quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Ainda "À Prova de Morte"


Death Proof ***** - Realização: Quentin Tarantino. Elenco: Kurt Russell, Rosario Dawson, Vanessa Ferlito, Jordan Ladd, Rose McGowan, Sydney Poitier, Tracie Thoms, Mary Elizabeth Winstead, Zoë Bell, Michael Parks, James Parks, Quentin Tarantino, Monica Staggs. Nacionalidade: EUA, 2007.

A cicatriz que marca a cara de Stuntman Mike (Kurt Russell) é o que ele tem de menos inquietante. Dublê de filmes e séries de televisão dos anos 70, ele distrai-se a utilizar o seu carro Chevy Nova “à prova de morte” para matar belas jovens. “Death Proof” é um slasher movie misturado com o típico filme de perseguições. Uma homenagem, tal como “Kill Bill” o tinha sido para os filmes de kung-fu.

Aqui existem mulheres bonitas (uma especial nota para quem tenha um foot fetish) e carros cheios de estilo. As referências aos anos 70 são inúmeras, quer as estéticas, como a fotografia de Brigitte Bardot cuja pose é emulada por Jungle Julia, quer as cinematográficas, como o evidente “Vanishing Point” (1971). Mas, ao mesmo tempo, Tarantino faz questão de se descolar de um tempo fixo, e dá-nos telefones celulares e carros figurantes totalmente atuais.

A estrutura do filme divide-se em duas partes, separadas cronologicamente por alguns meses e por dois grupos diferentes de jovens mulheres. O primeiro é composto por Jungle Julia (Sydney Poitier, filha do actor Sidney Poitier), Arlene (Vanessa Ferlito), Shanna (Jordan Ladd, filha da Charlie’s Angel Cheryl Ladd) e Lanna Frank (Monica Staggs), jovens arrogantes com vontade de beber uns copos, fumar alguma erva e divertirem-se. Do segundo grupo fazem parte Kim (Tracie Thoms), Abernathy (Rosario Dawson), Lee (Mary Elizabeth Winstead) e Zoë (Zoë Bell, a dupla de The Bride em “Kill Bill”, aqui interpretando-se a si mesma), mulheres temperamentais decididas a experimentar as potencialidades de um Dodge Challenger R/T de 1970, o mesmo modelo usado em “Vanishing Point”.

Ainda à semelhança de “Kill Bill”, “Death Proof” é também um filme sobre a vingança. Mas em contraste com exploração sexual típica deste género de filmes, Tarantino dá uma unusual força às mulheres, estabelecendo um ritmo crescente, que vai desde os intensos diálogos (tarantinescos) da primeira parte à intensa acção física da parte final. A violência e o gore assumem aqui um deliberado estilo anos 70, com fotografia granulada, cores gastas, película com riscos, mudanças de bobine e cortes propositados na montagem.

Tarantino rodeia-se de elementos familiares, desde o toque do celular, "Twisted Nerve", de Bernard Herrmann, que acompanhou a arrepiante caminhada de Daryl Hannah em “Kill Bill Vol.1”, até ao carro amarelo com barras pretas, “vestido” exatamente igual a Uma Thurman. Também de “Kill Bill Vol.1” vêm os agentes McGraw, pai e filho interpretados, respectivamente, por Michael e James Parks. As paredes estão repletas de posters, e apetece parar cada frame e analisar com atenção todos os detalhes, sabendo de antemão que todos eles foram pensados com extrema minúcia.

E para quem se canse do carácter ‘self-conscious’ das excessivas referências, ou ache insuficiente a moralidade subjacente do “cá se fazem cá se pagam”, basta deixar-se inebriar pelo sentimento de perigo real providenciado pela incrível perseguição final, onde o CGI não tem lugar e onde Zoë Bell é simplesmente impressionante.

Uma nota ainda para a sempre boa selecção de banda sonora, de onde destaco JEEPSTER dos T-Rex, HOLD TIGHT dos Dave Dee Dozy Beaky Mick and Titch e, para terminar, a viciante CHICK HABIT de April March (versão da música de Serge Gainsbourg “Laisser Tomber les Filles” popularizada por France Gall).

