segunda-feira, 29 de abril de 2013

ABRIL PRO ROCK 2013

punk´s not dead
A edição de 2013 do já tradicional festival Abril pro rock aconteceu nos dias 19 e 20 últimos, sexta e sábado, no palco do Chevrolet Hall, simpática casa de espetáculos localizada exatamente na divisa entre os municípios vizinhos de Recife e Olinda. E eu, como faço todos os anos, fui lá conferir. É minha “peregrinação roqueira a Meca” particular. Porque é, geralmente, a única oportunidade que temos de ver por aqui, na região nordeste, grandes nomes, bandas clássicas e revelações da música independente dividindo o mesmo palco. E, nos últimos tempos, sempre com algumas atrações internacionais de peso.

Fui na sexta quase que exclusivamente para ver o legendário Television, que nasceu na efervescente  cena novaiorquina do final da década de 1970 – a mesma que nos legou nomes como Ramones, Blondie e Talking Heads - e já era pós-punk antes mesmo do punk existir como movimento. O “quase”, no caso, ficou por conta de Siba, de quem sempre gostei, seja no Mestre Ambrosio, na “Fuloresta” ou agora em carreira solo, mesmo que com ressalvas – achei o disco “avante” apenas mediano. Não de todo ruim, mas certamente irregular. Chatinho, para ser bem claro.

Não me arrependi. Até porque num Festival como o Abril pro rock as atrações não se limitam aos shows: há também as barraquinhas de souvenirs e a oportunidade de rever amigos que moram longe. Foi o que fiz, logo que cheguei – tarde, já que havia um temporal infernal no meio do caminho: percorri as barracas e comecei a colocar a conversa em dia, já que o que rolava no palco, naquele momento, não era nem um pouco atrativo para mim. Só depois de um bom tempo com aquela chatice como musica de fundo fui me interessar em perguntar a alguém de que se tratava. Era o Volver, uma espécie de Los Hermanos local. Já conhecia de outras edições. Nunca gostei. Na real, nunca consegui prestar atenção.

Television
Na sequencia veio o Television. Ótimo, não seria preciso esperar até o final. Palco reduzido -  tudo na frente - iluminação simples e direta. Sem muito papo, nem mesmo um educado e de bom tom “Boa noite”. Tomaram seus lugares e começaram a mandar brasa em seu som “anguloso” e cheios de improvisos, com as guitarras passeando pelas melodias, ora se encontrando e conversando, ora tomando rumos diferentes. Tudo devidamente marcado pela cozinha “jazzística” de Fred Smith, no contrabaixo, e Billy Ficca, o baterista - ambos egressos dos primórdios ao lado do guitarrista, vocalista e líder informal Tom Verlaine.  O outro “guitar hero”, Richard Lloyd, não está mais na banda. Em seu lugar, de chapéu coco e cavanhaque grisalho, temos Jimmy Rip – de quem nunca tinha ouvido falar mas que, soube depois, já trabalhou com muita gente grande e boa, tendo sido, inclusive, guitarrista e produtor do disco de duetos lançado em 2006 por Jerry Lee Lewis, “Last man standing”. Segura bem a onda, fazendo a cama para o “virtuosismo discreto” e refinado de Verlaine.

Television
Eu sei, é contraditório, mas é por aí. O Television é uma puta banda, mas sempre foi para poucos. É “Cult”. Não é música para grandes estádios, para levantar a “massa”. Tanto que a impressão que tive é de que o show caberia muito bem num teatro, com o público sentado. E, de preferência, calado – o que não aconteceu naquela noite. Sem conseguir assimilar a proposta sonora que emanava dos auto falantes, as pessoas pareciam aproveitar para tagarelar, o que atrapalhou um pouco nos momentos mais “intimistas”. Mas nada de mais. Nada poderia estragar aquele momento único. Nem os objetos jogados no palco, que provocaram alguns sorrisos irônicos em Verlaine e uma reação mais exaltada de Rip, que foi à beira do palco com o dedo em riste tentando encontrar o autor da afronta.

Billy Ficca
Entre uma musica e outra Verlaine mandava uns “obrigado”, em português, e era isso. Foi assim até o final apoteótico, com a faixa título de seu disco mais clássico, “Marquee Moon”, em versão estendida – sendo que a original de estúdio, quem conhece sabe, já é bem grande. E acabou. Menos de uma hora de show. (Quase) ninguém pediu mais, e eles não pareciam dispostos a voltar, em todo caso. Ficou um gostinho de quero mais, de “coito interrompido”, mas ok, tranqüilo. Já posso dizer que vi um show do Television.

