quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Clandestinos & legais

A “cena” independente de Aracaju vem passando por uma fase curiosa: por um lado, nunca esteve tão bem artística e conceitualmente, com ótimas bandas dos mais variados estilos em plena atividade e, bem ou mal, produzindo. Por outro, enfrenta um impressionante recrudescimento na quantidade (e qualidade) do público que comparece aos eventos mais alternativos. Às vezes não dá ninguém, outras vezes vai uma galera apenas pra curtir a “night” “na porta do bar”, deixando os produtores no perrengue de ter que cobrir os custos, mesmo que pequenos, com a ajuda de minguados pagantes. Falta de grana não parece ser o problema, já que tem se formado um verdadeiro comercio informal na frente do Capitão Cook para abastecer os adeptos das “baladas de porta de show”. Falta novidade? Talvez. Mas para que os produtores se arrisquem a trazer bandas de fora para tocar por aqui e arejem o cenário (por que por melhores que sejam as bandas locais, realmente, ninguém agüenta ver todo final de semana o mesma show) é preciso que haja uma certa segurança de que o publico vá comparecer, algo que, ao que parece, não está acontecendo. Então chegamos a um impasse: Mais bandas não vêm tocar em Aracaju porque não há público ou não há público porque as bandas não vêm tocar em Aracaju? Qual será o segredo de Tostines?

O que falta então? Apoio do poder público? Talvez. Acho saudável que as políticas públicas contemplem a diversidade cultural, dando ao povo a oportunidade de vislumbrar, mesmo que por uma noite apenas, que há algo além do feijão com arroz que nos é servido dia e noite pela grande mídia regida pela “mão invisível” do mercado. Foi assim no início da gestão do atual grupo político no poder: tivemos algumas edições memoráveis de eventos como o projeto verão, contemplando o gosto popular mas ao mesmo tempo não negligenciando a existência de grupos e artistas pouco conhecidos mas que têm um trabalho sólido e de qualidade a apresentar. Foi lindo ver, por exemplo, uma multidão de garotos aclamando a Karne Krua, banda de punk rock há mais tempo em atividade ininterrupta no nordeste do Brasil, na única vez em que eles se apresentaram no palco principal do Projeto Verão da praia de Atalaia, calando a boca dos que acharam que seriam ignorados pela molecada que, supostamente, teria ido à orla apenas para ver Pitty. O mesmo aconteceu com Rockassetes, Plástico Lunar e The Baggios, dentre outros dignos representantes do nosso cenário musical alternativo, quando por lá passaram.

De uns tempos pra cá, no entanto, os responsáveis pela curadoria dos grandes eventos culturais do Estado e da prefeitura parecem ter se rendido ou a uma preguiça mental generalizada, a acordos nebulosos ou a um populismo burro e emburrecedor, porque é sempre mais do mesmo. Ano após ano, nenhuma sombra de novidade ou de ousadia. Aos “artistas da terra”, depois de muita reclamação, restou um espaço alternativo que no caso do Verão Sergipe, do Governo do Estado, até que é interessante, já que a arena é bem localizada e fica praticamente ao lado do palco principal. Mas no Projeto Verão, da Funcaju, é ridículo: as atrações locais tocam numa tendinha improvisada a uma enorme distancia de onde a ação realmente acontece, o que faz com que muita gente, com certeza, nem saiba da existência de tal alternativa.

Que fazer? Ficar de braços cruzados esperando as oportunidades caírem do céu, “xingar muito no twitter” e no Facebook ou arragaçar as mangas e colocar mais uma vez em prática o bom e velho Do It Yourself? Um grupo de jovens preferiu a terceira opção e recriou o movimento “Clandestino”, que organiza shows relâmpago nas ruas da cidade sem autorização, sem edital e sem balada de porta – porque não há porta! Usei o termo “recriou” porque a idéia não é nova: no final dos anos 80 e início dos 90 os punks e alternativos fizeram alguns eventos com esta mesma denominação. Trata-se, portante, de um “remake”, com uma nova geração de atores e alguns convidados especiais veteranos da primeira "série".

