Um britânico de meia-idade, com algum tempo para gastar numa viagem ao Brasil, deve imaginar: “Ooh, vou tomar um bom drink e passear na praia”. Bruce Dickinson, o vocalista do IRON MAIDEN, pensa “Ooh, já pilotei aquele jato do Rio de Janeiro a São Paulo esta tarde, e não vou subir ao palco para botar meus pulmões afora para 80 mil pessoas neste instante, então eu vou até aquela pista de kart onde Ayrton Senna aprendeu a pilotar, correr contra um profissional, daí me lançarei no palco por umas duas horas, ficarei acordado até tarde bebendo, irei para a cama, levantarei, desorientarei a imprensa internacional falando sobre motores de combustão e Monty Python por duas horas, pularei num helicóptero para o circuito Gran Prix onde Lewis Hamilton ganhou o campeonato mundial no ano passado, dirigirei um carro de Fórmula 1 a 240 km/h, entrarei em outra competição de kart e depois disso irei para um centro desportivo, para me equipar e competir contra uma dúzia de latino-americanos campeões na esgrima”.
Isso foi exatamente o que ele fez – em um intervalo de 24 horas. Eu sei disso porque eu fiz tudo isso com ele, e apesar de ter metade de sua idade e não ter cantado, guiado e sido espetado, eu ainda me senti pronto para morrer em algum ponto após aquela primeira curva de agitar estômago em Interlagos (Dickinson estava sorrindo e dizendo algo sobre estar “pronto para uma cerveja”). Então se eu estivesse na indústria do anti-envelhecimento eu investiria tudo em tentar engarrafar o suco do Bruce.
Na verdade, todos os integrantes do IRON MAIDEN parecem viver em Shangri-La. O grupo nasceu nos anos 70, mas agora está encontrando maiores audiências do que nunca para as guitarras energéticas, baterias de trovão e letras fantásticas sobre Coleridge e Cátaros e o número da besta. Seu show solo em São Paulo é o seu maior até agora – atrai mais ou menos a metade do público de todo o Glastonbury Festival.
“Cinco anos atrás”, diz Steve Harris, baixista e coração criativo da banda, “comentamos que começaríamos a diminuir o ritmo um pouco. Porque pensávamos que nessa idade precisaríamos disso. Mas nós não precisamos, ou queremos – e os pedidos estão aí, então realmente não podemos. Nosso sucesso é maior do que era nos anos 80! Então, o que podemos fazer? Você continua fazendo o que sempre fez”.
O IRON MAIDEN é uma banda britânica única – em todo mundo seu show abre com o discurso de Churchill “Nós lutaremos nas praias” e termina com “Sempre Olhe o Lado Brilhante da Vida” de Monty Python.
Eles são um sucesso de exportação britânica tão grande que é de se questionar porque Peter Mandelson não os convidou para um de seus iates. Mas aí está a ironia sobre a maior banda britânica – as pessoas lá não pensam neles como grandes. A atração da mídia parece desviada para bandas antigas que estão de volta, enquanto o IRON MAIDEN na verdade nunca parou, apesar da formação ter variado um pouco e Dickinson ter saído em carreira solo por alguns anos. Jovens descolados em Shoreditch que vestem camisetas do IRON MAIDEN podem fazer isso de forma irônica, mas o fato é que, em tempos de crise, o Metal vende bem.
Quando o novo álbum do AC/DC atingiu o 1º lugar no final do ano passado, certamente foi um sinal dos tempos difíceis. Os outros pontos altos da banda foram os economicamente cruéis 1980 e 1990. Nesta semana mesmo, PRS for Music, que coleta royalties para compositores, revelou que os rendimentos estrangeiros de estrelas britânicas batiam níveis de record, com POLICE no topo, seguido pelo IRON MAIDEN, COLDPLAY e as SPICE GIRLS e ELTON JOHN. DEF LEPPARD, outra banda de hard rock, também estava no Top Ten.
IRON MAIDEN recentemente ganhou um Brit Awards por Melhor Apresentação Ao Vivo, de um corpo de jurados que tendia a ignorar a banda, e no ano passado esgotou a capacidade máxima, 55 mil, do Twickenham Stadium, onde fizeram seu primeiro show no Reino Unido. Não que a banda particularmente se importasse. Seu empresário, sólido na função como uma pedra, Rod Smallwood (que tem dinheiro o bastante para manter seus empregados o ano inteiro cuidando de sua casa de férias em Barbados) declara: “A banda não dá a mínima. Nós temos nosso próprio pequeno mundo e os Brit Awards não fazem realmente parte disso. Mas aquele prêmio foi votado pelo público e os fãs do Coldplay não são muito provocativos, não são?” Aparentemente um exército de fãs do Maiden em volta do mundo orquestrou a votação em massa.
