sexta-feira, 27 de junho de 2014

panço, "tempos"

Um esporro apocalíptico explode nos auto-falantes para logo em seguida se esparramar num pianinho esperto a la “epic”, do Faith No More. É “Blood Secret”, faixa de abertura de “tempo”, primeiro disco solo de Panço – ex-guitarrista do Jason, Soutien Xiita, Cabeça e ET cétera. O vocal principal, gritado e desesperado, é feminino, e a letra é em inglês. O mesmo vale para a segunda, “sincerely”  – com Emily, da revelação potiguar “Far From Alaska”. Essa é menos “esporrenta”, mas não menos intensa. Ótimos riffs ...

A terceira tem uma melodia mais linear e um vocal discursivo. A letra, um poema em português, é declamada por Haroldo Paranhos, do Maguerbes. Termina no mesmo ritmo em que começou, sem refrões. Não é “pop”.  Quase a mesma estrutura da faixa seguinte, também cantada em português, só que por outro colaborador, Kaio Iglesias. Não é uma repetição, no entanto: a musica tem uma dinâmica diferente, com mais variações de ritmo e um teclado muito bem colocado que cria um clima sofisticado. O disco, na verdade, vai demonstrando ter uma unidade impressionante. É quase conceitual, no sentido de que as faixas fazem mais sentido quando ouvidas juntas. Um álbum, realmente. Uma coleção de canções que parecem ter sido feitas para estarem enfileiradas uma atrás da outra.

Ive Seixas conduz com um vocal elegante “A Busca”. O arranjo é primoroso – o teclado continua lá, entre camadas de guitarras e uma condução precisa da cozinha, comandada por David Oliveira (baixo) e Fabio Brasil (bateria). E o disco vai aos poucos crescendo em intensidade, com Larry Antha cantando “Josué”. Guitarras mais “na cara”, encorpadas. Guitarras que explodem de novo nos alto-falantes na faixa seguinte, “Broken Heart”. A estrutura é circular, pois voltamos ao início, com um som mais “Hard Core” e os vocais gritados pela mesma Karina Utomo da faixa de abertura.

Então temos algo mais melódico, sem perder o peso, cortesia de Gabriel Zander. Cada colaborador deixa sua marca: a faixa seguinte, “Pode crer que a gente é bem sertanejão”, tem, desde o título, a cara de seu autor, Quique Brown, herói punk non sense da Leptospirose. O elo de ligação, o fio condutor de tudo, no entanto, é o Panço. Ele é, a principio, o autor de todas as músicas – com as co-autorias creditadas abaixo, na ficha técnica que me foi permitido, gentilmente, reproduzir – e elas têm a sua marca. Muito por conta disso, o disco apresenta uma espécie de unidade nascida da diversidade. O que contribui para que o resultado final ganhe muito em originalidade.

Karina Utomo parece ter sido escalada para comandar o esporro e volta com tudo na faixa 10, “Far Right”, de apenas 46 segundos. É seguida por outra com um ritmo bem mais cadenciado, sem letra, mas com vocais “viajantes” de Nancy Viegas.  Tudo termina com “Uma vez mais”, letra de Cesar Mauricio cantada por Kaio Iglesias.

O resultado final impressiona e você poderá conferir em primeira mão hoje, no programa de rock, que executará pela primeira vez, com exclusividade, o disco inteiro, tocado na íntegra, na sequencia em que foi concebido. Você poderá, inclusive, cantar junto, pois as letras estão reproduzidas abaixo, junto com a ficha técnica deste impressionante trabalho solo/colaborativo. With a little help from his friends.

Leonardo panço é gente que faz ...

por Adelvan k.

Tempos

Todas as músicas por Leonardo Panço, exceto 3 (Panço, Dave e Fábio Brasil), 5 (Panço, Fábio Brasil, Dave e Henrique Geladeira) e 11 (Panço, Dave, Pedro Schroeter e Nancy Viégas)

Guitarras em todas as faixas por Panço - gravadas no Estúdio Dosol em agosto de 2013 por Henrique Geladeira, exceto guitarra do lado esquerdo na faixa 7 gravada no Estúdio Mobília Space por Lisciel Franco em agosto de 2013

Baixos gravados por Dave D´Oliveira (David David) e baterias por Fábio Brasil (1,2,3,4,5,6 e 8) e Pedro Schroeter (7, 9, 10, 11 e 12) no Estúdio Mobília Space por Lisciel Franco em agosto de 2013

Arranjos: Panço, Dave, Fábio Brasil e Pedro Schroeter

Marcelo Gomão - guitarras e big muff (lindos e perfeitos) em todas as faixas, exceto faixa 7
Gravado por Adriano Leão "Altovolts Rules" em Boa Vista Sessions no Estúdio Pântano - Recife, PE em 2014
Guitarras produzidas por Marcelo Gomão e Adriano Leão

Henrique Geladeira - guitarra contínua e difícil na faixa 3, guitarra lindona no meio da faixa 5 e teclados tipo Legião Urbana na faixa 4 - tudo gravado no Estúdio Dosol em agosto de 2013

Faixa 1 - voz por Karina Utomo - gravada em Easey St, Collingwood VIC, Melbourne - Austrália por Tom Lyngcoln
Gritos do apocalipse por Heron Uzomi no Estúdio Superfuzz - gravados em março de 2014 por Gabriel Zander
Piano gravado por Lucas Wirz em março de 2014 em Basel/Suíça

Faixa 2 - vozes por Emmily Barreto e Cris Botarelli gravadas por Henrique Geladeira em Natal, RN - 2014

Faixa 3 - vozes gravadas por Haroldo Paranhos - Magüerbes - no Glenwood Place Studios por Jacob Dennis - Los Angeles, EUA em maio de 2014

Faixa 4 - voz por Kayo Iglesias gravada no Estúdio Audio Rebel em Botafogo, RJ, por Matias Conejo em abril de 2014

Faixa 5 - voz por Ive Seixas - gravada no Estúdio Casa em Volta Redonda-RJ por Leandro Tolentino em março de 2014
Teclado por Gabriel Arbex gravado no Estúdio Superfuzz em maio de 2014 por Gabriel Zander

Faixa 6 - voz por Larry Antha - gravada no Estúdio Superfuzz em março de2014 por Gabriel Zander

Faixa 7 - voz por Karina Utomo - gravada em Easey St, Collingwood VIC, Melbourne - Austrália por Tom Lyngcoln

Faixa 8 - voz por Gabriel Zander - gravada no Estúdio Superfuzz em maio de 2014 por Gabriel Zander

Faixa 9 - voz por Quique Brown - gravada no Estúdio Sweet Home em Bragança Paulista, SP, em 2014 por Matheus Canteri
Coro: Quique Brown e Matheus Canteri

Faixa 10 - voz por Karina Utomo - gravada em Easey St, Collingwood VIC Melbourne - Austrália por Tom Lyngcoln

Faixa 11 - vozes, caxixi e berimbau por Nancy Viégas
Gravado no Estúdio Casa das Máquinas por Tadeu Mascarenhas em março de 2014 em Salvador-BA

Faixa 12 - metalofone e voz gravados por Kayo Iglesias no Estúdio Superfuzz por Gabriel Zander em março e maio de 2014
Vozes psicodélicas ao fundo por César Mauricio - gravadas em BH - 2014

Produzido por todos que ajudaram

01- Blood Secret (Panço e Karina Utomo)
02 - Sincerely (Panço e Emmily Barreto)
03 - Vê algo, fala algo (Panço, Dave D´Oliveira, Fábio Brasil e Haroldo Paranhos)
04 - Desorgulho (Panço e Lucas Wirz)
05 - A busca (Panço, Dave D´Oliveira, Fábio Brasil e Ive Seixas)
06 - Josué (Panço e Larry Antha)
07 - Broken Heart (Panço e Karina Utomo)
08 - Willpower (Panço e Gabriel Zander)
09 - Pode crer que a gente é bem sertanejão (Panço e Quique Brown)
10 - Far Right (Panço e Karina Utomo)
11 - Tempo Templo (Panço, Dave D´Oliveira, Pedro Schroeter e Nancy Viégas)
12 - Uma vez mais (Panço e Cesar Mauricio)

Blood Secret (letra: Karina Utomo)

You've got a bloody secret
Kept their worries at bay
Did it for the masses
Did it for you babe

Turn your back and look down
Fall into your grave

No one will learn
Not without truth in history

No, no one, no


Sincerely (letra: Emmily Barreto)

The lights are off, I can't see a thing from here
Regret is not a thing that I usually feel, but that's me
Oh, you didn't listen to any single word I said
And baby, now I regret, I regret I even woke up

You can't blame me for doing the things I've told you I'd do
Our lives are not one, I think you've noticed
Don't push me down, I know what I want, It's not you
So wash your mouth and stay out of trouble

See how ugly it is to reveal the real you?
See how ugly it is to speak the truth, the real you?

Yeah, Yeah.. Just pick your direction
Yeah, Yeah.. I'm proud of myself


Vê algo - Fala algo (letra: Haroldo Paranhos - Magüerbes)

se teu preço é um vicio,
se tivesse um motivo…
se o tormento que traz
te toma tanto tempo e acorda
pra meus versos
e se ao meu ver tudo isso me fez
e com isso sim,
se eu peço pro bem
porque esse é o fim
eu tento mais
eu sei quem cobra
e peco às vezes
sem pensar, sei
meu deus quem mais?
se o mesmo tempo que te traz
dizem que fica pra traz
e vejo. se eu perguntei porque sei
eu queimo tempo que tenho
te pego como um filho
e amo sempre
mesmo que incomoda,
se tô devendo
como? sei, vai ser foda
e te digo que me preparei
se eu faço
tudo pra te entender
se eu fiz quem faz mais?
se eu fiz com o que sobra…
mesmo sofrendo
não te incomoda
você sabe mais que eu também quiz
e todos sabem
nao há mal em ser feliz
eu tô bem vivo
e me declarei
se eu também danço e caço
e quando ou quanto eu viverei?
te digo mesmo em paz
sendo assim
meu deus dá mais
te agradeço sempre que possível
se eu pego fácil com uma fonte precisa
pois sei quem dá mais
eu sei quem te cobra
mesmo que atento
nunca me conta
mesmo que teme, eu cansei
se em teu universo eu descansei
eu sei que é assim
entre o vento que sopra mais
e o sedento que sangra e faz

Desorgulho (letra: Lucas Wirz)

Se atropelando
Pulando, pisando por cima da própria cabeça
Se transformando num quadrado sem lado
Torto triângulo redondo
Girando em círculos
Capotando em cinco respirando a mesma história riscada
dia a dia sucumbindo
se afundando num poço raso fundo
e desde então
sobrando, escorrendo
correndo, procurando
encontrar razão sem vazão pra tanto tiro de pólvora já morta
que jaz um pensamento viciado de tanto dar corda
e sentir a mola estourar
e o tempo escraquelar do fundo de um vulcão
derrentendo, dizimando, transformando em fumaça, fuligem
toda dureza em liquideza
Olho torturado, sai
Deixando o tiro pra depois
Nããããão!!

Destruição renascimento
uma parede sendo erguida dos escombros de um alicerce antigo
fadado a ser não mais que um fardo a moradia, a uma casa de portas abertas
que convidam o mergulho orgulhado a se retirar
reiterando, trazendo de volta, convidando
um sem fim de novas possibilidades

A busca (letra: Ive Seixas)

Quando me viu pela última vez,
costumava fugir, costumava esconder
Confortável, negligenciando sonhos, difundindo abandonos, consentindo com esses planos
estranhos, conspiratórios e inconscientemente desequilibrando

Quase sumir, quase desaparecer, sabotar a si
mesmo, anular, como se por merecer, não se permitir crescer

Quando as nuvens se afastam e o azul reage,
tudo muda na cidade, tudo muda nessa idade,
tudo muda...

Daqui pra frente, contemplando o horizonte,
buscando o que está adiante, mesmo que esteja distante
Sem hesitar, vou de encontro ao indefinido
Agora que estou mais forte, vou sentindo a boa sorte
chegando, se espalhando e acalmando a tempestade

Quando me vir pela próxima vez, não vai nem acreditar...


Josué (letra: Larry Antha)

Escovo os dentes três vezes ao dia
Mas você não quer me beijar
Escrevo livros, não vivo, não durmo
Sem você, não sei respirar
Eu ajustei minha hipocondria
Nas cervejas que deixei de comprar
Vejo suas fotos: tristeza, alegria
É tudo que eu não posso tocar
Será? Que tudo vai ficar como está!
Será? Que tudo vai recomeçar!
Agora você vem me dizer
Que não quer me ver
Que não quer meu jantar
Agora você vem me dizer
Que tem medo de mim
Ora vá se danar
Agora você vem me dizer
Que tem medo de mim
Ora vem me beijar
Agora você vem me dizer
Pra eu ficar calmo, pra eu relaxar

Broken Heart (letra: Karina Utomo)

I've got a broken heart
My bones aching from my guts
Tell me tell me tell me tell me tell me tell me tell me
What is right?

