segunda-feira, 28 de outubro de 2013

RIP Lou Reed

Por mais idiota que pareça, eu achava que Lou Reed poderia sobreviver à própria morte. Não era só por causa do semblante implacável e do olhar perspicaz; seu rosto já era uma espécie de máscara mortuária viva e prematura. Não era só a maneira como o corpo dele parecia ter sido laminado eternamente em seu lugar, zombando do próprio conceito de juventude (muitas pessoas que superam o vício em heroína têm esse vigor mumificado na velhice). Não era sequer o fato de que ele só pareceu envelhecer visivelmente cerca de sete anos depois de 1974. Talvez fosse sua facilidade sempre progressiva de lidar com a ideia da morte, algo que parecia sugerir que ele sabia de alguma coisa que nós não sabíamos. Como vocalista do Velvet Underground, ele atingiu uma afinidade indiferente e niilista com a grande niveladora (em faixas como “The Black Angel's Death Song”), mas foi só depois, como artista solo, que ele descartou essa visão simplista e atingiu uma real percepção disso. Em discos como

Então, quando a esposa, amiga e musa de Lou, a artista performática Laurie Anderson, foi um pouco descuidada demais sobre a saúde dele no começo do ano (depois de seu transplante de fígado em maio, ela disse: “Isso é muito sério. Ele estava morrendo... Não acho que ele vá se recuperar totalmente...” — uma declaração que ela revisou um dia ou dois depois), nunca me ocorreu (e provavelmente para muitas outras pessoas) encarar as palavras dela com muita seriedade. Como uma pessoa dessas pode morrer? Como alguém que parece ser feito de pedra pode envelhecer e morrer?

Geralmente, eu suspeito de jornalistas de música que se mostram publicamente enlutados com a morte de um músico, só porque entrevistaram o cara uma ou duas vezes no passado. Mas quando soube da morte de Lou, coloquei “Street Hassle” para tocar e tive que desligar, não uma, mas duas vezes, porque isso se mostrou muito difícil. Mas acho que há uma boa razão. Em 1982, Brian Eno fez a declaração (geralmente mal interpretada) que apenas 30 mil pessoas tinham comprado o The Velvet Underground & Nico, mas que “todo mundo que comprou o disco começou uma banda”. Quando eu estava saindo do colegial em 1987, esse número parecia ter crescido exponencialmente. Na verdade, é difícil pensar em bandas que não devam muito ao VU — Jesus and Mary Chain, Loop, Spacemen 3, Pixies, Mercury Rev, Flaming Lips, Skunflower, My Bloody Valentine, Sonic Youth, The Wedding Present, The Blue Aeroplanes... Então, quando digo que fiquei perturbado ouvindo “Street Hassle” — que, aliás, é uma das maiores músicas já escritas — acho que posso afirmar que qualquer pessoa mais ou menos da minha idade vai dizer que sentiu o mesmo quando soube que o Lou morreu.

Não foi a primeira vez que Lou Reed me perturbou. Falei com ele por telefone uns cinco anos atrás e essa continua sendo a entrevista mais tensa que já conduzi em 16 anos de jornalismo. Também foi — para minha vergonha — a única vez que bati o telefone na cara de um entrevistado sem avisar e com muito tempo de entrevista ainda pela frente (para dar um contexto, isso foi muito pior do que as duas entrevistas durante as quais fui esfaqueado). Depois da entrevista, senti que tinha alguma ideia de como é se envolver num acidente sério numa nave espacial em órbita geoestacionária ou ser sequestrado por um grupo paramilitar. Fiquei surpreso por não ter desenvolvido transtorno de estresse pós-traumático. No entanto, quando coloquei a fita para tocar, eu me senti imediatamente envergonhado; ficou claro que, apesar de ter me levado até o limite da paciência, ele realmente me deu toda a informação que eu precisava para escrever meu artigo. Pensando agora, talvez fosse possível identificar alguns sinais de um senso de humor muito seco em funcionamento, talvez até de um jogo — apesar de eu ter falhado vergonhosamente em entender quais eram as regras.

por Bob Gruen, com John Cale, Patti smith e David Byrne
E ser mal interpretado não era somente a prerrogativa de Lou Reed, era seu trabalho. Não deveríamos nos perguntar por que ele agia assim, mas sim: onde está o porco beligerante? Onde estão os verdadeiros inovadores do rock 'n' roll em 2013? Onde estão os músicos capazes de levar jornalistas de música à beira de uma crise nervosa, e assegurar sua necessidade e direito absolutos de serem ARTISTAS acima de todas as outras considerações?

