segunda-feira, 27 de julho de 2009

Loki

A noite do próximo sábado, dia 01, será especial para os admiradores dOs Mutantes e amantes do bom e velho rock and roll em geral, em Aracaju. Haverá uma "Sessão Notívagos" com a exibição, no Cinemark do Shopping Jardins, do documentário LOKI, sobre Arnaldo Baptista, seguida de uma apresentação da banda sergipana Plástico Lunar. Os ingressos já se encontram à venda, na bilheteria do Cinema, ao custo de R$ 15,00 inteira e R$ 7,50 meia.



Do site Scream & Yell

por Marcelo Costa

Nas ruas de Londres, um fã (aparentemente) britânico pára Arnaldo Baptista e começa um discurso emocionado que enaltece a grandiosidade do’s Mutantes, grupo que Arnaldo formou com seu irmão Sérgio e aquela que viria a ser sua primeira namorada e mulher, Rita Lee. Na seqüência, um brasileiro passa por Arnaldo, caminha uns dez passos e volta gritando: “Mutantes, porra, você é foda demais”. A palavra é exatamente essa: Arnaldo Baptista é foda demais.

“Loki”, documentário emocional de Paulo Henrique Fontenelle, lança luz com devoção sobre a carreira do homem responsável por uma das maiores – se não a maior – e mais geniais formações de rock do lado debaixo do Equador. Fontenelle busca amigos, parceiros e produtores que abrem o coração para a câmera detalhando histórias e causos da vida de Arnaldo Baptista. Mais: resgata imagens raríssimas de época, trechos de entrevistas e aparições em TV que soam como pepitas de ouro visuais que dão um colorido especial ao passado.

O filme começa com um amigo de escola, Raphael Villardi, que lembra o momento em que Arnaldo comprou um baixo e decidiu formar um grupo de rock. Estava criado O’Seis, grupo que viria a ser um dos embriões do’s Mutantes. Daí em diante entra em cena a Tropicália, os grandes festivais da Record, raras entrevistas e a viagem para a Europa que rendeu a gravação do álbum “Technicolor”, gravado em 1970 e lançado apenas em 2000.

Em um dos trechos mais tocantes da película, Arnaldo comenta sobre a relação com Rita Lee, o casamento e a separação, pede desculpas e assume que não pôde dar a atenção que ela merecia naquele momento. Dinho (baterista) e Liminha (baixo) relembram – emocionados – o dia em que Rita avisou que estava pulando fora do barco. “Eu sai para fora da casa do Arnaldo e comecei a chorar”, conta Liminha. “Era o fim”, sentencia Dinho (de olhos marejados). Não foi ao menos por um tempo, enquanto Arnaldo segurou a formação ao lado de Sérgio.

O irmão é outro que dá a cara a bater no filme. “Ele saiu e eu fiquei com os Mutantes, e eu não sabia o que fazer. Eu estava perdido e segui com a banda porque era o que eu achava que tinha que fazer”, desabafa o guitarrista, que em um dos momentos mais intensos do documentário culpa a imprensa, os amigos e a si mesmo pela falta de tato com o irmão. “Ele é um gênio e a imprensa… e as pessoas ficavam falando coisas que confundiram e atrapalharam ele. São todos uns cretinos. E eu também sou um cretino por não conseguir entende-lo e quero pedir desculpas publicamente por isso”, diz Sérgio.

Após sua saída do’s Mutantes, Arnaldo lançou seu primeiro disco solo, “Loki”, que dá título ao filme e é considerado por muitos como um dos dez maiores álbuns da música popular brasileiro, um flagrante de sofrimento e dor que impressiona e comove por sua sinceridade. A partir daí, ele segue com projetos paralelos com a banda Patrulha do Espaço (registros lançados no ótimo álbum “O Elo Perdido”) até lançar o segundo álbum solo, “Singin Alone”, em 1980, e caminhar até a janela do Hospital do Servidor Publico, em São Paulo, quebrar o vidro e pular do terceiro andar atirando-se numa tentativa de suicídio.

O resultado do vôo: sete costelas fraturadas, várias lesões pelo corpo e dois edemas: um cerebral – seríssimo – e um pulmonar. O músico ficou quase dois meses em estado de coma, e quando retornou a si, precisou de mais dois meses para se recuperar (a traqueotomia a que fora submetido afetara suas cordas vocais alterando seu timbre de voz). Amparado por Lucinha Barbosa, Arnaldo renasceu e foi morar em Juiz de Fora, em Minas Gerais, afastado da mídia e do público em busca de paz. De lá pra cá aparições esporádicas em pequenos shows em São Paulo e no Free Jazz Festival, ao lado de Sean Lennon, fã confesso do’s Mutantes, até o álbum “Let It Bed” em 2004 e a reunião consagradora do grupo em 2007.

