A tese deu origem ao livro ou essa publicação estava projetada assim mesmo?
Hugo: Sim, o livro é uma reprodução da tese. Com pequenas modificações somente.
Era pensamento seu registrar algo histórico como a cena rock em Aracaju?
Hugo: Após ter feito, durante o mestrado, uma pesquisa sobre os chamados grupos “folclóricos” (também publicado em livro sob o título “As Taieiras”), me ensinando bastante sobre o necessário distanciamento para uma visão científica do objeto de estudo, resolvi que, para o doutorado, gostaria de trabalhar com um repertório musical que me agradasse mais. Que fosse mais próximo do meu gosto pessoal. Escrevi um pequeno texto sobre a cena underground em Aracaju, que apresentei num congresso em 2003 e daí veio a idéia. A intenção sempre foi a de identificar essas fronteiras estilísticas que os insiders conhecem tão bem, mas que os outsiders desconhecem. E o pior é que eu pensei que conhecia até começar a fazer a pesquisa. Até então, nunca tinha ouvido Death ou Black Metal. Fiquei encantado. Logo, como iria trabalhar com essa cena, uma perspectiva histórica seria necessário. Sei que ainda está longe do ideal, mas já é alguma informação sobre como foi à cena há algumas décadas atrás. Logo depois de ter escrito a tese, minha intenção foi a de organizar um livro coletivo sobre a história da CRUA, sob a perspectiva dos participantes de cada época. Seria um livro com mais ou menos dezesseis capítulos organizados em décadas: 1970, 1980, 1990, 2000. Daí eu convidaria quatro pessoas que participaram ativamente em cada uma dessas décadas para escrever sobre suas experiências e fatos interessantes. A idéia continua viva, só estou muito ocupado no momento para pô-la em prática…
Você concorda que somos carentes em publicações à respeito da música underground em todo país?
Hugo: Sim, mas isso está mudando aos poucos. O problema é que, só temos revistas que fornecem informações sobre o que acontece no Rio e São Paulo. Outras cenas ficam sem voz. O que é muito interessante, pois viramos o underground do underground, hehehe. Isso muda um pouco se levarmos em consideração os fanzines locais ou regionais, mas que têm pouca projeção nacional, o que não agrega legitimação ao seu conteúdo. No entanto, os metaleiros de ontem estão se tornando os pós-graduados de hoje, e nada mais natural que eles procurem fazer pesquisa nessa área obscura por natureza (ou por ideologia). Logo, algumas áreas chave já estão produzindo diversos textos sobre as mais diversas cenas underground no Brasil: Comunicação, Literatura, Sociologia e Antropologia. Tem até um trabalho em Geografia sobre a cena punk em Londrina-PR. Só recentemente que a música tem aberto espaço para esse tipo de pesquisa. O mundo acadêmico da música é muito conservador. A minha foi a primeira tese de doutorado (quiçá de pós-graduação) em música a abordar Metal. Logo em seguida veio a da Cláudia Azevedo, sobre o Black Metal, da qual tive a honra de ser convidado para a banca. E o mais legal é que aos poucos esse material vai sendo publicado.
Qual a tiragem do livro e de que forma você está comercializando?
Hugo: O livro teve tiragem inicial de 500 cópias e foi publicado pela Editora da Universidade Federal de Sergipe. Eles me deram 100 cópias, que já foram quase todas distribuídas entre colegas, participantes da cena e outros. O livro pode ser adquirido diretamente pela Editora da UFS no site <
Como você se sente em ter realizado esse trabalho?
Hugo: Gostei muito do resultado. Aprendi muito conversando com todos os envolvidos na pesquisa, e abri muito mais minha cabeça para sons que eu não ouvia/entendia. Hoje ouço muito metal extremo como Carcass, Napalm Death e Dying Fetus. Espero que, os poucos que se aventurem a ler esse texto, mesmo que pulem as partes muito técnicas da análise musical, consigam ter uma visão mais abrangente do que é uma cena metal. Creio que esse deva ser o objetivo de toda pesquisa científica, mudar o estado das coisas. Estou feliz
Quais os comentários que tem recebido sobre ele?
