Não sou fã de Heavy Metal, apesar de ser fã de alguns dos clássicos do Heavy Metal, como Judas Priest, Black Sabbath, Megadeth e Slayer. Talvez por isso algumas bandas do chamado “segundo escalão”, que fazem com competência o que se propõem a fazer mas não “reinventaram a roda”, por assim dizer, tenham passado totalmente batidas para mim – já ouvi falar da maioria, mas nunca tive a curiosidade de parar para escutar pra valer. Justamente porque não sou um “headbanger”.
Uma destas bandas é o Anvil. Alguns amigos têm me recomendado com insistência um documentário feito recentemente sobre eles por Sacha Gervasi, um antigo roadie do grupo. Acabei convencido a assistir com o argumento de que, mais do que a História da banda em si, o filme discorre sobre o amor pela arte, um sentimento tão forte que faz com que um grupo de amigos consiga ficar junto por mais de 30 anos passando por todo tipo de dificuldades pelo simples prazer de tocar, por acreditar no que fazem. Parece bonito e, como pude constatar ontem ao ver, finalmente, o filme, é.
O Anvil despontou nos anos 80 como uma das grandes promessas da então emergente nova cena do metal, o que pode ser visto logo na abertura do documentário, em que os vemos tocando ao lado de grandes nomes como Scorpions e Bon Jovi. Na sequencia, pra não deixar nenhuma dúvida, somos bombardeados por uma série de depoimentos de superastros “acima de qualquer suspeita” enaltecendo as qualidades do grupo: Lars Ulrich do Metallica, Tom Araya do Slayer, Slash do Guns and Roses e até Lemmy, do Motorhead. Quem sou eu pra falar que é ruim uma banda de rock que Lemmy diz que é legal ? Ok então, Anvil é, no mínimo, uma boa banda de Heavy Metal, mas é também uma banda que não “aconteceu” – teve seu momento de brilho mas não vendeu milhões de discos nem conseguiu manter uma carreira estável. Como conseqüência, o brilho logo se apagou e a vida os jogou de volta à dura realidade dos seres humanos comuns, que têm que trabalhar duro no dia-a-dia para garantir o ganha-pão e sustentar a si próprio e às suas famílias (os caras têm mais de 50 anos e são todos casados e com filhos).
O diretor não faz rodeios e não tarda em mostrar a rotina nada glamourosoo dos dois membros-fundadores da banda atualmente: Steve "Lips" Kudlow , o guitarrista/vocalista, trabalha como motorista entregando merenda escolar, e Robb Reiner, o baterista, é carpinteiro. Mas eles nunca desistiram do sonho de se tornar “rockstars”, e a fita os captura justamente em mais uma das muitas tentativas frustradas de “chegar lá”, desta vez através de um suposto “novo gás” proporcionado por uma nova “manager” que monta uma turnê européia para eles. É tocante ver os olhos de “Lips” brilhando de empolgação ao ler a lista de países onde irão tocar, para logo em seguida assistir a uma decepção atrás da outra, com publico mirrado (muito embora, na maioria das vezes, empolgado), produção desencontrada, calotes e longas esperas dormindo no chão de aerportos e estações de trem. Não é pra qualquer um suportar isso com mais de 50 anos de idade, pode ter certeza. A todo momento você pensa que eles vão desistir, mas olha lá o teimoso do Lips mandando uma fita demo (!!!! – sim, posso estar enganado, mas o que eu vi ele embrulhando e mandando pelo correio para um renomado produtor inglês me pareceu uma daquelas pra lá de ultrapassadas fitas k-7) e, pasmem, conseguindo um retorno do tal produtor. Vemos então mais uma vez um avião decolando de Toronto, Canadá, sua terra natal (nessa hora me pego pensando como esses caras fudidos conseguem viajar assim tão fácil pelo mundo afora, mas então me lembro que eles são cidadãos do primeiríssimo mundo e se meu amigo Panço, morador da Vila da Penha no Rio de Janeiro e guitarrista de uma banda assumidamente “underground” consegue, porque eles não conseguiriam?), rumo a Londres. O cara, que já trabalhou com Judas Priest e Thin Lizzy, dentre outros, concorda em produzir o novo disco do Anvil, mas o preço é salgado. Lips consegue um empréstimo (ah, a família ...) e assim gravam seu décimo terceiro álbum, não sem uma série de rusgas e muito, muito estresse no processo.
Neste momento é impossível não comparar o filme com “some kind of monster”, do Metallica, e se chocar com realidades tão diferentes – rockstars com crises existenciais mesmo nadando em dinheiro chegam ao cúmulo de fazer terapia de grupo em público, como que para justificar mais um álbum fraco. Ok, “dinheiro não trás felicidade” e os ricos também têm o direito de ter suas paranóias, mas como bem disse o grande Kerry King numa entrevista que reproduzimos alguns posts abaixo, tem coisas que NÃO PRECISAM vir a público. É chato, e por conseqüência o documentário do Metallica é chato, parece uma infinita sucessão de discussões e bater de portas sem sentido. Aos olhos de qualquer um, e principalmente se comparado às dificuldades reais que caras como os do Anvil passam, o Metallica não tem do que reclamar, pelo menos não assim, na frente de todos.
O filme do Anvil não é chato. É emocionante. Você torce pelos caras, mesmo que você também não goste do som que eles fazem. Por que é real, dá pra sentir – "tá na veia". Eles têm aquele sonho de “rockstar” que perseguem obsessivamente mas acabam se divertindo no processo, porque no final das contas o objetivo final é mostrar sua arte, na qual acreditam acima de tudo, ao máximo de gente possível. Se a intenção fosse apenas ganhar dinheiro já teriam desistido há muito tempo.
E é gratificante saber que a jornada termina com um final feliz, apesar dos pesares. Pelo menos por uma noite, no distante Japão, onde não pisavam há mais de 20 anos, as expectativas não são frustradas e eles, finalmente, tocam para uma platéia lotada e empolgada. E seguem em frente, preparando seu décimo quarto álbum de estúdio.
Vale muito a pena assitir. Recomendo.
Por Adelvan Kenobi.
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