço das drogas, entre elas a mais americana de todas: o açúcar. Em “Villa Rosie”, descreve um autêntico happy hour nos subúrbios. Nada falta ao panorama de uma “Inglaterra sem propósito”, adepta do consumismo desenfreado.

O tímido sucesso comercial explica-se: não havia clima para uma banda falar dos costumes americanizados dos britânicos quando o grupo de maior sucesso no país era dos Estados Unidos. A morte do líder do Nirvana, Kurt Cobain, em 1994, abriu uma lacuna na música pop mundial. Foi com o lançamento no mesmo ano do álbum Parklife que o Blur convenceu seus conterrâneos de seu projeto artístico. Enquanto “Girls and Boys” descrevia a predileção dos ingleses por passar férias regadas a sangria e swing nas ilhas gregas, a faixa-título expunha a realidade dos pacatos frequentadores de parques ingleses. Capitaneado pelos dois hits, o disco vendeu mais de um milhão de cópias.

Na cultura pop, projetos ambiciosos costumam virar trilogias. The Great Escape, o quarto disco do Blur, voltou a abusar da fórmula dos dois discos anteriores, mas com uma nítida perda de fôlego. A briga com o Oasis pelo topo das paradas revelou as ironias do sucesso. Ao falar mal do Reino Unido americanizado, o Blur não havia despertado uma consciência crítica entre seus fãs. Pelo contrário, havia uma tendência de enaltecer os personagens de suas canções, antes de demonizá-los. Um elogio à mediocridade britânica.

Tony Blair aproveitou-se desse nacionalismo superficial para chegar ao poder. Quando assumiu o Parlamento, o Britpop era quase um cadáver. Responsável por sua criação, o Blur ajudou a sepultá-lo, ao gravar naquele ano um disco homônimo bastante influenciado por bandas de rock americanas como Pavement e Guided By Voices. Autêntico em suas origens, o Britpop perdeu sentido em meio a muitas drogas e brigas por sucesso. Tornou-se aquilo que expunha: um enlatado.

Após 20 anos do lançamento de Modern Life is Rubbish, o Blur veio ao Brasil para seu segundo show. No primeiro, em 1999, os ingleses focaram em seu sexto disco, 13, e tocaram apenas três ou quatro músicas da fase áurea do Britpop. Por outro lado, o show no festival Planeta Terra deste fim de semana deu bastante destaque à trilogia dos costumes ingleses. Em uma época onde a Inglaterra, governada pelos conservadores, parece ter perdido mais uma vez seu propósito em um mundo em constantes mudanças, as composições de Albarn soam mais atuais do que nunca.

*Vale a pena ver o documentário Live Forever: the Rise and Fall of Britpop, disponível no Youtube. Recomendaria a leitura de The Last Party: Britpop, Blair and the Demise of English Rock, de John Harris, mas está fora de catálogo até no Reino Unido.

por Miguel Martins

Carta Capital

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sábado, 2 de novembro de 2013

REATIVAR RETROFOGUETES!

Divulgada em meados do mês passado, a notícia fez a alegria de muita gente: após um hiato de sete meses, nos quais ninguém sabia direito o que estava acontecendo, os Retrofoguetes anunciaram seu retorno à cena.

O show que eles farão hoje, em Salvador, marca o bem-vindo  fim de um período de incerteza, iniciado logo após a já tradicional participação da banda no Carnaval, quando o baixista CH Straatman anunciou que estava deixando seu posto.

Foi praticamente uma pá de cal na banda, que, meses antes, no fim de 2012, já havia perdido o guitarrista Morotó Slim, que também tinha saído naquela ocasião.

Sobraram o baterista-fundador Rex e o substituto de Morotó, o guitarrista Julio Moreno. Com outros problemas pessoais pesando sobre seus ombros, Rex preferiu, como ele mesmo diz, “ficar na minha”.

"Tô tocando até numa charanga, com outros dez músicos. Tem também um trabalho com Ronei Jorge e Edinho (Rosa, guitarrista dos Ladrões de Bicicleta). É um lance autoral deles, que esta bem adiantado, meses trabalhando. Mas os caras voltaram a tocar com os Ladrões de Bicicleta, então este trabalho está meio de stand by no momento", revela.

“Mas ficou essa expectativa de que eu pudesse esclarecer,  já que eu  fui o remanescente da formação original da banda que eu montei, conceituei e batizei quando nossa banda anterior, os Dead Billies, ainda existiam. Foi na viagem para o VMB 2001, em São Paulo. Chamei Morotó e falei tudo isso pra ele. Eu nem contava com o final dos Dead Billies, era para ser um projeto paralelo. Então, de certa forma, é  uma coisa minha. Cabia a mim apagar a luz e fechar a porta – que era o que parecia estar acontecendo”, conta Rex.

