segunda-feira, 27 de abril de 2009

Itabaiana rock

por Adelvan Kenobi

Segundo Sabotagem Rock Festival

Bem ou mal no interior de Sergipe, em termos de rock, é em Itabaiana que as coisas acontecem. Nossa Senhora da Gloria tem o Festival Rock Sertão, uma vez por ano, Lagarto teve (ou tem, não sei ao certo) o Lacertae, provavelmente a banda sergipana de maior projeção nacional, e aqui e ali, em Tobias Barreto, Estância, Poço Redondo ou Itabaianinha, há uma ou duas bandas, geralmente de metal (e geralmente com seu repertório calcado em covers), mas em Itabaiana há uma movimentação mais constante. Pode-se dizer até que há, lá, um “esboço” de cena, fruto do esforço de alguns abnegados (eles, sempre eles) que insistem em nadar contra a maré.

No dia 27 de março de 2009 alguns desses abnegados organizaram um evento para lembrar a passagem de um ano da morte de Adelardinho jr., um “maluco beleza” que tinha um programa de rádio numa das FMs locais e que sempre tocava rock em sua programação. Batizaram o evento de Segundo Sabotagem rock Festival (o primeiro havia sido organizado pelo próprio Adelardo, ainda nos anos 90) e chamaram para tocar 4 bandas de Aracaju e uma local, de Itabaiana, a Perrengue.

Cheguei por volta das 11 da noite à Associação Atlética de Itabaiana, tradicional clube social local onde ocorreria o show, e me surpreendi com a movimentação de carros e pessoas. Algo estava estranho, um show de rock, lá, não tem potencial para atrair tanta gente, e não aquela gente. Me informo e descubro que a diretoria do clube havia marcado outra festa, regada a pagode, axé e demais ritmos mais, digamos, “normais”, para o mesmo dia e horário. Mas o rock aconteceria de qualquer forma, já que tradicionalmente já vinha ocorrendo na boate da Associação, que fica num ambiente à parte. Beleza, então vamos lá. Comprei meu ingresso e adentrei o recinto, especialmente quente e abafado por conta do isolamento da porta principal para separar os ambientes, mas fiquei feliz em constatar que ia dar pra rolar a festa, pois o potente som que rolava fora não interferia lá dentro.

A primeira banda a se apresentar, já perto da meia noite, foi o Nucleador. Não entendi o porque do atraso, imensamente prejudicial para as últimas bandas a se apresentarem, pois fatalmente iriam tocar com o dia amanhecendo e o publico cansado. Mas o que importa é que rolou, e o Nucleador, uma banda nova com um imenso potencial, impressionou a todos que os viam pela primeira vez com um set preciso e avassalador calcado quase que totalmente em composições próprias, algo que infelizmente está se tornando raro hoje em dia. A única exceção (que eu tenha identificado, pelo menos) foi um cover do Misfits, mesmo assim bastante adaptado ao estilo deles. Fazem um thrash “old school”, sem concessões a modernidades diluidoras, e agradaram muito ao sedento publico adepto do “rock pesado”, tanto o local quanto os (muitos) que haviam se deslocado até lá vindos de Aracaju, mesmo com a greve dos coletivos a todo vapor. Na seqüência entra uma banda que eu deduzo que seja o UNDEAD (não se apresentaram nem foram apresentados, então só posso especular baseado nos nomes constantes no cartaz). Ousados, já começaram de cara com uma cover de nada mais, nada menos que “painkiller” do Judas Priest. E foi horrível. O som, extremamente mal equalizado, deixava os vocais no talo e as guitarras apagadas e emboladas, um pecado supremo em termos de rock e, especialmente, Metal. Meus ouvidos doíam a cada tentativa do vocalista soar como algo parecido com Rob Halford, mas fazer o que, o publico, majoritariamente composto por adolescentes bêbados sedentos de metal, parecia não estar nem aí para aquele assassinato e curtiam e pogavam e improvisavam mosh em “camas de gato” e cantavam junto, então a banda, incentivada, tocou muito. Mas MUITO MESMO, e estou falando em termos de tempo, não de qualidade. Com desprazer notei que se tratava de uma banda cover e me retirei do recinto quando o vocal perguntou se alguém ali curtia King Diamond – eu não gosto (embora respeite) do original, que dirá de um cover esganiçado executado numa aparelhagem ruim e mal equalizada. Resolvi poupar meus ouvidos e aproveitar para tomar um arzinho. Voltei, MUITO TEMPO DEPOIS (porque a banda tocou MUITO, como disse) para ver um pouco do Metallica cover. Pelo menos estes têm competência e se restringem ao Metallica dos bons tempos, dos três primeiros discos, o que faz deles uma banda cover conceitualmente menos irrelevante. O som continuava uma merda e eu resolvi continuar poupando meus ouvidos e trocando idéias com camaradas que eu raramente encontro.