“Loki” é um dos daqueles documentários que vangloriam o cinebiografado, mas exibe uma sinceridade tão tocável que anula qualquer comentário contrário a sua imensa qualidade. Rita Lee não topou dar entrevistas para o filme, mas liberou o uso de suas imagens. Bancado pelo canal fechado TV Brasil, “Loki” terá raras e esparsas exibições nos cinemas (em sessões especiais e festivais ao redor do país) até estrear definitivamente na telinha. Uma pena. “Loki” é daqueles filmes que deveriam ficar semanas e semanas em cartaz com grande divulgação e grande público em uma telona. Fique atento e não perca a oportunidade de assisti-lo.


LOKI - por Abelardo de Carvalho *, no espaço para comentários da postagem acima.

Para compreender o que ocorreu no Cine Odeon, neste último sábado, 4 de outubro, durante o Festival do Rio 2008, precisamos recorrer ao conceito aristotélico de catarse. Ou seja, por intermináveis minutos, purificamos as nossas almas por meio de descargas emocionais provocadas por um certo senhor sessentão chamado Arnaldo Baptista. Como poucas vezes visto numa pré-estréia de filme, a platéia ovacionou exaustivamente o principal músico d’Os Mutantes, objeto do documentário “Loki”.

Ele, que vôou de uma janela do terceiro andar de um hospital psiquiátrico aos 34 anos, e continua voando ainda hoje, pairava sobre a platéia visivelmente tocada por aquela rara história de personagens fantásticos. Loki, nome também do seu primeiro disco solo, é aquele que na mitologia nórdica pode assumir muitas formas. Ou seja, mutante, assim como o próprio Arnaldo.

O filme do jovem cineasta Paulo Henrique Fontenelle (autor do premiado curta Mauro Shampoo), é sem dúvida o documentário mais impressionante dos últimos anos, afirmavam os mais entusiasmados. Após a sessão, ninguém parecia querer deixar o cinema. Estávamos todos meio que entopercidos por aquela personagem, tragados pela estória tão bem destrinchada, contada de forma simples, direta, sem malabarismos ou pirotecnia na montagem; com narrativa cronológica, intercalando depoimentos, muito material de arquivo (filmes e fotos) e cenas de shows recentes. Detalhe: tudo regado com muita, muita música de primeira.

Temos percebido que o cinema brasileiro atual cumpre o papel de resgatar a nossa expressão artística mais autêntica: a música. Documentários sobre Cartola, Valdick Soriano, Humberto Teixeira, Simonal, Vinícius de Morais, Tom Zé, Caetano Veloso, Titãs, Bethânia, Paulinho da Viola, Tati Quebra-Barraco, Nelson Freire, fankeiros da Lapa e agora Arnaldo Baptista saem fresquinhos do forno e ganham as telas de todo o País. Em contrapartida, o mundo da música parece não dar muita bola pra este fenômeno, pois poucos foram os músicos que compareceram no Odeon para prestigiar “Loki”. Rita Lee, ex-esposa do mutante, era a ausência mais sentida.

Para as gerações que não vivenciaram Os Mutantes, o documentário servirá como uma janela de entrada, gravando-os definitivamente na pedra memorial da música brasileira. Depois de David Byrne, Kurt Cobain e Sean Lennon chamarem a atenção do mundo para a genialidade de Arnaldo Baptista, “Loki” surge para sacramentar a incrível história desta figura, meio duende, meio pássaro, meio homem, meio árvore, enfim, mutante, muito próximo do que seria um homem-tronco de Hieronymus Bosch. Muitas vezes o documentário nos faz lembrar também de Arthur Bispo do Rosário, que assim como Arnaldo e Bosch - loucos e geniais – fundiram o homem ao artista, deixando-nos um legado sem precedentes.

Abrindo e fechando o documentário, vemos Arnaldo pintando um quadro, o qual, em muitos aspectos, faz lembrar trabalhos do Museu do Inconsciente. Algo infantil e profundo. A tela surge branca, mas logo um ser amputado, pernas e braços, paira sobre uma grande cabeça feminina com longos cabelos dourados. Na ponta do pincel surgem as palavras “mutantes”, “sinto muito”, “psicodelismo”, etc. No alto, mãos e teclados, labaredas de fogo também compoem o quadro.

A primeira parte do documentário foca mais a formação da banda, a relação entre Arnaldo e Rita Lee, o sucesso imediato, a alegria de viver e a imersão de todos na busca dos paraísos artificiais. Depoimentos de Liminha, Sérgio Dias e do baterista Dinho Leme são testemunhais. E assim como no caso dos Beatles (assumidamente a única influência), o sonho também acabou para os rapazes dos Mutantes quando Rita disse bye bye. A segunda parte, portanto, é regida pela melancolia. Sem Rita, musa e, ao que parece, única referência feminina ao longo da vida do artista, Arnaldo se entrega à depressão. O limite entre a vida e a morte, a experiência suicida, o coma e o recolhimento posterior são tratados por ele como uma espécie de poda, que no outono se faz nas árvores para que dali em diante nasçam folhas novas. Esta imagem poética, inclusive, é uma das partes mais tocantes do documentário, pois soa como uma confissão de alguém que retornava do inferno.