E o que dizer sobre os irônicos que vestem camisetas? “É estranho,” diz Steve Harris, “ver que David Beckham usou uma maldita camiseta do Maiden – ele provavelmente nem é fã, só usou como algo da moda ou coisa assim. Ou talvez ele seja um fã... eu não sei. Mas nós nunca fomos 'descolados'. Enfaticamente, nós nunca quisemos ser legais ou modistas. Nós desprezamos a moda. O que é a moda? É algo transitório, hoje está aqui, e amanhã já foi. Nós vimos bandas virem e irem, todas investiram pesado na publicidade. Nós temos um estilo – e acontece dele não ser muito da moda. Mas quem se importa?”
Então esse é o apelo durável do Heavy Metal? É barulhento e implacável, mas o IRON MAIDEN insiste, a mensagem é positiva. Eles soam quase californianos enquanto eles insistem o quão inspiradora sua mensagem é. A banda formada em 1975, em Leytonstone, East London, e seus hits através das décadas incluem “Run to the Hills”, “Can I Play With Madness”, “Aces High”, “Bring Your Daughter... To the Slaughter”, “The Evil That Men Do” e “The Number of the Beast”.
Existe uma pesquisa que diz que fãs de música clássica e de Heavy Metal têm o maior QI entre todos os ouvintes de música. Um fã do Brasil, Felipe Martynetz, 24 anos, de Curitiba, tem uma carta para entregar à banda, na qual escreveu que "o conhecimento filosófico nas letras do Maiden me fez descobrir a filosofia como algo que esteve sempre perto de mim, mas cuja presença eu nunca suspeitei. Então eu li 'Admirável Mundo Novo' de Huxley, 'Senhor das Moscas' de Golding e 'A Balada do Velho Marinheiro' de Coleridge”.
O que salta à tona, enquanto se assiste a um show ao vivo do Maiden, com seu estilo bombástico e pirâmides e robôs de seis metros, é como curiosamente falta agressividade. Paixão, sim, mas não rolam brigas (Um roadie me diz que eles está trabalhando com o Maiden por 30 anos e nunca viu sequer um soco). Dickinson concorda. “Oh não, não há brigas. Realmente não é um grande f****-se tudo. Isso é gastar energia sem sentido. Por um lado, existe potencial para raiva e caos, ou paixão e exultação no outro – e essa é a minha escolha: tentar levitar todas aquelas pessoas que vieram. E eu não faço isso – eles fazem isso por si mesmos – mas você tem que providenciar o cenário”.
Ele diz que começou se apresentando em pequenos clubes, e aprendeu com um de seus heróis de infância, Ian Gillan, vocalista do DEEP PURPLE, como cativar a platéia. "Perguntei-lhe uma noite, 'qual o seu segredo?', e ele disse 'sempre encare-os nos olhos'. Pensei 'OK, vou tentar - mas quão longe conseguirei enxergar?' E descobri que é possível reparar em algumas pessoas isoladas nos shows. Pensei então que se me concentrar naquela pessoa todos que estão ao seu redor perceberão e é como se você energizasse aquela área. Comecei a trabalhar nisto - que no fim das contas pode ser feito até em estádios".
O filme “Flight 666” mostra esses devotados ao Maiden em seus locais internacionais – mas todos vestindo variações da mesma camiseta preta. O filme, que ganhou o prêmio de Melhor Documentário Musical no South By Southwest Music Festival no Texas, foi feito por dois cineastas canadenses, Scot McFadyen e Sam Dunn, fãs de Metal a vida inteira que tiveram acesso permitido à banda enquanto eles estavam em turnê pelo mundo em seu jato particular. Sim, IRON MAIDEN tem seu próprio avião, e Dickinson, que trabalha como piloto comercial em suas folgas, é o capitão. Ele estava nas manchetes ano passado por pilotar um dos dois aviões que resgataram pessoas em férias que estavam encalhadas depois que a companhia que lhes vendeu o pacote abriu falência.
