A terceira parte da saga “Paradise Lost” mostra com mais ênfase aquele que é um dos maiores casos de erro judicial dos Estados Unidos. Dezenove anos depois, revisita os condenados pelos assassinatos de três garotos no Estado de Arkansas em maio de 1993, aparentemente em um ritual satânico.
Com quase nenhuma prova e muita especulação, os acusados tiveram contra si o fato de serem reservados, de gostar de ficar isolados e de ter um “um comportamento estranho na sociedade”. E, como não poderia deixar de ser, gostavam de heavy metal.
O documentário desta vez é conclusivo: faz uma investigação sobre a prisão e todo o processo judicial, levantando novas evidências de que os acusados eram inocentes. Finalmente, após passarem quase 20 anos na cadeia, eles foram libertados quando novas evidências a partir de testes de DNA indicaram que eles nada tinham a ver com o caso.
Conhecido como West Memphis 3 Case, foi o mais bem-sucedido – e talvez o único – ataque judicial do conservadorismo asqueroso norte-americano contra a música pop – em particular contra o heavy metal.
Antes, em 1988, Ozzy Osbourne teve de se defender contra a acusação de incitar o suicídio de um garoto que supostamente ouvia a música “Suicide Solution” em um rincão da Califórnia.
Três anos depois, o Judas Priest foi levado aos tribunais do Estado de Nevada de forma ridícula sob a mesma acusação – dois garotos se suicidaram em um paruqe na cidade de Reno supostamente influenciados pelas letras das músicas do álbum “Stained Class”. As duas ações foram arquivadas, mas colocaram o heavy metal sob a mira dos fanáticos religiosos e dos oportunitas de plantão.
Assim como as duas primeiras partes, lançadas em 1994 e 2000, o documentário atual é uma obra-prima de investigação jornalística e de observação arguta da cultura conservadora norte-americana do interior do país, principalmente no chamado Meio-Oeste.
Com perspicácia e inteligência, traça um retrato triste de um povo cercado de clichês culturais ianques e fervoroso defensor dos “valores norte-americanos puros”, mas incapaz de aceitar o diferente em qualquer sentido e em qualquer circunstância. Pior: mostra um povo que não hesita em condenar e banir qualquer tipo de “ameaça” ao seu modo de vida.
Quase 20 anos após o julgamento e o lançamento do primeiro capítulo de “Paradise Lost”, o cenário pouco mudou nos cafundós de Arkansas: ainda existe pouca tolerância para as diferenças, e há menos ainda em relação a questões culturais.
Segundo o bom livro “Heavy Metal – A História Completa”, de Ian Christe, editado no Brasil pela Editora ARX, os corpos dos garotos de mens de dez anos de idade foram encontrados em um pântano estripados e mutilados.
A polícia até tinha algumas pistas para trabalhar, mas as atenções logo recaíram sobre os três garotos esquisitões de West Memphis que se vestian de preto: Jesse Misskelley, Jason Baldwin e Damien Echols, que gostavam de literatura ocultista e heavy metal. A sociedade local não perdeu tempo em pressionar pela prisão e “culpa” dos três “criminosos”.
Apesar de não haver nenhuma prova concreta ou testemunha que os conectasse ao crime ou às vitimas, durante o julgamento o promotor público responsável que acusação formal apresentou “livros de ocultismo” que Echols pegara na biblioteca local.
Mesmo diante de argumentos frágeis como esse, e de depoimentos estapafúrdios de psicológos oportunistas de viés conservador, os três foram condenados por um júri impaciente e com o veredicto estabelecido antes do início do julgamento.
“Damien Echols era inteligente. Refletia muito e experimentou algumas religiões, algo comum quando se tem 15 ou 16 anos de idade. Acho que o fato de ele ser recluso e diferente assustava as pessoas. Ele e os outros não eram os rapagõesbonitos da escola que jogam futebol americano. Em rincões como aquele no interior do Arkansas, vestir uma camisa preta do Metallica ou do Megadeth é um ‘crime’, assustava a comuidade. Era como se Godzilla estivesse invadindo o Japão”, disse o diretor do coumentário Bruce Sinofsky em depoimento a Ian Christe.
A trilogia “Paradise Lost” é uma aula de jornalismo, ainda que panfletário e engajado, sem os excessos típicos de Michael Moore, o documentarista mais conhecido e polêmico dos Estados Unidos, crítico ferrenho da sociedade de seu país, mas que não se preocupa muito com a ética e a veracidade de alguns fatos quando se trata de reforçar suas opiniões.
Moore é o autor de “Roger and Me”, sobre a crise da indpustria automobilística em Michigan, “Stupid White Man”, uma crítica feroz à sociedade americana, e “George W. Bush: The Man”, um retrato cáustico do ex-presidente dos Estados Unidos.
Foram poucos cineastas até hoje que conseguiram captar com extrema objetividade e sensibilidade o preconceito em sua forma mais enraizada – e abjeta. Joe Berlinger e Bruce Sinofsky deram uma contribuição inestimável à sociedade.
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por Marcelo Moreira
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