quarta-feira, 6 de julho de 2011

Ringo Starr no Brasil, pela primeira vez

Timothy Leary, figura emblemática dos anos 1960 que estudou e defendeu supostos benefícios terapêuticos do LSD, dizia que os Beatles eram como mutantes. Nada mais do que agentes da evolução enviados por Deus, dotados de uma força misteriosa que impulsionava a criação de uma nova espécie, uma jovem raça de homens livres e sorridentes.

Ringo Starr é certamente uma dessas criaturas. Como dizem, foi o cara que estava no lugar certo, na hora certa – tipo de virtude fundamental para quem passa a maior parte da vida batendo em tambores. O lugar em que estará dias 12 e 13 de novembro será no palco do Credicard Hall, em São Paulo, ao lado de sua All Starr Band.

Será a primeira vez deste beatle no País para shows em que toca Beatles mas também rocks clássicos dos anos 60 e 70. As vendas de ingressos começam em 18 de julho. A turnê passará ainda por Porto Alegre, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Brasília e Recife.

O dia mais importante da vida de Ringo Starr foi 18 de agosto de 1962, data de seu primeiro show como integrante dos Beatles. Havia aparado a barba e trocado o topete rocker pela franja.

Estava pronto para os terninhos impecáveis, apesar de ser flagrado sempre à época com uma aparência tensa. Não era por menos. Ringo foi rejeitado pelas fãs do baterista que substituiu, Pete Best. “As fãs adoram Pete. Se você tem um cara boa pinta na banda, por que trocá-lo por um feioso?”, ironizou.

As fãs se acostumaram. Logo estavam implorando para Ringo cantar algo nos shows enquanto penduravam botons com a inscrição ‘Ringo para presidente’ ou ‘Eu sou uma fã dos Beatles, em caso de emergência ligue para o Ringo’.

Quando saiu o primeiro LP da banda, com Ringo cantando Boys, muitas garotas já estavam conquistadas. Mas o golpe definitivo veio no álbum seguinte, With The Beatles, em que Ringo cantava uma intimação sexual de nome I Wanna Be Your Man.

A New Musical Express estampou: “Ringo segura o ritmo insistente de um jeito mais polido e mostra sinais de que está se tornando um vocalista beat de primeira.” Na legendária capa de With The Beatles, lá estava ele, um patamar abaixo dos outros três. Tinha que ser assim.

A partir daí veio o estigma de ‘beatle sortudo’, menos competente e, portanto, aquele que deveria orar todos os dias por estar com Lennon e McCartney. O que ninguém esperava é que ele também fosse descambar para o lado criativo da força com contribuições inquestionáveis.

Subestimado, a gozação ao ‘beatle narigudo’ acaba por ofuscar a profundidade percussiva em levadas de canções como A Day In The Life, She Said She Said e Tomorrow Never Knows, além de seus vocais divertidos para Yellow Submarine ou With A Little Help From My Friends.

Quando os Beatles começaram a se aventurar no cinema, Ringo despontou curiosamente como o personagem mais hilário e promissor. Fazia careta e agia com naturalidade. Sem desejar, roubou a cena, segundo o amigo Peter Sellers: “Ringo falava com os olhos.”

A imagem de beatle fanfarrão foi usada com maestria pelo próprio. Se McCartney era o compositor virtuoso, Lennon o mártir contestador e Harrison a força espiritual, cabia a Ringo abater o maior número possível de lebres, torrar sua fortuna pelo mundo e se divertir. Quando dizem que é um cara de sorte, responde: “Os Beatles é que tiveram sorte de ter um baterista como eu.”

Nas raras entrevistas, frustra-se com a quantidade de perguntas sobre seu antigo grupo. “É difícil, as pessoas não querem que você cresça, querem te manter naquele mundo. Olham para o cara de A Hard Day’s Night e dizem: ‘Ainda é ele!’”, disse recentemente ao Daily Mail.

Em 1969, antes de os Beatles anunciarem o fim, Ringo Starr mostrou ser o mais pragmático dos Fab Four ao gravar seu primeiro solo, Sentimental Journey. Não importava que o timbre de voz saísse envergonhado, deprimido, levemente desafinado nos standards dos anos 40 imortalizados por Sinatra, Bing Crosby e Matt Monro.

Ainda hoje há um restrito séquito de admiradores do álbum, tal qual Two Virgins, de Lennon e Yoko. Segundo Ringo, Sentimental Journey “foi a primeira pá de carvão jogada na fornalha que fez o trem ir adiante”. E só agora, 42 anos depois que o maior grupo de rock anunciou seu fim, esse trem chega ao Brasil.

Fonte: O ESTADO DE S. PAULO

por Bento Araujo

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