Lou Reed nasceu em março de 1942 e, durante a maior parte de sua vida adulta, sintetizou o tipo de pessoa movida por um dínamo de impulsos conflitantes, ao ponto de parecer um cara desconfortável consigo mesmo. A narrativa popular de Reed como músico é a seguinte: ele era parte do Velvet Underground, que era barulhento e de vanguarda; depois, ele partiu para a carreira solo, lançando discos de glam rock no começo dos anos 1970; depois ele se estabeleceu em sua senilidade levemente chata de cantor e compositor aprovado pela South Bank Show. A verdade, no entanto, é muito mais complexa. Em nenhum momento de sua carreira ficou claro se ele era um artista de ruptura, um enrolador do hip rock ou um compositor sério — ele sempre transitava por esses modos de ser; em geral, quando era pior para aqueles à sua volta, seus críticos e até seus fãs.

Quando era adolescente, Reed gravou seu primeiro single como vocalista do The Shades em 1959. Era uma música doo-wop chamada “Leave Her”, mas isso não era só um modismo. Ele voltou ao rock dos anos 1950 no LP Coney Island Baby em 1975 e deixou seu amor por essa formula clara em 1989, quando introduziu Dion ao Rock & Roll Hall Of Fame.

Mais tarde, quando estava na Universidade de Syracuse, ele foi exposto à cena então florescente do free jazz e, na formatura, conheceu John Cale, que o apresentou à música e teoria de vanguarda de La Monte Young e John Cage. No entanto, paralelo a esse Reed, também existia um compositor do selo Pickwick, que escreveu um hit satirizando as danças da moda chamado “The Ostrich”.

Verdade, no Velvet Underground ele foi parcialmente responsável por White Light/White Heat, um dos discos mais pesados e barulhentos feitos por uma banda de rock até aquele momento. A faixa título e a jam demorada e penetrante “Sister Ray” foram duas das músicas de rock underground mais influentes do final dos anos 1960. Mas a banda só se tornou o Velvet Underground de Lou Reed — sua visão –  durante 1969/1970, depois que Cale foi superado, e Sterling Morrison e Mo Tucker (e o novato facilmente manipulável Doug Yule) foram colocados de lado. Os discos resultantes — The Velvet Underground e Loaded — mal podem ser reconhecidos como sendo da mesma banda. A psicodelia selvagem e o barulho foram quase totalmente substituídos por uma face melodiosa e limpa pronta para as rádios. Mas mesmo isso não cabe numa narrativa prática, já que essa escalação do grupo foi responsável (em minha opinião, pelo menos) por um dos melhores momentos de Lou e um dos maiores discos de rock de todos os tempos: Live In 1969.

Anos depois, em 1975, a resposta e a severidade sonora do segundo disco do VU ainda estavam à espreita na esquina, como um bandido com um cassetete. Depois do sucesso de “Walk On the Wild Side” (1972); dos picos que asseguraram sua carreira, na forma de glam em Transformer (1972) e de sombras em Berlin (1973), quando parecia que ele estava finalmente livre para começar a se escorar na sua posição de grande estrela da década, ele lançou Metal Machine Music, um disco duplo de puro feedback de guitarra, tão perverso que ainda desafia uma interpretação lógica mesmo do ponto de vista de 2013.

E Lou continuou confundindo a maioria de seu público. Ele era a estrela do country rock do Growing Up In Public dos anos 1980? Ele era o poeta de vanguarda de boina do The Raven de 2002? Ele era o velho estadista do rock pesado que usou o Metallica como banda de apoio em Lulu de 2011, dois anos antes de sua morte? Ele era o autor supremo do pop adulto que, em 1990, apareceu em Songs For Drella?

Espero que tenha ficado claro no final de sua carreira é que ele não estava sendo hesitante, fútil ou indeciso. Ele estava simplesmente seguindo o caminho de sua mente, de seu próprio jeito; recusando-se a terminar seus dias como curador de sua reputação como membro lendário da banda de rock Velvet Underground. Ele percebeu o que muita gente não consegue: que quando você é a porra do Lou Reed, você pode — e deve – e precisa, mesmo — fazer o que quiser.

