Qual o maior disco do pop-rock brasileiro? Venho pensando bastante nessa questão há uns três anos, quando
comecei a trabalhar num livro sobre a explosão do pop-rock nacional nos
anos 70. O livro sai em agosto. Depois de ouvir e reouvir dezenas e dezenas de LPs, descobrindo
pérolas que não conhecia e redescobrindo discos que não ouvia há muito
tempo, continuo voltando a “Gita” (1974), de Raul Seixas e Paulo Coelho.
É inacreditável que essa obra-prima tenha sido lançada há 40 anos.
Parece ter sido gravada ontem.
O LP estabeleceu um padrão de qualidade – de composição, ecletismo
musical, produção, letras – que ninguém no pop brasileiro conseguiu
superar. Toda vez que ouço alguém falando de como o manguebeat renovou a
música brasileira, promovendo a mistura de guitarras e ritmos
nordestinos, só consigo pensar numa coisa: esse pessoal nunca ouviu Raul
Seixas? Raulzito e Dom Paulete já haviam mostrado esse caminho 20 anos
antes de Chico Science.
Como definir “Gita”? Rock? Forró? Repente? Brega? É tudo isso ao mesmo tempo. Tem rockabilly (“Super Heróis”), balada caipira (“Medo da Chuva”),
repente (“As Aventuras de Raul Seixas na Cidade de Thor”), folk
sinfônico (“Água Viva”), swing-jazz de boate (“Moleque Maravilhoso”) e
bolero (“Sessão das Dez”). E isso era só o lado A.
O lado B era ainda mais embasbacante: começava com o hino “Sociedade
Alternativa”, tinha violas caipiras melancólicas em “O Trem das Sete”,
country-blues à Byrds com “S.O.S.”, piano e violinos em “Prelúdio”,
metais de soul em “Loteria de Babilônia” e, pra encerrar, uma orquestra de 62 músicos executando o momento sublime do pop brasileiro: “Gita”.
É inacreditável pensar que um disco tão sofisticado – produção de
Mazolla, arranjos de Miguel Cirdas – e lançado pela poderosa Philips de
André Midani, fosse, na verdade, uma carta de amor ao bruxo Aleister
Crowley, o “homem mais temido do mundo” e criador da filosofia de
Thelema. No ano – 1974 - em que mais discos brasileiros foram
censurados, Raul e Paulo Coelho cometeram um LP transgressor, em que
celebravam o homem que defendia o amor livre, as drogas e a liberdade
absoluta.
Várias músicas do LP se tornaram clássicos do repertório de Raul e
estão em coletâneas. Mas é preciso ouvir o disco inteiro e na ordem,
para captar toda sua genialidade. Até as músicas que parecem mais calmas e “inofensivas” são uma
paulada. A lânguida “Trem das Sete”, por exemplo, fala de um trenzinho
que “vem trazendo de longe as cinzas do Velho Aeon”. E qualquer um que
já tenha lido Crowley sabe que ele profetizou que seu reino seria o
“Novo Aeon”, a era de Thelema.
“Loteria de Babilônia”, cujo título homenageava o escritor favorito
de Paulo Coelho, Jorge Luis Borges, era uma espécie de biografia
musicada de Crowley, contando passagens da vida do bruxo. E “Sociedade
Alternativa” não poderia ser mais explícita em sua celebração a Crowley.
Faça um favor a você mesmo: pegue “Gita” na estante e ouça de novo, da
primeira à última faixa. Preste atenção nas letras, nos arranjos e na
qualidade da produção, e responda: alguém já fez um disco melhor que
esse no Brasil?
por André Barcinsky
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#
foda!!!
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