Cut/Refine it into dust
Haze/So true/Refine it into dust
Haze/So true/Refine it into dust

Haze/So true/I've got a broken heart


Willpower (letra: Gabriel Zander)

We're facing troubles once again, and you know
These scars are storytellers as you may have wondered
How many times we had to be here at this point of no return
It's up to you to fall or lift

And we know, I would say
We're fighting a battle
With no guns
With no shells
We're just believers
Every time you're left behind
I know you'll climb another time

Everyone should find their way
It's not fair to blame and never was

To deal
To breathe
To stop complaining and to do

To deal
To breathe
To stop complaining and to start


Pode crê que a gente é bem sertanejão (letra: Quique Brown)

O papel estava no cavalo
E eu entrei em Paraisópolis no Burro Preto
Apeei só de meia no banheiro (municipal/público)
Depois de um almoço com o Pedro Bento
E três dias na terra com o Zé da Estrada

Podre crê que a gente é bem sertanejão
Pode crê que a gente é

Far Right (letra: Karina Utomo)

Feel my right hand
Slap your ideas back into
Feel my right foot
Kick your head into the ground

This is it!
This is it!

Here is a knife
Here is a gun
Power to you son
Nowhere to run

This is how we get our answers
This is how we get it done
(March with your right foot into the ground)
This is how we get it done


Uma vez mais (letra: Cesar Mauricio)

Sinais e ruas
carros nas ruas
todos nós por ai
homens e mulheres
esquinas e flores. Você.
Nossos desprezo e pares
Tantas danças para que?
vitrines sorrisos animais
nós e a rua, você...
uma vez mais nós dois nessas curvas
os sinais e as flores, Voce
Não entendo os sinais
carne osso e mais
alguém que no banco
de trás sussurra
a vida que arde ao sol
sem flores mil sinais
avenida que se alarga e entope o ar de gás!
Pobre ruas e nós homens e as mulheres
vitrines mentiras animais.
E nós e as ruas uma vez mais...

quarta-feira, 25 de junho de 2014

Rafael jr.

(Vinnas) Conheci você no final dos anos 90 tocando sons indie com a Snooze, hoje no entanto você é dos músicos mais ativos e ecléticos da cena sergipana, tocando jazz, rock, freelancers etc. Como se deu essa metamorfose e a que você credita sua credibilidade e versatilidade atuais? 

(Rafael) As coisas não acontecem da noite pro dia, foi um processo que durou muito tempo, a longo prazo mesmo. Foi difícil, no início, me dissociar da imagem de “rockeiro” ou “baterista da Snooze”. As pessoas não me chamavam pra tocar. A primeira oportunidade que tive de tocar música popular veio com a Maria Scombona em 1995, eu era muito “duro” ainda e tinha dificuldade de tocar ritmos do Nordeste e com dinâmicas mais baixas... Depois vieram trabalhos com Joésia Ramos, Nino Karvan, Alex Sant´anna, bandas de cover que tocavam no Tequila Café, etc. E aí veio a Sulanca, que me ajudou muito. Paralelamente, eu tocava música clássica com a Orquestra Sinfônica, e tudo isso junto foi me dando um certo background pra atuar de forma consistente em diversos “ramos”, digamos assim. Outra coisa que ajudou muito foi tocar em barzinho com dinâmica baixa, acompanhando cantores de MPB com vassourinhas (o mais constante foi Eddy Felix, durante uns 2 anos no Teimonde, todo sábado). O jazz veio depois, há menos de 10 anos pra cá, e foi outra nova escola pra mim. A versatilidade vem disso tudo aí “junto e misturado”. Sobre credibilidade, acho que vem da seriedade com o trabalho, do bom relacionamento com as pessoas, etc. Procuro cumprir todos os horários e compromissos da melhor forma possível, procuro manter a comunicação fácil e fluida, procuro respeitar todos os colegas de profissão... São regras básicas de convivência, que aliadas ao fato de fazer bem os trabalhos, geram essa tal credibilidade a que você se refere. 

Quais as influências de Rafael Jr.? Na bateria e na Música em geral?

São tantas que não dá pra listar tudo. Como baterista eu me divido em vertentes, de acordo com o que toco e ouço. Meu início foi no rock e Neil Peart era a principal referência, hoje me vejo cada vez mais distante desse tipo de “super baterista”, técnico e virtuoso, apesar de admirar muito. Então cito sempre o que ficou em mim, que é o estilo mais básico e ao mesmo tempo explosivo de Ringo Starr, John Bonham, Keith Moon e Carmine Appice, autor do método que estudei no início e que ainda uso pra dar aula a iniciantes. Num outro campo, os bateras de jazz que ouço mais são Buddy Rich e Gene Krupa, ainda são atualíssimos e impressionantes. Na música brasileira, gosto de samba jazz (Edison Machado, Milton Banana, Dom Um Romão, Rubinho Barsotti, Wilson das Neves, Airto Moreira, Robertinho Silva) e preciso citar Paulinho Braga e Nenê como pilares da bateria moderna brasileira, em trabalhos que devem ser ouvidos com gente como Hermeto Paschoal, Egberto Gismonti, Elis Regina, João Bosco e Milton Nascimento. Uma última vertente, que entrei de cabeça nos últimos 10 anos, é a soul music, e ouço basicamente os caras que tocavam com James Brown (Jabo Starks e Clyde Stubblefield), bateristas das gravadoras Motown e Stax (Al Jackson Jr), etc. Outros que tenho ouvido muito nos últimos 5 anos são Zigaboo Modeliste (The Meters) e o nigeriano Tony Allen, que tocou nos discos de Fela Kuti e inventou o “afrobeat”.

Ao mesmo tempo que citei todos esses bateristas, digo que ouço música sem pensar especificamente na bateria, mas em termos gerais. Normalmente esses caras estão envolvidos com grandes artistas e compositores, produzindo ótima música com sutileza, groove consistente e/ou idéias simples ou originais. Gosto de coisas básicas e cruas também, ainda ouço punk rock! Um de meus artistas prediletos é o Elvis Costello, e as pessoas que tocam comigo também me influenciam (Alejandro Habib, Saulinho Ferreira, Robson Souza, Fabinho Snoozer e tantos outros). Meus professores também me influenciaram: Wallace Patriarca, Tony Batera, Carlos Ezequiel.
Faça um histórico de Rafael Jr: como despertou o interesse pela Música, com quem estudou, por quais bandas passou, etc.

Eu sou de 73, e no fim dos anos 70 e nos anos 80 ouvia-se muita música boa em minha casa, era cheio de vinis de Caetano, Chico Buarque, Gil, Elis etc. Aquelas coleções de MPB da Abril, tinha tudo lá, caixas e mais caixas. Cresci ouvindo isso, e também ouvindo minha mãe cantar nas serestas familiares com meus tios (um deles é Beatlemaníaco e nos aplicou os fab four em 1986 gravando coletâneas em fitas cassete). Acompanhei o “boom” do rock nacional e gostava de Titãs, Legião Urbana, IRA e Paralamas, fazia “air drum” e rasgava sofás no fim dos anos 80, batucando. Nessa época eu já me interessava pelo “subterrâneo” lendo a revista Bizz e buscando bandas como Finis Africae, Fellini, Violeta de Outono, De Falla, etc. Aí uns críticos começaram a falar de bandas britânicas e americanas ali pelo fim dos anos 80 e eu só fui ter acesso comprando discos na virada da década de 90, colecionando vinis de Jesus & Mary Chain, Husker Du, Pixies, Sonic Youth, Cocteau Twins, etc. Essa “fase indie” não passou, hehehe, gosto de tudo isso e ouço até hoje, mas fui retomando as coisas antigas da MPB e descobrindo novos sons, ouvindo folk, jazz, algo de música clássica e depois soul music. Ouvindo, lendo, pesquisando sempre.

Uma namorada me levou até a academia de música Carlos Gomes em 1991 e lá estudei um pouco com Valdeleno, que era baterista da Karne Krua e me levou num ensaio. Tomei contato com a cena local e comprava discos na Lokaos de Silvio (hoje Freedom). Depois entrei no Conservatório e estudei com Wallace Patriarca, um pernambucano que passou cerca de 10 anos por aqui e hoje está na Sinfônica de Goiânia. Ele tinha sido aluno de Antônio Barreto e de Luiz Anunciação, o Pinduca, sergipano radicado no RJ e aposentado da Sinfônica Brasileira, além de regente de orquestras na Globo (faleceu recentemente). Ali foi a grande escola, 3 anos estudando sério, até ele ir embora e me deixar pronto pro concurso da ORSSE. Paralelamente fiz aulas particulares com o incrível Tony Batera, que não tinha nem formação nem didática, mas uma grande experiência de vida e dedicação ao instrumento. Me ensinou a tocar ritmos latinos e brasileiros, e tivemos uma grande amizade. Eu ando preocupado porque soube que ele está doente, sem trabalho, mas não tenho muito contato. Ele tem uma fama de “doido”, mas pra mim é um ser humano sensível e que não teve muitas oportunidades e orientação na vida. Ele não aceitava o dinheiro das aulas, eu levava peles, baquetas, vassourinhas... Ele ficou amigo do meu pai, tinha uma relação além de professor-aluno.

Nessa época (início dos anos 90) toquei numas bandas de rock pesado com Hugo Leonardo Ribeiro e depois formei a Snooze com meu irmão, que está aí até hoje. Sobre as bandas que passei já falei antes, e depois fui tentando participar de todos os cursos e workshops possíveis, foram muitos! Fiz umas aulas avulsas com Carlos Ezequiel (alagoano formado na Berklee, professor do Souza Lima em SP) e tentei retomar o conservatório recentemente pra estudar xilofone com James Bertisch, multi-instrumentista curitibano que toca na ORSSE, mas não tô conseguindo arrumar tempo, mesmo depois de formado! Fiz aulas com ele na UFS (na disciplina de percussão), participei de trabalhos com a direção musical dele (Sescanção, CD de Heitor Mendonça), é outro amigo recente e hoje ele ainda é meu sub de bateria no Quarteto Clube do Jazz, além de fazer uns shows com o Ferraro tocando teclados!

Todos os músicos que tocaram comigo na Sulanca destacam a experiência como muito relevante, mormente a turnê pelo estado de São Paulo. Qual o impacto que a banda teve em sua formação (e continua tendo, já que você ainda é integrante)?

Todos os trabalhos que me envolvo são importantes e de alguma forma aprendo algo novo, mas na Sulanca foi algo sem precedentes, até aquele período (1998 ou 99, eu acho). 
Conhecer a fundo a cultura popular sergipana foi uma forma de me conhecer melhor. Aprender cada fraseado de percussão de cada uma das inúmeras manifestações folclóricas existentes no Estado me abriu horizontes, me fez um músico melhor, com um vocabulário ritmico mais abrangente também. E aquela experiência nenhuma faculdade vai trazer, é a música do nosso povo transmitida pela oralidade. Me sinto agraciado por aquelas informações terem chegado até mim. Fora isso, toquei com grandes músicos na banda, a exemplo do falecido Gilson Batata (baixo) e os percussionistas Pedrinho Mendonça e Ton Toy. Aprendi e aprendo muito com eles, e também com Jorge Ducci, o idealizador de tudo. Infelizmente não há uma continuidade no trabalho da forma que eu gostaria de ver, a banda está muito afastada do cenário atual, e isso é uma pena.  

Seu TCC (nota: Rafael é formado em Música pela UFS) aborda o início das gravações fonográficas em Sergipe. Por que abordou o assunto, considerando a relativa decadência atual da mídia gravada em detrimento de Internet, MP3, youtube, pirataria etc?


Abordei o assunto por uma questão de paixão pessoal mesmo, já que sou apreciador e colecionador de discos desde os tempos do vinil, além de atuar em gravações em nosso pequeno mercado. O foco na verdade é a comparação entre produções locais nos anos 1980 e nos dias atuais, independente de formato. Mas tive que fazer um retrospecto do início desse processo de produção fonográfica por aqui, através de pesquisa com fontes orais, algo que foi muito pouco abordado até então, com exceção para o historiador Luís Antônio Barreto, já falecido. Cheguei a entrevista-lo, e mergulhei em seus artigos para o portal infonet. Quem tiver interessado em ler o trabalho, está disponível pra baixar em pdf aqui, depois da entrevista, ou no site da OBSCOM, da UFS (do pessoal que produziu o Catálogo da Música de Sergipe). O título da monografia é “O FENÔMENO FONOGRÁFICO EMARACAJU: UMA ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE DISCOS PRODUZIDOS NA DÉCADADE 1980 E NA ATUALIDADE”. 

Falando em TCC, o seu se utiliza de linguagem acessível, sem perder o conteúdo e o rigor dos trabalhos acadêmicos. Parabenizo-o e gostaria que você falasse mais sobre os percalços que enfrentou para produzir trabalho tão significativo quanto inédito.

Obrigado pelas palavras, você foi um dos primeiros interessados em ler o trabalho, quando eu ainda estava produzindo, e agora continua colaborando com a parte da divulgação. Os percalços foram o de qualquer trabalho acadêmico, tem que ralar e correr atrás das informações, tem que dispor de tempo e dedicação, tem que adequar o conteúdo às regras acadêmicas. Meu problema pessoal foi conciliar a feitura do TCC com minhas atividades de músico e pai de família, foi difícil e por isso mesmo demorei mais de 1 ano e meio pra concluir, depois de acabar todas as disciplinas do curso de Música da UFS em 4 anos... Contei com a orientação e paciência do professor João Liberato, que ajudou muito, mas não tem jeito: é você que tem que ir lá e escrever! Outras pessoas que ajudaram e preciso agradecer: o professor e amigo Hugo Ribeiro, a colega Kadja Emanuelle e os artistas que entrevistei: Julico (The Baggios), Rubens Lisboa, o pessoal do Cataluzes, Paulo Lobo, Lula Ribeiro e Alcides Mello, entre outros. Todos foram solícitos em conceder seu tempo, informações e material. 

