quarta-feira, 2 de junho de 2010

ROCK SERTÃO 2010 - Um marco.



Na foto: Vendo 147 Ao Vivo no Rock Sertão (Autoria desconhecida)

Até hoje, haviam dois grandes marcos, em termos de festivais, na História do rock em Sergipe. O primeiro foi o Rock-se, que em 1998 trouxe para Aracaju algumas das grandes bandas do cenário alternativo nacional, como Pin ups, Mechanics (A Monstro discos havia sido recém-criada), Dois Sapos e meio (de onde saiu o guitarrista Peu, que gravou o primeiro disco da Pitty), Living In the shit (de Maceió – o baterista, Juninho, posteriormente formaria o Sonic Jr.) e os emergentes O Rappa e um Marcelo D2 no início de sua carreira solo. Teve uma segunda edição, mais enxuta, no ano seguinte, mas não foi adiante. Já o Punka teve várias edições. Na melhor delas se apresentaram, numa única noite, brincando de deus, Jason, Nitrominds, Retrofoguetes e Autoramas (os dois últimos pela primeira vez em Aracaju). Em sua última edição, trouxe também pela primeira vez à cidade o Los Hermanos, numa programação pra lá de eclética que incluía também os Honkers, Garage Fuzz e Torture Squad.

Pois bem: este ano tivemos um novo marco. O Rock Sertão acontece já há alguns anos com relativo sucesso, mas na edição de 2010 eles conseguiram, finalmente, construir um cast representativo e de qualidade com bandas nacionais e daqui mesmo do estado, tanto da capital quanto do interior, num festival com uma boa estrutura e, pasmem, transmitido Ao vivo via TV aberta (Aperipê, canal 2) e FM (104,9, Aperipê em Aracaju e Boca da Mata em Glória). Tudo isso em pleno sertão sergipano. Um feito, realmente, memorável e digno de aplausos entusiasmados. Na verdade o evento já havia entrado para o calendário “oficial”, digamos assim, do governo do estado no ano retrasado, quando o poder publico bancou uma campanha publicitária sem paralelos na grande midia, incluindo as afiliadas locais da Globo e da Rede Record, além de trazer uma atração nacional “de peso” (muita ênfase nessas aspas aí), o insosso Zeca Baleiro. O objetivo, atrair público, foi conquistado, muito embora às custas de alguns revezes no tocante à relação dos produtores com as bandas locais, já que o mala do Zeca demorou uma eternidade para chegar (ok, parece que foi culpa da estrada, que na época era péssima) e com isso atrasou tudo e prejudicou os que se apresentaram a seguir. Além do mais, Zeca Baleiro, cá pra nós, ta muito mais pra MPB que pra rock. Mais pra lá do que pra cá. Ruim por ruim, trouxesse a Pitty, que pelo menos é, definitivamente, rock, e também tem bala na agulha no quesito “atrair público a todo custo”.

Mas o grande feito dos caras (Binho, Crivo e cia. Ltda) foi ter feito o festival ano passado mesmo sem nenhum apoio do governo, no velho esquema, se virando com os mirrados patrocínios lá mesmo de sua cidade. Demonstraram atitude, provaram que não haviam ficado acomodados no berço esplêndido do financiamento público e, com isso, fizeram por merecer o que conseguiram este ano: suporte para produzir uma edição ainda melhor, principalmente em termos de “cast”, que em 2008. A grana, desta vez, foi infinitamente melhor investida no pagamento de cachês para todos os que se apresentaram, com direito à presença de alguns dos nomes mais representativos do cenário alternativo nacional, como a veterana Mopho, de Maceió, e os emergentes Vendo 147, de Salvador, e Rosie and Me, de Curitiba.

Dito isto, vamos ao que realmente interessa: os shows! Cheguei a tempo de ver o início do festival nos dois dias por conta de um fato inusitado: fui convidado a apresentar e comentar, NA TV ( MEDO !!! ), a transmissão do festival, pela aperipê. Foi meu momento “Pedro Bial”, minha estréia na televisão, pelo menos nestas condições, e com direito inclusive a entrevista ao vivo e improvisada com uma “celebridade”, o produtor do Abril pro rock e do Porto musical do Recife, Paulo André. Já havia participado de programas ao vivo antes, mas como entrevistado, e numa TV a cabo. Apesar do receio de dar vexame, aceitei o desafio e, pelos comentários que ouvi depois, me saí razoavelmente bem, mas por conta deste compromisso tive que assistir aos primeiros shows nos bastidores, através do monitor da TV. Uma experiência diferente, sem sombra de dúvidas.

A Vila Carmem, banda nova de Aracaju, abriu o festival. Não consegui prestar muita atenção porque o clima estava meio tenso no início das transmissões – é impressionante como uma produção para a TV mobiliza muito mais gente que o radio. Para um marinheiro de primeira viagem como eu foi meio estressante saber que tinha aquele povo todo trabalhando pra colocar minha imagem (e a dos shows, evidentemente) no ar, mas assim que o processo entrou em andamento, tudo ficou mais tranqüilo. Quanto à Vila Carmem, posso dizer que eles fazem um “samba-rock’ suingado e competente, na linha do que vem fazendo a Cabedal e Elvis Boamorte. Parecem muito bons, mas realmente não deu pra prestar atenção.

