Você já afirmou, várias vezes, que não espera viver o bastante para voltar a gravar por uma gravadora. É um grande paradoxo não ter contrato, já que tem uma base de fãs fortíssima. Como compositor, não sente vontade de gravar novamente, já que existem opções que independem de uma gravadora?
Compus dois álbuns que não serão lançados por nenhuma gravadora. Não tenho 17 anos. Ninguém sabe o que fazer comigo. Sim, tenho uma imensa base de fãs em
muitos, muitos países. Mas isso parece não fazer diferença para as gravadoras. Evidentemente, sou um grande desafio. Talvez tenha sido sempre assim, não? Sim, fico triste por não conseguir lançar novas canções. Porém, não quero
entrar para um obscuro selo independente que não tenha uma forte estrutura de divulgação, porque isso vai dar aos meios de comunicação outro motivo para me
ignorar. Eu quero estar no lugar principal, junto com todo mundo.
Você sempre foi um crítico feroz da política em suas músicas. Vivemos numa era de crise econômica e política. Como você vê o mundo hoje?
Não acho que hoje em dia alguém tenha ilusão sobre políticos, primeiros-ministros e presidentes. Todos eles têm ideias ultrapassadas e, uma vez eleitos, não fazem absolutamente nada pelas pessoas que os elegeram. Democracia é uma ilusão e isso ficou evidente nos Estados Unidos com os protestos Occupy, que a polícia logo reprimiu com violência. Na Inglaterra, a família real é uma ditadura e você não pode ir contra, a não ser que esteja fora do campo de visão dela. Acredito fortemente no poder das pessoas, e tudo o que ocorreu no Oriente Médio é um grande estímulo. Todos os líderes mundiais, sem exceção, são ditadores, e eles nunca vão desistir do poder sem
ferir seu próprio povo. Políticos são puro ego e poder, e absolutamente nada além. E é por isso que as pessoas, no mundo todo, perderam sua fé neles. Se você olhar para os candidatos republicanos para a próxima eleição presidencial dos EUA vai ser simplesmente impossível não gargalhar. São eles o melhor que a América consegue produzir? Obama não merece um segundo mandato, mas vai conseguir porque os republicanos parecem moradores de um hospício. Essa não é a maneira que o mundo deveria ser tratado. Pessoas genuinamente boas não entram para a política.
Durante um tempo, acreditou-se que você era o autor do blog Morrissey`s World (http://morrisseysworld.blogspot.com), o que você negou. O que acha de todo mundo ter uma opinião sobre tudo nos dias de hoje e postar nas redes sociais?
Não sou o autor de Morrissey’s World, que é perigoso e me causou problemas. A
internet faz com que qualquer um se torne um crítico e, de uma maneira geral, o impulso de certas pessoas é machucar e destruir porque elas podem fazê-lo na segurança de seus quartos de Guerra nas estrelas numa simpática e pequena
Iowa. Por outro lado, internet é o poder das pessoas, e isso é bom, porque torna os críticos musicais inúteis. As pessoas estão pensando por si próprias, o que significa a morte da inocência. Os jornais tentam te contar o que está acontecendo, mas veja como agora as pessoas do Oriente Médio podem fazer seus próprios relatos em seus telefones e laptops. O governo sírio, por exemplo, não pode mais sair escondendo a verdade. Isso faz você pensar sobre todas as injustiças do passado e como sempre estivemos à mercê da imprensa controlada.
Você é um grande ativista do vegetarianismo e dos direitos dos animais. Acha que evoluímos nesse quesito nos últimos 30 anos?
O abuso de animais é hoje discutido em todos os lugares. Os restaurantes têm opções vegetarianas só porque os donos concluíram que boa parte dos clientes iria embora se os vegans não pudessem se alimentar. Curiosamente, a indústria da morte – da carne – está lutando de maneira muito forte. Isso acontece porque sabem que estão perdendo. Minha crença é simples: não deverás matar. Também acho que você pode avaliar uma pessoa pela maneira que ela trata animais. Geralmente, pessoas que são cruéis com animais também o são com seres humanos e com o próprio planeta. A questão mais importante é que as pessoas estão, agora, pensando seriamente sobre a comida. Como consequência, há uma compreensão geral de que redes como KFC e McDonald’s não são apenas ruins para os animais, como também para as pessoas e o meio ambiente. A chamada indústria da carne é um desastre para o meio ambiente, mas os líderes mundiais ainda não fizeram restrições por causa da quantidade de dinheiro que o ato de matar animais gera.
Rio de Janeiro - Aos 52 anos, Stephen Patrick Morrissey, conhecido apenas pelo último nome, bem poderia ser um personagem de Charles Dickens: a cara de inglês antigo (de sangue irlandês, como atestam o nome Patrick e a música "Irish blood, English heart", um de seus sucessos), hoje com rugas e as têmporas grisalhas; a destreza com as palavras; o humor amargo e o sofrimento inerente à sua poesia o colocariam como uma luva em um romance do venerável autor de "David Copperfield", "Grandes esperanças" e "Oliver Twist".
Um dos grandes letristas do rock inglês, primeiro à frente dos Smiths, nos anos 1980 — a banda durou apenas cinco anos e terminou, reza a lenda, em uma conversa em um pub, regada a cerveja e ervilhas —, e em carreira solo desde 1988, talvez o único esporte que Morrissey pratica melhor do que a música seja a opinião.
