segunda-feira, 22 de novembro de 2010

MM3 no Brasil - como foi ...



Sabia-se muito bem que a passagem de Lou Reed pelo Brasil seria ruidosa, bem ruidosa. O cantor norte-americano trouxe ao Sesc Pinheiros neste sábado e domingo, em São Paulo, a turnê do Metal Machine Trio, inspirada em "Metal Machine Music", seu álbum de 1975, considerado por muitos, como se divulgou a exaustão, o pior de todos os tempos. A experiência extrema do disco, ruídos e distorção pura, felizmente só serviu de inspiração – o show, ufa, tem momentos de melodia para afastar o desconforto.

Mas ele está lá, quase o tempo todo. Sentado, Reed fica na guitarra e diante de uma mesa de efeitos, orientando o nova-iorquino Sarth Calhoun, nos computadores, e o alemão Ulrich Krieger, saxofone, com gestos e meneios de cabeça: ele é o maestro. Ao fundo, sons em loop parte hipnóticos, parte enlouquecedores, numa apresentação de uma hora e meia de improvisações. Não foram poucas as pessoas que deixaram o teatro ontem, inclusive pais desavisados (inexplicavelmente) com crianças e um engraçadinho que se filmou dando tchau para o palco, como que desaprovando o som do trio.

Na verdade, não há o que desaprovar. A proposta do espetáculo é, desde o início, um flerte forte de Reed com a música experimental, o noise, que encontra abrigo na arte avant-garde, onde conceitos como "estética do ruído", como diz um folheto do Sesc, são aceitáveis. Entra no jogo quem quer. Só é preciso deixar claro que o Metal Machine Trio, justamente por trazer paz vez ou outra – em especial quando Ulrich para as notas agudas no sax e arrisca uma melodia –, é um representante "amigável" do noise. Há gente muito mais engajada por aí, que faz dos shows um experiência sensorial, auxiliada por protetores auriculares.

Não foi assim com Reed, ainda bem. No final, quando ele estava de pé, com a guitarra nos braços, o silêncio e a cara amarrada durante todo o show deram lugar a um sorriso. "Muito obrigado por terem vindo. Espero que vocês tenham se divertido tanto quanto a gente", disse ele, pouco depois de levar um susto ao ver um fã invadir o palco para pegar uma palheta a seus pés.

Talvez pela recepção da plateia, que aplaudia sem parar, ele voltou sozinho dos bastidores, pegou a guitarra e não só tocou, como cantou. Abrindo uma brecha no rigor das apresentações do Metal Machine Trio, Reed deu de presente aos brasileiros "I'll Be Your Mirror", do álbum "The Velvet Underground & Nico" (1967). Um bálsamo para curar os ouvidos da barulheira, a música nunca soou melhor (assista a um vídeo aqui). Ao terminar, Reed foi apertar a mão de quem se espremia para vê-lo mais de perto. E saiu, a tempo de não ver a turba saquear o palco atrás de uma recordação.

Marco Tomazzoni

iG

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Em 1975, Lou Reed lançou Metal Music Machine. O disco trazia distorções e barulhos esquisitos que arrepiaram até os cabelos dos críticos mais vanguardistas.

Dizem que, na época, Reed estava se desligando de sua gravadora e entregou a tortura sonora só como obrigação contratual.

Por outro lado, o cantor rebate a história e afirma que o trabalho é importante e influenciou estilos como o punk e o eletrônico.

O fato é que este ano o polêmico álbum foi relançado em vinil e CD. Além disso, o cantor de 68 anos montou o Metal Machine Trio (MM3), para excursionar mostrando improvisos baseados na obra.

Sendo assim, a terceira vinda de Lou Reed ao Brasil foi marcada pelos barulhos infernais do Metal Machine na Mostra Sesc das Artes 2010.

Com ingressos esgotados para dois dias (20 e 21) no Sesc Pinheiros, em São Paulo, a trinca barulhenta matou a curiosidade dos fãs e assustou alguns desavisados que achavam que veriam um show “normal” do ex-líder do Velvet Underground.

Neste sábado (20), Reed subiu ao palco ao lado de quatro guitarras ligadas e encostadas em um pequeno muro de amplificadores. Enquanto a microfonia desentupia os ouvidos da plateia, o avô do punk sentou em torno de máquinas com efeitos sonoros, empunhou uma outra guitarra e seguiu viagem acompanhado pelo saxofonista Ulrich Krieger e pelo tecladista e programador Sarth Calhoun.

Desta forma, passaram-se cerca de 40 minutos de pandemônio sonoro, com pouquíssimas intervenções do compositor balbuciando algumas palavras.

Uma fã perdeu a paciência e xingou o ídolo antes de abandonar o local, depois de uns 15 minutos “de espera”. Mas os incomodados foram poucos, porque a maioria dos pagantes sabia o que esperava.

