quinta-feira, 18 de março de 2010

messias, brincando de deus



Três vezes messias

por Franchico

Fonte: Rock Loco

A expressão serena no rosto de Messias Guimarães Bandeira não reflete sua (já longa e suada) trajetória como músico na banda brincando de deus, agitador cultural e pesquisador acadêmico na área da Comunicação. Conhecido pela ousadia e pioneirismo que imprime em suas ações, ele agora parte para mais um desafio que poucos teriam coragem de encarar: o lançamento de um CD triplo.

Intitulado escrever-me, envelhecer-me, esquecer-me (um título para cada disco), o álbum, que conta com um verdadeiro who‘s who de músicos baianos convidados, foi produzido por andré t., que também assinou a produção do último CD da brincando de deus, lançado dez anos atrás.

Sua banda original, que retornou à atividade em dezembro último, após quatro anos parada, é considerada uma das mais importantes do gênero indie rock / guitar band. Ao lado de grupos como Pelvs (RJ), Low Dream (DF) e Pin Ups (SP), a brincando de deus formou a linha de frente da primeira geração do indie rock brasileiro.

Em paralelo, Messias se notabilizou ainda como um agitador “cyber cultural“, por assim dizer. Graças às suas pesquisas realizadas no âmbito da internet – via Faculdade de Comunicação da Ufba – quando a rede mundial de computadores ainda era apenas um sonho molhado na cabeça dos nerds, “a brincando de deus“ – salvo engano do próprio Messias – “foi a a primeira banda brasileira a ter um site, ainda em 1993“, garante.

A brincando de deus lançou seu primeiro CD em 1995, de forma totalmente independente. Naquela época pré-mp3, pré-desmantelamento da indústria fonográfica, as bandas de rock ainda sonhavam em assinar contrato com gravadora.

A decisão de Messias em ignorar este caminho se mostraria mais do que acertada: seria profética.

Naquela época em que a brincando de deus gravou seu primeiro álbum, tinha gente importante interessada em lançar a banda no mercado: “O Rock It!, que era o selo de Dado Vila-Lobos (Legião Urbana) e André X (Plebe Rude) queria lançar o disco, mas tivemos problemas de agenda. A deles não casava com a nossa. Como eu achava que o nosso disco não podia esperar, criei um selo independente, o Self Records, e lancei o disco eu mesmo“, lembra Messias.

Algum tempo depois, em 1996, organizou, na Concha Acústica do TCA, o primeiro Festival Boom Bahia, um verdadeiro mostruário do que havia de mais significativo na cena roqueira local, reunindo bandas importantes, como Doutor Cascadura, The Dead Billies, Penélope e Dois Sapos e Meio.

O festival teria mais uma edição (ampliada com artistas de fora do estado) em 97, antes de parar e só retornar dez anos depois.

Na última edição, em 2008, a Praça Pedro Archanjo (Pelourinho), lotada, chacoalhou ao som da banda americana Mudhoney, numa rara oportunidade para os roqueiros baianos terem acesso a uma atração estrangeira de qualidade reconhecida. Detalhe: a entrada para o show era um livro usado. Veio gente do interior do estado e até de Aracaju para conferir.

“Essa obsessão por independência continua comigo até hoje“, nota. E pelo visto, não larga dele tão cedo.

Seu CD triplo, que já tem shows de lançamento agendados em São Paulo e Belo Horizonte, foi 100% bancado do próprio bolso. “Em Salvador, ainda falta confirmar a data, mas deve ser no final de abril“, avisa.

“Este CD foi gravado por conta própria. Não foi por edital, lei de incentivo e muito menos por gravadora. Até por que, ainda mais hoje em dia, em que gravadora eu teria autonomia para gravar e lançar um CD triplo?“, pergunta, com toda razão.

Com 32 músicas, escrever-me, envelhecer-me, esquecer-me é um trabalho de fôlego, que exigiu muito do seu autor e do seu produtor. Como se pode imaginar, a gravação de um projeto dessa envergadura não foi um processo simples.

“Não que tenha sido doloroso, mas (gravar um disco assim) é um investimento pessoal que exige um certo rigor com você mesmo“, conta Messias.

Trata-se de um projeto sofisticado, que reflete tanto o imaginário musical de Messias – passeando pelo indie e lo-fi, com direito a programações eletrônicas e muitos instrumentos de cordas –, bem como suas inquietações filosóficas, como o passar do tempo, algo explicitado no próprio título do trabalho, e sua difícil relação com o lugar aonde vive: Salvador.

Um exemplo disso é Avenida Contorno, faixa 7 do disco 1, na qual destila sua angústia diante do belo cenário da Baía de Todos os Santos: ”A Avenida atravessa a madrugada, a baía é um espelho atrás de mim / toda noite aquela curva me espera e segue reto que se cansa de estar só”, canta, numa das poucas faixas em português do álbum (assim como nos discos da brincando de deus, maior parte de suas canções é em inglês).

”Olha, eu subo e desço aquela avenida todos os dias há muitos anos, então ela para mim meio que sintetiza a cidade, além de ligar a Cidade Baixa e a Cidade Alta. Ela simboliza Salvador muito mais do que a Avenida Paralela, por exemplo. E também é a minha passagem de todos os dias”, explica.

Além das gravações convencionais no Estúdio T, Messias realizou diversos registros no silêncio da madrugada, em sua própria casa, como atestam as anotações feitas a caneta no encarte do álbum. Isto concedeu um caráter bem intimista em faixas como Curva Loxodrômica, Escrever-me e Envelhecer-me.

”Outras faixas eu criei a partir de ideias gravadas no celular. Depois eu pegava e levava para andré t processar no estúdio, adicionando percussão etc”, conta.
Outro fator importante no disco é a quantidade – e a qualidade – dos músicos convidados para participar do álbum.

Além de Cézar Vieira (guitarra), Tiago Aziz (baixo) e Ricardo Cury (bateria), seus companheiros da brincando de deus, o álbum apresenta músicos do calibre de Guimo Migoya (bateria), Junix 11 e Gabriel Pettenatti (guitarras), Alex Pochat (trumpete, sitar, baixo), Joatan Nascimento (trumpete), Fernanda Monteiro e Kayami Freitas (violoncelo), Jorge Solovera (arranjos de cordas), Mário Soares e Davi Guima (violinos), Saulo Gama (acordeon) e Alexandre Montenegro (baixo acústico).

Sem contar o próprio andré t., que pilotou teclados, programações, percussões e instrumentos de cordas diversos ao longo do trabalho de produção.

”Messias passou uma vida inteira fazendo música e gravando basicamente com as mesmas pessoas (a brincando de deus). Então, acredito que foi um belo processo de aprendizado a produção deste trabalho – para todos nós”, observa andré.

Não há como negar que foi um processo rigoroso. E se tem uma coisa que Messias entende é de rigorosidade.

Nascido em um ambiente humilde, ele deve à sua mãe a educação privilegiada a que teve acesso – algo que foi decisivo em sua vida.

“Nasci no bairro do Pero Vaz (próximo à Liberdade), de uma família pobre. Minha educação foi muito centralizada na figura da minha mãe, que era professora. Graças a ela, estudei no (Colégio) Anísio Teixeira e, depois, no Colégio Militar da Pituba, onde fiquei sete anos. Tudo isso estabeleceu um certo rigor nas coisas que eu faço“, concluiu.

NOTA: O programa de rock já tocou músicas do trabalho solo de Messias em suas ediçoes de # 70 (15/08/2008), # 108 (22/05/2009) e # 126 (06/11/2009).

OUÇA MESSIAS:

www.reverbnation.com/messias

www.messias.art.br

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