Adriano Stevenson é gente que faz! Guitarrista e compositor de punk
rocks desde meados da década de 80 do século passado – sim, somos pessoas do
século passado – segue firme com a Rotten Flies, da Paraíba, compondo e tocando
e viajando e “fanzinando”. E irradiando som e fúria pelas ondas do rádio. Às quintas
feiras, a partir das 20:00, via Tabajara FM, de João Pessoa. Ou em sua caixa
postal, via correios, através do jornal “Microfonia”. Ou num palco precário de
algum clube imundo, nas quebradas do “underground”. Ou não – às vezes rolam
umas produções “decentes” ...
Sabe aquela máxima: "Passaria por tudo novamente". Nem fudendo passaria por tudo novamente! Foi a gestação mais complicada, até porque o nome não era Saco de Gilete, era outra concepção, outra visão, e na real, todo mundo da banda já tava de saco cheio. Eis que, num mar revolto, aparece o cara que entra no barco pra somar. Falo de Francisquinho, vocal que veio com idéias e atitudes. Deu no que deu! Francisquinho é o cara que tem a frase certa na hora certa, foi a tampa e a panela, o cocô e a privada.
Quando estávamos terminando
a mix e master, comentamos: “Caralho, isso ta foda!” Não posso esquecer o nome
de Marcelinho Macêdo, produtor local que entendeu a parada e fez acontecer.
Saquei que o negócio pegou , quando fui pro Ugra Fest em São Paulo e lá passei
alguns CDs pro pessoal do Ódio Social, então os caras ficaram nossos amigos
desde criancinha. Recentemente, em São Paulo e Curitiba, tivemos uma
repercussão muito boa! Mas a pergunta inicial era "Satisfeitos com o
resultado final?" Sim, totalmente.
Estou acompanhando e vejo que vocês têm feito shows para além das
fronteiras paraibanas, inclusive no sudeste do país. Está mais fácil fazer
isso? Com base em sua experiência ao longo dos anos, consegue fazer um paralelo
entre as dificuldades de uma banda "underground" para viajar ontem e
hoje? A internet facilita? Até que ponto? Porque se por um lado agiliza os
contatos, por outro deixa tudo ainda mais disperso e confuso, fora de foco...
Está mais fácil sim, a
internet ajuda, não preciso mais colocar cola na superfície do selo (os caras
que manuseavam cartas entenderão), a resposta é instantânea. Quanto às
dificuldades, são mais de logística do que financeira, se tiver um integrante
na banda que não quer, não pode ou que não está nem ai (o que chamamos aqui
em Jampa de “empatafoda”) não vai virar. Isso independe de período, tanto ontem
como hoje, o que tem que haver é vontade, o resto é correr atrás. Nesse rolê
que demos no sudeste do país, por sorte, tudo foi amarrado e os caras que nos
recepcionaram deram 110% de atenção, não houve roubada. A gente sabe que isso
pode acontecer, mas a diferença é que hoje a roubada é compartilhada nas redes
sociais, o nome do cidadão vira poleiro de galinheiro.
Já têm planos para o futuro? Já têm músicas novas compostas? Planejam
lançá-las de que forma? O que pensam do dilema pelo qual passam muitas bandas
hoje em dia, sobre lançar seu trabalho em CD, vinil ou apenas de forma
"virtual", na internet? E como lidam com as novas estratégias para a
divulgação de sua musica neste "admirável mundo novo" de comunicação
instantânea e digital em que vivemos?
Não dou crédito para bandas que lançam
virtualmente, hoje tá mais fácil lançar o material físico. Foda era nos anos 90
lançar um LP ou EP (vide Cambio Negro/Karne Krua/Discarga Violenta)! O negócio
era trabalho de estivador, agora tá bem mais fácil. Atualmente usamos a
mídia digital (principalmente para divulgação e comunicação), mas continuamos a
enviar material físico. A Rotten Flies grava esse ano um LP, na realidade
começou com a idéia de um EP, mas apareceu mais músicas e mais selos pra
segurar a parada, vamos cair pra dentro.
Aproveitando o gancho: tem vendido bem, o disco? E os outros
lançamentos do selo Microfonia, têm se pagado?
O Saco de Gilete tá sendo
bem distribuído, tem quem pense que a gente é uma banda nova (acho isso ótimo).
Os outros lançamentos, alguns sim, eles se pagam, outros não, mas quero deixar
claro que a coisa funciona se a banda estiver tocando. Banda tem que gravar,
lançar e pegar a estrada, aí a coisa gira.
Conte-nos um pouco sobre a história da Rotten Flies: quantos anos,
quantas fases, quantos "perrengues", quantos prazeres. Fale-nos sobre
"a dor e a delícia" (ui, Caetano!) de ser o que é - uma banda de Hard
Core UNDERGROUND em atividade no nordeste do Brasil...
Vamos la ... Rotten Flies
- completa esse ano 25 anos de atividades, muitos perrengues e bota perrengues
nisso, prazeres, vixe... um bocado, se não tivesse essa parte , eu parava. Dia
desses estava ai em “Buracaju” assistindo a Karne Krua, pensei comigo: Ah, o
Silvio tá ali com 59 anos (NOTA DO BLOG: Ô EXAGERO, ele tá com 51. Olha aí, “sub”,
ta querendo te dar mais anos do que já tem) e pula que nem uma criança. Se ele
pode, eu posso também! Na frente de Silvio “Suburbano” (NOTA DO BLOG: este era
o pseudônimo que Silvio usava nos primórdios da Karne Krua) eu sou um bebê
(risos). Tenho só 43. Mas falando sério (ui, Roberto!) (NOTA DO BLOG: ui,
gostei.) o combustível da banda é um pouco daqueles pirralhos de 16 anos que ainda
permanecem putos e desconfiados de tudo.