No final, Lou Reed caminhou até a beira do palco, agradeceu a todos e chegou a arriscar um som do Velvet Underground, I'll Be Your Mirror.

Um show surreal.

Daniel Vaughan

R7

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SÃO PAULO - Ruídos, microfonias, distorções e demais efeitos sonoros que passam ao largo do que se convencionou se chamar música. Por quase uma hora e meia, sem intervalo algum, na noite de sábado, Lou Reed (guitarra e eletrônica) e seus dois copilotos no Metal Machine Trio - Ulrich Krieger (sax tenor e eletrônica em tempo real) e Sarth Calhoun (processamento ao vivo) - apresentaram aos paulistanos a nova versão do controverso e radical projeto "Metal machine music", lançado em disco em 1975 pelo músico americano.

O concerto - que terá uma segunda dose neste domingo - lotou os cerca de mil lugares do Sesc Pinheiros, na capital paulista, abrindo a série "Barulho", que, até sábado, também contará com apresentações de grupos da Itália (Splinter vs Stalin e Crash Trio), da Dinamarca (The Raveonettes) e do Brasil (o coletivo carioca Chelpa Ferro e a banda paulistana Patife Band).

Ruídos que invadiram o teatro de ótima acústica antes mesmo de os três músicos tomarem seus lugares no palco. Até Reed se instalar numa cadeira, de onde só se levantaria perto do fim, passaram-se quase dez minutos de zoeira vinda das caixas de som, e que prosseguiria com o Metal Machine Trio em ação. Com uma guitarra e rodeado por um painel de computadores e demais geringonças eletrônicas, Reed, quase sempre cabisbaixo, disparava rajadas sonoras, que, encorpadas pelas contribuições dos companheiros, alternaram cacofonia, próxima do estilo free jazz, e momentos de algum descanso, beirando mantras. Após algum tempo, a receita se torna previsível, mas ainda incômoda, sem resquício de melodia, sem letras - em poucos trechos, ele murmura algo, algumas frases, mas que passam longe do canto.

No mínimo também é coerente com as intenções deste que já foi considerado o "pior álbum de todos os tempos", ao ser editado, há 35 anos, e que, com o passar do tempo, ganhou status de precursor ou referência de diferentes gêneros, do heavy metal ao grunge, passando pelo rock industrial, pelo techno e pelo trance.

Recuperado pelo artista no início do ano, que lançou uma versão remasterizada do disco, "Metal machine music" tem uma história bem mais interessante e curiosa do que seu resultado. Editado como um álbum duplo, ele teria sido feito para encerrar o contrato de Reed com a gravadora RCA. Num texto que escreveu para o encarte dessa primeira edição, Reed dizia que como o inventor do heavy metal estava fazendo o trabalho definitivo do gênero. Para muitos aquilo era uma piada, mais uma provocação do iconoclasta artista em briga com sua gravadora. Ao chegar às lojas, foi inicialmente recusado pelo público - muitos, ao não encontrarem as habituais canções do ex-líder do grupo Velvet Underground, devolveram o disco, alegando que estaria com defeitos.

Reed montou o Metal Machine Trio, ou MM3, em 2008, e desde então já tinha gravado um disco inédito, "The creation of the Universe", e também a trilha de um documentário "Red Shirley" , sobre sua tia de 102 anos, Shirley Novik, judia-polonesa que, em 1938, conseguiu fugir dos nazistas e emigrar para os EUA. Aos 68 anos, o cantor e compositor parece fisicamente debilitado, movendo-se com alguma dificuldade nos raros momentos em que se levanta. No fim, aplaudido calorosamente pela plateia - foram poucos os que abandonaram o concerto no meio - Reed retornou ao palco sozinho e fez no bis a única concessão da noite, apresentando "I'll be your mirror", canção do Velvet Underground. Mas, a voz cavernosa que saía de sua garganta pouco diferia dos raros espasmos guturais que ele tinha emitido momentos antes em sua Metal Machine Music.

Antonio Carlos Miguel

O Globo

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Imaginem como seria se hoje, em pleno ano de 2010, Marcel Duchamp enviasse a sua obra Fountain (um urinol, vaso sanitário, assinado com pseudônimo) para a Bienal de São Paulo. Haveria escândalo? O público fugiria? A crítica se enfureceria, como em 1917?

Lou Reed propôs algo parecido na noite de anteontem no Sesc Pinheiros com o seu Metal Machine Trio, com um efeito final curioso. Passou um espanador numa obra de impacto antiestético, o disco Metal Machine Music - An Electronic Instrumental Composition (RCA, 1975). Aquele álbum, hoje com 35 anos, era feito somente de música aleatória, álbum duplo com quatro faixas contínuas sem picos dramáticos, sem manipulação de emoções. Um manifesto de vanguarda ("Isso não tem significado para o mercado", advertia o cantor, nas notas do álbum).