Você teve atividade relevante no mundo dos Fanzines, continua produzindo material escrito, afora TCCs?

Fiz fanzines entre 1995 e 1999, depois colaborei um tempo escrevendo em outros zines, em blogs e sites de música Brasil afora, e no jornal local Cinform, onde eu tinha uma coluna durante um tempo. Ainda recebo discos mas não escrevo muito, vez ou outra faço um post no Facebook sobre algum disco independente que gostei e que acho que merece uma maior divulgação, uma espécie de resenha sucinta. Parei mais de escrever quando tava virando uma obrigação, ficou chato. Além do mais as pessoas estavam começando a me chamar de "crítico musical”, aí eu fugi mesmo! hehehe. 

Você graduou-se na Faculdade de Música quando já contava com uma carreira bem estabelecida na cena Sergipana. O que levou você a encarar a Academia e o estudo formal? De que maneira isso agregou à sua formação? 

Eu fiz Administração nos anos 90 e não concluí, optei pela música “full time” e mantive um compromisso pessoal de voltar à graduação apenas quando abrisse o curso de Música na UFS, já que eu estava preso a Aracaju por conta da família e de emprego formal (primeiro como músico da Orquestra Sinfônica e depois da Banda do Corpo dos Bombeiros). Eu já sabia da importância do estudo formal aliado à vivência prática da música popular, já tinha passado pelo Conservatório de Música, etc. Em 2007 abriu o curso, prestei vestibular e entrei na primeira turma. Eu já dava aula, mas não era “educador” (são coisas diferentes, e a maioria dos professores de bateria não entendem isso). Não tenho nem como citar tudo
o que agregou à minha formação e carreira. Primeiro que eu ACHAVA que entendia de música, mas eu entendia de “música pop contemporânea” e algo de teoria musical, principalmente rítmica. E só. Quando você estuda História da Música, e estamos falando de séculos de desenvolvimento da linguagem musical, vê que “o buraco é mais embaixo”. O que eu posso fazer é citar as disciplinas do currículo e recomendar a qualquer jovem que pretende ser músico (de verdade) a ingressar no curso: Estruturação Musical, Percepção Musical, Prática de Conjunto, Canto Coral, Prática de Regência, Metodologia do Ensino da Música, Fundamentos da Educação Musical, Etnomusicologia, Instrumento (flauta, piano, canto, percussão), Novas Tecnologias e Educação Musical, Música e Cinema, etc etc etc... Fora isso ainda temos o estágio prático ensinando em escolas do município e da rede estadual, os simpósios de educação musical e a produção do trabalho acadêmico, além do convívio com músicos de faixas etárias distintas, gente do rock, da música erudita, de igreja, de bandas filarmônicas, de banda de forró... Não tem como não tirar bom proveito de tudo isso!

Como você vê a cena da música sergipana atual? Me parece que assistimos a uma pujança nunca antes vista na história deste país do forró. Ou é só impressão? O que destacaria de prós e contras nesse novo status quo?

Não é impressão. A cena está mais diversificada, mais profissional, muito músico jovem bom, muita banda legal. E olhe que com o tempo nossos ouvidos ficam mais críticos, mas eu sou um entusiasta. O problema é que não tem espaço e público consumidor pra tudo, isso é normal. Então existe uma seleção natural e muitos desistem logo, sobram os que se dedicam de forma mais apaixonada e a longo prazo, fazendo discos e formando público dentro e fora de Sergipe. Quem chega por moda, vai-se logo. Às vezes tem muito “oba-oba” em cima de coisas pouco consistentes mas isso é normal, não é um fenômeno local. O “hype” tem em todo canto, faz parte.  

Quais foram suas experiências musicais mais relevantes? Show inesquecível, performance memorável etc?

Eu encaro com seriedade qualquer gig, pode ser um barzinho pra pouca gente, um pub, etc. É trabalho do mesmo jeito, e é diversão porque gosto do que faço. Inclusive eu prefiro tocar em local pequeno do que em palco grande. Em teatro, por exemplo, é ótimo porque as pessoas vão ali com o objetivo de ouvir música, não é uma “balada” com som de fundo. Vou tentar citar as experiências mais relevantes:

- Curso de 1 mês em Londrina/PR com o pessoal da UNESP, liderada pelo americano John Boulder, doutor em percussão (o cara foi aluno de Vic Firth, da sinfônica de Boston, um pilar da percussão erudita no século XX). Foi em 1994, 1 mês estudando o dia todo, de manhã e de tarde, e a noite a gente assistia concertos diversos. Gente do Brasil todo, muito conhecimento. Quando voltei, prestei concurso pra ORSSE e passei, fiquei lá de 1995 a 2002, quando fui pra Banda dos Bombeiros.
- Tours e shows em festivais pelo Brasil com a Snooze, de 1996 até 2006 principalmente. Destaque para duas edições do “Goiania Noise Festival” em 2002 e 2006. Fomos em todas as capitais do Nordeste (exceção para São Luís/Maranhão), shows em SP e Rio, etc. Nessa época passávamos na MTV (clip, entrevistas), não parava de aparecer show em todo lugar...
- Tour de 1 mês com a Sulanca em SP, pelo Sesc. 21 shows em 19 cidades, e você era meu parceiro de quarto e aguentava os roncos! hehehe. Foi em 2000.
- Apresentação com o pianista paulista Marcelo Bratke e o baterista Pantico Rocha (ele toca com Lenine, Maria Bethânia), no auditório do Conservatório de Música. Era um circuito do Banco do Brasil e eles contratavam percussionistas locais, fui lá com Pedrinho Mendonça e lembro que foi a primeira vez que recebi um cachê maior, mais digno (hehehe), era algo como mil reais hoje. Foi entre 2000 e 2002, eu acho. Um tempo depois vi no Jornal Hoje da Globo que o pianista levou esse show com sucesso ao Carneggie Hall em Nova York, com outros músicos...
- Os projetos “Circuito Escolar” e “Mundo Rock Interior” com a Maria Scombona, onde ministramos workshops em vários colégios e no interior do estado. Foi muito gratificante, acho que foi entre 2005 e 2007.
- Show com o compositor gaúcho Wander Wildner na Rua da Cultura. Eu ouvia o cara desde moleque, com a banda Os Replicantes nos anos 1980, e de repente eu tava acompanhando ele. E é um cara muito bacana.
- Curso de música de câmara e concerto de percussão no Teatro Atheneu com direção e regência do professor Antônio Barreto, da Sinfônica de Pernambuco e Conservatório Pernambucano de Música. Ele é formado na Suiça e virou um amigo, mas não tenho tido muito contato recentemente. Acho que foi entre 2006 e 2008.
- Concertos com a ORSSE entre 2009 e 2011, não mais como funcionário mas como contratado. Os mais relevantes foram com os maestros Michel Legrand (França) e Isaac Karabtchevsky, além da apresentação com a ORSSE no Festival de Campos de Jordão.
- As últimas 3 edições do Sescanção como integrante da banda-base (2009, 2011 e 2013), além do Festival Alumiar da Secult (2012), de composições inéditas de forró, acompanhando vários artistas.
- Lançamento do segundo CD da Snooze no EMES em 2002 e do segundo da Maria Scombona no Teatro Tobias Barreto em 2007.
- Vários festivais em Aracaju como o Rock-SE (1998), Punka, Festival de Verão, Verão Sergipe, Circuito Cultural Banco do Brasil, Prata da Casa, etc etc. Encontros culturais de São Cristóvão, Laranjeiras, Japaratuba...
- Festivais de música instrumental recentes, com o Ferraro Trio: Circuito BNB na Paraiba e Ceará, Feira Música Brasil em Minas Gerais e Feira da Música de Fortaleza em 2012. Produzimos shows legais aqui também, como o lançamento do DVD no Teatro Lourival Batista.
Acho que é isso, é o que lembro. No mais, todo fim de semana a gente tá por aí nos pubs e bares e eventos... 

Você tem composições de sua autoria? O que acha do eterno embate entre cover vs. Música autoral?

Minha participação é efetiva em arranjos, em todas as bandas, com várias idéias de intro, convenções, finais, estrutura ou de grooves primários onde algumas músicas são compostas em cima, a partir deles. Estudei o básico de piano, canto e solfejo mas não componho nada. Quando assinei composições foi na Snooze, mais pela coisa de banda mesmo, do tipo: todas as músicas do Black Sabbath são de Iommi-Osbourne-Butler-Ward, mas é claro que isso é um acordo!

Sobre música cover, sempre existiu e sempre vai existir, não adianta ficar “bradando” contra isso, e o cover não “acaba” com o autoral, isso é uma bobagem, tem espaço pra tudo. São coisas distintas, caminhos diferentes. Tem gente que sente necessidade de compor, tem gente que gosta de copiar e se divertir, qual o problema? Eu toquei numas bandas cover e aprendi com isso (principalmente com A Fábrica, que tinha uma agenda sempre movimentada), ganhei algum dinheiro, desenvolvi essa coisa do músico profissional, etc. O único problema, ao meu ver, é você tocar cover de graça! Porra, se eu vou tocar música de rádio pra um monte de gente ter diversão numa casa noturna, pagando ingresso pra isso, porque fazer isso de graça ou cobrando pouco? Isso eu não entendo, e aí vem aquele velho problema do “músico de fim de semana” de alguma forma tirando trabalho do músico profissional. É um mercado de entretenimento, e tem que gerar grana pra banda, pros músicos. Mas não há muito o que fazer, é uma discussão velha e não é algo local ou provinciano. O Coverama é muito criticado mas é um atrativo e tanto pra quem está começando: você vai tocar numa estrutura boa de som/palco/luz, pra um monte de gente e amigos, vai ‘brilhar” e postar fotos no Facebook etc, então não dá pra criticar esses adolescentes que participam né? De alguma forma o festival movimenta o mercado de instrumentos musicais, de estúdios de ensaios, etc. Eu mesmo tive muitos alunos que me procuravam por causa do coverama... O festival não serve pra mim, mas é perfeito pra quem tá começando. E pro empresário que idealizou tudo. Se isso vai inibir a vontade da garotada criar algo autoral, eu não sei. Sei que tem muita gente interessada em conhecer o trabalho de quem cria algo próprio, e pra esses é que devem estar reservados os espaços em festivais de música, editais, etc. 

Quais seus projetos musicais atuais? O que empolga o artista Rafael Jr. no momento?

Tenho me dedicado mais à música instrumental, sem deixar os outros trabalhos de lado. Com o Quarteto Clube do Jazz, que é o Ferraro Trio com o saxofonista argentino Alejandro Habib, a gente toca standards, bossa nova, samba jazz e latin jazz. Há espaço pra improvisação, toco com dinâmicas baixas, tem muito arranjo de Habib e Saulinho com “tuttis”, tem composições próprias também, é bem legal. Com o Ferraro Trio consegui unir algumas paixões num trabalho só: jazz, rock e soul music estão ali bem distribuídos, ao meu ver. Saulinho é um compositor genial, sou fã. No mais, a Snooze tem tocado menos mas quer produzir o quarto disco. A Maria Scombona está parada mas em breve volta, e toco com um monte de gente que me chama. Sempre pinta trampo aqui e ali... Gostaria de gravar mais em estúdio, com mais constância. 

Mídia: onde podemos ouvir/ver Rafael Jr. na grande rede?

Não tenho um site próprio que condense tudo e resuma minha carreira. Um amigo de Salvador disse que eu preciso fazer isso. Tento utilizar o facebook pra manter os amigos atualizados e sabendo onde vou tocar, mas as coisas se dissipam no tempo-espaço, é muita informação ali rodando ao mesmo tempo, um mar de inutilidades também, e você precisa saber selecionar o que quer ler/ouvir/saber... O que fica é o currículo a longo prazo, tenho as informações registradas, pra quando é necessário. Tenho os CDs lançados, os shows feitos, os cartazes impressos ou virtuais, as aulas dadas, os certificados, e vou fazendo a minha humilde história de vida como um simples músico de uma cidade pequena. As informações, aqui nessa entrevista, vieram da memória mesmo. Acessando o youtube é possível encontrar vídeos de minhas bandas – Snooze, Maria Scombona e Ferraro Trio principalmente, que são as que produzem material autoral. Snooze e Maria Scombona possuem sites próprios (desatualizados), o Ferraro tem My Space, a Maria tem Soundcloud... 

Deixe uma mensagem para seus amigos, fãs, alunos etc.

Obrigado a todo mundo que acompanha algum dos meus trabalhos, ao pessoal que vai nos shows e ajuda a divulgar nosso som autoral. Esse espaço está sendo muito legal, valeu Vinnas. Eu respondia muitas entrevistas na época dos fanzines, mas era específico falando da Snooze, não tinha foco em minha carreira pessoal. Às vezes uns alunos de faculdade também me procuram para informações sobre o rock e a música em Sergipe, sobre fanzines, etc. E jornalistas, vez ou outra, querem saber minha opinião sobre a cena atual e bandas novas, ou algum festival que esteja acontecendo, etc. Falar de mim é diferente, gostei! hehehe. E eu já disse algumas vezes: meus “fãs” (não gosto muito da palavra) acabam virando amigos, são pessoas comuns que gostam das minhas bandas, que são pequenas, independentes, sem gravadora ou empresário. A relação é próxima, muitos acabam virando integrantes de bandas depois. Alguns ex-alunos também viraram “colegas de profissão” e tenho orgulho de muitos deles. Thiago Babalu e Bruno Silva, que estão em SP, Ch Malves que está na Paraíba, e Gabriel Perninha da The Baggios são alguns deles...

