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Foto: Juarez Ventura (Agência Pavio) |
As portas do inferno estremeceram e todos correram para ver
quem é. Eu dei uma gargalhada lá no Chevrolet Hall: era a Pomba Gira Maria
Mulambo, O Caboclo Sete Flechas, Exu Caveira, Exu Tranca Rua das Almas, Exu
Mirim, Omolu e Zé Pelintra pisando pela primeira vez no palco do Abril pro rock
!!!
A entrada foi apoteótica: o povo já clamava pela Gangrena
antes mesmo das cortinas se abrirem, com Renzo – ex-DFC e Zumbi do mato - em pé
fumando cachimbo, de tanguinha e chifrinhos vermelhos, em cima da bateria. Ele
desce e vem para a frente saudar o público, enquanto os demais componentes vão
entrando aos poucos. Zé Pelintra, o comandante do caos, é o último a aparecer, em
traje de gala, todo de branco, como manda o bom figurino, entoando um ponto de
macumba e anunciando que aquela era a Gangrena Gasosa com “surf iemanjá”. Aí o
lugar veio abaixo ...
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"Renzo, tá levando seus chifres?" |
“Se Deus é 10 Satanás é 666” veio na sequencia e aí foi só
correr para o abraço: audiência pra lá de conquistada, nem os problemas com o
som – muito alto e com a guitarra saturada – e a execução – altas
“atravessadas” – atrapalharam a festa: o botão do “foda-se” estava ligado no
volume máximo, já que aquela era a primeira apresentação do lendário combo de
“saravá metal” carioca não apenas em Pernambuco, mas em todo o nordeste! Os
hits se sucediam e a molecada ia à loucura com verdadeiros clássicos do
cancioneiro underground tupiniquim que chamam a atenção já a partir dos títulos
- “Quem gosta de Airon Meiden também gosta de KLB”, “Eu não entendi Matrix”,
“Terreiro do desmanche”. Nas mais aceleradas, como “Matou a galinha e foi ao
cinema”, a roda era insana – e gigantesca. Em outras, a interação foi perfeita,
com todos gritando a plenos pulmões que “Emilia pomba-gira é uma boneca de
Vodu” em “Centro do Pica-pau Amarelo” e clamando por Satanás em “A Supervia
deseja a todos uma boa viagem”. Pra mim, que sou fã de longa data e sonhava em
vê-los por aqui um dia, foi emocionante. Sucesso total, amplamente confirmado
pelo assédio que as entidades sofreram depois do show, nos corredores da casa –
impressionante a paciência, simpatia e boa vontade dos caras – e da “mina” -
especialmente de Ângelo/Zé Pelintra, o “frontman”, em atender a todos, tirando
uma infinidade de fotos com os fãs.
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Na porta, mas vão entrar ... |
Com a difícil tarefa de exorcizar qualquer resquício de
blasfêmia “metalica” que porventura ainda pairasse no ar, subiu ao palco, na
seqüência, a Headhunter DC, da Bahia, e sua ortodoxia “headbanger” a toda
prova. “Dedos em chifre!”, clamava o vocalista, Baloff, a toda hora, no que era
prontamente atendido pela multidão. Peso e melodia na medida certa! Destaque
para os solos do veterano guitarrista Paulo, único membro fundador ainda
presente. Um show perfeito, inclusive na qualidade do som, muito melhor
equalizado. Headhunter “Death Cult” é, a meu ver, a melhor banda do estilo no
Brasil, e não deixou pedra sobre pedra, mesmo fazendo uma apresentação corrida,
devido aos atrasos. Quanto à ortodoxia mencionada acima, ela existe – “666”,
totalmente – mas é natural do show dos caras, não creio que tenha sido uma
resposta à Gangrena – muito embora, por ter vindo na seqüência, tenha dado essa
impressão.
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Duas "papa-girimum" |
Foram sucedidos por um tal “Project 46”, de São Paulo,
apresentado como “a nova revelação do metal nacional”. Não conhecia, e não
gostei. Por uma questão de gosto pessoal, mesmo. Fazem uma espécie de “groove
metal”, ou um “Nu Metal” tardio. Muito competente, a galera curtiu, mas eu
dispensei, preferi circular pelos stands e banquinhas, revendo os amigos e
babando nos produtos à venda, especialmente nos discos de vinil – outra
tradição do abril. E vendo o pessoal da Gangrena ser impiedosamente assediado
...
