quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Ian Christe, uma Entrevista


A Bíblia do Heavy Metal - Na falta de um livro sobre a história da música pesada, Ian Christe arregaçou as mangas e hoje vê “Heavy Metal - A História Completa” ser lançada em vários países, incluindo o Brasil. Íntegra da matéria publicada na revista Billboard 11, de agosto de 2010.

por Marcos Bragatto

Fonte: REG

Não é só de bater cabeça que vive o fã de heavy metal. Foi isso que descobriu o jornalista e crítico de música pesada Ian Christe. “Heavy Metal – A História Completa”, seu principal livro, lançado agora no Brasil, é sucesso de vendas nos Estados Unidos e ganhou versões em outros dez países. Nas quase 500 páginas dessa verdadeira bíblia do metal, Christe explica as intrincadas subdivisões do gênero, incluindo uma linha do tempo que tem como marco inicial a sexta-feira, 13 de fevereiro de 1970, data do lançamento do álbum de estreia do Black Sabbath.

Recebido com frieza pela crítica, além de dar o pontapé inicial no heavy metal, o disco inaugurou o desprezo da mídia pelo gênero que permanece até hoje. O preconceito talvez tenha sido o motivo que levou a editora brasileira a mudar título e capa na versão nacional. “Som da Besta” (do original “Sound of the Beast: The Complete Headbanging History of Heavy Metal”), foi omitido na tradução e a imagem do cramunhão foi trocada por uma ilustração com um guitarrista tocando sobre uma cabeça de caveira. Além de noruegueses com rostos pintados e pregos cravados nos braços e pernas, o autor trata de temas menos sérios - como o glam rock - e inclui até grunge e nu-metal, subgêneros renegados pelos fãs.

Ian Christe virou referência, vive sendo chamado a opinar quando ao assunto é heavy metal em programas de rádio e TV, e criou sua própria editora, a Bazillion Points (www.bazillionpoints.com). Os próximos lançamentos? Um livro sobre black metal e heavy metal underground e outro com a história do metal progressivo. É assunto que não acaba mais. Confira abaixo esta entrevista exclusiva, feita por e-mail, com o autor da “bíblia do metal”:

Rock em Geral: O que te motivou a escrever um livro sobre heavy metal? Você não acha que os fãs de metal não estão interessados em ler sobre o assunto, mas apenas ouvir a música e bater cabeça?

Ian Christe: Essa é uma concepção errada, e provavelmente explica o porquê de ninguém ter escrito uma completa história do heavy metal antes de mim. Fãs de metal têm poucas opções no rádio e na TV, então revistas, fanzines e sites sempre foram muito importantes para achar informações sobre música. Fãs de metal têm o hábito de ler e eles provam isso com o sucesso do “Sound of the Beast”. E, ainda, fãs de metal são todo o tipo de gente – recebo cartas de bibliotecários, advogados, funcionários públicos, professores. Eles sempre falam: “não sou o típico headbanger…”, mas eu não acredito que exista essa coisa de “típico headbanger”.

REG: O livro foi lançado em 2004, e agora há uma versão brasileira disponível.Você acha que nesse meio tempo ocorreram mudanças significativas para acrescentar à versão original?

Ian: O heavy metal tem estado muito ativo em todo o mundo nos últimos anos, mas as crenças e estilos básicos explicados no “Sound of the Beast” ainda traduzem toda a história. Novas bandas ainda continuam aparecendo com os mestres do thrash metal, death metal, doom metal, e por aí vai. Eu diria que mais do que nunca novas bandas estão respeitando as tradições do metal — talvez até demais! Ao mesmo tempo, os grandes nomes como Black Sabbath, Iron Maiden e Slayer continuam em atividade.

REG: Que novos subgêneros nasceram/se desenvolveram nesse período?