"Na Inglaterra, obviamente, a minha vida se resume principalmente a batalhas jurídicas, acusações de racismo e críticas assassinas", afirma ele, que já deixou seu país natal para viver na Itália e nos EUA, e atualmente se diz apaixonado por Santiago, no Chile, onde foi uma das atrações do Festival de Viña Del Mar, na semana passada.
Nesta segunda, ele se apresenta na capital chilena e segue pela América do Sul, com shows na Argentina, no Peru e na Colômbia. No Brasil, canta músicas como "First of the gang to die", "Everyday is like Sunday" e talvez até "I know it’s over", dos Smiths, no dia 9 de março, na Fundição Progresso, além de passar por Belo Horizonte (dia 7, no Chevrolet Hall) e São Paulo (dia 11, no Espaço das Américas.
Na conversa por e-mail, Mr. Morrissey atesta que a música moderna não tem salvação, embora se orgulhe muito de sua obra.
Como você se sente quando é chamado de lenda? Você ouve muito sua própria música? O que acha dela?
MORRISSEY: Acho que a palavra lenda significa algo que pode ou não ser verdade. Não significa o que as pessoas geralmente acham que significa! Historicamente, sempre estive em uma posição de credibilidade, e, depois de 30 anos, ninguém pode me acusar de ser uma puta ou um escravo. Isso certamente quer dizer alguma coisa. O orgulho que tenho da minha música certamente incomoda muita gente, mas eu acho que ele é cheio de verdade, além de continuar significativo até hoje. Por favor, não me jogue no mesmo lugar em que está o resto das piranhas do pop.
Você enxerga alguma influência sua na música de hoje em dia? De que artistas novos você gosta?
Eu acabo ouvindo tudo, mas as pessoas, na maioria, são atrozes. A imprensa musical — o que sobrou dela! — fala bem dos amigos, só escreve sobre os amigos e inventa prêmios para entregar aos amigos mês sim, mês não. Mas não tem ninguém no planeta que ache que a música moderna tem salvação.
É verdade que você completou sua autobiografia? O que se pode esperar dela?
Sim, acabei de escrever a minha autobiografia, e estou muito orgulhoso. Os elefantes invejam a minha memória. É uma história fascinante. Na Inglaterra, obviamente, a minha vida se resume principalmente a batalhas jurídicas, acusações de racismo e críticas assassinas, mas nos outros países é muito diferente, ela é vista de forma muito positiva. Tudo isso está documentado. Os nomes dos inocentes serão publicados, e os culpados, protegidos. (Ele já disse à revista "Billboard" que o livro é "tão longo quanto ‘Moby Dick’" e que sua data de publicação, em dezembro deste ano, permitirá que ele "desapareça no Brasil central".)
Você critica muito as letras da música pop, dizendo que elas não têm significado. É difícil escrever uma boa letra? Você se envergonha de alguma que compôs?
Algumas não envelheceram tão bem. Mas, depois de 30 anos, isso é de se esperar. De modo geral, tenho muito orgulho. É incrivelmente raro ouvir uma boa letra pop em 2012, e a ideia de esperar impacientemente para ouvir uma música nova de um artista porque você quer saber o que ele tem a dizer é absolutamente antiquada.
Você já emitiu opiniões radicais sobre música, ao falar de gêneros como o reggae e o rap. Você ainda os acha tão ruins?
Sempre adorei reggae. Em 1984, eu disse, brincando, a um jornal musical britânico que "o reggae é nojento". Eles me levaram a sério, e essa afirmação está por aí até hoje. (Ele inclusive tem reggaes no repertório, como "Redondo Beach".) Não gosto de rap porque nele não há melodia vocal, e porque eu me sinto como se estivesse sendo golpeado na cabeça, em vez de me permitirem simplesmente ouvir uma obra musical. Além disso, o rap geralmente é ouvido por pessoas que querem mais o barulho do que a substância. O rap hoje em dia é tocado por toda parte, em situações que não têm o menor significado, porque as pessoas parecem não estar ouvindo. Ele simplesmente está lá, enchendo o saco.
Como ativista do meio ambiente, você acompanha as notícias a respeito da política brasileira em relação à Floresta Amazônica? O que acha dela?
A Amazônia brasileira e o meio ambiente em geral estão sendo, em sua maior parte, destruídos para que se abra espaço para a indústria da carne. Se as pessoas continuarem a comer animais, o mundo vai para a merda. Se os líderes mundiais se importassem com o meio ambiente, eles fechariam os abatedouros. Mas eles não farão isso. E nada disso tem a ver com o fornecimento de comida. A única preocupação é o lucro.
Você morou na Itália e em Los Angeles. São lugares melhores para se viver do que a Inglaterra? De que outros países você gosta?
No momento, estou apaixonado por Santiago. É uma cidade tão bonita, calma e feliz... A minha cabeça é muito inconstante, então, na próxima semana, provavelmente vou querer morar na Islândia, embaixo da terra. Meu ideal, na verdade, seria morar em uma igreja enorme. Mas elas raramente aparecem no mercado, e devem ser muito caras para se aquecer. Já estou me vendo, pendurado nos sinos às 18h, todas as tardes, vestindo uma longa batina e cantando "The world is full of crashing bores". (Música dele cujo título significa "O mundo está cheio de grandes chatices".)
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