Sim, este é o nome oficial do guitarrista cego vindo do
inferno (ou quase isso), aquele sujeito de rosto bizarro que aparece em meio às
tropas de Immortan Joe, no topo de um carro em alta velocidade em pleno
deserto, tocando uma guitarra que cospe fogo enquanto fica pendurado em cabos
elásticos diante de um paredão de amplificadores.
Nota do Editor original: Eu
vou repetir, caso não tenha ficado claro: UM GUITARRISTA CEGO FR0M H3LL NO TOPO
DE UM CAMINHÃO EM ALTA VELOCIDADE NO MEIO DO DESERTO, TOCANDO UMA GUITARRA QUE
COSPE FOGO ENQUANTO FICA PENDURADO NA FRENTE DE UMA PAREDE DE AMPLIFICADORES.
Se apenas a descrição desta cena já não é incrível o suficiente
para que isso se torne a sua parte favorita do filme, imagine ao
ver a dita cuja em tela imensa, com AQUELE som ecoando um riff maníaco de heavy
metal. Vai explodir a sua cabeça — e te fazer pedir por um filme solo
inteirinho do Coma-Doof Warrior. É, sim, tem gente clamando por isso sabia?
Confesso: e eu sou um deles.
A expressão “doof” é típica da Austrália, onde acontecem as chamadas “festas doof”, eventos de música eletrônica nos quais as batidas ensurdecedoras do house ou do techno ficam bombando - “doof doof doof”. E quer saber do mais legal? Aquele veículo todo funcionava DE VERDADE. Nada de trucagem de efeitos especiais. “Sabe, infelizmente, o George Miller não gosta de coisas que não funcionam pra valer”, conta Colin Gibson, designer de produção, num papo com a MTV. “No passado, eu já tinha produzido coisas para ele e tive que ouvir ‘legal, agora liga isso pra eu ver’. Então, tinha que funcionar”, diz.
O que aconteceu foi que Gibson usou um veículo de 8 rodas, um antigo aparato militar para disparar foguetes, a única forma de dar a escala necessária àquela maluquice. Meteu uma dezena de Marshalls e aquele espaço traseiro no qual os rapazes tocavam tambores alucinadamente para acompanhar o trabalho do guitarrista. “E devo dizer, bater aqueles tambores era muito desconfortável andando a 70km/h, comendo a areia da Namíbia”, confessa Gibson. Mas ainda tinha a questão da guitarra. Que tinha que tocar de verdade. “A primeira versão, bom, acho que investi demais no disparador de chamas e pouco no reverb (...) Não me ocorreu que ela tinha que funcionar. Achei que era suficiente soltar fogo e parecer uma guitarra feita de panelas ou algo assim. Até que George disse ‘E onde eu ligo agora?'”. E de volta pra prancheta. “O fogo, sabe, não estava na versão original dos storyboards. Mas era um pouco como um show do Kiss. Precisava soltar fogo. Tinha que ser divertido”. E foi. Pra caralho.
No entanto, para dar o efeito adequado, já que a captação no deserto pode não ser das melhores, a música acabou sendo inserida mais tarde, na pós-produção. Então, o que diabos o iOTA estava tocando, afinal? “Eu basicamente ficava lá improvisando”, conta. “É uma guitarra double neck, então é ao mesmo tempo um baixo e uma guitarra elétrica de seis cordas – e eu estava em cima de um amplificador também, então ficava tremendo, era tudo barulhento o tempo todo. Eu tocava Zeppelin, Soundgarden, AC/DC ou qualquer coisa que me inspirasse” – incluindo aí até os brasileiros do Sepultura. Aliás, por falar no AC/DC, as calças curtas e os tênis do Coma-Doof Warrior foram totalmente inspirados no estilo icônico de Angus Young. “Sabe, a guitarra não era muito boa. E eu passava muito tempo no sol, na areia e no frio. Então era complicado tirar uma boa nota daquilo”.
O personagem - Juntos, Miller e iOTA criaram uma história para o cativante e enérgico sujeitinho de vermelho. Enquanto o mundo ruía, anos antes, havia este garoto, um prodígio musical que presenciou a mãe, uma mulher que também tinha talentos musicais, ser decapitada em sua frente. “Pra mim, é tudo sobre como alguém cego sobrevive num lugar como este”, explicou o próprio cineasta, em entrevista ao Fandango. “Como alguém mais fraco sobrevive ao apocalipse? Ele sobreviveu porque era cego. Porque viveu no fundo de uma mina, tirando vantagem de ser cego”.
Lá no fundo, se alimentando de pequenos roedores e bebendo o pouco de água do lençol freático que passava por ali, o garoto tocava o que restou de sua guitarra. E o som acabou atraindo Immortan Joe, que encontrou o moleque ainda ao lado da cabeça cortada de sua mãe. “Joe precisava de alguém pra tocar a gaita de fole, alguém que ajudasse a chamar todo mundo pra guerra”. Achou. Adotado pelo líder da cidadela, cresceu e continuou praticando. Mas sempre carregando consigo a lembrança da mãe: seu rosto não é o de uma pessoa desfigurada. É a pele do rosto da própria mãe, arrancada e transformada numa máscara. Estilo Coringa.