Além da banda você tem outros projetos em plena atividade, notadamente
um programa de rádio, o "Jardim Elétrico", e o jornal/selo
"Microfonia", ambos tocados em
parceria com Olga Costa. Como se deu esse encontro de vocês dois? E como tem se
desenvolvido, está dentro do que vocês planejaram? Ou não planejaram nada,
apenas "aconteceu"?
Olga é jornalista e
figura conhecida aqui em Jampa. Ela tinha uma loja de CDs chamada Paralelos
Records, na qual eu não ia, pois o atendimento dela era péssimo, tão ruim que a
loja fechou! (risos). Anos depois, a
encontrei na Música Urbana, loja do nosso parceiro Robério Rodrigues,
equivalente à Freedom de Aracaju. Conversávamos
muito sobre zines, da falta que o mesmo fazia devido à migração de muitos
zineiros para o mundo digital e como a gente tem em comum a vontade de nadar
contra a corrente, surgiu o Microfonia
(periódico bimestral), que foi planejado, sim. O restante veio acontecendo sem
muito planejamento. Nos anos 90 eu tive um selo chamado Cactus Discos. Em 1995
parei com essa atividade. Quando criamos o jornal/zine, resolvemos incorporar o
selo ao jornal. O programa Jardim
Elétrico já era pilotado por Everaldo Pontes e Olga desde 84.
Especificamente sobre o programa de rádio, ainda vale a pena fazer, em
tempos de internet? Não seria o radio uma "midia morta"? Creio que
não, mas gostaria de saber sua opinião...
Eu não tenho a dimensão
exata do quanto a gente é ouvido em rádio. Eu caí nessa meio que de pára-quedas.
Fui fazer uma participação, (nesse dia Everaldo faltou ao programa), gostaram
do resultado e acabei ficando. O próprio Everaldo disse pra mim: Vai lá e se
diverte. Eu respondi: Mermão, eu não tenho know-how pra coisa. Ele respondeu na
bucha: "Tem sim!". Teve um dia que rolou o maior cacete entre eu e
Olga no programa, foi ai que eu saquei que essa mídia funciona, a audiência
subiu igual foguete. Não que eu me importe com audiência.
Antes da Rotten Flies você fez parte da formação de pelo menos duas
outras bandas importantes para o cenário punk/hard core do nordeste, mais
especificamente do Rio Grande do Norte - aliás, você é de lá ou é paraibano? -
a Discarga Violenta e a Devastação. Fale um pouco de sua passagem por estes
dois grupos.
Sou potiguar, “papa-jerimum”,
como dizia minha mãe! Eu sempre fui o guitarrista reserva (só tem tu, vai tu
mesmo), na Devastação foi assim, na Rotten Flies também. No Discarga Violenta
foi diferente, a gente começou junto. Jean, vocalista da Devastação, me
convidou para substituir Rômulo, que chegou a tocar no Festcore (Festival Punk
de Aracaju). (NOTA DO BLOG: primeiro festival exclusivamente dedicado ao punk e
ao Hard Core da cidade, que aconteceu na metade da década de 1980, produzido
pelo pessoal da Karne Krua com bandas de várias partes do país, incluindo a
Delinquentes, de Belém do Pará – que é longe pra cacete! Ok, Natal também não é
ali na esquina ...). Ainda peguei o III Encontro Anti-Nuclear, produzido por
Nino (Cambio Negro). Ele ainda tem o vídeo da Devastação comigo na guitarra, preciso
pegá-lo. Devastação foi um puta aprendizado! Hoje o trabalho que faço com a
Rotten Flies é muito calcado nessa época. Vendo em retrospecto, entendo a
escolha de Jean em ser professor, naquela época o cara já chegava no point com
zines, fitas e outras publicações para a alegria da punkarada. O cara já tinha
na veia o didatismo. No Discarga Violenta, eram três pirralhos que queriam
fazer muito barulho... conseguimos, fizemos muito barulho em todos os sentidos.
Por fim, nos fale sobre os primórdios: como começou seu interesse pela
cultura punk underground e seus derivados? O que te levou por este caminho?
Imagino que tinha, por aí, as mesmas dificuldades que nós, por aqui, em termos,
principalmente, de informação, naqueles tempos "analógicos" em que
tudo tinha que ser resolvido por telefone ou por carta...
Estamos falando de 1985,
quando o rock nacional estava a toda. Correndo por fora, a New Face, Wob Bop, Baratos
Afins, o subterrâneo sempre me chamou a atenção. No ano seguinte o RDP lançou
Descanse em Paz, consigo uns Coléras, e outras coisas, conheci uns malucos no
colégio que gostavam de punk/HC, não deu outra, vida entortada. Me apresentaram
Sopa D'osso(NOTA DO BLOG: ativista punk e anarquista, uma figura importante – e
lendária – do cenário local), que depois de vinte anos entrevistei pro Jornal
Microfonia. Correspondências, muitas correspondências com o Brasil todo.
Cartas, zines, fitas, LPs, a era de ouro. O que mudou? Só a perspectiva.
Mainha adora Robert Louis
Stevenson, portanto me deu o nome em homenagem ao escritor de Dr. Jekyll e Mr.
Hyde. Meus filhos também levam o Stevenson. Eu particularmente sou um pouco
médico e monstro, quando sou bom, sou bom, quando sou ruim, sou ótimo.
Adelvan perguntou.
Adriano respondeu.
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