Com uma paixão em comum e a mesma dose generosa de talento, os músicos Melcíades (Máquina Blues), Julio Andrade (The Baggios), Fabinho (Snooze) e Gabriel Perninha (The Baggios) representam o que existe de melhor no rock sergipano. Espertos, os caras não conquistariam o respeito do qual se fizeram merecedores, transpirando riffs e harmonias pelas madrugadas enfumaçadas da cidade, sem perseguir as pegadas que levam à origem de tudo.
Uma das estações fundamentais nessa viagem, sem nenhuma sombra de dúvida, é a música do errático Bob Dylan, razão pela qual eles finalmente acertaram os ponteiros para realizar uma homenagem ao bardo americano. A primeira apresentação do quarteto The Jack Frost Project ocorre esta semana. Eu conversei com os guitarristas Melcíades e Julio Andrade, responsáveis pela iniciativa, para tentar entender onde eles esperam chegar com essa história.
Jornal do Dia – Antes de mais nada, porquê Bob Dylan? Como nasceu o projeto, e em que medida ele está relacionado com a trajetória musical dos membros que integram The Jack Frost Project?
Little Mell – Então, o Dylan é um ícone da música, do rock, uma figura emblemática, um poeta, um errático. Pra mim, ele é um artista único, interessantíssimo, original, que escreveu as melhores letras do rock. Meu interesse pelo Dylan já vem de muito tempo. Engraçado que me sentia até isolado, porque ele não estava tão na moda lá pelo idos dos anos 90. Meu interesse parecia uma coisa de coroa hippie, uma lembrança do passado, mas para mim a música dele era algo muito forte, com letras muito pessoais, enigmáticas, simples e ao mesmo tempo profundas. Eram tempos de guitarras distorcidas, mas aquela figura de voz fanhosa tocando violão acústico e gaita foi o que realmente me interessou.
De lá pra cá fui pesquisando e lendo tudo que encontrava do Dylan, e naquela época pré-mp3 era bem difícil até, mais gostoso também, diga-se de passagem. Com essa nova onda folk, a redescoberta e os novos e ótimos discos dele, surgiu um ambiente bem mais favorável a um projeto como esse.
Julio Andrade – Acho que o projeto surgiu mais da sede que tínhamos de interpretar algumas canções do Dylan. Sou um grande fã, e eu sabia que Melciades era mais ainda. Nós já tocamos juntos no Projeto “Triple Trouble”, no qual usávamos só violão e tocávamos músicas Blues e Folk. Daí, como eu já tinha colocado no papel fazer esse projeto, botei Perninha na jogada e resolvi convidar outro fã declarado, o Fabinho da Snooze.
JD – Quem conhece a discografia básica de Bob Dylan sabe que o rapaz nunca foi dado ao comodismo. Depois de ter sido endeusado pelos admiradores do folk, gênero que foi resgatado e ganhou visibilidade mundial com as suas canções, o bardo jogou tudo pro alto e adotou a guitarra elétrica, escandalizando os puristas que acompanhavam seu trabalho desde a primeira hora. O repertório do show de vocês vai estar focado em algum desses períodos, ou o incauto que resolver pisar no Cook vai poder ter uma idéia mais abrangente dessa história cheia de nuances e reviravoltas?
Little Mell – Olha, escolher um repertório do Dylan é muito fácil e muito difícil, como tudo relacionado a ele. Tanto as músicas mais populares quanto os chamados Lado B são interessantíssimos. Se fôssemos escolher todas as canções que gostamos teríamos que reservar um mês de shows no Cook. Mas tentamos entrar num consenso e dar uma ordem lógica à coisa. Nos baseamos realmente no que gostamos do cara, sem se prender a nada. Após a seleção das músicas, o Fábio organizou o set list de maneira a existir uma unidade, não do ponto de vista cronológico propriamente dito, mas conceitual da coisa, abrangendo a fase acústica, os rocks, o country, o gospel. Tem de tudo, no fim das contas. É interessante tocar Dylan porque ele é tão sem regras que músicas que parecem simples, na hora do vamos ver se exigem muito dos músicos que esperam reconstruir aquela atmosfera, mas fico feliz de ver que, pelo menos na minha visão de fã, conseguimos.
Julio Andrade – A gente vai explorar as fases do anos 60 até final dos anos 70, onde, particularmente, eu acho que estão concentrados os melhores trabalho do figura. Então, a gente vai tocar coisas que vão do “The Freewheelin Bob Dylan”, passando pelo “Bringing It All Back Home” e o clássico “Blonde on Blonde” chegando até ao “Desire”.
JD – The Velvet Underground, outra banda lendária, que ainda hoje influencia muita gente e motiva discussões apaixonadas, vai ser homenageada na mesma noite. Você acha que nossa geração é muito nostálgica e saudosista, ou o que ocorre é uma consciência maior da história? Será que, no futuro, alguma banda contemporânea alimentará a mesma paixão?
Little Mell – Acho que hoje o pessoal mais jovem tem a possibilidade do acesso quase que irrestrito aos artistas, novos e mais antigos. Para mim, “nos tempos de antigamente”, conseguir um disco do Dylan, do Robert Johnson, Muddy Waters, era um sofrimento. Hoje em dia qualquer “garotão” consegue a discografia do Bob Dylan num click. Isso é ótimo! Só aconselho, se é que tenho moral pra isso, que o pessoal ouça a música com atenção para que ela não se torne descartável. Temos uma quantidade imensa de informação que temos hoje. É preciso cuidado.
Acho que o futuro ainda é impensável, mas estou curioso pra ver!
JD – The Jack Frost Project reúne músicos que integram algumas das principais bandas do cenário local. A gente pode deduzir, a partir disso, que nossa cena hoje está mais integrada e comprometida com o seu próprio desenvolvimento? Vocês têm planos para manter o projeto, realizando novas apresentações, ou ele encerra em si mesmo?
Julio Andrade – Acredito que as bandas que fazem as coisas acontecerem aqui estão procurando se integrar, sim. Costumo falar por onde passo que a cena de Sergipe é forte e tem bandas boas demais, o que não é mentira. Agente só peca no quesito Casa de Show e Festivais. O Projeto Jack Frost tende a se manter vivo, não necessariamente para tocar Bob Dylan. A gente tem uma afinidade musical muito boa e que deve ser explorada devidamente. Quem sabe não surgem apresentações com outros temas? De repente…
JD – Pra terminar com um clichê, o que a galera pode esperar da apresentação desta semana?
Julio Andrade – Eu acredito que até quem não conhece e não curte o Dylan pode gostar dessa festa, porque a gente está tocando muitas músicas dando nossa roupagem, e além disso a gente costuma improvisar bastante. Acho que o tema do show é Dylan, mas no final das contas a galera vai poder ver a apresentação de uma banda que mescla estilos musicais fortes e atraentes.
por Rian Santos - riansantos@jornaldodiase.com.br
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