De volta ao fundão, assisti de longe e desatento às demais apresentações. Posso no entanto afirmar, mesmo que superficialmente, que Marcelo Jeneci fez uma apresentação interessante, com arranjos “ousados” e um excelente acompanhamento de Laura Lavieri – aliás não entendo porque eles não se apresentam como dupla, já que a cantora participa de igual para igual em praticamente todas as canções, sendo solista em pelo menos uma, “Astronauta”, versão de uma musica de Roberto Carlos. Própria, mesmo que em parceria com Chico César, o paulistano tem pelo menos uma excelente composição: “Felicidade”, à qual já havia sido apresentado por Bela Raposo na programação da Aperipê FM.

Siba - e Thiago Babalu
E então veio Siba. Apesar da formação sui generis, com uma tuba fazendo as vezes de contrabaixo, e de algumas boas canções como “Ariana” e “Avante”, apenas confirmou a impressão que eu tive ao ouvir o disco: faltou inspiração nas composições. E, por conseqüência, faltou repertório para segurar um show inteiro, mesmo que em formato reduzido, com foram os do Abril pro rock. Foi chato, dispersivo. Só não fui embora porque fiquei hipnotizado pela perfomance de meu amigo de longa data, o sergipano Thiago “Babalu”, hoje radicado em São Paulo e membro efetivo da banda de apoio do pernambucano.

Retirei-me depois, aos primeiros acordes do Móveis Coloniais de Acaju. Não curto – e não agüento mais ouvir essa porra, já que o último disco deles, em dobradinha com o do Pata de Elefante (aí sim!), virou trilha sonora do Cinemark antes do início da exibição dos filmes. Tortura Chinesa perde.

Sodom
Voltei na noite seguinte, claro. A já tradicional “Noite das camisas pretas”, quando o capeta se torna Rei Momo e a capital do frevo e do maracatu se transforma numa espécie de sucursal do inferno! “Hellcife” virou de cabeça pra baixo, numa curiosa “inversão de valores”: enquanto as hordas de punks e Headbangers “from Hell” tomavam conta do nobre espaço do Chevrolet Hall, o Só Pra Contrariar, numa turnê de 25 anos com a volta de Alexandre Pires, teve que se contentar com o Centro de Convenções, que já abrigou várias edições do Abril pro rock. Uma “vingança maligrina”, como diria Bento Carneiro, o vampiro brasileiro.

(Uma curiosidade: segundo o Jornal Folha de São Paulo, os integrantes do Dead Kennedys, ao ficarem sabendo que havia um grande espetáculo de samba logo ali ao lado, fizeram questão de ir lá dar uma conferida, apesar da advertência do produtor Paulo André de que aquele não era exatamente um tipo de samba, digamos, tradicional. Se decepcionaram com o som pasteurizado dos pagodeiros românticos e foram embora depois de cerca de dez minutos.)

Vocífera
Muita gente na porta, filas enormes para comprar ingresso. Mas entrei a tempo de ver o final da apresentação da primeira entre as 10 (isso mesmo, dez !!!) atrações da noite. Era a Vocífera, banda local, de Pernambuco, composta só de meninas. Meninas mesmo – a baixista, que tinha pinta de ser menor de idade, quase some por trás do instrumento. Estão no caminho certo, mas “it´s a long way to the top/IF you wanna rock and roll”: ainda estão verdes, e deixaram transparecer a inexperiência no palco. Em todo caso, reafirmo: promete. Espero vê-las maiores e melhores daqui a alguns anos ...

Vocífera
Na sequencia entrou um daqueles Heavy Metal´s genéricos com um vocalista meio abobalhado forçando a barra na perfomance e eu fui visitar os amigos do fundão. Sempre muito bom rever camaradas como George Frizzo, de Fortaleza, Fernando Castelo Branco, de Teresina, Rogerio Big Brother e os Pastéis de Miolos, de Salvador, LA Nino, baterista do Câmbio Negro HC, lá mesmo do Hellcife, Pedro De Luna, do Rio de Janeiro, Evandro “Cigano Igor” e o grande Tulio DFC, que eu não via há pelo menos uma década. E conhecer, inclusive, alguns ouvintes do programa de rock, como o brother do Picos e Pistas skateborad. E, por fim, ficar babando nos discos de vinil que eu não estava em condições de adquirir – dentre eles um Neubaten em capa dupla que quase me fez cair em tentação – para minha sorte a banquinha do Big foi desmontada antes do final da noite e livrou-me do mal do consumismo. Amém.

No palco, uma banda chamava a atenção: Kataphero, do Rio Grande do Norte. Pesadão, meio industrial, meio Rammstein, inclusive no visual. Legal. Na sequencia, Fang, a primeira atração internacional da noite. Estão acompanhando o Dead Kennedys, por isso foram incluídos no pacote. Boa banda, Hard Core correto e energético made in California. Não conhecia, mas consta que são bem conceituados, tendo entre seu roll de admirados personalidades do quilate de Mark Arm, do Mudhoney, e o falecido Kurt Cobain, de vocês sabem qual banda.