Descanse em paz, Lou. E obrigado.

por John Doran

vice

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quinta-feira, 17 de outubro de 2013

O Show da minha vida.

“I can´t fucking hear you”, gritava uma voz pra lá de conhecida em um de seus célebres jargões por trás da cortina preta que havia se fechado no palco. A massa foi ao delírio, evidentemente. “Olé olé olé olé, come on”, prosseguia a voz. Pensei que fosse algo pré-gravado – talvez fosse - mas quando as cortinas se abriram lá estava ele, the “fucking Prince of darkness”, de microfone em punho, escudado por seus comparsas de crime, todos de preto, prontos para nos entregar o show de nossas vidas. Uma avalanche nos empurra para ainda mais perto do palco e, caso restasse alguma dúvida, a ficha teria caído: nós estávamos num show do Black Sabbath! Do Sabbath mesmo, com Tony Iommi, Ozzy Osbourne e Geezer Butler. Juntos e ao vivo pela primeira vez em turnê na América do Sul.

Faltou mencionar a sirene, que soava anunciando “War pigs”. “Generals gathering in their masseeeessss”, puta que pariu, começou! “Just like witches at Black masses” – caralho, primeira palhetada esporrenta do Deus do metal ali na minha frente! E o som estava perfeito, cristalino e alto, muito alto. Era verdade mesmo, eu estava num show do Black Sabbath, minha banda de rock favorita de todos os tempos, amém. E na frente de Tony Iommi, o cara que inventou essa porra, esse tal de Heavy Metal. Tô cansado pra caralho, mal consigo me segurar em pé, mas foda-se, vai ser foda!

Foi, claro. Já dava pra perceber que seria pelo primeiro grande momento da noite, quando um Ozzy Osbourne eufórico não se contém e dá um abraço apertado, quase um mata-leão, em Tony, arrancando do circunspecto mestre dos riffs um sorriso de satisfação. Quase que dava pra ler seus pensamentos: “veja isso, Tony, somos nós aqui, juntos novamente diante de uma multidão, desta vez in the fucking Rio de Janeiro, Wondefull city, full of encantos mil”. “Possacrer, Ozzy, de fuder”. O mesmo se repetiu no outro extremo com Geezer, e depois com um aceno para o baterista, Tommy Clufetos, que substituía Bill Ward. E mandou muito bem, como veremos a seguir ...

Uma coisa que notei logo de cara foi que Ozzy, apesar de manter todos os seus trejeitos amalucados e sua perfomance ensandecida, se comportava de forma um pouco mais contida, como que para ressaltar que ali ele era um membro de uma banda, não estava em carreira solo. Para deixar isso bem claro para todos, trata de sufocar os insistentes gritos ritmados com seu nome entoados pela platéia apontando sempre para a sua esquerda, onde um Tony Iommi contido porém visivelmente satisfeito, até sorridente, em vários momentos, comandava o espetáculo executando com a mestria de sempre os maiores e melhores riffs de guitarra já escritos. Demorou um pouco, mas o povo entendeu: logo estavam todos gritando por Tony e, eventualmente, Geezer – em seus momentos de maior destaque, como na introdução de NIB. No final da apresentação Ozzy chega a se curvar em reverência diante do guitarrista. Emocionante.

Tony porque Iommi é a base de tudo ali naquela porra de banda. E os solos também. A não ser quando, no meio da apresentação, deixa os holofotes nas mãos – e pés – de Clufetos que, sem exagero, humilha, principalmente quando se dedica a um solo de bateria absolutamente impressionante, capaz de calar qualquer vestígio de dúvidas quanto ao seu mérito para estar ali, substituindo uma lenda viva das baquetas. Fico imaginando o que se passa pela mente de Bill Ward ao ver aquilo. Certamente pensará que o tempo é um canalha, ou algo parecido, já que sua idade, evidentemente, não lhe permitiria tamanha vitalidade. Azar o dele, caso o motivo da falta seja realmente o que foi aventado:  uma simples – ok, nem sempre – disputa financeira. Porque tenho certeza que ninguém sentiria falta do vigor da juventude de Clufetos diante de sua simples presença, igualmente digna de reverência. Enfim, são apenas especulações. A realidade estava lá, diante de nossos olhos e castigando nossos ouvidos. E foi sensacional.