NOTA DO BLOG: O programa de rock tem o imenso orgulho de ter Rafael jr. como colaborador. Ele já se pôs à disposição para que, sempre que eu viaje ou não possa, por algum motivo, fazer o programa, o avise, que ele fará, caso tenha tempo disponível na agenda. Achei a oferta tão boa que a princípio nem levei tão a sério, mas depois de uma bronca quando eu viajei e não o avisei - ele soube apenas por uma postagem que fiz na página do programa no face avisando aos ouvintes que não haveria - me convenci que o negócio era sério! Resultado: 3 programas especiais, produzidos por esta grande figura, um verdadeiro patrimônio da musica sergipana. A última, com direito a entrevista ao vivo com a Renegades of punk! Queria muito ter ouvido ...

A entrevista acima foi conduzida por Marcus Vinnas.

Fonte: Blog do Vinnas 

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domingo, 8 de junho de 2014

40 Anos de "gita"

Qual o maior disco do pop-rock brasileiro? Venho pensando bastante nessa questão há uns três anos, quando comecei a trabalhar num livro sobre a explosão do pop-rock nacional nos anos 70. O livro sai em agosto. Depois de ouvir e reouvir dezenas e dezenas de LPs, descobrindo pérolas que não conhecia e redescobrindo discos que não ouvia há muito tempo, continuo voltando a “Gita” (1974), de Raul Seixas e Paulo Coelho. É inacreditável que essa obra-prima tenha sido lançada há 40 anos. Parece ter sido gravada ontem.

O LP estabeleceu um padrão de qualidade – de composição, ecletismo musical, produção, letras – que ninguém no pop brasileiro conseguiu superar. Toda vez que ouço alguém falando de como o manguebeat  renovou a música brasileira, promovendo a mistura de guitarras e ritmos nordestinos, só consigo pensar numa coisa: esse pessoal nunca ouviu Raul Seixas? Raulzito e Dom Paulete já haviam mostrado esse caminho 20 anos antes de Chico Science.

Como definir “Gita”? Rock? Forró? Repente? Brega? É tudo isso ao mesmo tempo. Tem rockabilly (“Super Heróis”), balada caipira (“Medo da Chuva”), repente (“As Aventuras de Raul Seixas na Cidade de Thor”), folk sinfônico (“Água Viva”), swing-jazz de boate (“Moleque Maravilhoso”) e bolero (“Sessão das Dez”). E isso era só o lado A.

O lado B era ainda mais embasbacante: começava com o hino “Sociedade Alternativa”, tinha violas caipiras melancólicas em “O Trem das Sete”, country-blues à Byrds com “S.O.S.”,  piano e violinos em “Prelúdio”, metais de soul em “Loteria de Babilônia” e, pra encerrar, uma orquestra de 62 músicos executando o momento sublime do pop brasileiro: “Gita”.

É inacreditável pensar que um disco tão sofisticado – produção de Mazolla, arranjos de Miguel Cirdas – e lançado pela poderosa Philips de André Midani, fosse, na verdade, uma carta de amor ao bruxo Aleister Crowley, o “homem mais temido do mundo” e criador da filosofia de Thelema. No ano – 1974 - em que mais discos brasileiros foram censurados, Raul e Paulo Coelho cometeram um LP transgressor, em que celebravam o homem que defendia o amor livre, as drogas e a liberdade absoluta.

Várias músicas do LP se tornaram clássicos do repertório de Raul e estão em coletâneas. Mas é preciso ouvir o disco inteiro e na ordem, para captar toda sua genialidade. Até as músicas que parecem mais calmas e “inofensivas” são uma paulada. A lânguida “Trem das Sete”, por exemplo, fala de um trenzinho que “vem trazendo de longe as cinzas do Velho Aeon”. E qualquer um que já tenha lido Crowley sabe que ele profetizou que seu reino seria o “Novo Aeon”, a era de Thelema.
“Loteria de Babilônia”, cujo título homenageava o escritor favorito de Paulo Coelho, Jorge Luis Borges, era uma espécie de biografia musicada de Crowley, contando passagens da vida do bruxo. E “Sociedade Alternativa” não poderia ser mais explícita em sua celebração a Crowley.

Faça um favor a você mesmo: pegue “Gita” na estante e ouça de novo, da primeira à última faixa. Preste atenção nas letras, nos arranjos e na qualidade da produção, e responda: alguém já fez um disco melhor que esse no Brasil?

por André Barcinsky

no Blog

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domingo, 1 de junho de 2014

The Jesus & Mary Chain

Foto por Rodrigo Sommer
Não dá pra negar que houve uma certa dose de decepção para os que foram ver o The Jesus & Mary Chain ao vivo no Memorial da América Latina domingo passado. Muito por conta da falta do peso e da distorção, que só deram as caras, e mesmo assim em níveis abaixo do que gostaríamos – creio que posso falar por todos os presentes, pelo menos os que conheciam a banda – no bis, quando tocaram uma seqüência de seu disco mais célebre e barulhento, o primeiro, “psychocandy”. Os demais contratempos já eram previsíveis: a perfomance sofrível de Willian – que não cantou, apenas tocou – ou tentou tocar – guitarra - e o mau humor de Jim, que chegou a interromper a apresentação por três vezes. A falta de entrosamento era evidente, mas a qualidade das canções e o simples fato de estarmos ali, em frente a uma bela estrutura – tá “podendo”, a Cultura Inglesa – montada ao lado da icônica mão com o mapa da América Latina sangrando diante de um dos maiores mitos do rock mundial, compensou o esforço de sair de casa – no meu caso, de muito longe – num domingo chuvoso. Chuva que deu uma trégua e recomeçou, por incrível que pareça, exatamente na hora em que eles começaram “Happy when it rains”! Um daqueles momentos mágicos que ficarão guardados para sempre na memória dos presentes ...

O show do jesus foi também, eu confesso, uma desculpa “de luxo” para passar alguns dias em São Paulo, nossa megalópole insana e frenética, entre amigos queridos, discos, livros e cinema da melhor qualidade. Dentre os muitos bons programas possíveis recomendo uma visita à Sensorial Discos (Rua Augusta, 2.389 – jardins), que tem um bom acervo de cervejas, CD´s e discos de vinil a preços convidativos num um ambiente aconchegante e ótimo atendimento. De lá você pode seguir para o número 2075 da mesma rua e pegar uma ou mais sessões no Cinesesc, que atualmente abriga em seu saguão uma belíssima exposição de fotografias com astros do cinema nacional. Lá vi dois filmes, um bom – “Hotel Mekong”, tailandês, de Apichatpong Weerasethakul, uma espécie de exercício estético semidocumental – e sobrenatural - filmado às margens do rio que separa a Tailândia do Laos – e outro ótimo: “Heli”, de Amat Escalante, brutal produção mexicana que merece um parágrafo à parte ...

A história, totalmente “Mundo cão” e muito bem contada, se passa numa cidade do interior do México assolada pela violência do narcotráfico. Violência que é escancarada na tela sem concessões, sem desvios de olhar. Gira em torno das conseqüências de um romance adolescente que desanda devido ao roubo de dois pacotes de cocaína desviados dos estoques apreendidos por um esquadrão militar, numa trama de vingança banhada em sangue. Absolutamente chocante, principalmente porque sabemos que é real.

por Adelvan - Abaixo, entrevista conduzida por Fabiana de Carvalho e publicada originalmente no g1.

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A história do rock britânico certamente seria muito diferente – e menos barulhenta – se os irmãos Jim e William Reid não tivessem criado, em 1983, o Jesus and Mary Chain. Sem saber tocar quase nada, mas com um talento nato para compor doces melodias e soterrá-las em paredes de guitarras distorcidas e muito altas, a dupla garantiu o primeiro sucesso da então recém-criada gravadora Creation, de Alan McGee, que lançaria ainda bandas como Primal Scream, Teenage Fanclub, My Bloody Valentine e Oasis, entre muitas outras.

No domingo (25), o Jesus and Mary Chain faz sua terceira visita ao Brasil, após shows em 1990 e 2008, como a principal atração do encerramento do 18º Cultura Inglesa Festival. O evento, que tem ainda apresentações dos galeses do Los Campesinos! e dos brasileiros Monique Maion, Voliere e Staff Only, acontece na Praça Cívica do Memorial da América Latina, a partir das 12 horas. Veja abaixo como retirar os ingressos gratuitos.

Em novembro, Jim e William, únicos remanescentes da formação original, vão tocar, na íntegra, seu disco de estreia, em shows em Londres, Manchester e Glasgow. “Psychocandy” completa 30 anos em 2015 e, com sua combinação perfeita de doçura e psicose, tão bem definida no título, é considerado um dos discos mais influentes do rock britânico em todos os tempos. Também às vésperas da histórica data está sendo lançada uma biografia oficial, “Barbed wire kisses: The Jesus and Mary Chain story”. Escrito pela jornalista Zoe Howe, o livro chegou às lojas inglesas no dia 19 de maio.
Em entrevista ao G1, por telefone, Jim Reid falou principalmente de sua complicada relação com o irmão William, com quem divide os vocais e guitarras. As brigas entre eles já aconteciam na década de 80, quando a banda fazia caóticos shows de 15 minutos que, invariavelmente, terminavam em equipamento destruído e pancadaria entre músicos e plateia. Muitos anos depois, elas chegaram a provocar o fim da banda, em 1998, após o lançamento do sexto disco, “Munki”.

Em 2007, porém, os irmãos chegaram a um acordo e voltaram aos palcos no festival Coachella, nos Estados Unidos. Desde então, fizeram alguns shows e prometeram um disco novo, que ainda não saiu porque, previsivelmente, os dois nunca chegam a um acordo. Depois da reunião – que não significa necessariamente que fizeram as pazes – Jim e William apresentaram apenas uma música nova, “All things must pass”, em 2008.
Leia a seguir a entrevista de Jim Reid.

G1 – A pergunta é inevitável, já que disso depende a existência da banda. Como anda o relacionamento entre você e seu irmão?
Jim Reid – 
Sempre vai ser problemático entre William e eu, sempre seremos problemáticos. Termos essa banda juntos é uma grande alegria, mas é preciso certo esforço para as coisas funcionarem. Acho que existe muita tensão, que acaba indo parar nas músicas e ajuda a fazer bons discos. Não acho que nós dois voltaremos a ser melhores amigos novamente, mas sabemos como não incomodar um ao outro. Definitivamente é a banda que nos mantém juntos. Não conversamos muito e, sempre que o fazemos, é sobre a banda. Depois desse show (no Brasil) vou passar uns tempos em Los Angeles e nós não vamos nem nos ver.
G1 – Havia uma enorme expectativa pela volta da banda, mas desde que vocês se reuniram não fizeram muitos shows e lançaram apenas uma música nova. Por que?
Jim Reid – 
Basicamente é uma questão de oportunidade, sabe. Nós não precisamos tocar mais, não existe necessidade. No momento não há um disco novo para promover, então, de vez em quando, quando temos vontade de fazer alguns shows, reunimos a banda e fazemos uma pequena turnê. A diferença é que agora fazemos pelos fãs, sem ter um álbum ou uma gravadora te dizendo pra fazer turnês para promovê-lo. Agora é algo simplesmente por puro prazer e eu gosto disso.
Não acho que nós dois voltaremos a ser melhores amigos novamente, mas sabemos como não incomodar um ao outro"
Jim Reid, sobre o irmão William
G1 – E quando exatamente você e William decidiram reunir a banda e por que?
Jim Reid –
 Por várias razões. Não tocamos juntos durante nove anos. É esquisito. Nos anos 90 eu não imaginaria que algum dia iria querer voltar a tocar com o Jesus and Mary Chain porque era tão terrível, tão inacreditavelmente doloroso. Então, se naquela época alguém me dissesse ‘olha, você vai fazer isso de novo um dia’, eu nunca acreditaria. Mas, você sabe, nove anos é um tempo longo e é tempo suficiente para curar algumas feridas. Então comecei a pensar ‘talvez não tenha sido assim tão ruim’, entende? Mas levou um bom tempo até tudo acontecer. O pessoal do Coachella ficava nos convidando todos os anos, tentando levar a banda para tocar no festival. E aí simplesmente aconteceu de eu e William nos falarmos por telefone após um longo tempo. E percebemos que eu achava que ele nunca iria querer voltar e ele pensava que eu é que não aceitaria. Foi quando entendemos que ambos estavam interessados.
G1 – E você alguma vez imaginou que estaria tocando no Jesus and Mary Chain 30 anos depois de lançar 'Psychocandy'?
Jim Reid –
 Oooh! (risos). De jeito nenhum eu poderia imaginar isso. Quando você tem vinte e poucos anos simplesmente não imagina como será o futuro. Eu tenho 52 agora. Há trinta anos eu não imaginava que esse tipo de coisa poderia acontecer. Quando você tem vinte não pensa em como vai ser quando tiver cinquenta.
G1 – E além dos shows para os 30 anos do primeiro disco, quais são seus planos? Alguma novidade sobre aquele disco que vocês prometem desde 2007?
Jim Reid – 
Sim, temos planejado um disco há bastante tempo mesmo. Mas discutimos muito sobre como gravá-lo e onde fazer isso. Então ainda não gravamos nada. Mas acredito que em algum momento haverá um disco novo sim. Vai ser preciso uma dose de sorte, acho (risos).
G1 – No início vocês ficaram famosos pelo caos no palco e pelas violentas brigas em seus shows de 15 minutos. Quando você acha que o Jesus and Mary Chain se tornou uma banda mais madura?
Jim Reid – 
Bem no comecinho tínhamos nossas razões... quer dizer, pra começar nós nem tínhamos muitas músicas pra tocar. Outra coisa é que nós queríamos nos certificar de que seríamos muito barulhentos e extremos e pensávamos que nada poderia causar mais impacto nas pessoas do que tocar dessa forma por 20 ou 25 minutos no máximo. Mas depois lançamos outro disco, tínhamos mais músicas e as pessoas passaram a esperar mais de nós. Além disso, todo mundo envelhece, todo mundo muda. Os caras de bandas não são nem um pouco diferente.
G1 – E você acha que hoje em dia é impossível uma banda ser tão espontânea quanto vocês eram no início? Acha que não há mais espaço para a inocência daquela época do início da gravadora Creation?
Jim Reid –  
Sim, você tem razão, é impossível ser daquele jeito, tudo mudou de forma absurda. No início, a Creation Records era basicamente Alan McGee, Dick Green e nós, as bandas. Não existiam nem escritórios. As bandas simplesmente ficavam no quarto de hóspedes da casa do Alan, dobrando encartes, montando as capas dos discos e coisas assim. Hoje em dia eu nem sei te dizer mais como funciona o mundo da música. Está mais fácil gravar um disco, claro, mas a música escocesa ficou muito pior. O indie, ou punk, ou seja lá como for que você queira chamar, não consegue revelar uma banda boa. Esse tipo de música está quase como era o jazz nos anos 90.
G1 – Você ainda percebe a influência do Jesus and Mary Chain em outras bandas? Qual a maior contribuição de vocês, na sua opinião?
Jim Reid – Não ouço muitas músicas novas. As pessoas me dizem sempre que existem bandas que soam como o Mary Chain e algumas mencionam isso em entrevistas. Quer dizer, às vezes até ouço alguma banda e reconheço algo de Jesus and Mary Chain ali, é legal isso. Mas acho que nossa maior contribuição são nossos discos e a maneira como realmente não nos importávamos no início. Havia muita gente na indústria musical que não nos queria e que achava que não podíamos gravar as coisas que fizemos naquela época. Acho que tivemos muita sorte.
G1 – E com que  frequência as pessoas ainda abordam vocês para falar sobre a banda e os discos mais antigos?
Jim Reid – 
Bem, eu moro em Midlands [região central da Inglaterra] e tenho que ser honesto com você: ninguém me conhece ou sabe quem eu sou. Mas, sim, quando viajamos muita gente ainda vem falar sobre a banda, especialmente integrantes de outras bandas.
G1 – Vocês estiveram duas vezes no Brasil, a primeira delas há mais de 20 anos. Você se lembra de muita coisa daquela época? E como compara as duas visitas?
Jim Reid – 
Sim, eu me lembro muito bem da primeira visita, na verdade. O público era muito entusiasmado. E, bem, éramos obviamente bem mais velhos da segunda vez, mas também foi ótimo. A única grande diferença pra mim é que eu estava bastante sóbrio dessa vez, porque foi durante um período de cinco anos durante os quais eu não bebia.