*Abelardo de Carvalho é produtor e diretor da Cavídeo Produções

por Alexis Peixoto:

Numa das últimas cenas de Lóki Sérgio Dias, confortavelmente esparramado numa poltrona e metido num impecável terno branco, sintetiza em poucas e contundentes palavras a imagem comumente atribuída ao irmão: “Ele estava vinte anos à frente. Agora, só porque os cretinos não entendiam o que ele falava, eu inclusive, quem somos nós pra julgar? Quem é louco, a gente ou o Van Gogh?” questiona coberto de razão.

Os cretinos, claro, sempre dão um jeito de aparecer. E aí vem toda aquela discussão chata sobre arte e loucura, que a bem da verdade, não leva a lugar nenhum. Depois da sessão do documentário sobre Arnaldo Baptista, os cretinos certamente sairão da mesma maneira que entraram, cultuando a imagem do doidão, do louco, do sujeito perturbado que pôs tudo a perder por uma viagem de LSD. Poucos “deles” vão notar o que o filme de Paulo Henrique Fontenelle realmente pretende: descobrir ou, pelo menos, proporcionar um vislumbre sólido do artista criador encoberto pela personalidade de gênio louco.

A maior dificuldade certamente deve ter sido separar esses dois lados. Histórias sobre acessos de loucura de Arnaldo estão aí aos borbotões, enquanto pouco se fala sobre o comportamento perfeccionista do multi-instrumentista obcecado por amplificadores valvulados, o band-leader que puxava jam-sessions siderais no palco, o pianista alucinado e personal à frente da Patrulha do Espaço, o compositor intuitivo de Lóki e Singin’ Alone. A solução encontrada por Fontenelle foi simples e acertada. Ao invés de desmitificar, corrobora-se o mito e, de quebra, o consumidor leva um gênio criador de primeira grandeza no mesmo pacote. Afinal, os dois Arnaldos existem e são muitos reais: trata-se, sem dúvida, de um artista ímpar na história da música brasileira (e além), mas ignorar ou negar a influência que seu estado mental teve sobre sua obra é estupidez, para dizer o mínimo. O Arnaldo “maluco” é o alicerce do artista e vice-versa.

Mas, atenção, não há exploração gratuita da fragilidade aqui. Pelo contrário: Lóki é um tour de force compatível com um universo paralelo onde confusão mental e emocional se mistura à criação (olha esse papo aí de novo). Um dos (poucos, diga-se) problemas do filme é justamente a falta de fôlego para suportar a viagem. Por falta de tempo, muito pouco ou quase nada é dito sobre a feitura dos discos dos Mutantes ou da carreira posterior de Arnaldo e alguns personagens chave são passados em vista apenas de raspão, sem identificação clara. Luiz Calanca, por exemplo, dono da loja e selo Baratos Afins, que lançou dois discos solos de Arnaldo (Singin’ Alone e o “terapêutico” Disco Voador) é identificado apenas como “produtor musical”.

Embora tecnicamente desleixado, o filme faz da crueza uma forma de aproximar os depoimentos de gente como Rogério Duprat, Gilberto Gil, Liminha, Rafael Villardi (guitarrista original do O’Seis, embrião dos Mutantes) Sean Lennon, Kurt Cobain, Antônio Peticov (artista plástico, o homem que assumidamente apresentou o ácido aos Mutantes), entre outros. A isso some-se um porrilhão de fotos, imagens raras e uma trilha sonora impecável e aí está um retrato sincero, pungente e visceral de um capítulo vivo da música brasileira, tão contundente que por si só já daria um romance dos mais complexos.

A única ausente na festa, como era de se esperar, é Ms. Rita Lee. Mesmo resistindo a tentação de demonizá-la, o filme não absolve nem acusa ninguém. Ainda que o próprio Arnaldo se refira a ela sem sombra de rancor e até admita, com um carinho saudosista na voz, que na época não soube lidar bem com a separação, pois “não tinha muita experiência com seres femininos”, há uma área escura em volta do que realmente aconteceu entre os dois e, por conseguinte, com a banda. Mas isso é assunto para outro filme, outro texto, outras histórias. O consenso geral entre os entrevistados é de que sim, Arnaldo era o cérebro, o coração, o pulmão dos Mutantes. E que assim que as drogas entraram na jogada, houve falência múltipla dos órgãos.

O final da saga, com os shows da reunião no Barbican e no aniversário de São Paulo, em 2006, acaba saindo desatualizado. De Zélia Duncan à Sergio Dias, todos esperavam que a reunião fosse “o combustível para o Arnaldo continuar”. Isso, como todo mundo hoje sabe, não aconteceu. O mutante maior foi o primeiro a pular fora e de volta a tranquilidade de seu sítio em Juiz de Fora vive muito bem, numa boa, numa tranquila, enquanto o irmão prossegue junto ao baterista Dinho com o duvidoso projeto de um disco de inéditas (previsto para setembro pelo selo -ANTI, casa atual de Tom Waits, Nick Cave e Antibalas, entre outros). Arnaldo continua, à sua maneira, vivendo o personagem da “Balada do Louco”, recluso e sob os cuidados da esposa. E, certamente, curtindo isso pacas.





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