Depois de “Age of reason”, a primeira do disco novo, foi a vez de “Black Sabbath”, a música. Arrepiante. Ainda mais sinistra e arrastada que a versão original, foi executada em tom solene e acompanhada de forma emocionada pela platéia, no que parecia uma gigantesca missa negra em pleno templo da alegria, a praça da apoteose da passarela do samba – àquela altura do campeonato lotada por cerca de 35.000 pessoas. Nessa hora, do meu lado, alguém decide que era o momento de acender uma vela - ou algo parecido – no caso, um sinalizador, que eu carrego por alguns minutos até passá-lo adiante antes que seja tomado pela brigada anti-incêndio. Enquanto isso, do palco, soam gritos de desespero: “OH! NO! PLEASE, GOD, HELP ME” - e tome porrada no pé do ouvido. Impossível não lembrar da primeira vez que ouvi esse verdadeiro hino, sozinho, no escuro, nos anos oitenta, em Itabaiana. Senti medo – foi uma das duas únicas vezes em que uma música me fez sentir medo. A outra foi quando ouvi, também sozinho e no escuro, a composição de György Ligeti usada na cena do portal da trilha sonora de “2001, uma odisséia no espaço”.

O show prossegue com “Behind the wall of sleep” e “NIB”. “End of the beginning”, de “13”, entra na sequencia. O mais incrível é notar que as três músicas do novo disco inseridas no set list não comprometem em nada a qualidade da apresentação em meio a um repertório tão perfeito. Suspeito até que elas possam se tornar também, um dia, clássicos do cancioneiro “sabbático”, a julgar pelo impacto que foi ouvir ao vivo o riff matador que abre a ótima “God is dead”. O futuro dirá.

Enquanto isso Ozzy prossegue fazendo o que pode – e ainda pode muito – para animar a noite. Inclusive piada consigo mesmo, como quando entra no palco com um morcego de plástico na boca, ou quando joga os já tradicionais baldes de água nos que estão encostados na grade. Ou chutando de volta as bolas lançadas pelo público. Ou ainda emitindo um curioso e misterioso som de “cuco” na introdução de algumas músicas – quando a platéia finalmente demonstra notar que é ele que está fazendo aquilo, ele diz: “Dane-se o mundo e enlouqueça, é bom ficar louco”. O velhinho ainda tem muito bom humor e poder de comunicação, demonstrado também ao anunciar “Dirty women” – “I like then”. Gargalhadas gerais. Mas é bom não abusar: num dado momento ele arrisca um de seus clássicos saltos, tão amplamente registrados em fotos antológicas, mas consegue apenas um pulinho desengonçado. Ninguém pareceu notar – porque porra, Tony Iommi estava ali do lado, despejando mais uma saraivada de riffs. Que se foda o que não deu certo.

Antes de “Children of the Grave” Mr. Madman anuncia que eles só têm mais uma música antes do fim, mas que se nós fizéssemos muito, mas muito barulho mesmo, eles voltariam e tocariam "one more song". Dito e feito – voltam para o bis e, para minha surpresa, Tony puxa o riff de nada menos que “Sabbath Bloody Sabbath”! Geezer e Clufetos não se fazem de rogados e o acompanham, mas foi só uma brincadeira: ele logo emenda com “paranoid”, esta sim, programada para o final. Apoteótico, como não poderia deixar de ser, mas com uma misteriosa ausência de Geezer Butler na saudação final. Os caras até demoram um pouco mais a se despedir esperando por ele, que não aparece. Dá pra notar que Ozzy ficou um tanto quanto confuso e preocupado, mas enfim, fim de festa. Hora de tentar ir embora, ao som de “zeitgeist”, a faixa mais lenta do novo disco, tocada nos auto-falantes – que durante toda a espera antes do show só tocava AC/DC.

TENTAR porque a produção cometeu alguns absurdos de desorganização, o maior deles a estreita faixa de portão que TODOS os que estavam na pista vip tiveram que utilizar para se retirar. Felizmente não houve tumulto naquele momento, pois as conseqüências poderiam ter sido catastróficas. Detalhe: isso num evento particular - embora utilizando-se de um espaço público - com ingressos a preços exorbitantes. Outra bola fora, que ninguém pareceu notar, foi a ausência do belíssimo cenário que emoldura os telões do palco nos shows gringos. Aqui foi o tradicional telão preto quadradão mesmo. Que, por sinal, exibiu uma bela sequencia de imagens perfeitamente sincronizadas com o conteúdo das letras das músicas – com direito, inclusive, a uma sinistra imagem do “papa emérito” Bento XVI entre ditadores assassinos. Ousado.