BIZZ, JESUS & MARY CHAIN ::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::



JESUS & MARY CHAIN

            KROQ, 106,7 FM. Pasadena, Los Angeles. Pronuncia-se "Kay Rock", é a radio da moçada ultra high tech, em um subúrbio de luxo de L.A. Jesus And Mary Chain, com o basic black de praxe, incluindo as imitações de ray-ban compradas em lojinhas de segunda mão, passeia pelo estúdio. Ou melhor, prostra-se ao lado de dois microfones. Mary Chain prepara-se para conquistar a Califórnia, eldorado da afluência, dinheiro, sexo, plástico e rock´n roll. Mary Chain, como se sabe, é o Velvet Overground dos anos 80.
            Daqui a pouco tocam em Santa Mônica, point de surfistas, windsurfista, naturistas e yuppies variados. Willian Reid, escocês on the rocks, de Glasgow, porém viciados em cerveja, é claro, está meio assustado com a Califórnia: "Aqui é legal. Mas é estranho. Não tem inverno. Como á que essas pessoas conseguem viver sem inverno? Será que neva na Califórnia?" Digo que no Brasil também não neva. "Então é tudo igual à Califórnia" Não, meu filho, Há algumas pequenas diferenças...
            Reid á o homem por trás do white noise do Mary Chain. No palco, fica de costas para a platéia durante os 25 ou 35 minutos de show nunca é mais do que isso - agachado e curvado sobre sua guitarra, tirando um elegantíssimo ruído incessante de serra elétrica e melodias e almas, puras pérolas pop. Quando fala, seu sotaque é de morte. Escocês, ainda com algumas cervejas enrolando a língua, é fogo: "Aqui eu sempre pergunto para as pessoas se elas estão me entendendo. Parece, mas não é a mesma língua..."
            E então, depois de provocar tumulto na lúgubre Manchester, depois de virar darling da mídia londrina - mesmo a mais metida - Mary Chain chega para desconcertar os EUA, como quatro garotinhos dark do apocalipse? "Não acho difícil. Dificilmente seremos um grande grupo na América. As rádios não tocam o nosso álbum. Só as college rádios (Nota: rádios das universidades, não comerciais, onde toca Mary Chain, Smiths e similares)". "Os disc-jockeys acham que não é um disco comercial". Mas onde toca, causa emoção. Mary Chain será então um cult group, como o Velvet? "Temos tocado em lugares não muito grandes, no máximo para mil pessoas, duas mil. É um pouco diferente de Duran Duran. A América é OK, mas não estamos pensando em virar um super grupo. E muito difícil entrar nesse mercado. Não é como a Inglaterra, que é uma ilha, é só Londres quase. Aqui são cinqüenta países diferentes,"
            Vários ouvintes ligam para a rádio e perguntam a mesma coisa: "Por que vocês se chamam Jesus and Mary Chain?" Reid já deveria ter as respostas gravadas. "Ora, é um bom nome. Soa bem. E original" Direto, como são os escoceses, não há por baixo de tudo nenhum conceito sobre a Sagrada Família ou uma provável subversão do rock´n roll pelo catolicismo. Cada. ouvinte faz do nome e da postura - o que quiser.
            A decantada pose - ou falta de - do Mary Chain no palco também não tem mistério. "Fazemos shows curtos porque as músicas são curtas e, mais do que isso, a platéia se enche. E não vejo nenhum motivo para ficar pulando no palco. As pessoas pagam para ouvir música. E o que nós fazemos."
            Velvet. Um tema inevitável. "E um dos meus grupos favoritos. Tenho ouvido muito "Some Kind of Love", ou "What Goes On". Outra influência foram os Doors. Dos grupos novos, gosto dos Cocteau Twins". Quando menciono Beach Boys, Reid generaliza: "O que me pega são mais melodias da época do que um determinado grupo".
            Reid vai tomando cerveja, a língua enrola mais, o sotaque fica mais de morte e os ouvintes da rádio ainda querem saber o porquê desse nome esotérico. Uma gatinha liga desesperada porque não vai poder ir ao show. Diz que eles são a melhor banda do mundo, Reid permanece imperturbável. Será que esses escoceses têm soul? ´Puxo a conversa para James Brown, Sam Cooke, ´que, na sua época de gospel, cantava uma música linda chamada "Jesus, Wash My troubles" (Jesus, lave de mim meus problemas). Reid não parece muito interessado em música negra, mas acorda com Brown e Cooke: "É fantástico. Mas não cabe na nossa coisa. Nós estamos mais preocupados com o controle, em chegar a uma canção perfeita, curta, simples".
            O DJ pede para Reid escolher um hit de Mary Chain. Sugere "Never Understand". Reid diz que é óbvio. Prefere "Inside Me". Perfeito: é uma ânsia, uma raiva - ou um monstrinho como o de Alien - que vive dentro do personagem. O ritmo é quase primal, tambor da África, voz psicodélica de fundo de poço, e tudo descamba para uma distorção free de entortar a espinha.
            Como Reid vê todo esse carnaval dos ingleses em cima de Mary Chain? A salvação do pop e coisas do gênero? "Os jornais de música na Inglaterra são muito provincianos. Não somos apenas uma banda que quer fazer boas canções pop. É muito simples. Não tem mistério".
            Não tem mesmo. O Show em Santa Mônica dura no máximo meia hora. Platéia super fluente. Todo mundo chegou pela freeway, de carro, parou no estacionamento gigante e foi embora, bem comportado, ao final.
            Atmosfera de culto. Palco negro, sem nenhum adereço. E aquela distorção das esferas. Vai na veia antes do show tocou Specimen, um remanescente psico-gótico londrino, linha glitter, agora radicado em São Francisco. Muita esbórnia por nada. Um contraste brutal com a simplicidade de Mary Chain. Evoluíram barbaramente. Eu os vi pela primeira vez há um ano, em Manchester. Era um caos. Seu set, agora,  é uma aula de pureza pop. No meio do lixo atômico-musical, é para dar graças à Virgem Maria.

PSYCHOCANDY - The Jesus and Mary Chain (WEA)

            Não é propriamente uma revolução e sim um exercício de radicalismo, que segue uma lógica safada de venenosa. A seguinte: até hoje, a melhor musica pop têm uma entre duas possíveis caras - o pop ingênuo, melodioso e assobiável dos anos 60 pré-Beatles (os Beach Boys e os grupos vocais produzidos por Phill Spector); ou então o barulho afiado do rock pós-Velvet Underground (Pistols, Ramones, Birthday Party). O Jesus & Mary Chain, num caso de inédita esquizofrenia, opta simultaneamente pelas duas linhas e o resultado dá num bombom recheado de cereja e ácido sulfúrico.
            É uma revolução. Assassina a canção e altera o relacionamento entre consumidor e objeto de consumo (essa foi demais!). O que eu quero dizer é que o LP não é o mesmo para se ouvir de uma esticada só, deitadão no sofá. Recomenda-se uma faixa apenas de cada vez e daí sair para a rua, É uma premonição: a arte quer morrer, está pedindo um golpe de misericórdia, uma eutanásia. Única explicação para a perversão de enterrar sob uma placa de microfonia as mais belas melodias. Mais perverso é seu efeito retroativo: ressuscitar a adrenalina tão barateada nas linhas de montagem punk/metal.
            Da incendiária série de compactos que catapultou o J&MC para as primeiras páginas dos jornais e capas de revistas, só ficou faltando "Upside Down". O resto recheia o LP com a deliciosa sensação de estar massacrando a jugular do Império da Mediocridade com uma serra elétrica. "Never Understand" e "You Trip me Up" talvez sejam os dois clássicos eternos do lote, mas sua mamãe e/ou os vizinhos jamais saberão as diferenças entre uma e outra.
            Que caia a Bastilha. Psychocandy é a melhor guilhotina.

            José Augusto Lemos

Bizz # 012 – JULHO 1986

DARKLANDS - The Jesus & Mary Chain (WEA)

            O feedback ficou para a história. O segundo LP dos irmãos Reid é puro candy, cândido até as lágrimas. O doce psicótico de seu LP anterior virou balada azedinha. As notas continuam as básicas: lá, ré, sol - às vezes mi. Mas ninguém consegue tocá-las com o sentimento de frustração, a sugestão distorcida (o buzz e o drive) de decadente letargia que suspira da guitarra de William. E o vocal de Jim, apenas inigualável, sussurrando os mais resignados lamentos desafetados de sua (nossa) geração... Wow!
            Darklands é um disco cinzento. "Happy When It Rains", o hit (single), é a versão anos 80 de "Singin´ in the Rain". Tempo nublado também em "Nine Million Rainy Days", a ponte musical impossível entre "Ocean" do Velvet Underground e o voodoo whoop de "Simpathy for the Devil" dos Rolling Stones, e em "April Skies", outro hit de danças definitivas ("sacrifice myself to you", com os pulsos abertos). Lágrimas, lágrimas de chuva. Românticos decepcionados, garotos de vinte anos. Obra-prima da decepção juvenil, inspirada em Stones, Beach Boys ("Cherry Came Too" é surf music de inverno), Velvet e Lou Reed ("On the Wall" é "Walk on the Wild Side" ao lado de uma "Femme Fatale") e Pink Floyd (especialmente em "Deep One Perfect Morning"). Estilos que geram estilo. O Estilo. Perfeito, enfim, como uma balada de violão para encerrar o vinil.

            Marcel Plasse

Bizz # 032 – MARÇO DE 1988

BARBED WIRE KISSES (B-SIDES AND MORE) - The Jesus And Mary Chain (WEA)
            O doce psicótico dos irmãos Reid está de volta, numa coletânea que teve a inspiração de se chamar "Beijos de Arame Farpado". Na verdade, tudo o que o grupo não prensou em LP daria um álbum duplo... De qualquer modo, aqui estão o primeiro single, "Upside Down", o mais recente, "Sidewalking", sobras de estúdio, demo e a mutação radioativa do sonho de verão de Jan & Dean, em "Kill Surf City". Noise infernal, assustadora, obscena como um beijo à força. Amém ou se masturbem. Radical.
            M.P.

