terça-feira, 26 de outubro de 2010

Inferno na serra


Noite de Black Metal em Itabaiana. Imagina se eu ia perder isso ... Cheguei atrasado, perdi a primeira banda, a única que não era 100% Black - Warfiled, death. Ok. Entrei. E não é que tinha público ? Sou meio ruim com esse tipo de conta, mas apostaria em mais de 200 criaturas – quase todas trajadas de preto e com cara de poucos amigos, evidentemente – no recinto. Fico feliz com isso, pois apesar de não ser exatamente um fã do estilo, torço pelo desenvolvimento do underground em nossa pequena província de Sergipe Del Rey, e mais ainda por se tratar de um evento de um gênero tão obscuro em minha cidade natal, um verdadeiro deserto para os poucos admiradores do rock quando eu comecei a curtir som, ainda nos anos 80. Imagina se, naquela época, eu poderia sequer sonhar com a possibilidade de ver uma cena como a que vi naquela noite – as noites itabaianenses, na época, se limitavam a passeios na praça depois da missa e bailes dançantes na Associação Atlética. Não que hoje em dia seja lá tão diferente – infelizmente não é. Mas já há um razoável número de abnegados com colhões para enfrentar a parada dura que é produzir algo do tipo na “capital do agreste”. Parabenizo desde já os responsáveis pelo feito: mostraram atitude.

A grande atração da noite seria a Eternal Sacrifice, de Salvador, desde 1993 militando nos sombrios domínios do metal obscuro e pagão, mas antes tivemos uma banda nova, de Aracaju, a Ad Aeternum. Me parece que foi a primeira apresentação deles, e isso explicaria a curtíssima duração da mesma – além da má qualidade de equalização do som. Vocal feminino, rasgado e gritado. Tem potencial.

Eternal Sacrifice demorou uma eternidade para começar, um sacrifício e teste de paciência para quem estava esperando. Mas os que perseveraram foram brindados por uma pesada névoa que tomou conta da “Cebola city”, o que cooperou para o clima sombrio e assustador que tomou conta do recinto durante a apresentação. Fazem um som interessante, cheio de passagens melódicas e climáticas intercaladas com verdadeiras “pancadas no pé do ouvido” – muito embora o sonzinho “xoxo” que saía dos amplificadores das guitarras não colaborasse para um perfeito deleite auditivo dos apreciadores do barulho. Por outro lado, vocal e teclado estavam altíssimos, o que fazia com que os impropérios pagãos vomitados pelo vocalista, Lhorde Haadaas Naberius, ecoassem em alto e bom som pelo agreste sergipano. “Boa noite, demônios”, saudou ele no início da celebração – e é isso mesmo: mais que um show de rock (e é rock, no final das contas, muito embora haja controvérsias), é uma verdadeira celebração pagã, uma pregação anti-cristã, misantrópica e obscura. E é tosco, muito tosco: vocais “operísticos”, gritos primais, “corpse paintings” bizarros escorrendo pelas faces junto ao suor. Uma verdadeira visão do inferno na terra para algum cristão praticante desavisado que passasse por ali naquele momento. Foi divertido - especialmente no momento em que um maluco lá invadiu o palco e surrupiou um dos dois tridentes que ornamentavam o "altar". Sempre tem uns doidos que parece que não se divertem se não tomarem uma surra e/ou forem expulsos do recinto pelos seguranças, né ...

Na sequencia, Litania Ater. Gosto do som deles – é mais “potente”, agressivo, menos “liturgico” e mais metal, musicalmente falando. Os vocais do baterista André são pronunciados num português inteligível, então se você prestar atenção vai viajar por um mundo de batalhas épicas entre as forças do mal e os odiados exércitos do cristianismo enfraquecedor da alma do homem. Não deu pra ficar até o fim porque o cansaço estava batendo (já tinha perdido a noite anterior no rock do capitão cook). Vi um pouco do show e voltei para Aracaju em meio a uma névoa tão espessa que um de meus caronas, Death Row, bêbado, achou que a gente tinha se perdido entre as dimensões do tempo e ido parar num universo paralelo ao estilo dos retratados na literatura de H. P. Lovecraft ou do game “Silent Hill”. Até que seria interessante, mas logo avistamos a logomarca do Posto Boa Viagem e acabaram-se os delírios sombrios: estávamos na BR 101, a caminho de casa.

por Adelvan


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