Não tão bom ou ousado, no entanto, quanto o uso do telão feito pelo Megadeth, que abriu a noite com uma apresentação precisa e devastadora. Ou melhor, dos telões: tiveram o requinte de usar 3, um grande, atrás, e dois menores, na frente. A seleção de imagens foi bem melhor que a do Sabbath, com direito, inclusive, a grandes sacadas de humor, como os trechos de comédias Hollywoodianas que citam a banda usados na introdução de algumas músicas.

Esta era a terceira vez que eu veria o Megadeth, o que faz dela a banda “gringa” que eu mais vi ao vivo na vida. É sempre um bom show, claro, mas confesso que me surpreendi. Entraram com todo o gás, já com “Hasngar 18”, do “rust in peace” – que eu considero o segundo melhor disco de thrash metal de todos os tempos. E emendaram com a devastadora “Wake up dead”, faixa de abertura do segundo melhor disco deles, “peace sells... but who´s buying?” – heresia para muitos de meus amigos que preferem sempre o “countdown to extinction”. No meu ranking pessoal ele ocupa um honroso terceiro lugar, e só veio dar as caras no show com “Sweating bullets”, a quinta a ser executada. Fora essa, “apenas” o megahit “Symphony of Destruction”. Pra mim foi de excelente tamanho, já que no recheio tivemos “tornado of souls”, também do rust, numa apresentação que se encerrou com a faixa-título do segundo disco, “peace sells” - com direito à presença ilustre do mascote da banda, Vic Rattlehead, num "momento Eddie", dando um passeio no palco vestido num uniforme militar - e teve “Holy Wars” como bis. Tudo tocado de forma precisa e em alto e bom som, apesar de numa velocidade desenfreada. Como deve ser, aliás, em se tratando de uma das bandas fundadoras do thrash. Melhor impossível.

O show do Megadeth se encerrou com a execução, nos auto-falantes, da versão de Joey Ramone para “What a wondeful World”. Era exatamente o que sentíamos todos naquele momento, prestes a ver pela primeira vez ao vivo a banda das nossas vidas.

Unforgettable.

a.

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quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Ele está no meio de nós ...

O maior show de rock realizado no Brasil depois das estreias por aqui de Rolling Stones e U2 está sendo tratado como um evento qualquer por todos. Até mesmo o público parece não estar entendendo direito a dimensão da importância que a turnê do Black Sabbath por aqui está tendo. Ozzy Osbourne, Tony Iommi e Ozzy Osbourne juntos pela primeira vez em nossas terras é algo tara ser celebrado e comemorado. Até mesmo os shows de AC/DC em 1996 e Rush em 2001 movimentaram mais os roqueiros.

O aparente clima de normalidade não condiz com a importância do evento. Desde que Ozzy decidiu voltar a tocar com os companheiros, em 1997, aguarda-se a passagem da banda pela América do Sul. Ao lado de Van Halen, Led Zeppelin e Rush, o Sabbath com Ozzy era o espetáculo mais esperado no Brasil. O Led jamais virá, Rush já veio duas vezes e Van Halen aparentemente se recusa a tocar fora dos Estados Unidos, exceto por pouquíssimas datas na Europa – assim como The Who, que aparentemente não tem o menor interesse em viajar 15 mil quilômetros para vir. E como o Pink Floyd também jamais virá, O Black Sabbath com Ozzy é, portanto, o último grande artista do nosso tempo a finalmente tocar no Brasil.

CD novo, turnê concorrida e uma penca de clássicos, tudo com a abertura do competente Megadeth. O Black Sabbath chega para coroar um ano em que o Rock in Rio agradou bastante em sua segunda parte, com gigantes como Iron Maiden, Metallica, Slayer e Bruce Springsteen – O Iron Maiden até deu uma esticadinha por são Paulo. É um fechamento de ouro para uma grande temporada, que ainda terá como bônus Aerosmith e Whitesnake no Monsters of Rock.

Esqueça que a voz de Ozzy está desgastada e seus discursos abilolados são motivos de piadas na internet. Esqueça que Bill Ward, o baterista original, não veio por questões financeiras. Esqueça que Tony Iommi esteja debilitado – passou mal e não deu entrevista no Rio de Janeiro na terça-feira. Não é todo dia que um artista criador de um praticamente gênero musical se apresenta diante dos brasileiros. Ok, Chuck Berry, Little Richard e outros pioneiros do rock passaram por aqui nos anos 80, mas em situação de completa indigência artística, e soando, com muito custo, como “covers” de si mesmos.