DFC
E então veio o DFC. Tulio havia me dito que Paulo André confessou que os chamou de volta 18 anos depois para se ver livre da molecada que insistia em pedir a presença dos candangos bastardos. E eles vieram com tudo, cuspindo fogo e metendo o “pau no cu do capitalismo em posições obscenas” – singelo nome da primeira canção. Quase destruíram o palco e os tímpanos dos incautos, fazendo a alegria da “molecada 666” que abriu a primeira e maior roda de pogo da noite, transformada pela energia emanada dos alto falantes num verdadeiro “clube da luta”, para além da tradicional “ciranda cirandinha” sem muito confronto individual que costuma ser da tradição local. Estava mais para uma roda de punk baiano – na Soterópolis o bicho pega, sempre. Sei por experiência própria.

DFC
O show foi insano. Tulio é um grande frontman, e conduzia a massaroca (bem definida, o som estava bom) crossover com saltos quase ornamentais e saudações “maloqueiras”. Destaque para a homenagem a Brasilia em “Cidade de merda”, que eles compuseram durante as comemorações dos 50 anos de nossa distópica capital. No final, “Molecada meia meia meia” – “porque o capeta vai te pegar e vai te comer”. Foram cerca de 30 faixas extraídas de todos os (muitos) discos, que sempre têm títulos excelentes: “Igreja quadrangular do triângulo redondo”, “O mal que vem para pior”, “O massacre da guitarra elétrica” e “sob o signo de satã”. O próximo sairá em breve em vinil pela Laja Records e se chamará “Sequência Animalesca de Bicudas e Giratórias”.

Devotos
Depois foram os Devotos, que também estavam há um tempão longe da escalação do Abril – 12 anos, se não me engano. Dizem todas as línguas, boas e más, que por conta de uma antiga briga com a produção – o que se confirmou de maneira bastante contundente no palco, quando Canibal incluiu Paulo André no roll de execáveis da letra de “Devotos do Ódio”. “O que nós temos por Paulo André: ódio” foi uma afirmação, no mínimo, forte. Confesso que fiquei “de cara”.  Me deu a impressão de que algo ruim aconteceu nos bastidores específicamente naquela noite, pois havia um clima tenso no ar ...

Fizeram um bom show, mas ficaram um tanto quanto ofuscados pelo rolo compressor (DFC) que havia passado por cima da platéia. Platéia que, no entanto, não deixou de prestigiar um dos mais queridos representantes da cena local. Tiveram, também, a melhor produção de palco no quesito visual, com uma belíssima projeção de imagens que iam de colagens de matérias de jornal sobre os 25 anos da banda a esboços de desenhos, provavelmente do guitarrista e artista plástico Neilton. O som, no entanto, deixou a desejar – especialmente a guitarra, um tanto quanto “saturada” e sem peso.

Dead Kennedys
A sequencia “3D” terminou com a mais que lendária Dead Kennedys. Foi legal ver os caras que construíram um dos capítulos mais marcantes da história do punk rock e do rock and roll em geral ao vivo e a cores e em alto (nem tanto) e bom (também não, estava apenas razoável) som. Mas a verdade é que eu não consegui superar a falta de Jello Biafra. E olha que nem foi culpa do competente e esforçado vocalista Ron “Skip” Greer. Foi muito acusado de tentar imitar os trejeitos de Jello, mas acho injusto. Creio que qualquer um naquela posição, a não ser que se comporte como uma estátua inanimada – como HR nos últimos shows do Bad Brains – sofreria com a comparação. É que Biafra é daqueles que simplesmente não dá para substituir, mesmo que tenhamos por trás aquela mesma banda que gravou clássicos absolutos como “Frankenchrist”, “Plastic Surgery disaster” e “Bed time for democracy”.

Dead Kennedys
Pra piorar a situação, os caras pareciam estar na base do “qualquer nota”, meio desleixados na execução do repertório que, eu sei porque já vi em muitos vídeos, costumava ser, além de extremamente energética, também precisa. O baixista, Klaus Flouride, foi quem mais deixou a desejar. Como falou o camarada Marcos Braggato em seu Rock Em Geral, “com todo o respeito, está mais para a fila de benefícios do INSS do que para comandar uma horda de desajustados como a do Recife e arredores.” East Bay Ray também parecia estar ali apenas para cumprir tabela. Lamentável.

Mas o show não foi exatamente ruim. Foi apenas “fraco” – ou muito aquém do que se esperaria de uma banda deste porte. Em todo o caso, estavam lá os clássicos, tocados por East Bay, Flouride e DH Peligro – este último visivelmente empolgado e ainda bastante em forma, se comparado aos companheiros – e entoadas em uníssono pela platéia. Mas era foda: você olhava pro palco e queria ver Jello Biafra. Era inevitável. Sem ele, os Dead Kennedys não conseguem deixar de ser apenas uma banda cover de si mesmos – e nem chega a ser das mais competentes, diga-se de passagem.  