A segunda banda a subir ao palco foi a Fator RH, espécie de “anfitriões” da festa, já que era a única banda da cidade e foi com ela que tudo começou, há cerca de uma década atrás. Nunca ouvi nada deles e, mais uma vez pelos motivos já citados (estava ainda nos bastidores, participando da transmissão), não prestei muita atenção. Mas deu pra notar que o vocalista, Binho, estava bastante empolgado e tem uma boa presença de palco. O som deles está mais para o pop rock, mas com uma pegada mais pesada na guitarra. Não é muito a minha praia, mas merece respeito pelo histórico e força de vontade. Já o Mamutes, mesmo que através do monitor, acompanhei melhor, pois o clima estava mais tranqüilo, e foi um showzaço, como sempre. Os caras estavam com o capeta no corpo e fizeram uma apresentação superenergética, com direito a bateria desmontada no final – Tony, do One Last Sunset, substituiu Odara, que estava viajando com a Plástico Lunar, e segurou bem a onda. Foram ovacionados. Quando fiquei livre do compromisso com a TV e pude circular pela praça as pessoas eram só elogios para os Mamutes. Sem sombra de dúvidas, um dos grandes nomes do cenário alternativo sergipano atual, merecendo muito ser melhor conhecido nacionalmente, algo que espero que aconteça em breve com o lançamento de seu primeiro Cd “oficial”, em fase de gravação.

As transmissões, pela TV, terminaram à meia-noite (no rádio foi até o final do evento), e por conta disso, felizmente, pude ver de forma adequada a Vendo 147. Venho acompanhando a evolução deles, já que é uma banda relativamente nova e está construindo, ainda, seu repertório. E a cada show me impressionam os rumos que estão tomando, aliando uma pegada pesada e rock and roll até a medula com firulas instrumentais e arranjos sofisticados e trabalhados, como na música “Aurora”, que está um pouco diferente a cada apresentação que vejo. Fizeram um grande show, como era de se esperar, apesar do som, pelo menos na frente do palco, não estar lá essas maravilhas. A reação do público foi de razoável pra morna, bem distante do delírio que foi no Abril pro rock – mas normal, eram perfis e circunstâncias bem diferentes. Creio que a galera presente lá em Glória ficou meio atordoada pela novidade, não apenas do som como também da formação diferenciada, com dois bateristas dividindo o mesmo bumbo, mas foi assimilando no decorrer da apresentação, e ao final as impressões de todos pareciam sempre positivas. Dos mais “antenados” que nunca tinham visto eles ao vivo, só vinham elogios rasgados. Tai uma banda que tem futuro – só pode não “acontecer” porque o Brasil é o que todos nós sabemos, um “bananão”. Dimmy, “O Demolidor”, se despede exortando a todos para que não percam a apresentação seguinte, pois teríamos, em suas palavras (que eu endosso), a honra de ver ao vivo uma das melhores bandas brasileiras de rock and roll de todos os tempos.

O show do Mopho foi meio apático, os caras pareciam cansados (ou “meio desligados”), mas a força de suas canções é tão grande que mesmo assim fisgou os fãs. Na verdade nunca achei eles muito bons de palco, nesse quesito a nossa Plástico lunar ganha de goleada. As comparações com a Plástico, aliás, deram a tônica dos comentários de meus chegados que nunca tinham visto os alagoanos ao vivo, algo do tipo “é isso aí que é a mopho? Legal, mas a plástico é bem melhor”. Talvez até seja, mas Mopho também é muito bom. E é, na verdade, o tipo de banda que não precisa de muita firula, basta que executem suas canções com alguma entrega que já está de bom tamanho. Foram prejudicados por problemas no som (rolaram umas microfonias bizarras) e pela falta de educação da banda que passava o som ruidosamente no palco ao lado (eram dois), creio que a Mundo Básico de Simão Dias, mas conseguiram dar seu recado num verdadeiro desfile de pérolas do cancioneiro roqueiro nacional, como “uma leitura mineral”, que abriu o show, “nada vai mudar” (uma corda da guitarra de João Paulo quebrou no meio da música e ele trocou sem parar de cantar, com os teclados “segurando a onda” durante a operação), “o amor é feito de plástico” e “não mande flores” e sua referência explícita (uma homenagem, quero crer – e mais do que justa) ao riff de “kashmir”, do Led Zeppelin. “A carta” levou alguns dos presentes, literalmente, às lágrimas – dentre eles um amigo de longa data de Itabaiana, a pessoa mais anti-social e reclusa que eu conheço, que saiu de casa exclusivamente para ver a Mopho, para o espanto de todos, e de quebra teve uma grande surpresa com os Mamutes, que ele nunca tinha visto ao vivo e achou sensacional. E foi o fim, pelo menos para mim (e pra quem veio comigo). Lembrando que a Mopho, reza a lenda, está gravando seu aguardado terceiro Cd, e o primeiro disco deles, um clássico do rock nacional, está fazendo 10 anos. Recomendo muito, também, o disco da Casa Flutuante, banda que alguns membros da banda montaram quando estavam separados do vocalista/guitarrista/compositor e líder informal João Paulo.