O Black Sabbath chega ancorado em álbum excelente, “13″, que recolocou a banda nas paradas do mundo inteiro e suas músicas em emissoras de rádio importantes no mundo. Tony Iommi ainda é um dos maiores mestres da guitarra, mesmo aos 65 anos de idade, assim como Geezer Butler continua a mesma usina potente de graves e riffs pesados no baixo. Os shows da turnê atual, que já passaram por Oceania e Europa, mostram uma banda afiada, entrosada, sendo que os poucos deslizes de Ozzy em nada comprometeram a performance do conjunto.

As músicas novas, como “God Is Dead?” e “The End of Beginning” soam poderosas ao vivo. São densas e conseguem prender a atenção da plateia. E em seguida vem a sucessão de clássicos que marcam os 45 anos de existência do Black Sabbath. Ouvir Ozzy cantar “War Pigs”, “Iron Man”, “Paranoid” e mais uma penca de hits tendo a parede sonora de Iommi por trás é mais do que uma dádiva, é a verdadeira celebração de todo um movimento cultural. É a verdadeira comemoração de um gênero musical.

Black Sabbath com Ozzy é um evento histórico no Brasil, que provavelmente não se repetirá. O impacto é tão grande e tão importante quanto o primeiro show do Queen por aqui, em 1981. Tão ou mais impactante quanto o de Alice Cooper em São Paulo, em 1974, ou o do Kiss no Morumbi, em 1983. E certamente é tão esplendoroso quando as estreias dos Rolling Stones, em 1995, e do U2, em 1997, ou mesmo a do Rush, em 2001, ou ao retorno do AC/DC, em 1996, ao mágico show de Pal McCartney em 1992, ou o mítico Metallica em 1989. Os ingressos para São Paulo e Porto Alegre esgotaram-se em poucas horas. Mesmo no Rio de Janeiro, onde o rock não goza de tanto prestígio, só restam pouquíssimas entradas.

Para os afortunados que estarão nos estádios vendo os shows, só resta a expressão em latim: “carpe diem”, aproveitem muito bem o dia. A história estará rolando ao vivo bem na frente de seus narizes. Será o último grande evento com os grandes todos os tempos? É bom Van Halen e The Who abrirem os olhos, pois a chance de fazerem história no Brasil é gigantesca.

NOTA DO BLOG: I´ll be there! Contarei tudo depois ...

por Marcelo Moreira

Combate rock






sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Sem grana não tem amor ...

Por ser um pouco mais novo que o pessoal da geração que realmente fundou o rock “autoral” em Sergipe nos anos 1980, e também por não morar em Aracaju na época, eu não participei ativamente da movimentação “underground” da cidade até “circa” 1987/88. Não fui, portanto, a nenhuma “rockada”. Nem a nenhum show do Guilhotina, Perigo de Vida ou Crove Horrorshow. Deste último poderia ter ido, mas minha mente, àquela altura, depois de um breve flerte com o rock mais “poético”, ou “adulto”, do pós punk nacional via Hits radiofônicos – Ira!, Legião Urbana, Hojerizah, Capital Inicial -  estava tomado pela urgência e pela crueza do Hard Core e do Heavy Metal. Então a Crove, para mim, meio que “passou batido”. Era uma espécie de “lenda urbana” da qual eu sempre ouvia falar através dos caras (não muito) mais velhos – Silvio, Vicente, Marcelo Gaspar. Pelo que eles diziam, deduzia que foram muito importantes para a época, chegando a ter inclusive alguns “hits” underground, como “Sem grana”, sempre citada.

O mesmo pode ser dito para a década seguinte, quando a banda se reformulou, mas ainda assim continuava longe do meu “radar musical pessoal”, digamos assim. Se vi algum show deles no período, não me marcou, porque não me lembro. Muito embora tenha sido desde (quase) sempre um fã de Smiths, Cure e Echo & The Bunnymen, eu seguia imerso no mundo do rock mais “visceral”, só que dessa vez mais focado no barulho guitarreiro dos seguidores do Jesus & Mary Chain e do “grunge” ou do rock industrial do Nine Inch Nails e do Ministry.