O último episódio foi “ao ar” na região dos lagos da orla, numa quinta-feira, dia 09/02/2012. Tocaram Mahatma Gangue, do Rio Grande do Norte, e The Renegades of punk, daqui mesmo. A Toddys Trouble Band também iria tocar, mas não tocou, por motivos de força maior - atraso. Cheguei na hora (o bagulho é pontual, é chegar, arrumar tudo, ligar o gerador, sentar o pau nas baquetas e palhetas, desarrumar tudo e dar no pé antes que a polícia apareça) e Renegades já estava no palco (quer dizer, no gramado), em ação. Desta vez o barulho do gerador nem tava atrapalhando tanto, já que o som, como um todo, ficava disperso pela ação poderosa da brisa que vinha do mar logo atrás. Tecnicamente falando, como dá pra deduzir, é precário, mas o que importa aqui é a atitude de fazer com que as coisas aconteçam assim mesmo, do jeito que dá. Sem pretensões. Se você encarar por este prisma, só não se diverte se não quiser. Eu me diverti, especialmente, com as “presepadas” de Pedro, do Mahatma, que parecia disposto a fazer Daniela (guitarrista e vocalista da Renegades) cair na gargalhada em plena apresentação. O que ele talvez não saiba (deve saber) é que ela é perfeitamente capaz de cantar e sorrir ao mesmo tempo, estão está imune a este tipo de provocação.

O show do Mahatma foi aquela insanidade já vista por aqui há alguns anos, só que agora numa versão completa. Pedro, que estava com um figurino totalmente praieiro, de sunguinha de praia e canga colorida, comandou a anarquia sonora regada a surf music garageira tosca que começou a chamar a atenção dos transeuntes, dentre eles um garoto de rua que se apresentou como Fabrício "Malucão" e se entrosou completamente no espírito da coisa: cantou, dançou, “agitou”, plantou bananeira, tomou aulas de bateria e ainda ajudou a carregar os instrumentos até o carro, sem pedir nenhuma moeda em troca. Ao lado do impressionante salto sobre baterista de Alex, devidamente registrado pelas lentes espertas de Dillner “Banksy”, foi o destaque da noite.

Este foi o segundo. O primeiro “Clandestino” aconteceu num dos coretos da praça Fausto Cardoso, numa tarde de domingo, 29 de janeiro de 2012. Neste cheguei atrasado, mas ainda a tempo de ver Trimorfia executar um de seus melhores “hits”, “running in circles”. Foi também a segunda apresentação em terras sergipanas do Robot Wars, duo “neocrust” formado por Ivo Delmondes e Silvio Gomes, e foi bem bacana, apesar do enorme barulho de fundo provocado pelo gerador que os caras alugaram para a ocasião. Neste, em especial, uma curiosidade: um grupo de roqueiros ainda conseguiu improvisar uma “ficada na porta”, permanecendo a alguns metros do evento “biritando” e vendo tudo à distancia. Como se vê, é uma cultura enraizada, difícil de largar ...

Tudo isto aconteceu em dias (e noites) quentes e agitados na cidade, por conta dos projetos culturais (mais para turísticos) patrocinados pelo poder público. Da prefeitura, tivemos o Projeto Verão. Compareci à última noite, tradicionalmente mais alternativa, quando a movimentação se desloca para o centro da cidade, mais precisamente para o Mercado Central, na chamada “Rua da Cultura”. Se apresentariam os locais A Banda dos Corações partidos, Plástico Lunar e Mamutes. Como convidado “de fora”, Nasi, ex-Ira. Cheguei tarde, como de praxe, por volta das 22:00H. Pensei que veria os Mamutes, como programado, mas o show seria de Nasi que, segundo me contaram, exigiu tocar antes. Uma atitude justificável caso esteja prevista em contrato assinado. Caso contrário, é sacanagem, pura e simples.