Hugo: Na verdade, poucas pessoas tiveram a oportunidade de ler com calma e na íntegra o livro. É um lançamento recente e, como disse anteriormente, existe uma parte muito específica de análise musical que afasta os leigos. Mas os poucos que me deram um retorno disseram que gostaram muito do livro. Principalmente porque a escrita é leve e fácil de ser entendida. Em 2009 fui até Colônia, na Alemanha, apresentar uma comunicação num congresso sobre Metal e Gênero. Foi um pequeno resumo das análises musicais da tese. E a turma lá gostou muito do trabalho, e das bandas. Principalmente da Scarlet Peace. A Deena Weistein, autora do livro “Heavy Metal: its music and its culture”, publicado em 1991, uma das primeiras pessoas a escrever sobre Metal no mundo, gostou muito da banda The Warlord. Ela disse que seria natural, já que adora o Manowar e que ambas têm muito em comum. Logo, ao tempo que estou disseminando um pouco mais de informação sobre a cultura metal em geral, estou levando um pouco das bandas sergipanas para um público maior. E isso em si já é gratificante. São bandas sérias que estão em constante melhora, e merecem serem conhecidas.
Você vivenciou esse cenário underground tocando numa banda de metal. Poderia fazer uma abordagem do que é ter uma banda e ser músico no meio independente?
Hugo: É ter amor à música. Só tem banda nessa cena, e que permanece ativa por anos ou décadas (como as estudadas) é quem toca por prazer. Obviamente existem aqueles que fazem bandas ou entram em bandas somente para obter algum tipo de reconhecimento local ou factual. Mas esses rapidamente desistem, pois essa noção de sucesso é efêmera nesse contexto. Uma banda como a Scarlet Peace, por exemplo, não faz música para ganhar dinheiro. Muito ao contrário. O gasto pessoal e financeiro que é exigido para manter uma banda com um nível de qualidade razoável é muito alto. Logo, pagamos para tocar. Essa é a verdade. Mas fazemos com prazer. Quando o prazer acaba, fica insustentável manter uma banda desse tipo. Foi o que aconteceu com a The Warlord. Boa parte dos músicos perdeu o prazer de tocar como diversão, como o hobby do final de semana. E por isso a banda não conseguiu se manter. Nessas horas, é sempre possível trocar os integrantes, mas é muito desgastante para um membro, como Otávio, segurar a onda toda nas costas. Ter banda é dividir responsabilidade. É diferente de projetos solos. E nós vemos muito poucos projetos solos na cena underground. É caro manter e muito desgastante. Tenho vivido com músicos profissionais (de música Pop ou de orquestras) e são os piores para se fazer uma banda, pois são muito mercenários. Só querem formar uma banda ou tocar em algum evento se houver retorno financeiro. Muitos deles se esqueceram de fazer boa música (seja lá o que isso for) somente pelo prazer de fazer e se sentir capaz de fazê-la. Sei que o músico precisa comer. (ver poesia de André Agui em: http://andreagui-livros.blogspot.com/2009_12_01_archive.html). Mas e a diversão, onde fica? Fico triste de não conseguir voltar a tocar o que quero e gosto. Seja por que os bons músicos só querem tocar por dinheiro, ou não tem tempo. Seja por que quem quer tocar por diversão é muito novo, sem qualidade técnica ou responsabilidade. Hoje me sinto deslocado. Terei que me adaptar para fazer música de alguma forma. Ou então, fazer como um amigo e excelente guitarrista: ficar tocando com playback no quarto.
O gênero Metal vem mantendo uma linha sonora ao longo dessas décadas sem perder a essência, apesar de incrementos adicionados durante esse tempo. Existe algo especifico que possa definir essa verdade?
Hugo: Como descrevo no livro, o Metal vem se transformando muito durante todo esse tempo e, atualmente, existem pouquíssimas coisas que você reconheça como comum a todos os estilos. Por exemplo, não é velocidade (vide o Doom Metal), nem virtuosismo. Não é a presença ou ausência de um instrumento como o teclado. Nem a qualidade vocal agressiva (vide bandas de Metal com vocais femininos líricos, ou o próprio Helloween na fase do Michael Kiske). Diria que, o único elemento que caracteriza uma banda de metal é o fato da maioria das músicas serem baseadas em riffs de guitarra distorcida. Digo maioria, pois ainda assim, existem as baladas a la Scorpions, que são importantíssimas na cena.
Contato: hugoleo75@gmail.com
Fonte: Yellow Domain
por Jesuino André
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