Por conta do enorme atraso provocado, entre outras coisas, pela insistência de um dos próprios organizadores para que as bandas de metal tocassem mais e mais, num evidente desrespeito às demais bandas que haviam sido convidadas para o evento, a Cessar Fogo só foi se apresentar, previsivelmente, com o dia quase amanhecendo, o publico cansado e o encarregado do som de má vontade – ele inclusive já estava se preparando pra desligar tudo, não havia sido informado que haviam mais bandas a se apresentar. E lá foi a Cessar Fogo (que normalmente é uma excelente banda ao vivo) dar seu recado para quase ninguém e com a aparelhagem cansada e saturada. Fizeram uma apresentação de razoável para ruim, natural pelas condições adversas, e assim encerraram a noite - A banda local há tempos já havia desistido.

Apesar dos muitos problemas, muitos deles fruto da aparente inexperiência (ou falta de noção mesmo) dos promotores, outros de boicote motivado por puro preconceito, o evento rolou e foi um relativo sucesso. Na verdade mesmo hoje em dia, em pleno século XXI, se mobilizar para construir algo relacionado ao rock no interior do estado requer muito esforço e merece aplausos. Que venham outros.

ITABAIANA ROCK

O Segundo Sabotagem Rock Festival foi apenas uma continuação natural de uma movimentação que existe em Itabaiana desde antes de muitos dos presentes àquela noite terem nascido. Vale a pena lembrar o que já rolou por lá em termos de cultura alternativa ...

Já há algum tempo vinha acontecendo, uma vez por mês, alguns shows ali mesmo, na Boate da Associação Atlética de Itabaiana. Eram organizados por Maicon “stooge”, vocalista e guitarrista do Dr. Garage Experience. Tratava-se de um projeto, infelizmente suspenso por tempo indeterminado, chamado Sexta cultural, que exibia filmes independentes todo final de semana e, uma vez por mês, como já citado, levava bandas de Aracaju e até de outros estados para se apresentarem por lá. Por conta dessa nobre iniciativa, pelo palco da boate já passaram o Mahatma Gangue, do rio Grande do Norte, The Renegades of Punk, Jezebels, Mamutes, O Murro e The Baggios, entre outros. O show do The Baggios, dos que vi, foi especialmente empolgante. Lembro que saí para procurar um lugar para lanchar e o clima estava “morgado”, mas me surpreendi ao voltar, pois a banda havia conseguido levantar a galera e colocado para dançar ao som de seu “boogie vigarista” até o mais “rabugento” dos “headbangers” locais.

Mas antes da “Sexta Cultural”, o cenário estava um tanto quanto parado por conta do fechamento do principal “point” local para shows alternativos, um bar localizado na entrada principal da cidade chamado Casa Grande. Esse bar costuma ser lembrado como “o CBGB itabaianense”, pois foram muitos os shows que lá aconteceram, em noites de festa organizadas principalmente pelo pessoal da Urublues com bandas de Aracaju e do interior do estado como convidados. Alguns outros também se arriscaram a produzir eventos no Casagrande, notadamente Ramon Franklin e seu “pré-Natal”. Quando o local fechou suas portas, os produtores passaram a procurar outras opções para as chamadas “festa de rock”. E acabaram aportando na AAI, não na boate, mas no salão principal do clube, onde nos anos oitenta, aos sábados, aconteciam os tradicionais “bailes dançantes”. Foram inclusive eventos relativamente grandes, alguns promovidos pelo programa Radiola (que era veiculado pela mesma radio que abrigava o Sabotage, a Princesa FM), notadamente um acústico que teve a presença da banda paraibana Star 61. Numa outra memorável ocasião, desta vez sob a produção de Fabio da Urublues, os cariocas do Jason se apresentaram pela primeira (e única) vez na cidade. Aconteceram também shows da Rockassetes, antes de partiram para São Paulo, na AABB e na Sede dos Trabalhadores, que foi, por sinal, o local do primeiro Festival de rock underground ocorrido na cidade, ainda no inicio dos anos 90, e sobre o qual discorrerei mais adiante. Vale lembrar também a interessante movimentação de fanzines que aconteceu por lá nesta década de 2000. Foram vários, produzidos e distribuídos localmente, alguns com uma qualidade acima da media, como o Xibiu, o Fun Zine e o Vitrola de papel, além do The Cool Magafun Zine, o ticoticonofullbach e o 100 palavras, este mais voltado para a poesia.