No dia seguinte as coisas estavam bem mais tranquilas nos bastidores da TV, mas para minha surpresa o festival ainda não tinha nem começado quando eu cheguei, por volta das 21:30. Mais surpreso ainda fiquei quando soube o motivo do atraso: segundo fontes seguras, a prefeita da cidade estava se casando e havia dado ordem para que o evento não começasse enquanto não terminasse a cerimônia. Parece coisa de realismo fantástico a La Macondo de Gabriel Garcia Marquez, mas fatos bizarros como este infelizmente ainda acontecem com uma certa frequencia em províncias como a distante Sergipe Del Rey. Foi bom para a Urublues, que acabou tendo seu show inteiramente transmitido Ao vivo pela APERIPÊ TV. Muito bom, como sempre, e com a perfomance ensandecida de Ferdinando na guitarra e vocal – quem não achou muito bom foi o técnico de som da TV, porque ele trocava de guitarra a toda hora e “na tora”, simplesmente desplugando a “dita-cuja” sem desligar nem baixar o volume, “estourando” o áudio a todo instante. Mas é isso aí mesmo, “quem ta no rock é pra se fuder”, já dizia Irmã Dulce.

Na sequencia, uma das novidades mais badaladas da cena “indie” nacional atual, os curitibanos do Rosie and Me. Meio “tchubaruba”, mas legal. Folk rock fofinho, bonitinho e com doces vocais femininos – muita gente me falou depois que a garota era gatinha porém meio desafinada, eu não saberia dizer porque não ouvi direito (transmissão, bastidores) e não entendo (quase) nada de música. Só sei que o Lacertae foi muito bom. Só Têm Deon da formação original, mas os novos músicos estão afiados e prontos para recomeçar sua bem sucedida carreira de shows Brasil afora, carreira esta que havia sido interrompida há alguns anos. É um som difícil de assimilar à primeira ouvida, eu mesmo demorei a gostar pra valer (hoje em dia gosto muito), e isso talvez explique a apatia que parece ter tomado conta da platéia durante a apresentação dos lagartos. Espero que esse tipo de reação não os desanime, pois é uma banda realmente competente e diferente, que merece toda a nossa atenção e respeito, gostos pessoais pelo experimentalismo à parte.

A apatia acabou quando a Naurêa entrou. A festa de sempre. Acho até legal o som deles, é empolgante, dá até pra arriscar uns passinhos à La “Escola Coisinha de Jesus” (vi alguns brutais headbangers se esbaldando por lá), mas um tanto quanto repetitivo. Vai ver é porque eu sou roqueiro, e Naurêa não é rock. Ou não. Mistério ...

Karne Krua é rock. Duro, seco. Seco, seco, seco. Grande show – a guitarra estava meio sem definição, e Silvio me explicou depois que era porque estava ligada direto em linha, sem microfonar. Mas o público não estava nem aí e agitou bastante, comandados pelo “velho guerreiro” (sei que ele vai odiar ler isso, mas não resisti). Destaque para o manifesto Anti-Nuclear feito pelo “suburbano”, lembrando que “alguns políticos” (leia-se Marcelo Deda, governador do estado, e Cia. Ltda – lá ele não citou nominalmente, mas já o fez uma vez, na Rua da Cultura) já participaram inclusive de manifestações contra a energia nuclear no passado, e hoje se esforçam para trazer para Sergipe uma Usina do tipo. Alguém do meu lado comentou que “o cachê da Karne Krua vai demorar mais a sair”, mas quero crer que foi por pura maldade. Fora isso, aquela pegada “old school” que já estamos acostumados a ver nessa (já não tão) nova e, provavelmente, melhor formação da Karne Krua desde a que eu chamo de “clássica” – Silvio, Almada, Marcelo e Marlio.

O mesmo problema da Karne (falta de definição na guitarra, som embolado) teve a Impact. Boa banda, thrash com pegada anos 80 e influência de Death metal, especialmente nos vocais. Vi um pouco do show mas resolvi pegar a estrada, pois apesar do belíssimo tapete asfaltico, a distancia é considerável e só fomos chegar em Aracaju com o dia raiando, a tempo de bater uma macaxeira com carne ensopada e café num pé-sujo qualquer na rodoviária velha, iguaria recomendada pelo nosso “guia gourmet hardcore” Roberto Nunes.

Saldo pra lá de positivo.

Até o ano que vem.

Por Adelvan k.

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