por Rita Almeida

CINERAMA

* * *

É um povo extremamente verborrágico, este que habita os filmes de Quentin Tarantino. A depender de seu estágio mental inicial, se você está pouco disposto a prestar atenção, por exemplo, chega a cansar. Mas se prestar atenção e começar a se deixar envolver pelo clima “nonsense” da coisa, invariavelmente será fisgado. “A Prova de morte” não foge à regra: começa com um longo diálogo entre 4 amigas num carro a caminho de um bar. No bar, mais diálogos, mas aí já notamos que elas estão sendo seguidas, e o “perseguidor” é ninguém menos que Kurt Russel, que também entra no bar e protagoniza mais alguns diálogos impagáveis, especialmente aquele com o qual ele consegue convencer a personagem de Vanessa Ferlito a proporcionar-lhe uma dança sensual exclusiva. E que dança, senhoras e senhores ! Certamente um dos pontos altos do filme e que estava ausente do corte inicial quando em conjunto com “Planeta Terror”, de Robert Rodriguez, para compor o combo “Grindhouse”. “Stuntman” Mike, o personagem de Kurt Russel, consegue convencer uma das freqüentadoras do bar a aceitar uma carona e aí suas reais intenções, antes apenas sugeridas, vêm à tona: “Stuntman” (Dublê) usa um carro adaptado, “à prova de morte”, para matar suas vítimas - ao que tudo indica, sempre garotas gostosas, bem resolvidas e de personalidade forte, daquele tipo que costuma assustar homens inseguros. Depois de matar a moça de forma bem criativa, numa sequencia de dar inveja aos melhores “slash movies”, Mike parte para o ataque às 4 garotas do bar, o que rende uma das melhores cenas de acidente automobilística que meus olhos já tiveram o prazer sádico de presenciar, tudo mostrado nos mais diversos ângulos e em câmera lenta, com direita a pedaços que compunham os outrora deliciosos corpos das beldades se espatifando no chão entre cacos de vidro e metal contorcido. Absolutamente memorável.

Corta! Segunda parte, lado B. Mike sobreviveu (lembre-se que seu carro é “a prova de morte”) e já está na caça de novas vítimas. Mas desta vez as meninas (ou pelo menos 3 delas) não são tão inofensivas quanto ele imaginava, o que gera um final inesperado e caricato ao extremo, capaz de arrancar gargalhadas até mesmo do mais carrancudo dos cinéfilos apreciadores de Jean Luc Godard. De quebra, mais uma cena para ficar nos anais da sétima arte, a da longa perseguição final. Destaque para a presença de Zoë Bell, atriz e dublê neozelandesa que já havia trabalhado com Tarantino em Kill Bill justamente como dublê de Uma Thurman, fazendo o papel dela mesma.

“Death Proof” ganhou muito com o novo corte, e não apenas por conta da cena de “slap dance”, embora esta, por si só, já valesse uma nova “versão do diretor”, caso não tenha sido esta a intenção se por acaso o projeto “grindhouse” não houvesse fracassado. Eu tinha visto apenas a versão em conjunto com “planeta terror”, no computador, e posso atestar que vale muito a pena assitir no cinema e com os tais 17 minutos a mais, que eu diria que são indispensáveis. Vale notar que, apesar do fetiche escancarado em cada frame, Tarantino não trata suas personagens femininas de forma misógina, muito pelo contrário: elas têm personalidade, são espertas e divertidas. É o tipo de mulher que você baba e quer muito comer já no primeiro encontro, mas caso não role e não haja perspectiva de rolar, ainda assim vale a pena ter apenas como amiga.

O filme foi exibido em Aracaju na última (última mesmo*) Sessão Notívagos e vai estrear amanhã no “Cine Cult”, onde deve permanecer em exibição por 15 dias, sempre às 14:00h. Não deixe de ver.

Por falar em Sessão Notívagos, a da noite de 24 de setembro contou com as presenças da Cabedal, excelente combo “samba rock” local, e da banda Do Amor, do Rio de Janeiro. O show da Cabedal foi, como de costume, redondinho e pontuado por excelentes composições próprias complementadas por covers bem sacados. Já a Do Amor surpreendeu os incautos com uma música dançante porém permeada de experimentalismos, chegando a lembrar as bandas pós-punk nacionais dos anos 80 (do tipo Patife Band) em determinados momentos. Para dançar e para pensar, sem perder a ternura e muito menos o bom humor, jamais. Grandes músicas, como “chalé”, “Pepeu baixou em mim”, “Isto é Carimbo” e “shop Chop”, executadas com precisão por um quarteto pra lá de competente, capaz de driblar, inclusive, a única deficiência “apontável” no grupo, a falta de um bom vocalista, no sentido técnico da palavra – porque artisticamente falando eles tiram de letra, adaptando muito bem a estrutura das canções às suas vozes e revezando os vocais entre todos os componentes.

* Será? Espero que não ...

por Adelvan

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