O PARAÍSO PERDIDO

            A salvação do pop pela microfonia? A única banda ainda capaz de resgatar a inocencia? Os mais habeis artífices de cancões agridoces? Quem são afinal esses garotos vindos das terras sombrias da Escocia? Eva Joory conversa com Jim Reid, em Londres, e Marcel Plasse voltou no tempo, atrs da resposta...

            Dois irmãos com menos de vinte anos em Easte Kilbride (isto é, lugar nenhum, Escócia). Passatempo disponível: tomar ácido e brigar em lugares abandonados. Adolescência difícil para Jim e William Reid. Jim lembra: "Fiquei cinco anos desempregado. Foi isso que nos a idéia de montar uma banda". O que mais poderiam fazer? Ok, "eu canto e você toca guitarra..." No baixo e na bateria, os amigos Douglas Hart e Bobby Gillespie. O básico.
            "Antes do desemprego, eu trabalhava numa fábrica, o que era bastante deprimente. O desemprego foi voluntário porque minha experiência na fabrica foi horrível. Odiei esse trabalho. Nunca mais quero voltar pra lá. Se oi grupo acabar amanhã, prefiro continuar desempregado a ser um pouco mais feliz..."
            Quando eles tinham 15 anos - "a idade certa para aprender" - , as entrevistas de Johny Rotten e os shows de grupos punks jorravam maravilhosamente. "Isso mudou a minha maneira de ver o mundo, me deu confiança! A idéia do grupo, porém, só veio muito depois - apesar de sempre termos gostado de tocar, ou, pelo menos, tentando tocar. Em 1984, quando criamos a banda, foi mais pelo desespero do desemprego e de medo de chegar as 40 anos sem ter feito nada na vida".

            Mas quem queria ouvi-los? quem queria ouvir uma fita demo de garotos de East Kilbride? Talvez alguém em Glasgow, onde, segundo a imprensa musical britânica, tudo acontece. Aconteceu pouco e eles acabaram se mudando para Londres: Jim, William e Douglas morando no mesmo buraco - Bobby ficou em Glasgow.
            Hosannas histéricos nas páginas da sessão Live (Ao Vivo) do semanário New Musical Express deram início à falação. No ano anterior, a sensação havia sido os Smiths. A imprensa estava à cata de novos darlings. E The Jesus & Mary Chain não podia ser um nome menos arrogante. Entretanto, apesar de todo o barulho do primeiro compacto. "Up-side Down" (lançado pelo então microscópico selo Creation), eles ainda não eram uma revelação iluminada.
            Jim: "Tivemos muita sorte em atrair a atenção de jornais como o NME, que sempre falava de nós com matérias dizendo que éramos os futuros Beatles (risos) !"
            A celestial tríade de compactos seguintes, já pelo selo Blanco Y Negro, foi o canto de sereia do grupo. Bateria e baixo mínima, vocal dulcíssimo e guitarra como um sintetizador no inferno. "Never Understand": o elogio mais eloqüente da irresponsabilidade adolescente desde "Pretty Vacant" dos Sex Pistols, numa canção-spray - algo como um mix de Beach Boys e os momentos mais experimentais dos Buzzcoks -, com um lado B igualmente brilhante ("Suck", a canção mais ácida do grupo, e o cover de "Ambition" , do Subway Sect). "You Trip Me Up": uma onda para o Surfista Prateado (herói dos quadrinhos Marvel), ou, segundo Jim, "a canção de verão do Jesus & Mary Chain" - um arraso em pleno sol -, reverberações e ecos de Suicide. E, finalmente, a balada pop mais doce de 1985, "Just Like Honey": guitarras envolvendo um vocal sem fôlego - uma versão acústica no single de 12 polegadas dá a medida exata do quão suave os irmãos Reid podiam ser, apesar deste mesmo single conter "Head", a faixa mais psicótica de sua carreira.
            E então, tchan!, o LP Psychocandy... Um doce psicótico, uma trip ácida, corrosiva e caramelada. O nome perfeito para o álbum perfeito - melhor disco de 1985 segundo a imprensa britânica: melhor disco de 1986 pela votação de BIZZ. Bem ou mal, todo mundo falou em Psychocandy. Como ficar indiferente a sua agressividade/suavidade?
            No entanto, a fascinação do ruído, da microfonia abissal, hipnotizou o público - inclusive jornalistas -, de tal forma que a deliciosa incrustação pop dos irmaõzinhos escoceses perdeu-se num enfoque indevido. E Psychocandy era justamente o equilíbrio perfeito entre a tempestade e a bonança. Por ocasião de sua primeira turnê americana, Jim e William preferiram ser comparados aos Beach Boys do que aos Sex Pistols. "Psychotic Beach Boys!", disse o vocalista à revista Spin.
            De qualquer forma, J&MC não surgiu como um grupo terminal - o último suspiro do rock, ao qual sobrariam apenas destroços, nos moldes do punk rock. J&MC, como o nome redentor supõe, veio à Terra como a salvação do pop. Ou quase isso. O que os movia em busca divina perfeição era uma questão básica: o que é e sempre foi o pop perfeito? De um lado, o barulho de Velvet Underground e Stooges, do outro, a suavidade de Beach Boys, Monkees, etc. No meio disso, uma dezena de esquecidos fundamentais... "Claro que ouvimos disco e fomos influenciados por eles, mas não só por uma década em particular. De uns tempos pra cá, todo mundo em Londres ficou meio enlouquecido com os anos 60. Não gosto de fazer parte desse movimento (ao contrário de Bobby Gillespie, uma das franjas mais sixties do novo Velho Mundo). Acho que os anos 50 foram muito mais importantes. Foi fácil ter sido Rolling Stones nos 60, difícil foi ser Chuck Berry nos 50."
            O karma do ruído foi superado no primeiro disco pós-Psychocandy, o EP Some Candy Talking - um lançamento de 12 polegadas com quatro faixas, incluindo uma versão acústica de "Taste of Cindy", uma das faixas do LP anterior, e uma canção chamada justamente "Psychocandy", mais para "Just Like Honey" do que para o wall of Sound de microfonia e distorção que tanto falatório havia alimentado. NME, Melody Maker e Sounds voltaram a ficar de quatro. A única faixa barulhenta, ironicamente, chamava-se "Hit"...
            Jim: "Os ruídos e a microfonia estavam destruindo o grupo. As pessoas só comentavam o barulho que fazíamos, ignorando nossas composições. Foi algo bastante incompreendido, tanta gente causando tumulto em cima de uma coisa tão pequena: é só um som específico de  guitarrista!" Esse barulho", porém, foi tomado como inovação no cenário musical, apesar de ser velhíssimo - vide Velvet Underground. Logo apareceram os herdeiros - alguns, inclusive, que existiam antes do próprio J&MC - Primitives, The Shop Assistants, The Pastels... Microfonia se tornou palavra de ordem - o acid rock dos 80, de acordo com críticos apressados. Ah, a memória! Sonic Youth, lançou seu primeiro EP em 1982, mas poucos se deram conta na época. Não, tampouco a trip dos irmãos Reid era essa. Não havia mistério ou pretensão em seu wall of sound...
            Jim: "Em nossos primeiros shows não sabíamos tocar nada. Pra maioria das pessoas não éramos músicos, ou o que tecnicamente pode se chamar de músico. E o que não podíamos fazer tecnicamente compensávamos com a imaginação. Foi um excelente meio de contrabalançar nossas deficiências! Antes de formarmos a banda eu não sabia tocar nada, William uns poucos acordes e não tínhamos baterista. O que decidimos fazer foi a coisa mais óbvia, para quem não sabe tocar: barulho!"
            Barulho extremo e destruição! O equívoco na divulgação de seus shows acabou levando o grupo às páginas policiais, como nos velhos tempos do punk rock. "Tinha muito a ver com o que as pessoas liam sobre nós. Muita gente foi aos nossos primeiros shows só pra brigar. Eu realmente não entendo essa atitude. Se você se sente violento, existem coisas bem mais construtivas para se fazer.
            No começo, eu achava apenas engraçado - não podia ser sério! Depois, a situação foi se agravando... Mas nunca deixou de ser patética!"
            Até agora, a única mudança na formação do J&MC ocorreu com a saída de Bobby Gillespie, que optou por sua própria banda, Primal Scream, onde canta - .. As pessoas sempre o viram mais como o vocalista do Primal do que como o baterista do Jesus..." Em 1987, os irmãos Reid e Douglas Hart foram  acompanhados por uma bateria eletrônica.
            Os novos singles, "April Sky" e "Happy When It Rains", são convites irresistíveis à dança - sem microfonia, fascinação ou repulsão, amor e morte... Apenas céu! O novo Jesus & Mary Chain, do LP Darklands é puro candy, docinho pop com sabor de mel. Jim: "Já imaginávamos as críticas que íamos receber. Quando paramos de usar  microfonia todo mundo nos criticou, é claro. Só posso dizer que a pior coisa que poderíamos fazer seria repetir a receita de Psychocandy. Mas cada um quer uma coisa diferente - os críticos e a gravadora gostariam de um som tipo U2 (risos)! Nós apenas não nos esforçamos para agradar ninguém, a "não ser nós mesmos. Darklands era o disco que queríamos ouvir. E quando formamos o J&MC queríamos justamente isso: tocar as músicas que sempre quisemos ouvir!"
            Apesar das aparências, Darklands não é um álbum suave. "Se o disco passa essa impressão é unicamente pelo efeito das guitarras. O estilo das gravações é igual ao do Psychocandy. Só tiramos fora a microfonia. E nós não tínhamos nenhuma obrigação em nos repetir! O que nos irrita mais é que, com Darklands, as pessoas que achavam que devíamos parar de usar microfonia agora acham que devíamos continuar com nosso som distorcido e barulhento!"
            As letras continuam a paulada de sempre: "Minha tendência, minha inspiração para escrever vem quando estou muito triste, e é por isso que nossas músicas soam tristes. Sentimos que temos necessidade de dizer coisas quando estamos deprimidos. Quando estou contente, quando saio bastante e me divirto encontrando pessoas, compor é a última coisa que passa pela minha cabeça. Além disso, no pop, o lado triste da vida é a unica coisa que vale a pena ser contada.Não estou interessado em cantar sobre o clichê ´boy meets girl´ numa discoteca, e romances banais. Isso não significa nada para mim nem pra ninguém - eu espero. Romance é a coisa mais natural do mundo, por isso deixa de ser importante".
            O atual som do J&MC também registra, de maneira definitiva, sua atração por surf music. De "Kill Surf City" (lado B de "April Sky"), variação anos 80 do clássico "Surf City" de Jan & Dean, a uma versão explícita de "Surfin´ USA" dos Beach Boys: "O que estamos fazendo é o que a surf music deveria ter sido. Você ouve os Beach Boys e as músicas são sensacionais! Mas o jeito como elas ficaram é terrível. Ouvindo Beach Boys você pensa: Por que eles não usam roupas de couro? Por que não falam palavrões? Por que não chutam alguém no público? É tudo certinho demais! Contudo, as músicas são formidáveis. Eles tinham um grande potencial, mais não chegaram lá, eu acho. Admito que pra nós foi fácil fazer essas versões em 1987. Acredito que nos anos 60 seria bem mais difícil. Isto é, o que fizemos foi bom, mas se tivéssemos feito isso em 1960 teria sido genial!"
            Autocrítica não lhes falta. Isso chega mesmo a ser mortal. São a antítese do show business. Sequer sonham em lotar estádios e fazer megaturnês mundo a fora. Pelo contrário: quanto menos tocarem ao vivo melhor. "Por duas razões: levamos semanas pra gravar algo que fique com boa qualidade - tentar reproduzir o mesmo som num show é impossível! A outra razão é que temos que tocar as mesmas músicas na turnê inteira! No final, acabamos odiando nossas próprias músicas, e é deprimente chegar a esse ponto. Por isso fazemos turnês relativamente curtas. Não entendo como U2 e Dire Straits ficam rodando durante dezoito meses!"
            Da mesma forma, os shows são diminutos. "No começo eram quinze minutos! Tínhamos seis músicas de dois minutos cada, pouca coisa pra tocar. E tocar pouco causava impacto nas pessoas: ´pô, uma música tão diferente e só vinte minutos!´ Deixávamos todos boquiabertos. Se tocássemos mais, iriam pedir pra gente parar, afinal era meio insuportável. Agora, se o show é bom, voltamos para o bis e aí chegamos a tocar 45 minutos (risos)!"
            Yeah: "O sucesso não nos mudou em nada. E nem tínhamos alguma pretensão. Quando formamos o grupo, foi por puro amor à música. Entretanto, algumas coisas que fazemos agora não tem nada a ver com esse amor - dar entrevistas, escolher capas, ser fotografados... Nunca pensa mos em fazer essas coisas. O mais difícil é ter que fazê-las sem vontade!"
            Haverá lugar para toda essa inocência à beira da última década do século? Haverá ainda pessoas que fiquem felizes com uma simples chuva? Ah, Jim Reid, como dói perceber que os "corações são as coisas mais fáceis de quebrar..." Yeah, vamos nos quebrar, então, frágeis que somos, mais ou menos em torno dos 20 anos... É, Jim, dancemos chorando! Ainda há uma banda capaz de inspirar esse tipo de sentimento. Bendito o fruto do vosso ventre...