Tive bastante tempo para circular, já que a banda seguinte
foi o Dead Fish, que eu respeito, mas não curto. E então, numa dobradinha
perfeita para uma noite que teve também a Gangrena Gasosa – pra quem não sabe,
uma só existe por causa da outra – sobe finalmente ao palco, numa “vibe”
politicamente engajada, exibindo, num dos amplificadores, uma faixa a favor do
fim das tarifas de transporte público, o Ratos de Porão. Que fez, no entanto, um
show nitidamente burocrático, pra “cumprir tabela”. Não sei o que houve, mas os
caras pareciam cansados. Não houve entrega! Foi, certamente, o pior show do
Ratos que eu já vi na vida – e eu já vi muitos, desde a primeira vez, no inicio
dos anos 90, em Salvador, na turnê do “Anarkophobia”. Mas não foi ruim. Ratos
não faz show ruim. Não tem como, com um repertório daqueles e tantos anos de
estrada nas costas. Nem a longa “pausa técnica” no meio da apresentação, com
direito a farpas verbais de Jão e do Gordo direcionadas, pelo que entendi, ao
Boka, conseguiu acabar com a empolgação do público, que seguia intacta, já
noite avançada adentro – e com muita coisa ainda pra rolar, como bem observou o
Gordo ao perguntar, ironicamente, “vocês vieram pra ver o Marduk, né?”
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Foto: Juarez Ventura (Agência Pavio) |
Mas quando o show acabou a situação mudou: boa parte do
público foi embora e quem ficou exibia sinais claros de cansaço, o que
prejudicou bastante aquele que prometia ser o retorno triunfal aos palcos dos
pioneiros da Câmbio Negro HC, comemorando os 25 anos de lançamento de “O
Espelho dos Deuses”, primeiro disco de Hard Core lançado por uma banda
nordestina. Prejudicou, principalmente, porque a falta de resposta da audiência
– e o som, terrível! - contaminou a banda, que fez um show “truncado”, sem
ritmo, com o vocalista Ajax – também “pesado”, mas não “aquele”, dos primórdios
– reclamando a todo momento da “morgação” dos presentes - algo que nenhuma
banda, JAMAIS, deve fazer! Faça sua parte, se houver resposta, ÓTIMO, senão,
ligue o foda-se e toque o terror, apesar os pesares. Pesou(sic) também o fato
de que a banda ficou muito tempo fora de atividade e voltou desfigurada, o que
certamente contribuiu para que se instaurasse um clima de apatia entre os que
nunca os tinha visto ao vivo anteriormente. Vivemos em tempos frenéticos de
excesso de informação e de ofertas de distração, o que torna difícil para uma
banda se manter relevante se não estiver em atividade constante. Em todo o
caso, não foi de todo ruim: foi bom ouvir de novo, em alto e bom som, o velho
brado, “evacuem essa área!”. E o vocal de Ajax é legal, substitui com dignidade
o “frontman” original – algo sempre complicado, pra qualquer banda. Mas não
gostei da música nova apresentada. Muito repetitiva.
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Foto: Juarez Ventura (Agência Pavio) |
O final da noite foi reservado para as apresentações
“gringas”, a começar pelo Coroner, da Suíça. Banda lendária, foi fundada pelos
roadies do Celtic Frost, que a lapidaram nas passagens de som dos pioneiros do
Black metal. Mas foram, também, extremamente prejudicados pelos problemas de
som e pelos atrasos na programação. Tanto que, depois de apenas quatro musicas
– totalmente retrô, anos 80 até o talo - o guitarrista vai ao microfone e explica
que teriam que limar o repertório, a pedido da produção. Volta a tocar mas entrega
os pontos, encosta a guitarra e sai do palco, mandando dedo para os bastidores.
Os demais membros, numa demonstração de profissionalismo exemplar, seguem
tocando até o fim, quando finalmente se despedem, sob aplausos e visivelmente
constrangidos pela atitude do outro. E eu segui intrigado, sem saber o que um
deles fazia no palco, aparentemente “tocando” um ... laptop !!! Não havia nada
de eletrônico no som, nem bases pré-progrmadas identificáveis que justificassem
sua presença. Mas ok, ele fazia também uns vocais de apoio ...