Ian: Eu acho que, comercialmente, os estilos dominantes são o death metal melódico e o metalcore. Bandas como As I Lay Dying, Killswitch Engage e até mesmo o In Flames, que ajudou a criar este estilo. Já artisticamente eu acho que o que define a cena metálica nos anos 2000 são grupos como Sunno))) e Jesu. Ainda assim, essas duas cenas têm as raízes nos anos 90. Mas no geral eu acredito que os anos 2000 foram um período em que os subgêneros como black metal, death metal, thrash metal e doom metal foram desenvolvidos ao extremo. Foi uma década de refinamento, não de evolução. Por exemplo: a banda de thrash retrô Municipal Waste teve uma grande história, mas tudo que você precisa saber sobre eles vem direto de 1987!

REG: O livro teve boa aceitação nos Estados Unidos? E em outros países?

Ian: O “Sound of the Beast” foi lançado na Inglaterra, Alemanha, Japão, Croácia, Itália, República Tcheca, Finlândia, Espanha, França e uma edição na Sérvia está a caminho. Tem sido animador e também necessário, já que o heavy metal é uma música tão internacional. Espero que a edição brasileira vá bem! Estive na famosa Galeria do Rock, em São Paulo, para comprar camisetas do Sarcófago. Talvez alguém abra uma livraria lá!

REG: Você inclui o grunge e o nu metal como parte do heavy metal, mas a maioria dos fãs não percebe que essas bandas são identificadas com o “verdadeiro” (como eles chamam) heavy metal. O que te fez incluir esses estilos no livro? Recebeu críticas por isso?

Ian: Seria impossível contra a história do glam metal sem mencionar que no começo dos anos 90 bandas de pop metal como Ratt e Stryper foram completamente chupadas por bandas como Soundgarden e Mudhoney. E bandas grunge como essas influenciaram bandas de metal como Anthrax, Death Angel e Napalm Death - pode acreditar. Mas eu tenho cuidado ao falar que o verdadeiro heavy metal se fortaleceu nos anos 90. É um mito que um dia o metal tenha desaparecido. Quanto ao nu metal, não curto esse tipo de música, mas seria desonesto fingir que ele não existe.

REG: A maioria dos fãs de metal apontam os anos 80 como a melhor década para a cena metálica, você também acredita nisso?

Ian: Não. Eu adoro o metal dos anos 80, mas há bandas muito importantes nos anos 70 como Blue Oyster Cult e Pentagram, e nos 90, como Napalm Death, Entombed e Brutal Truth. O metal dos anos 80 é ótimo, mas - adivinhe – o bom heavy metal vem de todos os tempos e lugares, os mais inesperados.

REG: Na versão brasileira do livro, o guitarrista do Sepultura, Andreas Kisser, escreveu o texto de apresentação na orelha. Você participou do processo de lançamento?

Ian: Não participei muito, não. Eu conheço o Andreas, o respeito demais, não apenas como músico, mas com um líder de banda e um homem de família. Ele é um grande cara, e estou orgulhoso de o editor brasileiro tê-lo escolhido para apresentar o livro no Brasil.

REG: O título não foi traduzido corretamente, e a capa foi trocada por outra, assinada por um artista local, que fez algo menos agressivo. Você chegou a ver?

Ian: Honestamente, eu acho a capa estranha! Eu gosto da caveira desenhada, mas o guitarrista em cima soa estranho para mim. Eu creio que o editor sabe o que está fazendo. Talvez a capa original tenha sido um pouco forte para ele – as forças religiosas devem ter sido ultrajadas! O engraçado é que a pintura da capa da versão original do livro é da arte religiosa italiana.

REG: Depois de cerca de 40 anos de existência, você acredita que ainda há o que se criar dentro do heavy metal?

Ian: Sim, depois de 40 anos de renovações e inovações constantes, eu não tenho a menor dúvida de que novos tipos de metal vão continuar a emergir de fontes desconhecidas. Isso tem sido uma constante certa na história do metal. E com Índia, Cingapura, Tailândia e China apenas começando no metal, pode apostar que algo único no mundo do metal está prestes a surgir.

REG: Você compartilha da idéia de que a expressão “heavy metal” foi usada pela primeira vez no livro “Naked Lunch”, de William S. Burroughs, e na música “Born to Be Wild”, do Steppenwolf?