Por Marcel Plasse e Eva Joary

Bizz # 031 – FEV. 1988

AUTOMATIC - The Jesus and Mary Chaln (Blanco Y Negro/WEA)
            Depois do álbum mais punk dos anos 80 (Psychocandy)e do mais nublado (Darkland), os irmãos Reid atacam de heavy movido a bateria eletrônica, microfonia e vocais adocicados. Automatic está para "Sidewalking" - seu último single, não incluído no LP - assim como Darklands estava para "Some Candy Talking". O som da banda nunca foi tão pesado tão dançante simultaneamente. A microfonia é ensurdecedora, mas a batida eletrônica recobre as arestas como pele de veludo. A inércia junkie de Darklands cedeu lugar à ação automática. Seus três ou quatro acordes básicos são na verdade os clássicos elementos de todo o hip pop - Velvet Underground, Stooges, T.Rex, Ramones. Sim, você já ouviu isto antes: nos melhores discos de todos os tempos, O novo sotaque arrogante dos garotos só sublinha o óbvio: Automatic é puro rock´n´roll. E eu gosto.
            M.P.

Bizz # 054 – JAN. 1990

THE JESUS AND MARY CHAIN - Honey´s Dead (Blanco Y Negro/Warner)
            Alegrai-vos, seguidores do distorção e adoradores da microfonia. Jesus voltou! Mais de dois anos sem lançarem nado novo (sem contar o cover presente no coletânea The Last Temptation Of Elvis), não fizeram os irmãos Reid distanciarem-se de seu som. Prova disso é o tão esperado novo álbum, cujo título alude à "Just Like Honey". Nesse intervalo, puderam comprar um estúdio e incorporar influências das novos bondas indie inglesas (quase todo o disco traz o baterista do Curve), além do agora cult som de Seattle. Em Honey´s Dead o microfonia é atenuado, mas a guitarra motoserra característica do JAMC comparece sempre. "Sugar Ray" e "Rollercoaster" (esta batiza o turnê com eles, My Bloody Valentine, Dinosaur Jr e Blur) são os exemplos mais óbvios. E, por mais que esses glasgonianos digam o contrário, a postura autodesintegradora continua forte. Em "Reverence" o morte vira hino: "Quero morrer como Jesus Cristo/quero estar numa cama de pregos/quero morrer num dia de sol/quero morrer como JFK".
            J.J.E.S.

Bizz # 083 – JUNHO DE 1992

IRMÃOS DO BARULHO

            Os irmãos William e Jim Reid estão de mau humor. Vestidos do tradicional preto dos pés à cabeça, eles se recostam nas poltronas confortáveis de sua gravadora e fazem cara de tédio.
            Pois é, a síndrome do "come-back": você passa alguns anos dando duro, compondo e gravando e, quando volta... "São sempre as mesmas perguntas", reclama Jim. "Como se tivéssemos tirado dois anos de férias! E aí aparecem os boatos de que vamos nos separar. É tão cansativo!"
            "Nós queremos um disco que soe bom daqui há dez anos, quando as pessoas tiverem se esquecido do que ou de quem estava na moda. Meus discos prediletos são assim: Stooges, Beatles... uma música boa atrás da outra. E demoramos o que precisávamos demorar para conseguir isso."
            Honey´s Dead, o novo LP, promete recolocar o Jesus And Mary Chain no mapa musical. Nele, os Reid voltam com grandes riffs, vocais preguiçosos e... sim, batidas dançantes! "Eu sei". Jim me interrompe. "Algumas pessoas vão reclamar, dizendo que todo mundo está fazendo isso. E daí? Elas se encaixam com o que estamos fazendo. E também você tem de se lembrar de que já usamos as dancebeats em 88, com Sidewalking. Só que agora o resultado foi muito melhor".
            "Seria burrice eu te dizer que durante a explosão toda da dance music não tenhamos nos sentido ameaçados", diz Jim, o mais falante da dupla. "Foi um período amedrontador: as coisas mudavam tão depressa que não sabíamos mais onde nos encaixávamos. A verdade é que, enquanto continuamos a fazer bons discos, sempre haverá um lugar para nós."
            A capa do single "Reverence" (o enterro de Kennedy, Jesus escrita no alto) e a do LP (a Virgem em tons de bege) parecem estar destinadas a controvérsia. Jim e Will discordam totalmente, apesar de minha insistência no assunto. No entanto, Jim chega a confessar seu interesse por imagens religiosas: "Até agora tínhamos evitado essas idéias, porque já basta o nome da banda! Mas não há nada melhor que um crucifixo: existe algo de incrível em um homem numa cruz".
            Falando em morte, falemos em ressurreição - a do Mary Chain, que se prepara para voltar ao circo do rock com a turnê Rollercoaster, na companhia do Dinousaur Jr, My Bloody Valentine e Blur. Jim e Will estão furiosos, pois a gravadora anda espalhando que o projeto é baseado na famosa Lollapalooza, de Perry Farell. "Não tem nada a ver", Jim me garante. "É um pacote, como o Hendrix e o Pink Floyd faziam nos anos 60."
            Antes de partir, me lembro de uma conversa com Jim em 89, quando ele anunciou que "o rock vai voltar com tudo em 94." O evento aconteceu antes do espera. do, digo, citando o sucesso do Nirvana. Jim espera "que isso signifique que o rock´n´roll está saindo das mãos de gente como Skid Row, Van Halen e Guns N´Roses e voltando para aquilo que ele representava: rebelião, não negócios". Claro que sobra também para a "maior piada do rock", o Guns N´Roses (Will: "Use Your Illusion" tem 37 músicas ruins e três boas, uma das quais é do Paul McCartney!").
            No fim os dois se acalmam o suficiente - só para reafirmar a importância do Jesus and Mary Chain para os anos 80. Jim: "Quando as pessoas pensam naquela década, só se lembram de duas bandas: nós e os Smiths. Há tantas bandas por aí dizendo que só começaram a tocar porque viram um show do Jesus And Mary Chain..."

Por Anamaria G. de Lemos

Bizz # 083 – JUN. 1992

JESUS AND MARY CHAIN - Warner - The Sound Of Speed
            Não mataram os trintões irmãos Reid, como eles imploravam no último álbum. Mas os anos 90 ouviram pouco do J&MC: foram cinco singles e um álbum. The Sound Or Speed é o tributo à crise, a segunda coletânea do grupo com três versões de músicas de álbuns, cinco covers e algumas idéias que não deram certo. Exceto "Reverberation" - de um tributo a Roky Erickson - líder dos 13th Floor Elevators -, as músicas foram lançadas em singles entre 88 e 93. O último, "Speed", aparece integral. É dele a melhor faixa, "Something I Can´t Have", ao estilo de "Happy When It Rains" e de "April Skies". De resto, covers de "Little Red Rooster" (Willie Oixon) e "My Girl" (Robinson e White), ambas feitas pelos Rolling Stones, além da inusitada "Tower Of Song" (Leonard Cohen). Talvez seja o único avanço deste disco: revelar um provável futuro blues. E arriscam até um próprio, em "Write Record Release Blues". Será?...
            MARCEL PLASSE

1994

THE JESUS AND MARY CHAIN - Blanco y negro/Warner - Stoned And Dethroned
            Este é o álbum acústico prometido pelos irmãos Reid há dois anos - mais elétrico e produzido do que o esperado. O violão de doze cordas dá um ligeiro sotaque country ao som, mas, como Ramones, não há jeito de JAMC soar muito diferente. William repete o riff de "April Sky" em todo disco. Jim continua a se ajoelhar, falando de meninas, de drogas e de Jesus, tudo no mesmo fôlego. Talvez por isso tenham convidado gente nova. Hope Sandoval (Mazzy Star), participa de "Sometimes Always", balada de amor masoquista que aponta a nova paixão musical do grupo: a parceria Nancy Sinatra e Lee Hazlewood. Shane MacGowan, ex - The Pogues, empresta seu vocal bêbado à "God Helps Me". De resto, Velvet Underground continua a ser a maior influência deles. Pode parecer pouco, mas JAMC nunca foi progressivo. Como Ramones, não precisa mudar nada para fazer um disco convincente.

Marcel Plasse

1994

            The Jesus And Mary Chain - Munki - Creation/Sony
            A ordem blasfema dos irmãos escoceses Jim e William Reid entrou em cena em 1984, passando a motosserra na porta. Com guitarras zumbindo feito máquinas dementes a massacrar doces melodias, eles foram aclamados pela crítica como a salvação do rock. Espertos, tiraram o ruído já no segundo disco, Darklands (1987), revelando o que havia de belo por baixo da distorção. Injetaram baterias programadas e sons seqüenciados no terceiro, Automatic (1989), e seguiram fazendo variações sobre o tema.
            Neste sexto álbum de carreira, "a corrente de Jesus e Maria" volta com os mesmos acordes, poucos e bons; os mesmos vocais, limitados e entorpecidos, os mesmos toques eletrônicos, agora graciosamente ultrapassados, e as mesmas letras, bem sacadas e sarcásticas. Inovações? "Perfume", com a voz sexy de Hope Sandoval, soa quase trip hop, e "Moe Tucker" é cantada por outra convidada, Sister Vanilla. Mas a grande novidade é que o disco é animadíssimo. O Jesus está inspirado como não se ouvia desde Honey’s Dead, de 1992. Fecho de ouro: "I Hate Rock’n’Roll": "Odeio rock’n’roll, e toda essa gente sem nada pra mostrar".

Pedro Só

1998

OTITE À ESCOCESA

            Ritz (Nova York) 14/03
            É meio difícil escandalizar Nova York. Mesmo trazendo a reputação de "´banda mais capaz de provocar tumultos" do cenário musical inglês. Jesus & Mary Chain estreou no Ritz. dia 15 de março. com uma recepção entusiasmada, mas sem escandalizar ninguém. Abrindo o show, uma banda praticamente desconhecida. Vulcan Death Grip, conseguiu até mais: uma gostosa mistura de humor (a banda faz cenas bem falsificadas de desmaios. vômitos e alguns mergulhos bem reais na platéia) e entusiasmo. Guardem o nome da cantora do grupo. Ann Magweson. E prestem atenção: Vulcan Death Grip é aquele toque da morte de Vulcano usado pelo homem de orelhas pontudas na velha série de TV Jornada nas Estrelas, que até hoJe tem espectadores fanáticos nos States.
            Mas não é muito justo ficar falando do Vulcan Death Grip, quando a noite era de Jesus & Mary Chain. Depois de alguns poucos meses escandalizando os ingleses (eles são escoceses, mas proibidos de trabalhar na Escócia), a banda conseguiu alguns admiradores nos Estados Unidos. Agora, o selo Reprise, da Warner, achou que era hora de lançar o LP da banda. Para promovê-Io, foi organizada uma excursão americana, principalmente em clubes de tamanho médio, como o Ritz (em que a venda de cerveja é permitida, ajudando a acender os entusiasmos, ao lado de estimulantes menos legais).
            A maior diferença entre o LP, Psvchocandv, e a banda ao vivo é que, em casa, a gente sempre pode abaixar o volume. Porque o som de Jesus & Mary Chain é atordoante, capaz de provocar uma otite nos ouvidos menos prevenidos - do erotismo de coisas como "´Just Like Honey" (uma ode ao cunnilingus) ao escândalo de .. Sowing Seeds" ou "You Trip Me Up", todas compostas por Jim e William Reid.
            Musicalmente, as definições podem ser muitas. A maior influência é um punk-rock quase puro, com uso inescrupuloso de microfonia, uma espécie de Velvet Underground multiplicado por mil. Os dois irmãos, Jim e William Reid, cuidam das guitarras e dos vocais, embora seja quase impossível decifrar palavras, do baixo de Douglas Hart e da bateria de Bobby Gillespie.
            Decifrar é a palavra-chave, com esta banda. Se a gente fica apenas no barulho, dispensa o grupo como mais uma tentativa de seduzir pelo exagero. Mas, detrás desta barreira de som, existem paisagens de melodia e emoção que justificam alguns grandiosos elogios que Jesus & Mary Chain tem recebido. O punk-rock está lá, mas com uma insubordinação incendiária que é muito mais que um simples renascimento dos Sex Pistols.
            A banda existe há pouco mais de dois anos, e Jim Reid, com 19 anos, gosta da definição de seu grupo dada pela imprensa conservadora de Londres: "´Nos chamam de escória. Levo isso muito a sério". A BBC mal toca a banda, claro, mas Jim sabe por quê: "A BBC é uma muralha de estupidez, feita de velhos de 50 anos que acham que sabem o que é bom para a garotada".
            A verdade é que o Chain é uma injeção de vitalidade, depois de tantos grupinhos adocicados na onda de Duran Duran, Culture Club, Wham! e Spandau Ballet, que andavam construindo uma imagem de adolescentes conformistas, incapazes de ver a diferença entre um namoradinho cheio de grilos e uma verdadeira paixão. Afinal de contas, Romeu e Julieta tinham 15 anos, doces como pombinhos, mas vocês viram no que deu a verdadeira paixão de fogo que pode existir quando o sexo está tomando conta do corpo jovem. A Jesus & Mary Chain tem algo desse fogo. E não se escandalize muito com o nome da banda: foi tirado de um velho filme de Bing Crosby que ele fazia o papel de um padre.
            A platéia do Riu certamente não era tão jovem (é preciso ter 18 anos para entrar no clube, um velho teatro sem as cadeiras, na rua 11 de Manhattan). Mas, ao reagir, demonstrou uma inteligência básica: a capacidade de escutar, para finalmente decifrar o ue significa este novo som. Por enquanto, é o que se pode fazer. A imprensa inglêsa ou elogiou demais ou criticou demais Jesus & Mary Chain é um som que: precisa mais do que isso: como uma mensagem que chegasse de outro planeta, precisa ser decodificada, entendida. Até lá, para curtir o grupo ainda acho que o disco é o melhor veículo. Ao vivo, há muitos momentos em que o som ultrapassa o chamado "limiar perigoso", e simplesmente machuca o ouvido.