Nasi fez um show totalmente “xoxo” e apelativo, cheio de covers óbvios, do Legião Urbana, de Cazuza e, claro, Raul Seixas – não uma, nem duas, mas três composições de Raulzito, que ele usou descaradamente como chamariz para o publico, aquém do que compareceu a edições anteriores do evento. Parecia Coverama. Compreensível, já que as musicas do repertorio solo nem de longe lembram os melhores momentos do Ira!

De sua banda anterior, tocou várias. Em “envelheço na cidade”, no entanto, ficou clara a falta que Edgard Scandurra faz! O guitarrista Nivaldo Campopiano, ex-Muzak, é competente, mas está a anos luz do brilhantismo do criador daqueles riffs absolutamente clássicos. Uma pena ver um grande performer como Nasi se perdendo assim numa carreira sem rumo definido. Falta um bom parceiro de composição, basicamente. Se ele não encontrar nenhum, vai ter que continuar vindo aqui defender alguns trocados tocando pra “essa gente feia e ignorante”, como ele dizia em alto e bom som nos versos de “pobre paulista”.

Mas enfim, essa é uma polêmica antiga que já deu o que tinha que dar (veja aqui uma explicação de Scandurra para a letra). A nova foi o atropelo dos Mamutes, que subiram ao palco com sangue nos olhos disparando farpas contra o “pobre paulista”. Kal Di Lion chegou mesmo a incorporar o Away de Petrópoles e falou que ele deveria era “fechar o cu” quando viesse tocar na cidade dos outros. Não sei quem estava certo, já que não tenho pormenores dos bastidores. Só estou narrando o que vi e ouvi. Sei que a apresentação dos Mamutes foi boa, como sempre, e um bom publico ficou até o final para prestigiá-los.

Outros bons shows aconteceram na programação do Verão Sergipe e do Projeto Verão. No domingo, vi snooze na pista de skate da orla, num show que remeteu aos primórdios da banda, quando eles se apresentavam muito neste tipo de evento. Na noite anterior, durante o mesmo campeonato, tocaram Mahatma Gangue e Renegades of punk, mas eu perdi porque estava colocando no ar o programa de rock.

Teria ido também para Baggios e Mano Chao, mas uma gripe me impediu. Não sei se perdi grande coisa, já que, pelo que me contaram, o show foi exatamente igual ao que vi ali mesmo, alguns anos atrás.

Fui pra Abertura do Verão Sergipe na Barra dos Coqueiros e vi Karranca fazer um show animado, abrindo para os Baggios, que se apresentaram no palco principal, e para o Snooze, que tocou na chamada “Arena Multicultural” – um palco menor, mas pra lá de decente e bem localizado. Vi um pouco do paralamas e achei legal também. Fim de carreira total, mas ainda sabem divertir a platéia – bons hits pra isso não faltam.

Não vi Rita Lee. Se soubesse do bafafá que iria dar, teria ido. Acho que ela exagerou na dose e jogou pra platéia, mas acredito piamente que tenha visto, realmente, truculência por parte da polícia, ao contrário do governador Marcelo Deda, que não viu nada demais – eles nunca vêem, a não ser quando estão na oposição. Porque é fato: a policia de Sergipe ainda é truculenta, apesar de estar, supostamente, sob o comando de um governo “socialista” oriundo da classe trabalhadora. Sei disso de ouvir falar pois, ao contrário de Fernando Pessoa, já conheci, assim como Rian Santos, quem tivesse levado porrada. E também por experiência própria: já levei alguns baculejos e devo dizer que a maioria não foi uma experiência muito agradável. Nada demais caso os caras agissem como deveriam agir e não como cavalos selvagens dando coices - e isto é perfeitamente possível: tive o carro revistado certa feita pela polícia de Alagoas e tudo transcorreu de forma absolutamente tranquila e civilizada, com os agentes da lei avisando com antecedencia o que iriam fazer e, inclusive, nos pedindo para que acompanhássemos a revista de nossas malas e sacolas para comprovar que não haveria nenhuma irregularidade. Aqui foi bem diferente: 7 horas da noite, na praça Olimpio Campos, um grupo de PMs nos aborda e ordena, da maneira menos educada possivel, que nos encostássemos na parede. Não nos pediram para que nos posicionássemos de forma a facilitar a revista, já chegaram chutando nossas pernas para afastá-las. Depois de não encontrarem nada, vão embora do jeito que vieram, sem ao menos informar que estávamos liberados. Reclamar? Nem pensar – todo mundo sabe o que acontece com quem se atreve! Portanto, foda-se essa polícia truculenta que não tem a mínima noção do que seja cidadania.