Ian: Muito antes disso “heavy metal” era o termo usado pelo exercito britânico para canhões de guerra, foi esse termo que usei como original no livro. Acho perfeito!

REG: O livro estabelece o lançamento do primeiro disco do Black Sabbath como o marco inicial do heavy metal, mas você não acha que há outras contribuições imprescindíveis, como o Led Zeppelin (com as raízes dom blues) e Deep Purple (com as partes progressiva e sinfônica)?

Ian: Sim, Led Zeppelin, Deep Purple, Blue Cheer e Sir Lord Baltimore, todos contribuíram à beça com o heavy metal. Mas o Black Sabbath é o pacote completo. Você ainda pode ouvir citações ao Black Sabbath na música do Slayer ou do Lamb of God. O Black Sabbath tem um gigante sentimento agourento que define o heavy metal melhor que qualquer riff ou velocidade em particular.

REG: Olhando para a linha do tempo estabelecida no início do livro, não há subgêneros como gothic metal, death metal melódico, math metal e outros…

Ian: Esses são assuntos tratados no livro. Alguns estilos eu não tive espaço suficiente para tratar com muita profundidade – como o death metal sueco ou o prog metal -, mas agora posso publicar livros inteiros cobrindo isso na minha própria editora, a Bazillion Points.

REG: Nos últimos anos Sam Dunn e Scot McFryden dirigiram alguns filmes e programas de TV sobre a história do heavy metal. Você acha que isso contribui com o seu trabalho como escritor e fã de metal?

Ian: Sim, eu fui entrevistado no primeiro filme de Sam e Scott, “Metal - A Headbanger’s Journey”, e acho que eles mostraram uma linha do tempo dos gêneros do metal baseada na organização do meu livro. Eu tenho me envolvido em muitos documentários e programas de nos Estados Unidos, e acho que isso ajuda a espalhar a palavra para os fãs mais novos. O metal tem sido subestimado por muito tempo, mas é um grande fenômeno, e não há razão alguma para, toda vez que aparece na TV, ser deturpado ou mal compreendido. Nenhum filme é tão bom quanto um bom livro, mas filmes transmitem a informação com muito mais rapidez.

REG: Como um jornalista que escreve em várias publicações, você acha que ainda há preconceito contra o heavy metal? No seu dia a dia, mesmo outros jornalistas consideram seu trabalho não tão importante quanto o deles, porque você escreve sobre metal, e eles (por exemplo) indie ou “novo rock”?

Ian: Sim, esses preconceitos existem, é triste. Essa foi uma das minhas motivações para escrever o livro, para ajudar a dignificar a música que centenas de milhares de fãs nunca puderam entrar numa livraria e encontrar algo com credibilidade sobre a música que eles adoram. Tenho lido sobre heavy metal desde muito tempo, mas era um jornalista de revistas grandes como Wired e Popular Mechanics, escrevendo sobre ciência e tecnologia. Eu voltei para o heavy metal porque não havia ninguém fazendo um bom trabalho no meio, e eu precisava ao menos tentar.

REG: Quais são os próximos lançamentos da sua editora?

Ian: Estamos trabalhando num livro cobrindo o black metal extremo e heavy metal underground, chamado “Metalion: The Slayer Mag Diaries”, e está sendo escrito por Jon Kristianson, da Noruega. Acabamos de lançar “Touch And Go: The Complete Hardcore Punk Zine ‘79-’83”, de Tesco Vee e Dave Stimson, com apresentações de Henry Rollins e Ian MacKaye. E logo vamos lançar “Mean Deviation”, de Jeff Wagner, com a história do metal progressivo, de Rush a Opeth. Estamos muito ocupados!

REG: Você nasceu no mesmo ano que o heavy metal… Coincidência ou destino?

Ian: Destino de muita sorte! Eu cresci ouvindo esse tipo de música, ouvindo AC/DC e Saxon na escola primária. Depois tive a experiência de conhecer o thrash metal quando adolescente, e entrei para a faculdade no momento em que a explosão do death metal e do grindcore aconteceu. Tem sido incrível experimentar este constante renascimento desse tipo de música.

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