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Foto: Juarez Ventura (Agência Pavio) |
Já era madrugada e eu estava cansado demais, mas teríamos ainda
o Marduk, da Suécia, para encerrar a maratona, o que prometia um ataque
ensurdecedor aos nossos ouvidos já tão castigados. Promessa cumprida, com
louvor! Depois de uma introdução “climática” com uma névoa densa envolta em
sons que pareciam vir das profundezas de uma floresta nórdica, eles sobem aos
poucos ao palco, começando pelo baterista. E o inferno se instala, mais uma
vez, mas desta vez numa potencia elevada ao cubo, implacável e sem descanso –
antes no entanto, o guitarrista teve que chutar o retorno para que o som
voltasse. Totalmente “satan”, “from Hell”, “666”, “Belzebu”, “Belial” e coisa e
tal. Pra quem gosta, foi um prato cheio. Mas eu nunca curti muito estes Black
Metal “metranca” – aos meus ouvidos, soa como se eles estivessem tocando sempre
a mesma música, o que é insuportavelmente chato - então aproveitei para ir
embora mais cedo. No caminho de volta pra casa comentávamos, eu e meus
companheiros de viagem, que quem nos visse saindo, mais uma vez, antes do fim,
provavelmente não entenderia o que, afinal, nós queríamos, já que na noite
anterior havíamos dispensado o show da Pitty. “Um meio termo, talvez”,
respondeu, sabiamente, meu camarada Lenaldo. Fica uma certeza: de falta de
ecletismo ninguém pode acusar o Abril pro rock ...
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Não era o Marduk no palco ... |
Já passava das duas da manhã de uma noite que havia começado
bem mais cedo, por volta das 19H – estava marcado para as 18 – com a Lepra,
“feijão com arroz” detah/grind local, e com o sensacional Catarro (tem trema no
nome, mas eu não sei como colocar, sorry), do Rio Grande do Norte. Pedro
“Mendigo” veio para confundir e entortar a mente dos cognitivamente mais
limitados com sua perfomance insana que mistura cambalhotas e muito barulho com
uma cover de Marcio Greik (se não me engano) na introdução. Antológico. Depois
teve Hate Embrace, chatinha, e Almah, CHATÍSSIMA.
A noite anterior havia começado para nós, “atrasildos”, com
o Boogarins, de Goiânia. Que, para mim, não disse ainda a que veio: muita
viagem pra pouco som. “Don´t
believe the hype”, já dizia o Public Enemy ...
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Era ela ... |
Depende do hype. Do Far From Alaska eu gosto. Primeiro show
que vi deles. Curti bastante. Um pouco “certinho” e “profissional” demais,
talvez – me pareceu pouco espontâneo, mas pode ter sido impressão minha – mas a
perfomance de todos - especialmente das duas vocalistas - foi perfeita. Amigos
meus não curtiram, acharam o som genérico, sem definição, ora soando como Adele
(???!!!), ora como o Metallica (talvez), ora como Rage Against The Machine (aí
pode até ser), mas eu discordo. Acho a banda muito boa, tem boas composições,
ótimos músicos e uma excelente presença de palco. Aprovadíssimo.
Foram seguidos pelo dEUS, da Bélgica. Experimental, “pero no
mucho” – algumas melodias são bastante “assobiáveis”. Bom show, apesar do som
falhando e do exagero perfomático do violinista, que eu achei meio “poser” ...
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Priscila Novaes Leone |
Quem também fez um (muito)bom show foi o Pato Fu. Periga ter
sido um show perfeito, admito. Mas não consigo avaliar direito porque sou um
ex-fã xiita, daqueles que só gosta, MESMO, do primeiro disco, o clássico
“Rotomusic de liquidificapum”, e mais ou menos dos dois seguintes. Deixei de
gostar depois do “Televisão de cachorro”, quando o comando criativo do grupo
passou a ser nitidamente compartilhado por John com a Fernanda Takai, que
sempre foi muito mais para o pop e a bossa-nova que para o rock and roll. Mas
nunca deixei de respeitá-los. Segue sendo uma banda, no mínimo, simpática. E
decente. E extremamente competente e de muito bom gosto: as projeções de
imagens no palco são sensacionais! Foi o que mais me prendeu a atenção, aliás.
Fazia tempo que não os via ao vivo. Curti. Quase dancei ao som de “Uh uh uh lá
lá lá yeah yeah” ...
A primeira noite se encerrou com Pitty e a incrível
revelação – para mim, pelo menos – que a nossa cabeça tem 7 buracos! Nunca
tinha pensado nisso. Mas só vale se descartamos os olhos, não é?
Bom show, grande domínio do palco.
Respeito a Pitty.
Ela é massa.
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