Só fui parar pra ouvir a Crove mesmo, pra valer, na segunda metade da primeira década do século XXI, num show que eles fizeram, já com Fabinho no baixo, no Capitão Cook. E foi uma revelação. De repente ficou claro para mim o porque da admiração irrestrita de caras como Rafael Jr., da Snooze, e Silvio, da Karne Krua. Crove era rock pra caralho, esse tempo todo, e eu não sabia! Achava que fosse uma coisa mais melosa, datada – bom, “datado”, até que é, mas isso não é demérito nenhum. É uma opção estética, apenas. Você gosta ou não gosta. Não se propõem a reinventar a roda. A idéia aqui é fazer música autoral de qualidade emulando influências do pós punk mas também da soul music e do som que era feito nos anos 1970. Como Luiz Eduardo é um puta compositor e letrista, a tarefa é cumprida com honra e mérito.

Agora eles, finalmente, lançaram seu primeiro disco “oficial” – ou “de fábrica”, sei lá, está cada dia mais difícil acertar neste tipo de definição. Hora de parar pra ouvir definitivamente, no conforto de casa, num som decente, prestando atenção nos arranjos e acompanhando as letras pelo encarte – ops, isso não. É uma falha do disco, não ter as letras impressas no encarte. Que é bacana, apesar disso: a concepção gráfica como um todo, assinada por Fabio Viana e elaborada em cima de imagens de cartazes e fanzines locais da década de 1980 e desenhos de Helder, o DJ Dolores, é excelente. Acomodada em um digipack de capa tripla desdobrável, tem uma ótima concepção visual que prima por combinar despretensão com bom gosto e um afiado senso de  unidade. Só acho que para a imagem da capa, em si, deveriam ter escolhido a que ilustra o fundo do acrílico onde fica o CD. Fora isso – e a falta das letras! - está perfeito.

A bolachinha já começa dizendo a que veio com uma musica que sintetiza muito bem a proposta primordial da banda: “Não mais”. Letra inteligente, falsamente simples e ligeiramente minimalista, flertando com a poesia concreta, emoldurada por arranjos carregados daquela sonoridade tão característica dos anos 80. Na sequencia, um pouco mais de peso, com um excelente riff servindo de “cama” para o clima melancólico/existencialista de “A Dança do forró” – cuja letra, pelo que eu consegui entender, é uma espécie de manifesto contra a massificação da cultura popular. A seguinte, “Na sala fechada”, já volta ao clima oitentista, e assim segue o disco, faixa a faixa, ora resgatando pérolas nunca antes registradas em estúdio, ora melhorando o que já havia sido feito, como em “catedral”, aqui numa versão bem superior à da demo de 1996. Destaques para “geração ropinol”, “Barra pesada” e “sem grana”, todas com uma pegada “roqueira” vigorosa e letras com cara de manifesto marginal a la Helio Oiticica. Me chamaram a atenção, também, a “sergipanidade” da letra de “Depois da boa”, que fala, sempre num desencanado e gostoso sotaque local, como em todo os disco, em ir à praia depois de comer cuscus e beiju no mercado, e “Canção do Carnaval”, uma espécie de anti-ode aos festejos de momo - pelo menos da forma como são comemorados aqui, naquele esquema massificado/pasteurizado ao estilo baiano. Segue mais ou menos o mesmo mote de “A Dança do forró”: um certo fastio “roqueiro” pela falta de opções alternativas no calendário “cultural” local. Ou é isso ou eu entendi muito mal o que foi dito – e aí “não tem culpa eu”, já que, repito, as letras não vieram impressas no encarte. E deveriam ter vindo.

Um grande resgate. Para ser ouvido, curtido e, quiçá, estudado.

por Adelvan

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quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Babalu saves

Babalu, Gandhi, Silvio e Ivo
“Inanição”, último disco lançado pela Karne Krua, banda de rock sergipana há mais tempo em atividade ininterrupta – desde 1985! – é fruto de um momento de transição. Foi gravado por Silvio(vocal), Thiago “Babalu”(bateria) e Alexandre Gandhi(guitarra e baixo). Depois a banda passou por sua mais importante reestruturação: Babalu foi morar em São Paulo e Adriano ficou em seu lugar. Completaram a formação com a entrada de Ivo Delmondes, da Renegades of punk – e ex-xreverx e Triste Fim de Rosilene – no baixo. Estão juntos até hoje – cerca de 7 anos. Viva, ativa e surpreendendo a cada apresentação. E prestes a lançar um disco que, a julgar pelo que ouvi até agora, pode até mesmo superar "inanição" ...