(Na foto ao lado, Urublues) Capitaneando essa pequena cena de shows e publicações independentes estavam principalmente os membros das bandas da cidade. É a velha máxima do “faça você mesmo” punk finalmente dando alguns frutos no agreste sergipano. A formação mais antiga ainda em atividade por lá é o Urublues, fundada ainda no inicio dos anos 90, mas que só começou a fazer shows com certa regularidade já no século XXI. Paralelo a eles existia (e vai voltar a existir, já que há noticias de que estão voltando depois de longo hiato, inclusive com uma apresentação de reestréia já marcada para 8 de maio próximo) o Karranca, cujo som era um rock com pitadas de musica regional, notadamente maracatu e repente, um evidente reflexo da influência do mangue beat pernambucano. Urublues e Karranca são verdadeiras instituições da “cena alternativa” itabaianense, contando inclusive com alguns hits locais, musicas sempre pedidas nos shows e conhecidas de todos, como “sangue na feira” e “homem tambor”, do karranca, e “Mulher de seda”, “sem defesas”, “conversando com as baratas” e “boogie vigarista”, entre muitas outras, da Urublues. As duas bandas são capitaneadas pelo excelente guitarrista Ferdinando, e deram frutos: Maicon “stooge”, que tocava baixo na karranca, acabou se tornando um guitarrista especializado em riffs garageiros, e montando bandas nessa linha, inspiradas em MC5, Stooges e Thee Butchers orchestra. Foram várias, com destaque para Psicosônicos, Carburadores e Dr. Garage Exp. – esta ultima em plena atividade.

(Nas fotos abaixo, Karranca)O que poucos sabem é que, antes mesmo dessas bandas surgirem (ou saírem da garagem e se tornarem mais visíveis aos olhos de todos), existiu uma banda de Death Metal na cidade, nos anos 90. Chamava-se Devilry e chegou a gravar uma demo e organizar alguns shows por lá, um deles com a presença do The Cross, de doom metal, da Bahia. A Devilry fez algumas apresentações ao vivo, quase todas lá mesmo, em sua cidade natal, e tocou apenas uma vez em Aracaju, no saudoso Mahalo Disco club, no centro. Participaram também do primeiro Sabotage rock Festival, que foi um evento impressionante organizado por Adelardo jr. e pelo programa Sabotage em plena praça de eventos de Itabaiana (espaço publico, administrado pela prefeitura) e transmitido ao vivo por uma das FMs locais. Na outra Estação, a Itabaiana FM, havia outro programa dedicado ao rock. Chamava-se GUILHOTINA e era capitaneado por Ademir Pinto com a produção se alternando entre vários colaboradores (eu, inclusive). Chegou-se a se cogitar um Festival para o Guilhotina nos moldes do que foi feito pelo Sabotage, mas o projeto não recebeu apoio e acabou abortado. Em todo caso, fizemos uma Festinha improvisada num depósito de madeira com aparelhagem de ensaio e a participação das bandas Los Repugnantes, Karne Krua e ETC, todas de Aracaju.

Além da Devilry existia na época a banda grindcore/noise Putrefação Humana, que foi fundada em Alagoas por Ricardo “core” mas atuou em Itabaiana quando o mesmo morava lá. A PH, como era chamada, pregava o niilismo não fazia shows. Apresentou-se em público apenas uma vez, numa “gig” organizada por eles mesmos na garagem onde ensaiavam. Mas antes mesmo de existir qualquer banda em atividade na cidade, já existiam pessoas que se mobilizavam para promover eventos e levar para lá bandas de Aracaju e de fora do estado. Os shows aconteciam principalmente no Aruanda Clube e na Sede dos Trabalhadores, mas ficou célebre um que ocorreu no Conjunto Habitacional, em pleno período de natal, com várias bandas de Aracaju (e a Devilry, se não me falha a memória). A Realidade encoberta, de Pernambuco, chegou a tocar em Itabaiana, numa mini-tour que fizeram pelo estado junto com a Anal Putrefaction. Aconteceu na Sede dos Trabalhadores, o mesmo local onde presenciamos, algum tempo antes, o primeiro Festival de rock “underground” da cidade, com a presença das bandas (todas de Aracaju) Karne Krua, Cleptomania e ETC, entre outras. Por pouco este primeiro show não contou também com a presença de um grupo local, pois eu e Carlos Magno, um amigo de longa data, havíamos tentado, um ano antes, “fazer um som”. Economizamos dinheiro e compramos uma guitarra e uma bateria. O protótipo de banda chamava-se Nora Kuzma, em homenagem à nossa musa máxima do cinema pornô, Traci Lords (Nora Kuzma era seu nome de batismo). Fizemos “um som” – horrível, mas fizemos. Este projeto rendeu apenas um polêmico release que circulou bastante, inclusive fora do estado, já que eu começava a fazer contatos pelo Brasil, dando a (falsa) impressão de que a banda existia de verdade. Rendeu também algumas reclamações e ameaças por parte da vizinhança, feito do qual nos orgulhamos bastante. De minha parte, concluí definitivamente que não tinha o menor talento musical. Mas Magno acabou se tornando o baterista e um dos membros fundadores da Urublues, o que, na minha humilde opinião de apreciador da cultura “underground”, já é um feito e tanto - até porque, com a Nora Kuzma, não tínhamos objetivo nenhum além de fazer barulho e se divertir. Era tudo feito “nas coxas”, “just for fun”. Magno se revelou também, posteriormente, um excelente letrista e foi vocalista da Karranca e do Psicosônicos, além de ter publicado alguns fanzines memorávis que poucos leram, mas que quem leu, não esqueceu. Eu também tive meus bons momentos como vocalista da ETC (também rebatizada, em algumas ocasiões, Nora Kuzma e 120 Dias de Sodoma), organizando shows, editando meu fanzine Escarro Napalm, viajando para ver shows graças aos contatos feitos através dos zines e, agora, produzindo o programa de rock. Pensando bem, não foram em vão aquelas tardes calorentas naquela garagem empoeirada na periferia de Itabaiana . Que bom que eu já vivi tempo suficiente pra chegar a esta conclusão ...

