quinta-feira, 9 de abril de 2015

Fortaleza.

(#*) Apesar da capa – um emaranhado de ângulos que formam, quase ilegíveis, o nome da banda em estampa dourada sobre uma espécie de courvin sintético – Fortaleza não é um disco de heavy metal.
Mas também não deixa de ser. Quer dizer, desde que você consiga imaginar como seria o heavy metal cearense em 1975, se gravado com a dinâmica de um disco de 2015, que incorporasse o rock indie, o romantismo da música de AM, o agreste nordestino em fartas doses. Mas o fato é que não dá para deixar de pensar em heavy metal diante dos riffs e climas de “Dizem que sou louco por você”, faixa que funciona como uma espécie de cardápio deste quinto (ou quarto, ou sexto, dependendo da contagem) álbum do Cidadão Instigado.
E, por paradoxal que pareça, esse verniz de rock pauleira só ressaltou as virtudes e a personalidade do grupo: a guitarra de Catatau, a fluência entre os (grandes) músicos que o acompanham, as melodias inventivas, a melancolia presente em cada fresta do disco (“ah, se fosse assim eternamente eu só chorava/ e acho na saudade para acabar com minhas mágoas / pensando bem, eu só queria ter você perto de mim”, ô coisa linda), o vocal cheio de areia e as escalas guitarreiras muito loucas que não deixam dúvida de que estamos diante de um trabalho não-convencional, apesar de totalmente clássico.
Há bastante Pink Floyd por todo o disco, e não parece coincidência que parte das gravações tenha ocorrido ao mesmo tempo que o Cidadão Instigado apresentava seu show tocando Dark Side of the Moon na íntegra. Todo o peso e toda estranheza é dolorosamente entrecortado por um senso de placidez e paz que vem declaradamente das lições aprendidas com Water e Gilmour.
Suas 12 músicas são longas – raras são as com menos de 5 minutos –, repletas de climas e labirintos internos, que não parecem nem um pouco interessadas em dissipar as sombras que fazem com que o Cidadão Instigado seja visto até hoje, mais de dez anos depois de sua estreiaO Ciclo da Dê.Cadência, como um grupo “difícil”, mais respeitado do que assobiado.
Mas também é, em si, uma fortaleza, uma muralha de artesanato e vagar contra um mundo de dispersão e informação fragmentada. Um sussurro de resistência infantil contra os gritos de brutalidade do mercado. Talvez envelheçamos procurando essa criança, mas, para quem ama música, não há outra opção senão tentar.
(*)“Nossas raízes são essas”, explica Fernando Catatau sobre o acento setentista impregnado no quinto disco de sua banda, o Cidadão Instigado. “É o som que a gente sempre quis”. A espera pelo disco é compensada na afirmação mais pesada do grupo: o épico "Fortaleza", que chega à internet e aos palcos neste início de abril. A banda disponibilizou o disco para download gratuito semana passada em sua página do Facebook (/bandacidadaoinstigado) e apresenta-se no palco do Sesc Pompeia, em São Paulo, hoje (9/4) e amanhã.
Fortaleza é o álbum mais ambicioso do Cidadão Instigado, cheio de riffs memoráveis, grooves de rock e coros de platéia. Saem os teclados do ensolarado Uhuuu! (2009) para a entrada de vocais e violões contemplativos. E, embora pesado em sua extensão, ele também traz momentos tranquilos e líricos.
O disco é o resultado final de um processo que começou em janeiro de 2012, quando a banda passou doze dias enfurnada em uma casa de praia de Icaraizinho de Amontada, próxima a Jericoacoara, no Ceará, arranjando as canções de Catatau.
Um ano depois se reencontraram no estúdio paulistano El Rocha onde gravaram as bases. “Continuamos laboratoreando”, emenda Catatau sobre as gravações que se seguiram entre os estúdios caseiros da banda até o início deste ano, quando foram gravados os vocais logo após o carnaval.
“Foi um processo parecido com a mudança entre o Ciclo da De:Cadência (de 2002) e o Método Túfo de Experiências (de 2005), de reinventar tudo”, conta o guitarrista, lembrado pelos outros integrantes sobre a época em que pensou até em mudar o nome da banda.
Mudanças - A mudança desta vez foi na formação: o guitarrista Régis Damasceno foi para o baixo, o baixista Rian Batista assumiu violões e teclados e o tecladista Dustan Gallas tomou conta da segunda guitarra.
Só Catatau, o técnico Kalil Alaia e o baterista Clayton Martin permaneceram nos mesmos lugares. A mudança traz novos e notáveis ares ao grupo.
Nesse processo surgiu o título do disco, que deu o rumo pesado da produção. A banda cita Led Zeppelin, Black Sabbath, Raul Seixas e Thin Lizzy como influências. Além, claro, do Pink Floyd, pois as gravações ocorreram ao mesmo tempo em que a banda fazia apresentações tocando a íntegra do clássico Dark Side of the Moon (1973).
“Começamos a reparar no desenho das músicas, como uma se encaixava na outra e como iam do estúdio para o palco”, explica Régis.
Clayton também fala sobre como mapa de palco do grupo inglês - que toca alinhado horizontalmente - ajudou o Cidadão a se reinventar ao vivo. O Pink Floyd também foi crucial para uma das assinaturas do novo disco, os arranjos vocais quase sempre naquele falsete de soft rock dos anos 70, que ficaram a cargo de Rian.
Declaração de amor - O nome da capital cearense inevitavelmente levou à composição da faixa-título, uma declaração de amor à cidade natal da banda, que ao mesmo tempo questiona os valores da sociedade atual (“Cidade marginal!”, canta dúbio Catatau).
“Não é uma música só sobre Fortaleza, fala do que aconteceu com o mundo todo, essa cara de banheiro de shopping de Miami. Eu sou o único paulistano da banda e vi isso acontecer no meu bairro, a Moóca”, reforça o baterista Clayton sobre a música que ainda conta com a participação do guitarrista Dado Villa-Lobos, do Legião Urbana, nos violões.
A referência à capital cearense quase trouxe o arcano hotel Iracema Plaza, para a capa do disco. Mas, como explica Regis, “o título não é um nome próprio, é um substantivo” e a banda optou pela capa preta com o nome da banda escrito em letras pontiagudas para enfatizar sua raiz rock e exigir o trono do gênero no Brasil. As credenciais estão à mostra.