"Mas a verdade é que o processo todo (das saídas de Morotó e CH) foi muito desgastante. Poderia ter sido menos, mas foi bem desgastante. Também passei por uma série de outros problemas pessoais nos últimos dois anos. Eu ainda não compreendi o processo, pois nada era muito claro. Eu não digeri tudo isso ainda", confessa.

"Ele ficou esse tempo todo tentando me convencer: 'vambora arrumar um baixista para botar na banda' e tal. Eu fui contra, apesar de vários terem se colocado a disposição. Eu tenho uma ideia de banda que são aquelas pessoas e aquela ideia. Eu ia me sentir muito sozinho, já que eu seria o que restou da ideia, da formação inicial. Acho que isso tiraria um pouco da essência do trabalho. Disse para Julio que preferiria montar outra banda com ele, com outro nome, a continuar com os Retros", acrescenta.

"Não era o caso de chamar qualquer um. Para mim não seria problema acabar. Tenho muito orgulho e apego às coisas que fiz. Os Dead Billies e os Retros são minha escola, onde eu aprendi a tocar e ser profissional. São as bandas que me levaram pelo Brasil todo. Mas quando o Billies acabaram eu pensei: 'Fudeu. Nunca mais vou ter outra igual'. E não tive mesmo, mas tive uma tão boa quanto, que foi até mais além do que os Billies foram. Teve um alcance maior, fizemos muito mais coisas", reflete Rex.

"Se tivesse que acabar, seria triste, mas para mim... Veja, hoje eu toco com 28 músicos diferentes em sete bandas diferentes. E na minha cabeça, seria muito fácil reunir músicos e montar um novo trabalho. Graças a Deus, eu sempre soube cultivar amizades com muita gente boa, e o que não me falta é amigo músico talentoso para continuar tocando a vida toda se eu quiser", percebe.

"Na minha cabeça, eu criei as condições para que acontecesse. Quando substituí Morotó, foi muito triste para mim, pois o cara é um irmão. E (a saída dele) foi algo inexplicável. Ele mesmo nunca conseguiu explicar. Aí veio Júlio, que é um cara maravilhoso, parceiro mesmo, superinteligente, fã do nosso trabalho. Trouxe uma alegria grande, mas senti que ele ficou muito frustrado quando CH saiu e todo um trabalho (o que seria o terceiro álbum dos Retrofoguetes) foi jogado fora", relata Rex.
“Aproveitei e toquei com um monte de gente. Pela primeira vez, eu pude aceitar convites para tocar outros músicos. Toquei com Les Royales, Capitão Elvis & Os Presleys, Os Sete Cabeludos, The Doors Cover”, enumera o baterista.

Purgatório, retomada

Só que esses caras não são conhecidos como “Os Fabulosos Retrofoguetes” a toa. E eis que não apenas Morotó Slim retornou ao seu posto – ao lado do já efetivado Julio – como o baixista original Joe Tromondo (outro ex-Dead Billies) também fez o caminho de volta ao lar.

"Fiquei na fé de algum dia ter de volta a velha turma, entende? Para minha surpresa, pois não fiz nenhum movimento ou esforço para trazer esses caras de volta. Morotó simplesmente virou para mim e disse que se eu quisesse voltar com a banda 'eu topo'. 'Como assim, você pediu para sair', eu respondi. Depois disso, ficou claro para mim que, para bom entendedor, meia palavra basta", limita-se a explicar.
 
"É tudo muito sintomático, os fatos se explicam por si. Agora vamos tocar. É um recomeço, não podemos esperar que funcione hoje automaticamente, por que não tocamos juntos há mais de dez anos. É uma nova banda, já que estamos com Joe, que não toca conosco há dez anos. E com Júlio, que pela primeira vez está definitivamente integrado. Estamos quebrando a cabeça nos ensaios para soar tudo bem. O bom é que é de verdade, não é uma reuniaozinha para um show. É a continuidade de um trabalho", observa.

Banda reunida, anúncio feito, soltaram logo uma música nova: a polca Brezhnev pode ser ouvida e baixada neste link.

“Foi o tempo que eu precisava para botar a cabeça no lugar e entender o que aconteceu”, afirma Rex.

“Fora isso, eu acho que bandas são ideias. Ideias que não se acabam enquanto houver a possibilidade dos talentos  envolvidos  se unirem e para trabalhar e realizar essa ideia”, acredita.