Tudo isso aconteceu nos anos 90 e 2000. Na década de 80 não havia praticamente nada. Mas como bem dizia aquela frase de uma campanha de fim de ano da Rede Globo, “o que a gente não inventa, não existe”. Eu e mais alguns amigos tentamos inventar algo. Publiquei o que talvez tenha sido o primeiro fanzine da cidade, o polêmico Napalm, que posteriormente (já em Aracaju) virou Escarro Napalm. Eu era um moleque adolescente um tanto quanto inconseqüente e confuso como os moleques adolescentes costumam ser e não tinha muita noção do que fazia, sabia apenas que queria fazer alguma coisa, fugir daquela pasmaceira conservadora que imperava ( e que infelizmente, ao que parece, ainda impera ) por lá. O fanzine era desbocado e “abusado”, cheio daquela arrogância típica da idade em que a gente acha que sabe de tudo mesmo sem saber praticamente nada - antes de descobrir a máxima “sei que nada sei”. Mas justamente por estar pelo menos tentando construir algo (mesmo que eu não soubesse exatamente o que), acabei conquistando algumas amizades - e inimizades também, pois como bem dizia Nelson Rodrigues, “toda unanimidade é burra”. O NAPALM chamou a atenção inclusive de alguns caras de Aracaju, Passos e Roberto Aquino, da loja Distúrbios Sonores (faziam também um programa muito bacana na Atalaia FM, o “Rock Revolution”), e Sylvio, da Karne Krua. Os caras da loja me ajudaram bastante – Passos trabalhava na prefeitura e conseguiu pra mim uma tiragem de 100 cópias xerocadas de graça, o que ampliou muito o alcance da “apostila”, como eu o chamava, já que eu nem sabia o que era um fanzine. Foi Sylvio, já “macaco velho” na cena, quem me explicou, e enviou para mim vários zines e panfletos punk que me influenciaram bastante. Graças a atitudes como estas eu pude escapar daquele mundinho provinciano ao qual me sentia preso, contando os dias até chegar algum disco que eu havia encomendado na Wop Bop de São Paulo pelo correio (lembro como hoje o dia em que recebi o pacote com o “Orgasmatron” do Motorhead) ou esperando por algum show da banda Circuito Musical na Atlética – a única que baseava sua apresentação em covers de clássicos do rock. Somente os mais populares, evidentemente, tipo “still loving you” do Scorpions, “stairway to heaven” do Led Zeppelin e “smoke on the water” do Deep Purple, mas pra mim, morando onde morava e naquela época, já estava de bom tamanho. Era melhor do que nada.

4 comentários:

  1. *.*
    Nem acredito que o 100 Palavras foi citado por você aqui. Puta elogio do caraleo!
    Vi uma entrevista sua sobre zines, e me deu tanta vontade de voltar pro papel. Muito bom!!!

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  2. 10 Anos depois, um comentário - o que acho massa na internet é isso, que as coisas ficam aí no ar e um dia são redescobertas ...

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  3. O tempo passa de forma diferente na internet, e falando em tempo passado, que coisa boa foi ler esse conteúdo, lembrar de algo ocorrido há tanto tempo, e sentir como se não tivesse passado tanto, fantástico, o clima serrano está mudando mais uma vez, em breve teremos grandes bandas de volta.

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  4. opa! Bom saber disso, estamos de olho ...

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