quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Gigante Animal em Aracaju

A apresentação de uma banda estranha aos domínios de nosso conhecimento sempre oferece oportunidade para o confronto de certezas estabelecidas. Temos todos pré-conceitos, inclinações, preferências. Temos afinidades inexplicáveis, que desobedecem a qualquer tentativa de racionalização. De vez em quando, no entanto, um forasteiro chega de outro mundo – um planeta vermelho ou o apartamento do vizinho –, só para abrir uma janela desmedida na parede sólida de nossa apreciação.

Esta semana, o Capitão Cook abriga a etapa sergipana da turnê que os paulistas da Gigante Animal realizam pelo Nordeste. A banda é competente, dá conta do recado e ainda conta com a presença de Babalu em seus quadros. O cabra é filho da terra, velho conhecido da cena sergipana. A energia empregada pelo batera em bandas como a Karne Krua e Triste Fim de Rosilene promete uma performance cheia de empolgação.

Para minha surpresa, entretanto, a principal atração da noite não é a mais digna de curiosidade. A ocasião que propicia a necessária aparição das locais Perdeu a Língua e Nautilus – que cometem verdadeira injustiça com o próprio trabalho, manifestando-se tão raramente – revela ainda a maturidade alcançada por nossos músicos mais jovens. Depois de conferir o Myspace das três bandas que fazem a festa no Cook, não tenho dúvidas de que a instrumental de nome sugestivo tem tudo pra roubar a cena.

Com a boca cheia – Reza o ditado que em boca fechada não entra mosca. Eu, que já me familiarizei com o sabor da iguaria, faço ouvidos moucos e insisto no impulso de emitir opinião. Não existe dúvida de que a grande atração da noite é mesmo a apresentação da Gigante Animal. Se fosse preciso apostar minha fortuna em um nome, contudo, a instrumental Perdeu a Língua correria o risco de voltar pra casa com os bolsos pesados.

A história do grupo é relativamente recente. A banda surgiu em meados de 2006, por iniciativa do baterista Tiago Babalu e dos guitarristas Luiz Oliva e Alex Prado, durante uma turnê da saudosa Triste Fim de Rosilene. Após o fim da caminhada pelo nordeste, os caras convidaram o baixista Maneu para tomar parte na empreitada. O resultado agradou, mas os caras se dividiram entre trabalhos paralelos (a exemplo da Snooze, Karne Krua e a paulista Debate) e acabou no que deu. Um projeto fantástico, encostado, sem atividade.

De qualquer modo, o som do quarteto é muito divertido. Com estrutura calcada no formato clássico do rock (Guitarra/Baixo/Bateria), o Perdeu a Língua agrega em sua sonoridade um espectro musical abrangente, tendo como resultante uma estrutura livre e sem amarras, que permeia desde o fraseado nordestino revisitado até o rock mais autêntico.

Para além do que informa o release da banda, é preciso mencionar ainda a habilidade de seus músicos. Não é qualquer neguinho que passeia por gêneros diversos, até mesmo antagônicos, com tanta desenvoltura.

Entronado no esforço de minhas peregrinações, eu julgava que conhecia tudo o que importava na música sergipana de nossos dias. Pra minha surpresa e felicidade, a banda Perdeu a Língua afastou o enfado dessa perspectiva e me provou que não.

Fonte: Spleen & Charutos

por Rian Santos


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Sobre a Gigante Animal:

O Gigante Animal é do tamanho da atual fase do rock independente nacional. Nem tão lá nem tão cá, o quarteto formado em 2006 demonstra cuidado e sofisticação tanto na produção como no resultado final, que por si só informam muito sobre suas virtudes. Em todos os quatro EPs gravados, cada um com três sons, a produção é esmerada. A cada passo, o grupo compartilha o processo de descobrimento das próprias potencialidades, como quem descobre o amor – ao vivo, o grupo é uma experiência passional de timbres, variações e harmonias.

O que é apenas sugerido nas letras um tanto vagas é preenchido pelos sons – tal qual o nome da banda, uma síntese de estranheza e retidão. A distribuição dos EPs é feita nos shows e com base na troca de e-mails: você manda uma mensagem e leva um dos EPs, acompanhado de um link pra baixar os que faltaram. Esse equilíbrio entre expor a procura pela musicalidade e se colocar criativamente no mercado, combinado com o já referido estranhamento, são a marca de um determinado segmento da música urbana jovem atual.

Tomemos trechos do último trabalho da banda, “Ténn”: “E esse cinza que não passa/ sem graça, passará!” (de “Cinza”), “depois pra sempre não há/ quem disse que pra sempre será?” (de “Ah, Tá Bom”) e “passa passa passará/ seus dias nunca vão voltar/ passa passa passará/ tenho medo de me arrepender/ a seco, acertos descontos” (de “Pelo Reflexo”), recortes que passeiam, ao fim e ao cabo, pela perda da inocência e por ritos de passagem à moda dos melhores romances de formação.

E, assim como o talento dos recifenses do Nuda, que em muito se irmana com o Gigante, a fórmula musical é o que poderíamos chamar de pós-Los Hermanos: romantismo jovem, um hibridismo que busca a amenização de temas locais e estrangeiros. Mas, enquanto o Nuda se vale de cores vibrantes e tropicais para alcançar tal empreitada, o Gigante se esmera no reaproveitamento do combalido indie rock saído do pós-hardcore estadunidense. E é nesse método de tentativa e erro tão abertamente exposto que reside o interesse em acompanhar o amadurecimento estético do grupo – ainda que tudo, por fim, fique cinza.

Por Arthur Dantas

Fonte: +Soma

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