" Na hierarquia social que se formou neste futuro, ou você estava pronto para a batalha, como um garoto da guerra; ou tinha um status maior do que qualquer um, como o Joe; ou tinha uma habilidade particular”, complementa Gibson. “Claro que ser um mecânico seria a mais importante destas habilidades, mas essa coisa de tocar guitarra também é. E como ele nasceu cego, isso significaria que ele é nada neste lugar, e eles quebrariam suas pernas e o deixariam no alto da montanha para morrer, estilo Esparta. Mas ele sabia tocar guitarra – então certamente isso garantiu o seu lugar no panteão”.
Um fanático por quadrinhos, Miller vai contar alguns prólogos de Mad Max em uma série especial da Vertigo (DC Comics), escritos por ele e pelo roteirista do filme, Nico Lathouris, com arte do artista de storyboards Mark Sexton. Mas, infelizmente, a trama do Coma-Doof Warrior não consta desta primeira leva – que vai abordar histórias pregressas de Max, da Imperatriz Furiosa, do garoto da guerra Nux e do próprio Joe. Só que o diretor deixa a semente plantada: “eu quero contar a história sobre ele num gibi se tiver a oportunidade”.
O homem por trás da máscara - iOTA, ou melhor, Sean, é uma espécie de rock star na Austrália. Além de já ter lançado cinco discos de composições próprias, foi a estrela das montagens locais de musicais como Hedwig and the Angry Inch, The Rocky Horror Show e Smoke and Mirrors (do qual é co-criador). Já foi indicado ao ARIA Music Award, uma espécie de Grammy australiano, e chegou até a derrotar o compatriota Hugh Jackman na categoria de melhor ator nos Helpmann Awards, uma espécie de Tony australiano. Atualmente, está ensaiando para encenar a peça B-Girl, escrita e estrelada por ele – e a ser apresentada na Sydney Opera House a partir de junho. O seu nome, claro, acabou se tornando um dos principais argumentos de venda do espetáculo.
Nome que, aliás, não significa lá muita coisa. “Quando eu
era criança, sempre quis mudar meu nome, na mesma linha do que fizeram ícones
dos anos 1970, como David Bowie e Iggy Pop”, explica ele, em entrevista para o
Buzzfeed. “Sempre gostei dessa palavra, iota (a nona letra do alfabeto grego),
e eu achei que seria um bom nome pra uma banda. Aconteceu. Quando acabei
ganhando a chance de fazer um show solo, pensei, é agora que mudo meu nome para
iOTA”. E assim mesmo, com o I em caixa baixa. “Ia acabar saindo no jornal como
LOTA, o que é horrível. E assim até que ficou legal”.
Antes de Mad Max, a única experiência de Sean nos cinemas
tinha sido em 2013, na adaptação de O Grande Gatsby dirigida pelo também
australiano Baz Luhrmann. O músico interpretou, ironicamente, outro músico:
Trimalchio, o líder da orquestra. Mas como todo moleque da terra dos cangurus,
claro, iOTA cresceu fascinado pela trilogia original de Miller, estrelada por
Mel Gibson – em especial pelo segundo filme, seu favorito. Assim que descobriu
que o diretor estava querendo rodar um novo capítulo da saga, o sujeito pirou.
Ligou imediatamente para os seus agentes e exigiu entrar na parada. “Eu faria
qualquer coisa para estar naquele filme”.
Um ano depois, praticamente esquecido daquela história, eis que vem um telefonema. O chamado para um teste. “Eles me pediram basicamente pra levar uma guitarra. E disseram que o papel era uma mistura de Keith Richards e espantalho”. Mas iOTA fez mais do que carregar o instrumento consigo. Colocou um figurino que lembrava o dos motoqueiros de Mad Max 2, com couro, penas e pedaços de coisas penduradas. Sujou os dentes. Ficou nojento. Se meteu num táxi e arrancou olhares espantados do motorista. “E aí, chegando lá, eu toquei a minha guitarra e foi isso. Peguei o papel”.
Mas esqueça este ar blasè porque, conforme o próprio admite, foi como estar em um sonho o tempo inteiro. “A coisa toda foi de explodir os miolos, sabe? Eu ficava andando pelo set de queixo caído o tempo todo. Foi incrível. E atravessar o deserto naquela caminhão foi realmente demais. Você deveria tentar”.
Um ano depois, praticamente esquecido daquela história, eis que vem um telefonema. O chamado para um teste. “Eles me pediram basicamente pra levar uma guitarra. E disseram que o papel era uma mistura de Keith Richards e espantalho”. Mas iOTA fez mais do que carregar o instrumento consigo. Colocou um figurino que lembrava o dos motoqueiros de Mad Max 2, com couro, penas e pedaços de coisas penduradas. Sujou os dentes. Ficou nojento. Se meteu num táxi e arrancou olhares espantados do motorista. “E aí, chegando lá, eu toquei a minha guitarra e foi isso. Peguei o papel”.
Mas esqueça este ar blasè porque, conforme o próprio admite, foi como estar em um sonho o tempo inteiro. “A coisa toda foi de explodir os miolos, sabe? Eu ficava andando pelo set de queixo caído o tempo todo. Foi incrível. E atravessar o deserto naquela caminhão foi realmente demais. Você deveria tentar”.
por Thiago Cardim
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