Lou Reed furou com os fãs brasileiros, quando, sem uma justificativa razoável – somente a velha e esfarrapada desculpa das “razões pessoais“ – cancelou sua vinda à Feira Literária Internacional de Paraty (Flip), que começa amanhã, na agradável cidade colonial carioca.
Para consolar, saiu pela Companhia das Letras o livro que já estava programado para aproveitar sua passagem pelo Brasil: Atravessar o fogo - 310 letras de Lou Reed. O calhamaço com quase 800 páginas reúne a venerável produção poética de um dos maiores bardos do rock ‘n‘ roll, na tradução competente da dupla curitibana Christian Schwartz e Caetano W. Galindo.
De qualquer forma, pode-se dizer que o cano na Flip não doeu tanto: o homem nem ia cantar mesmo, só falar e ler suas letras – de fato, uma pena, mas uma perda menor do
que se tivesse cancelado um show.
E olha que, com o Reed de hoje em dia, nem isso é garantia de satisfação. No início de julho, ele, sua esposa Laurie Anderson e o jazzista John Zorn foram vaiados em um show no Canadá por que só tocaram música instrumental. Detalhe: o ingresso custou salgados 100 dólares.
O incidente das vaias em Montreal, protagonizado por um Lou Reed quase septuagenário – ele hoje tem 68 anos – porém, não tira do eterno líder do Velvet Underground nem um milímetro sequer do brilho de sua obra pregressa e da sua folha corrida de serviços prestados ao rock ‘n‘ roll e a cultura pop – que ele hoje parece olhar com desdém.
Afinal, a se contar do primeiro LP da sua banda Velvet Underground (o “disco da banana“, lançado em 1967) até hoje, são mais de 40 anos de uma produção cuja escala vai de no mínimo, instigante – nos seus momentos menos brilhantes – a absolutamente sublime – nas obras mais inspiradas.
E foi justamente inspiração o principal recurso dos tradutores de Atravessar o fogo para a singular tarefa de verter os indomáveis versos do poeta do Brooklyn para o português brasileiro coloquial. O principal, mas não o único, claro.
“Posso dizer que minha parte deu bastante trabalho. A dificuldade não estava nos textos em si – exceto, talvez, pelos discos do VU, antes da sua fase mais narrativa“, conta Christian Schwartz, professor e doutorando em História Social na Universidade de São Paulo (USP).
“Nestes primeiros discos, era sempre complicado achar a ponte de significado ideal para a travessia do leitor brasileiro – seja pelo nonsense próprio de algumas letras de rock, seja porque muita coisa era referência a personagens e, particularmente, a um espírito de época que, em certos momentos, me parecia intraduzível para os dias de hoje sem um recurso que sempre se procura evitar: notas de rodapé“, observa Christian.
Em suma: não foi fácil para a dupla. Até porque o autor não é lá muito acessível a questionamentos, como ele mesmo escreve na introdução do livro: “Os tradutores me pedem explicações sobre palavras e frases que não posso dar. Algumas coisas me são desconhecidas. Algumas perguntas não podem ser respondidas. E certas vezes escrever significou apenas seguir o ritmo e o som e inventar palavras sem sentido algum além da sensação que transmitiam“, justifica Reed.
Restou a Christian e Caetano, além do conhecimento acumulado (que, felizmente, não é pouco), frequentar fóruns de discussão dos fãs. “Ideia, aliás, que as tradutoras de Reed na França e na China (!) também tiveram – e foi engraçado ver quais eram as dúvidas delas, que muitas vezes eram as minhas também“, ri Christian.
“Precisamos penar para achar o equilíbrio exato entre o prosaico brasileiro (a tradução nunca pretendeu ser poética) e o coloquial nova-iorquino dos anos 1970/80“, acrescenta.
Já no caso de Caetano, responsável pelas safras mais recentes, a pedreira The Raven (de 2003, versão para o poema O Corvo, de Edgar Allan Poe), “foi um tanto mais difícil, por causa das referências ao mundo e ao texto de Poe. Mas OK, eu gosto de brincar de pastiche“, confessa o professor da Universidade Federal do Paraná e doutor em Linguística pela USP.
Para Caetano, a despeito das atuais pretensões eruditas de Reed, o que vai ficar mesmo do autor “é o Velvet Underground. Harold Bloom diz que os poetas tendem a durar dez anos no apogeu. A gente se engana ao pensar que deve ser diferente com música pop. Todo mundo decai seu talento“, reflete.
Clique aqui para ler um trecho do livro.
Fonte: Rock Loko
por Franchico
Nenhum comentário:
Postar um comentário