Valeu, Rita. Boa aposentadoria. Tá até desculpada pela esnobada que deu na gente lá no Circo Voador ...

Todas as fotos foram tiradas no segundo e no primeiro "Clandestino"

As 3 primeiras são de Dillner Bansky

As demais, de Nina Oliveira.

por Adelvan

5 comentários:

  1. O fenômeno da "balada de porta de show" é realmente um caso que merece estudo acadêmico formal. Já que o problema está longe de ser falta de grana, como foi bem observado, só mesmo a ciência para desvendar o que leva uma criatura a sair do aconchego do recanto sacrossanto do seu lar, ficar na porta do evento e depois ainda sair com a velha ladainha do "não tem nada pra fazer em Aracaju, bom mesmo é em [insira cidade onde a grama do vizinho é sempre mais verde]".

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  2. Muito bom, Adelvan ! Como não fui a nada disso, pelo menos agora fico bem informado. Para te falar a verdade, gostaria de ter ido pelo menos no clandestino, bela iniciativa, para dar uma força. Estarei no próximo, dependendo da distância.

    Só acho que Ms. Lee peidou na farofa, igualando-se em truculência (porém verbal) aos "homi". Estava mais para seu primo distante Bruce.

    Vou repetir o que disse no facetruque: com a presença da ministra darling, governador e prefeito, ela poderia ter jogado para uma platéia muito maior se simplesmente tivesse mandado um "aí governador, se tua polícia não parar de dar porrada na galera, vou embora". Sem ter que parar em delegacia depois.

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  3. Vagner Garcia, via Facebook: Então, sobre essa historia. ta meio tarde , mas ainda vale pra contar a verdade. Sou produtor do Nasi , é facil reclamar da nossa atitude e passar a mão na cabeça das bandas locais. O que aconteceu foi que as 19H30 , horario programado do primeiro show , não tinha nenhum musico da banda dos Corações e isso acarretou num atraso de todos os shows. Nossas passagens aereas eram para um voo as 6H da manhã. Para respeitar a falta de profissionalismo local iamos atrasar nosso show? Nossa decisão foi que não . Chegamos no horario para a passagem de som , chegamos na hora para o nosso show. Porque deviamos atrasar? Podem dizer o que quiserem. Mas a falta de profissionalismo foi da cena local que alem de não respeitarem horarios ainda ficou nos provocando no palco. Abraços a todos.

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  4. Com relação aos clientes vips de porta de show cabe,no mínimo, a suspeição de que aparecem para mostrar suas belas tatuagens,tomar umas cervejas e fazer uma social e tirar fotografias que mais tarde servirão de marketing pessoal nos sites de relacionamento,pois creio que quem realmente tem o rock em suas veias no mínimo tem interesse em prestigiar as bandas para que a cena não se apague,já que a chama anda meio fraca,mas como sempre surge aquela faísca que ajuda a manter acesa a chama,parabéns aos organizadores do Clandestino,mas convida bandas da ´´perifas´´ também,tem muita coisa boa sendo feita na zona norte de Ará.

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