Ed Force One, um Boeing 757 customizado (decorado com seu mascote zumbi, Eddie, adesivado à barbatana da cauda), transporta toda a banda, suas famílias, equipe e equipamentos diretamente para onde eles querem tocar. Isso significa que fãs nos países de “segundo mundo” que nunca foram visitados por bandas de rock do oeste agora podem ser. Ficaram especialmente maravilhados com o costa-riquenho que no filme diz nunca ter sonhado em ver seus ídolos de perto “porque mora no c* do mundo!”. A banda me diz que o Oasis fez perguntas sobre usar o avião. Mas quando você diz as palavras “jato privado”? “Oh sim, é um trapo vermelho para um touro,” concorda Dickinson, “mas existem tantos pensamentos sobre o que fazer com o meio-ambiente. É como aquelas lâmpadas que poupam energia – tudo muito bonito, mas existem muitos riscos de saúde associadas com elas e além disso, elas são um pesadelo de se livrar e ainda custam muito caro para quem faz, em primeiro lugar, com todos os tipos de químicas estranhas nelas – então, sim, é meio que a resposta, mas não é 100% a resposta”. E assim as teorias de Dickinson sobre o meio-ambiente continuam.
Ele expõe ao ridículo “mitos” sobre carros elétricos e biodiesel; ele argumenta que transportar por navio é mais poluente que voar, que a tecnologia das algas é o caminho para frente (“e ela limpa o CO2 da atmosfera”) mas que nós também teremos que nos acostumar a energia nuclear, como os franceses. Ele investiu em um avião cargueiro que levantará mil toneladas atravessando o Atlântico e eles gosta da idéia de eventualmente a banda fazer uma turnê eco-amigável em um destes.
Dickinson poderia falar assim por horas. Na verdade, ele fala – até que o papo é levado ao fato que sua mãe tinha 16 e seu pai 17 quando ele nasceu no quarto do andar de cima da casa do seu avô que trabalhava em uma mina de carvão, em Nottingham. E como ele tinha 35 quando sua mãe contou que tentou abortá-lo, com um tipo de pílula do “mês seguinte”. “E eu fiquei tipo”, ele ri de frustração, “Deveria ter algum tipo de crise sobre isso? Porque é mais difícil para você do que para mim’”, disse, dando de ombros.
Ele foi para Oundle quando seus pais começaram a prosperar com construção e propriedades. Ele se sentia um forasteiro lá e diz que não fez amigos facilmente, o que é uma surpresa porque ele aparenta ser um cara muito afável agora. A banda veio de passado modesto. Dickinson chama o Heavy Metal de “ópera do homem trabalhador”.
Dickinson pode ser maníaco em suas paixões mas seu comportamento é calmo, com a voz segura de apresentador de rádio da BBC, que ele também é. Quando capitaneando o avião seu tom de segurança vem do cockpit anunciando “garoa leve” e desculpando-se por “umas sacudidas e movimentos bruscos antes”. Mas mais tarde ele me conta sobre voar em São Paulo, suspirando. “Oh Deus, é uma confusão. As vezes eles ficam um pouco entusiasmados no Brasil e você tem que dizer, ‘Espera aí, é um trabalho bem sério esse que estamos fazendo aqui!’ Mas a chamada nos alto-falantes é sempre 666, então eles sabem que somos nós. O cara ontem falou ‘É o Ed Force One?’, ‘Sim, somos nós.’, ‘Ele está a bordo?’ eu disse – achando que ele queria dizer eu – ‘Ele está pilotando o avião’.’ Diga algo para mim Broooooce! Scream for me! (Grite para mim!)”
A banda é uma ameaça à moral? Nicko McBrain, o baterista com madeixas oxigenadas, o conversador charmoso de Essex da banda, que agora mora na Flórida onde vai à Igreja regularmente, diz: “Nós tocávamos em estados do sul como South Carolina e haviam protestantes fora do show com faixas, dizendo que nossas letras são satânicas. Mas você tem que realmente ler as palavras. Na verdade, eu presenteei meu reverendo na Florida com o livro 'The Best of the Beast' – tem todas as letras, fotos, datas de turnê e tudo mais. Ele leu e veio até mim e disse ‘Existe uma coisa séria acontecendo com isso.’ As pessoas questionam minha fé e eu digo, ‘Bem, a grande jogada do diabo foi fazer as pessoas pensarem que ele não existia’”.
Talvez a maior jogada do IRON MAIDEN tenha sido convencer os ingleses que eles não existem mais – sua falta de fama em casa vai muito bem. “Francamente, eu gosto que seja assim” Dickinson diz. “Eu moro em Chiswick há 20 anos e eu pago a taxa do conselho e a portagem urbana e quando estou fora eu recebo mensagens do meu triste amigo de 50 anos que coordena o Feltham Recycling Centre dizendo que ele sente falta de mim no pub, haha. Eu vou para casa, pego minha moto, dou uma volta pelas lojas e aproveito a vida – como eu devo dizer isso? – num país legal. Porque depois vamos entrar em turnê e podemos botar fogo em tudo”.
Matéria publicada no Times Online - A fonte não citou o autor do texto.
FLIGHT 666
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