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RIO - A situação é comum. A van do festival de rock vai buscar a banda The Baggios. Entram Júlio Andrade e Gabriel Carvalho. Eles se acomodam em seus lugares, vários minutos se passam e nada de o motorista dar a partida. Hora de prestar explicações: sim, o grupo é só de dois mesmo. O que faz com que a van enfim siga seu caminho. Mas que não dissipa as desconfianças do condutor.
— A gente percebe que ele fica pensando: "Será que os bichos vão dar conta do recado mesmo?" — diverte-se Júlio, guitarrista e vocalista de um tipo de banda que começa a conquistar espaço no cenário brasileiro do rock: os duos de guitarra e bateria.
Além dos sergipanos Baggios, que misturam blues e rock de garagem, destacam-se os paulistanos do Test (cultores do heavy metal de extremos, na linha do death e do grindcore) e os gaúchos do Canja Rave, ex-integrantes do Leela e do DeFalla, que correm a Europa mostrando seu rock aditivado com raízes da música americana.
O precedente desse modelo de formação instrumental é dado, basicamente, por bandas americanas. Em primeiro plano, estão The Black Keys (que enfim chegou ao primeiro time do rock mundial com o disco "El camino", e que em abril será grande atração do festival californiano Coachella) e o finado The White Stripes (que acabou de ter reeditados no Brasil, pela Lab 344, seus $primeiros álbuns). Precedentes, não modelos, como alerta Paula Nozzari, baterista e vocalista do Canja Rave, duo que tem com o guitarrista e vocalista Chris Kochenborger. Este ano, eles lançam seu terceiro álbum, "Dirty shoes, balls and old songs".
— Nós adoramos The White Stripes, claro, já fomos comparados a eles muitas vezes. Mas essa comparação é mais visual, por ser uma mulher tocando bateria, do que sonora, pois as influências são diferentes — argumenta ela.
Fã dos WS e Black Keys, Júlio, dos Baggios (que ano passado lançaram seu primeiro e homônimo CD) cita uma referência do seu próprio estado: o Lacertae, duo indie que nos anos 1990 se apresentava só com guitarra e bateria. Já João Kombi, guitarrista e vocalista do Test (que lançou no ano passado o EP "M’boi mirim") não vê precedentes no metal para seu duo. Suas razões são pragmáticas do que estéticas.
— O que aconteceu é que eu fiquei com trauma de organizar ensaio, show e viagem para a minha antiga banda, que era de quatro. Começamos a tocar em dois só pra fazer um som, sem pretensão. E deu certo. Mas tivemos sorte, porque o nosso estilo musical favorece esse tipo de formação. A bateria é rápida, o vocal é gritado, e a guitarra, distorcida. Ele é cheio por natureza — explica.
Motorista de Kombi por profissão, João fez o Test ficar conhecido pelos shows que o duo realiza, de graça, na rua mesmo, em frente a casas de shows em São Paulo onde se apresentam bandas internacionais de heavy metal.
— Esses shows concentram muita gente. E dá menos trabalho do que tocar nas casas do underground — alega ele, que leva o equipamento ("e alguns amigos") para os shows na Kombi mesmo.
A formação enxuta tem outras vantagens, aponta Júlio Andrade, que testou várias combinações de pedais e amplificadores até achar o som ideal de palco.
— Com dois, não tem o lance do palpite, não tem muitas cabeças geniais para complicar a música. Ou a coisa é, ou não é.
Mas sobram desvantagens, conta Paula Nozzari, que já se apresentou com o Canja Rave nos festivais Rec-Beat (Recife), South by Southwest (Austin, nos EUA), Liverpool Sound City (Inglaterra) e Fête de La Musique 2011 (em Berlim, onde estão radicados).
— Nos Estados Unidos, por exemplo, o Chris e eu dirigimos 23 mil quilômetros de costa a costa e fizemos 20 shows por mês durante três meses. Mais um integrante na banda significaria algumas horas a mais de sono.
— E às vezes a coisa fica meio enjoada, eu gosto de viajar com $gente — admite Júlio, do Baggios, que em agosto foi citado em playlist do blog do jornal inglês "The Guardian" e em abril começa a pré-produção do segundo disco, programado para 2013.
— Temos mais de 20 músicas, está difícil escolher. Vai ser um disco com um pouco mais de peso, mais para Black Sabbath e Led Zeppelin — antecipa o baggio.
Conhecido no YouTube pelo videoclipe da música "Ele morreu sem saber o porquê" (gravado na frente da fila do show do grupo americano D.R.I. em São Paulo), o Test pretende seguir fazendo seus shows de graça (e alguns com cachê, no palco, como o de abertura da banda italiana Cripple Bastards, daqui a dois meses, também em São Paulo). Quem sabe, em 2012, eles ainda partam para mais uma turnê por squats (comunidades alternativas montadas em prédios abandonados) da Europa — ano passado, eles passaram por Alemanha, França, Holanda, Áustria e República Tcheca nesse esquema.
— Onde chamam, a gente vai — avisa João, que conta ter impressionado o público europeu com o Test menos por ele ser um duo.
— É que a gente não tem um visual carregado. Lá, os caras chegam no palco com pregos da cabeça aos pés — diz o guitarrista, que aproveitou a pouca bagagem da banda para trazer os 500 vinis do Test que mandou prensar na Alemanha, "onde é mais barato".
Ser do rock minimalista, apesar dos perrengues, é uma boa.
— Na nova MPB, as bandas são gigantescas! — observa Júlio Andrade. — É mais fácil para os festivais chamar a gente!
para O Globo
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