“Olha aí: Ronei Jorge & Os Ladrões de Bicicleta voltaram, a Úteros em Fúria fez uma reunião super bonita outro dia. E o publico vibra, pois a essência da coisa continua  ali”, continua.

“Isso pode acontecer um dia com os Dead Billies. Ou talvez nunca. O fato é que as pessoas continuam amigas e gostando de tocar juntas”, despista.

Amarradão, o baixista Joe diz que não vê a hora de voltar a subir no palco com seus velhos amigos.

“A gente estava se vendo muito ultimamente, e com aquela coisa toda da saída de Morotó  e CH eu senti que Rex tinha ficado bem triste, naquela indecisão: não sei se volto, não sei se acabo... Parecia  um purgatório”, conta.

“Aí eu disse ‘porra, se você quiser voltar com a banda, eu volto para tocar com vocês. E com Glauber (Dead Billies) também’. Mas essa é uma possibilidade mais distante. Aí ele: ‘então vamos voltar?’ Vamos. Simples assim”, relata Joe.

“O lance é que estou me divertindo demais nos ensaios e doido pra fazer mais músicas e cair na estrada”, resume.

Quanto aos planos futuros dos Retros, Rex conta o que vem (e o que não vem) aí: "Temos um álbum pré-produzido que vai ficar engavetado. Vamos pular esse e começar tudo de novo. Começamos a fazer músicas novas e acho que vamos lançar um EP temático antes do CD. Tudo ainda é muito novo e ainda não traçamos os planos, mas vamos sim, continuar e gravar o terceiro CD com andré t", revela.

"Carnaval? Retrofolia, com certeza! Julio já fazia parte há anos, e depois dese show já vamos começar pensar nisso. Ainda não sei se vai ter trio elétrico. Tivemos um convite de Jequié para levar o Retrofolia para lá. Estamos pensando em tudo isso, mas até sábado, estamos na função desse show. Ah! E deve ter o Natal dos Retrofoguetes também. Afinal, temos que manter nossas tradições. Mas é uma cosa de cada vez", conclui Rex.

Primeiro show de uma nova fase para uma das mais importantes bandas de rock da Bahia, a apresentação deste sábado promete ser histórica.

por Franchico
rock loco 

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sexta-feira, 1 de novembro de 2013

O lutador

A artista Laurie Anderson, viúva de Lou Reed, escreveu uma carta sobre a morte do marido endereçada aos vizinhos – e aos fãs -, publicada no jornal East Hampton Star, uma pequena publicação que circula na área em que o casal morava, na cidade de Springs, no estado de Nova York.

Reed e Laurie estão juntos desde o fim da década de 90. O músico morreu neste domingo, aos 71 anos, em decorrência de complicações no fígado – o mesmo que o levou a fazer um transplante em maio deste ano.

O médico que cuidou de Reed nos últimos anos, Charles Miller, disse que o músico, ao saber que a doença estava em estágio final, decidiu deixar a clínica em Cleveland, Ohio, para voltar à cidade onde morava. “Todos nós concordamos que fizemos tudo o que podíamos”, disse ele ao The New York Times, após a morte do ex-líder do Velvet Underground e considerado um dos pioneiros a dar um ar urbano, sujo e realista ao rock and roll.

Laurie descreveu os últimos dias do casal na carta publicada. Ela confirma que Reed queria voltar para Springs e que ele morreu “observando as árvores e fazendo a famosa posição 21 do tai chi, com apenas suas mãos de músico se mexendo no ar”. Leia o texto na íntegra:

“Aos nossos vizinhos: que outono lindo! Tudo brilhando e dourado e toda aquela incrível luz suave. Água ao nosso redor. Lou e eu passamos muito tempo aqui nos últimos anos e, embora sejamos pessoas da cidade grande, esse é nosso lar espiritual.

Na última semana, eu prometi a Lou que o tiraria do hospital e voltaria com ele para casa, em Springs. E conseguimos! Lou era um mestre do tai chi e passou seus últimos dias aqui sendo feliz e atordoado pela beleza e pelo poder e pela suavidade da natureza. Ele morreu na manhã de domingo, observando as árvores e fazendo a famosa posição 21 do tai chi, com apenas suas mãos de músico se mexendo no ar.

Lou era um príncipe e um lutador, e eu sei que suas canções de dor e beleza do mundo vão encher muitas pessoas com a incrível alegria que ele tinha pela vida. Vida longa à beleza que descende e atravessa por e sobre todos nós.

Sua amada esposa e eterna amiga”

Laurie Anderson

rs

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