O disco já havia sido lançado de forma inusitada: foi executado com transmissão ao vivo pelo programa de rock, direto dos estúdios da Aperipê FM, a rádio pública do estado. Mas não houve um show de lançamento, propriamente dito. Aproveitando uma passagem de Babalu por Aracaju para tocar com o pernambucano Siba – ex-Mestre Ambrósio – tiveram a idéia de fazê-lo, finalmente.

Cheguei na Casa Rua da Cultura por volta das 23H30, a tempo de ver a Robot Wars executar a última música do seu set. O ambiente estava preocupante: pouca gente, público ligeiramente apático e desanimado. Haviam rumores de um boicote à casa por conta de alguns acontecimentos anteriores envolvendo polícia e agressões a ex-integrantes da Companhia de teatro que administra o espaço. Mas, aos poucos, pessoas foram chegando, o clima foi melhorando e os boatos não se confirmaram.

O show seguinte, da Nucleador, continuou meio frio, mas não por culpa da banda, que mandou ver em seu crossover matador com uma execução precisa. O público é que continuava um tanto quanto distante. Algumas rodas de pogo, ainda que tímidas, foram esboçadas, mas não havia muito a ser feito, já que o principal “animador” da bagaça, Levi, estava ocupado fazendo seu trabalho nos vocais. Ele é, aliás, um dos destaques da banda, em termos de perfomance de palco, inclusive. Fizeram um set energético e enxuto – com direito a covers do Pennywise! - que, no final das contas, parece ter aquecido o ambiente.

Porque na apresentação seguinte, da Crimes Hediondos, o clima já era outro. O grupo, formado por alguns veteranos da cena punk/crust/grind da cidade – Cícero “Mago” na bateria, Pedro na guitarra e Mazinho no contrabaixo – escudados por um “seminovato”, Alércio, nos vocais, faz um Hard Core “old school” porradíssimo, pendendo para o crust – para que o som fosse definitivamente “crust” os vocais teriam que ser mais “guturais” ou gritados, mas o de Alercio está mais para uma vocalização mais limpa. Agressivo, meio desesperado até, é verdade, mas entende-se a pronuncia, o que não é muito característico do crust. Sua presença de palco, alíás, é excelente, com alguns trejeitos corporais bem característicos e uma entrega evidente à tarefa de espalhar a mensagem de caos, desordem e desgraça. A perfomance da banda, como um todo, é muito boa e incendiou de vez a platéia. Um aquecimento perfeito para o que viria a seguir ...

O que veio a seguir foi, provavelmente, o melhor show da Karne Krua que eu já vi – e olha que eu já vi muitos, mais que ele mesmo, disse Silvio – exagerando, evidentemente – naquela mesma noite. Dizem eles – e eu não tenho porque não acreditar – que fizeram apenas um ensaio para esta apresentação. Não parecia. Babalu, o único elemento que, a principio, poderia estar “enferrujado” na engrenagem, estava perfeito. Mais que perfeito, eu diria até. Incrivelmente perfeito. Todos ficaram impressionados com sua perfomance, absolutamente matadora. Velocidade, agilidade e habilidade fora do comum. Impressionantes os arranjos que ele fez para alguns dos sons mais toscos do início da carreira da banda, como “terrorista”, que eles tocaram depois de executar, na ordem e quase que na íntegra, o álbum “inanição”. Acho inclusive – e tive a chance de externar minha opinião lá mesmo, surrupiando o microfone do backing vocal – que, já que ele não vai mesmo ficar em Aracaju, deveria tentar entrar no Slayer. Só ele substituiria à altura Davi lombrado...

O público reagiu: foi uma verdadeira celebração da energia libertária do punk rock, do rock and roll e da anarquia. Verdadeiros hinos, como “Subversores da ordem”, "O Vinho da História", "Contaminados", e “neoclássicos”, como a matadora “inanição”, foram cantados a plenos pulmões pela platéia extasiada. Uma noite absolutamente memorável, inclusive pela presença, em certos casos inusitada, de vários ex-membros da banda, como Antonio “Almada”, o primeiro baterista, que há tempos eu não via num show de rock por aqui.

Lamento por quem perdeu.

A

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