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Para consolar, saiu pela Companhia das Letras o livro que já estava programado para aproveitar sua passagem pelo Brasil: Atravessar o fogo - 310 letras de Lou Reed. O calhamaço com quase 800 páginas reúne a venerável produção poética de um dos maiores bardos do rock ‘n‘ roll, na tradução competente da dupla curitibana Christian Schwartz e Caetano W. Galindo.
De qualquer forma, pode-se dizer que o cano na Flip não doeu tanto: o homem nem ia cantar mesmo, só falar e ler suas letras – de fato, uma pena, mas uma perda menor do
que se tivesse cancelado um show.
E olha que, com o Reed de hoje em dia, nem isso é garantia de satisfação. No início de julho, ele, sua esposa Laurie Anderson e o jazzista John Zorn foram vaiados em um show no Canadá por que só tocaram música instrumental. Detalhe: o ingresso custou salgados 100 dólares.
O incidente das vaias em Montreal, protagonizado por um Lou Reed quase septuagenário – ele hoje tem 68 anos – porém, não tira do eterno líder do Velvet Underground nem um milímetro sequer do brilho de sua obra pregressa e da sua folha corrida de serviços prestados ao rock ‘n‘ roll e a cultura pop – que ele hoje parece olhar com desdém.
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E foi justamente inspiração o principal recurso dos tradutores de Atravessar o fogo para a singular tarefa de verter os indomáveis versos do poeta do Brooklyn para o português brasileiro coloquial. O principal, mas não o único, claro.
“Posso dizer que minha parte deu bastante trabalho. A dificuldade não estava nos textos em si – exceto, talvez, pelos discos do VU, antes da sua fase mais narrativa“, conta Christian Schwartz, professor e doutorando em História Social na Universidade de São Paulo (USP).
“Nestes primeiros discos, era sempre complicado achar a ponte de significado ideal para a travessia do leitor brasileiro – seja pelo nonsense próprio de algumas letras de rock, seja porque muita coisa era referência a personagens e, particularmente, a um espírito de época que, em certos momentos, me parecia intraduzível para os dias de hoje sem um recurso que sempre se procura evitar: notas de rodapé“, observa Christian.
Em suma: não foi fácil para a dupla. Até porque o autor não é lá muito acessível a questionamentos, como ele mesmo escreve na introdução do livro: “Os tradutores me pedem explicações sobre palavras e frases que não posso dar. Algumas coisas me são desconhecidas. Algumas perguntas não podem ser respondidas. E certas vezes escrever significou apenas seguir o ritmo e o som e inventar palavras sem sentido algum além da sensação que transmitiam“, justifica Reed.
Restou a Christian e Caetano, além do conhecimento acumulado (que, felizmente, não é pouco), frequentar fóruns de discussão dos fãs. “Ideia, aliás, que as tradutoras de Reed na França e na China (!) também tiveram – e foi engraçado ver quais eram as dúvidas delas, que muitas vezes eram as minhas também“, ri Christian.
“Precisamos penar para achar o equilíbrio exato entre o prosaico brasileiro (a tradução nunca pretendeu ser poética) e o coloquial nova-iorquino dos anos 1970/80“, acrescenta.
Já no caso de Caetano, responsável pelas safras mais recentes, a pedreira The Raven (de 2003, versão para o poema O Corvo, de Edgar Allan Poe), “foi um tanto mais difícil, por causa das referências ao mundo e ao texto de Poe. Mas OK, eu gosto de brincar de pastiche“, confessa o professor da Universidade Federal do Paraná e doutor em Linguística pela USP.
Para Caetano, a despeito das atuais pretensões eruditas de Reed, o que vai ficar mesmo do autor “é o Velvet Underground. Harold Bloom diz que os poetas tendem a durar dez anos no apogeu. A gente se engana ao pensar que deve ser diferente com música pop. Todo mundo decai seu talento“, reflete.
Clique aqui para ler um trecho do livro.
Fonte: Rock Loko
por Franchico
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