Fortaleza dissecado
"Até que Enfim"
Baixo e bateria recebem o ouvinte com um galope à Saucerful of Secrets que ganha ares de velho oeste à entrada da guitarra e ao violão.
"Dizem que Sou Louco por Você"
Uma canção de amor que abre com um riff mortal e fecha com outro pesadaço.
"Os Viajantes"
Uma balada psicodélica com um solo cortante e vocais de Doobie Brothers.
"Perto de Mim"
“Ah se fosse assim eternamente eu só chorava…” Uma triste canção ao violão, que ganha ares de space rock graças às entradas das guitarras, teclados e vocais.
"Ficção Científica"
A paranoia de Catatau com os avanços tecnológicos traduz-se em uma faixa com várias facetas - pesada, dançante, lírica e alucinógena.
"Fortaleza"
“Minha Fortaleza ‘réia’ o que fizeram com você?”, pergunta o épico repente elétrico, apontando dedos para “os governantes” e “a elite” que desfiguraram a capital cearense.
"Besouros e Borboletas"
O “lado B” do disco abre com uma avalanche de groove lisérgico, que torna-se uma pacata canção para tocar na rádio AM, com todos os “u-uhs” e “a-ahs” que tem direito.
"Dudu Vivi Dada"
A bela balada melancólica - que também tem suas doses de riffs e arranjos vocais - é um dos melhores momentos do disco.
"Land of Light"
Um reggaeinho aparentemente inofensivo, é uma das gratas surpresas do disco - e ainda puxa a levada do samba-reggae em seu último minuto.
"Green Card"
Refrão para ser cantado em uníssono, riff de metal que conversa com timbres eletrônicos e guitarras que solam à distância, a faixa ironiza a fila para conseguir cidadania norte-americana.
"Quando a Máscara Cai"
Outra faixa bem pesada, é a segunda parte da faixa “Zé Doidim” do disco O Ciclo da Dê:Cadência, de 2002.
"Lá Lá, Lá Lá Lá Lá..."
O disco termina como se os Beatles fizessem uma faixa vocal sem letras para cantar o por - ou o nascer - do sol.


#* por Ricardo Alexandre
* por Alexandre Matias
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