Metal Machine Music, portanto, prestava-se a um questionamento ético - o que significa fazer música para entreter plateias? "Esse disco não é para festas, dança, música de fundo ou romance", escreveu Lou Reed. Quando foi anunciado seu novo projeto com o Metal Machine Trio, ficou no ar a questão: como ele retomaria aquela ideia, sem parecer déjà-vu, extemporâneo e, pior ainda, exibicionista?

A resposta, para os brasileiros, veio no show do Sesc, com todas as implicações de respeito e rejeição que a resolução da charada traria. Lou, tocando na penumbra, cercou-se de dois parceiros aplicados, que davam pinta de ter escapado de alguma banda extinta de metal melódico: o saxofonista Ulrich Krieger e o piloto de botões Sarth Calhoun, que também operava uma percussão eletrônica.

Livre improvisação num território eletrônico, um jazz de serralheria. Feedback, realimentação contínua dos sons, alternância de velocidades da guitarra (Lou Reed, sentado no centro do palco, parecia uma velha costureira do purgatório) e rasantes de saxofone. O efeito, na maioria do tempo, era de que o Metal Machine Trio tinha enfiado 1.000 pessoas (a lotação do teatro) numa espécie de máquina de ressonância magnética coletiva.

Os desavisados saíam às dezenas do teatro do Sesc Pinheiros após uns 20 minutos de show. Surpreendidos por uma música abstrata, cheia de distorções, sem melodias, sem padrões, sem canto, assaltos de urros e restos de sons urbanoides, como sirenes e metrôs, alguns sentiam-se lesados. "Está insuportável", dizia a educadora Ísis de Palma. "É um desconforto que dá, é um incômodo", definia a professora.

Como cães metálicos ganindo, a guitarra de Lou Reed gemia e o saxofone de Ulrich Krieger ignoravam a movimentação apressada no escuro do teatro, em direção à porta de saída. Seus "solos" lembravam serras elétricas desgovernadas na noite de São Paulo, e só de vez em quando se intuía alguma melodia no meio de tudo aquilo. Na frente do saxofonista, haviam falsas partituras - não é o tipo de música que se escreve.

Lou trabalhou a criação eletrônica ao vivo, com instrumentos eletrônicos e eletroacústicos, criando música em progresso. A referência ao álbum clássico só foi dada somente 10 minutos antes do início do show - enquanto a plateia ainda se sentava, o sistema de som tocava faixas do mais odiado disco do rock. De vez em quando, as vozes eram usadas para criar mantras soltos, que eram repetidos pelos laptops e juntavam-se a novos mantras.

Somente na metade do show é que Lou soltou algumas frases soltas ("O que você pensa? O que você vê?"), sob uma base que lembrava uma improvisação jazzística, mas um primo bem remoto desta. Com gestos enérgicos com as mãos, como um maestro da improbabilidade, Lou ordenava ao outro parceiro da noite, Sarth Calhoun, que operava os laptops ao vivo, para que castigasse a percussão eletrônica, ou estendesse efeitos.

Nos anos 1950, a música eletroacústica de Pierre Henry e Pierre Schaeffer utilizava-se de um banco de sons que armazenava desde gritos de animais a barulhos industriais editados. O alemão Stockhausen chegou a fazer um concerto com um quarteto de cordas tocando dentro de um helicóptero. Lou Reed parece concordar com Pierre Henry, que hoje em dia coloca os computadores na "categoria acidente de trabalho", preferindo sempre enfatizar os sistemas analógicos.

É preciso salientar que o show do Metal Machine Trio não seguiu de forma alguma o script daquele disco de 1975. Lou Reed fez música dessa vez, mas igualmente perturbadora quanto os ruídos do álbum. Naquela época, o artista escreveu no álbum que se sentia forçado, devido à capacidade de estimulação sensorial do seu trabalho, a advertir que poderia ter contraindicações - salientava que era delicado para hipertensos, pessoas com possibilidade de ataques epiléticos, disfunções motoras, etc.

No saguão fora do teatro do Sesc Pinheiros, a plateia que fugia gargalhava aliviada. Mas quem ficou tinha motivos fortes. Ao final, a plateia que resistiu pediu e Lou voltou. Ciente de que submetera seu público a uma provação, encerrou com uma do Velvet Underground, I"ll Be Your Mirror (a música é de 1967, do álbum The Velvet Underground & Nico, composta por Lou a partir de uma frase da cantora alemã Nico). "Com o Velvet Underground, a ideia sempre foi assumidamente lírica, verbalmente orientada para a cabeça, rock cabeça, com a exploração de vários temas tabu, como drogas, sexo e violência", disse Reed. Ao retornar a esse mundo das coisas naturais, tocando uma canção convencional no apagar das luzes, Lou Reed acabou cometendo um solitário ato de generosidade de um eterno enfant terrible do rock. Depois, foi comer numa cantina italiana.

Fonte: O Estado de S.Paulo

por Jotabê Medeiros

2 comentários:

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