Por Marco Antônio de Menezes

Bizz # 011 – JUNHO 1986

CHUVA ÁCIDA

            Prego (Milão) 29/09/87
            Tudo é muito simples. De pyschocandy a darkiands. De doces pop - com a psicose de rigor - à terra desolada onde se contrapõem luz e trevas. De palavras suaves e distorções em estado bruto a palavras ásperas e sons limados. De auras  elusivas, romântico-adolescentes, a intimações de maturidade, anarquia consciente, violências em micro e macro escala, desencontros homem-mulher. O que aconteceu com os doces românticos da corrente da Madonna com Bambino? Desencanto? Experiência interior? Cinismo da poluição neo-subnarciso e neo-subvulgar? Não. É simples. Os meninos de Glasgow, iconoclastas aos quais se atribuía uma psique selvagem, simplesmente cresceram. Mais sábios. Mais melancólicos - em suas implicidade provincial escocesa. Mais dark? Mais dark, se nos referimos a estados de espírito, não a estados de fashion.
            De novos Pistols, sem a menor sombra de sex, e novos Velvet, com legítima descendência underground, a apenas Jesus & Mary Chain - sem conotações irônicas endereçadas ao Vaticano. Qual é a essência de Jesus & Mary Chain fase darklands, em vinil e ao vivo? Está naquela linha de "April Skies", sob a voz espectral de Jim Reid, e a marcha elétrica memórias-dos-melhores-anos-de-nossas-vidas: "Making Love on the Edge of the Night". Entre amores, noites e fronteiras, os meninos de Glasgow exercitam uma nova e adquirida sabedoria de vida.
            Eles vêm de preto, sem a mínima provocação espetacular - apenas a ênfase nas contraluzes e o máximo de pausa desconcertante entre canções. Na fase psychocandy, o anti-show durava 35 minutos cravados, sem replay. Vi o ritual em 86, em Los Angeles, para um público basicamente de cripto-esnobes de praia. Não entenderam muita coisa - assim como os irmãos Reid e distintos chaps não demonstraram o menor interesse em incentivar sua curiosidade. Na fase darklands temos 55 minutos cravados, também sem replay. A formação é a mesma, mas não o conceito. Desapareceu o kit de bateria minimal. Só sampled drums. Baixo, claro, minimal. Feixe de guitarras. Jim Reid enrolando-se progressivamente no fio do microfone e no stand do dito - balé saboreado com delícia por fetichistas de metais esguios. Para completar, o quinto personagem na corrente de Jesus e Maria: a mesa, com seu set de efeitos especiais. Cacofonia discreta linha fuzz-feedback-overdrive-delay, mais para fundo de garagem equipado do que as pilotagens automáticas do rock de arena.
            Ainda são capazes de construir lindas melodias, quase californianas, agora ainda mais audíveis, pois menos soterradas pela barragem de white noise. Perfeito trabalho de atualização anos 80 das faixas de sensibilidade exploradas por Shangri-Las e Beach Boys. Trata-se de um set que nos põe a sonhar, divagar, viajar por um feixe de emoções despertando de seus sonos de gelo. Corrosão derretendo-se em melancolia. Um comentário adequadissimo à época. Os milaneses, claro, não entenderam. Nem poderiam. Esta é Yuppieland em estado bruto.
            Mary Chain avicina-se a early Stones em "9 Million Rainy Days", um Reid fala de água, chuva, isolamentos, desolamentos. Passagem adorável pelos clássicos instantâneos - de "Just Like Honey" a "You Trip me Up", de "April Skies" a "Happy When it Rains". Entre céus aguados e viagens de mel, Jesus & Mary Chain confirmam-se como a grande contribuição escocesa para a sobrevivência do romantismo nos tardios anos 80. Final adequado em registro revivalista-iconoclasta: "Kill Surf City", ou a surf music em Hang Ten sobre um mar de limalhas de ferro. Em nome do Pai, do Filho e da Virgem Santíssima, we are all happy when it rains.

Por Pepe Escobar

Bizz # 029 – DEZ. 1987

JESUS & MARY CHAIN

            Citi Club (Boston)
            Eles podem ter renunciado à barulheira total em disco, mas ao vivo continuam mais ruidosos do que nunca. A atual turnê da banda prova isso à exaustão. Não importa se eles tocam canções próprias ou clássicos do maculelê: o resultado é uma torrente incontrolável de decibéis.
            Poderia estar tudo bem - quem gosta do Jesus só quer mesmo saber do noise. O problema é que falta lucidez à banda. A detonação não parece intencional. A tropa dos irmãos Reid demonstra estar perdida.
            O clima é perfeito. Sobre o palco, uma tela em forma de estrela, tema da capa do último disco deles, Automatic, mostra slides de imagens psicodélicas intercaladas com palavras do tipo "TV", "fuck", "Jesus", "psycho" e "sick".
            As camisetas vendidas na entrada do clube trazem a mensagem "Jesus & Mary Chain, a escolha de uma geração perdida" (a base é o slogan "Pepsi. a escolha da nova geração"). Na platéia. o mais otimista parece ter lido Werther e achado alegre demais.
            O som é destroyer. As tradicionais "April Skies" e "Sidewalking" se alternam com as novas "UV Ray", "Blues From A Gun", "Road On" e "Gimme Hell".
            Falta só uma coisa: Jesus & Mary Chain saber o que está fazendo. A maioria das bandas toma drogas para entrar a milhão no palco e destruir. Exemplo máximo: Mission. Mas o Jesus segue outras vias. Os irmãos Reid e asseclas já sobem para tocar totalmente bodeados, a qualidade cai. Fãs deixam o clube já nas primeiras músicas.
            Jim Reid, responsável pelos vocais, tenta falar alguma coisa mas não sai nada. O baixista Douglas Hart tropeça ao andar pelo palco. Mas eles estão muito acima da média. Um concerto ruim do Mary Chain vale por duzentos do Barão Vermelho em forma total. As letras são as certas. As melodias pegam de modo exato. A técnica queima um pouco o filme, mas o mundo está cheio de músicos ruins. Por que nenhum deles inventou o som Jesus? Esses caras são especiais.
            No bis, eles voltam à velha forma. Flashes estroboscópicos cegam a platéia. As guitarras ionizam o ar. O slam dancing toma conta da área. Nenhuma reação da banda. Passam o tempo todo viajando em flertes com os amplificadores.
            Pode não ter sido o máximo. Mas o pop está de tal modo infestado por arrivismos e empulhações de todo tipo que temos de louvar aos céus por Jesus & Mary Chain existir. Certo, eles estão pouco se lixando. Mas o que é melhor: essa indiferença honesta ou o psicodelismo de araque dos ex-góticos Stone Roses?
            O que faltou de lucidez para o show principal apareceu em excesso na abertura, com o Nine Inch Nails. Em um ritual de violência e desconstrução, as unhas de nove polegadas escalpelaram quem ousou ouvi-las. Nine Inch Nails é o rock industrial na maioridade.
            Em disco, a banda é um cara só: Trent Reznor, do Cleveland, Ohio (estado onde surgiram, entre outros, os Cramps e os Pretenders). Ao vivo, Reznor tem guitarra. teclados e bateria para acompanhar. Em algumas músicas, ele próprio toca uma guitarra extra.
            Trent Reznor é dessas figuras que perturbam de tão brilhantes que são. Suas letras transbordam de ironias, referências camp e nonsense. Em matéria de performance, está na linha de frente da selvageria. Na segunda música, a platéia já adotou o mosh. Reznor e seu guitarrista a seguiram. Passaram o show todo trocando socos e empurrões. Entre um e outro número, o guitarrista cuspia cerveja na platéia.
            Os dois maiores sucessos do Nine Inch Nails - "Terrible Lie" e "Sanctified" - entraram no set. Sobrou até para uma estranhíssima cover de "Get Down, Make Love", do Queen.
            Como definiu o crítico americano Jon Pareles. Jesus & Mary Chain e Nine Inch Nails fazem parte de uma geração que, antes mesmo de amadurecer, já viu demais. O clima não é de choque - a mordacidade permeia o som deles. São cronistas da podridão.

Por Álvaro Pereira Júnior

Bizz # 058 – MAIO 1990

JESUS & MARY CHAIN

            "Penetration", jorram os alto-falantes. O tape que inicia cada show da turnê Automatic de The Jim And William Chainsaw. "A canção pop perfeita não existe", sentenciou Jim na manhã do dia anterior, numa das raras coletivas de sua vida. A imprensa exigia a Verdade de Jesus. A verdade de Jesus & Mary Chain entrou sempre atrasada no palco, confirmando que a pontualidade britânica não passa de um mito. "Fuck", repetiriam nas mais variadas situações, "Fuck", sua palavra favorita. Melhor, apenas álcool.
            "Everything´s Alright When You´re Down", canta Jim, uma hora atrasado em relação ao cronograma. Os shows cariocas foram introspectivos, com as palavras de Jim ainda mais baixas e para dentro do que nos discos. Down. As guitarras gritando rock´n´roll e todos morrendo de ressaca.
            Nenhuma música além do programado nas folhas com o repertório, coladas aos pés de cada músico, curiosamente com o tom de cada uma assinalado. Nenhuma gracinha em português ou inglês durante o espetáculo. No palco, Jim é a coisa mais parecida com uma estrela - ou o mais próximo que um garoto carismaticamente tímido é capaz de chegar dessa ilusão, erguendo o pedestal do microfone e batendo sua base contra o solo, com alguma raiva, encamando cada acorde saturado de desencanto radical, emaranhando-se nos fios e à beira de um choque no microfone. "Tongue tied and tied to the tongue", como diz "Halfway To Crazy".
            Cada show, um repertório. As covers de "Who Do You Love", de Bo Diddley, e "Guitar Man", de Elvis, marcaram as apresentações cariocas. A maioria das músicas foi do LP Automatic. A estréia acabou seguida por um passeio pela areia de Copacabana, à la "Ride", segunda música executada no Brasil. A imprensa queria saber se eles se consideravam uma banda de surf rock. Caminhar na praia à noite foi o mais próximo que se permitiram chegar deste rótulo. "Fuck the beach!", resumiu Douglas, numa bruma de álcool no porão do Espaço Retrô. "São Paulo is better."
            A primeira apresentação paulista revelou os problemas da acústica do Projeto SP. Era impraticável repetir a performance carioca. A mudança radical aconteceu na noite seguinte. Já no primeiro acorde, a guitarra de William apita. Microfonia lendária a caminho. "São Paulo is better" começa a se traduzir pelo triplo de barulho, álcool e ressaca.
            Em "New Kind Of Kick", o baixo de Douglas desmaia. Após três tentativas frustradas de animar a canção, eles decidem tocar sem baixo. Jim acrescenta "fucks" extras à letra, e os aplausos de incentivo mixam-se aos de admiração. A música seguinte é "Just Like Honey". O baixo falha novamente e Jim coloca as mãos na cabeça, rindo, sem dizer uma palavra. A raiva de William rosna microfonia. Sua guitarra blasfema sem cessar. A batida das músicas desacelera em meio ao inferno, a luz estroboscópica possuída, enquanto o feedback rasga sua garganta elétrica.
            "Sidewalking", a música que sempre encerrou a primeira parte dos shows, parece interminável. A banda sai e William permanece desafiando a resistência do público com suas estridências. O hiato antes do bis é o mais demorado, mas o público não vai embora. Amortecido, não acredita no que vê e quer mais. São apenas duas músicas no bis, uma convenção da turnê, com "Kill Surf City" demolindo o final. O apocalipse. Uma viagem de ácido a seco. Suicida. Novamente abandonado entre os cacos de seus acordes, William, solitário com sua máquina de assassinar tímpanos, compõe o adeus. Que anos são esses, Jesus, quando o êxtase é uma dor de ouvido? O zumbido não cessa, mesmo depois de a reverberação ser bruscamente interrompida pelas luzes e uma gravação de William cantando "New York, New York". Não cessa a noite inteira, e nem no dia seguinte. "Fuck!" O "solo" de William ainda não acabou!

Por Marcel Plasse

Bizz # 062 – SET. 1990

            Rio (28/06)
            þ "Everything´s Alright When You´re Down"
            þ "Rider"
            þ "Hardest Walk"
            þ "Head On"
            þ "Halfway To Crazy"
            þ "Coast To Coast"
            þ "Her Way Of Praying"
            þ "Taste The Floor"
            þ "9 Million Rainy Days"
            þ "You Trip Me Up"
            þ "Who Do You Love"
            þ "Take It"
            þ "April Skies"
            þ "Blues From A Gun"
            þ "Sidewalking"
            þ "Guitar Man"
            þ "Kill Surf City".

            SP (01/07)
            þ "Everything´s Alright When You´re Down"         
            þ "Rider"
            þ "In a Hole"
            þ "Coast To Coast"
            þ "Halfway To Crazy"
            þ "Head On"
            þ "Her Way Of Praying"
            þ "Living End"
            þ "Taste The Floor"
            þ "9 Million Rainy Days"
            þ "New Kind Of Kick"
            þ "Just Like Honey"
            þ "April Skies"
            þ "Blues From A Gun"
            þ "Sidewalking"
            þ "Gimme Hell"
            þ "Kill Surf City".