Krisiun
Fim de papo para os punks. Chegou a vez das Hordas do metal saírem dos fundos e se posicionarem na frente do palco. Porque o Krisiun estava ali. E fez aquele que foi, tecnicamente, o melhor show da noite – em minha humilde opinião, claro. E olha que eu nem sou um grande fã do estilo ou da banda em especial, apesar de ter gostado bastante de seus dois últimos discos. O som estava simplesmente perfeito. Inacreditavelmente perfeito. Certamente o melhor equalizado: tudo em seu lugar, perfeitamente audível e, agora sim, em alto (MUITO ALTO) e bom som. O trio infernal não deixou por menos: fez uma apresentação matadora, precisa. Não deixou pedra sobre pedra. Sua cover para “No Class”, do Motorhead, foi, pra mim, o ponto alto não apenas daquela noite, mas de todo o festival. Antológico.

Krisiun
O Sodom também foi muito bom. Trata-se de outro trio, só que alemão (O Krisiun é brasileiro, do Rio Grande do Sul). Formado em 1981, é uma daquelas verdadeiras instituição do metal, venerada por um seleto porém fiel séquito de admiradores ao redor do mundo. Nunca ouvi direito, confesso, mas ouço falar deles desde os meus primeiros passos na seara do rock “do mal”. E eles realmente não decepcionaram. Para que se tenha uma idéia da importância e do pioneirismo dos caras, foi abrindo para eles que o nosso Sepultura começou a se destacar mundo afora, na turnê de divulgação de “Beneath the Remains”.

Depois de cerca de 20 minutos de espera – foram os únicos a se atrasar – Tom Angelripper se posiciona no centro do palco em frente a um ventilador que deixa seus cabelos esvoaçantes – efeito que dura até que o suor começa a tomar conta das abundantes madeixas. Escudado pelo guitarrista Bernd Bernemann Kost e conduzido por um baterista cujo visual, de cabelos curtos e boné com a aba invertida, destoava do figurino metálico, passou a enfileirar clássicos da porradaria sonora que combinam execução simples porém precisa, agressividade e boas mudanças de andamento.  

Sodom
Ao som de clássicos como “Agent Orange” e “Remember the fallem”, seguiram o roteiro “maléfico” à risca até que, num dos momentos mais inusitados de todo o festival, para minha surpresa, o alemão começa a tirar no baixo uma melodia conhecida que não tem, a principio, nada a ver com o som que fazem usualmente. Custei a acreditar, mas quando ele começa a cantar não resta dúvida: O Sodom estava fazendo um cover de “Surfin´Bird”, dos Trashmen, imortalizada pelos Ramones! Por esta eu, realmente, não esperava! Conquistou minha admiração, definitivamente.

Encerrando a apresentação, “Angelripper” tira a suada camiseta do Tankard – outra cultuada banda de thrash metal alemã – que usou durante todo o show, joga-a para a platéia e se retira, com cara de satisfação e dando tapinhas na pança saliente.

E foi isso, senhoras e senhores. Ops! Não, ainda teve André Matos, encerrando a noite. Mas não pra mim. FUI!

Para finalizar, duas observações: A organização do evento foi impecável, fornecendo iluminação de muito bom gosto e som de qualidade para todas as bandas. Ou quase todas. Da luz não há do que reclamar, foi sempre perfeita, mas o som variou um pouco de um show para outro – nada que estragasse o espetáculo, mas é lamentável, em todo o caso. Não sei o que houve, se foram falhas técnicas do festival ou culpa das bandas, que teriam se atrapalhado com a equalização ou coisa do tipo. Não sei, não frequentei os bastidores. Sou público pagante. Nunca viajei credenciado nem “a convite da produção”.

E, por fim, tem a maldita BR 101, que continua praticamente intransitável em alguns trechos, com um fluxo pesado de caminhões em marcha lenta emperrando tudo. Fatura a ser cobrada de Dona Dilma, já que as obras de duplicação, que ironicamente fazem parte do PAC – Plano de Aceleração (???) do Crescimento – e resolveriam o problema continuam se arrastando a passos de tartaruga há já quase uma década, calculo eu. Isso porque Juscelino, o principal responsável por nos legar como herança este equivocado modelo de desenvolvimento baseado no transporte de passageiros e cargas em rodovias em detrimento das ferrovias, infinitamente mais apropriadas para países de dimensões continentais como o nosso, já morreu.

por Adelvan Kenobi

fotos: apr 2013 © Rafael Passos

mais tarde

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário