domingo, 24 de abril de 2011

Devotos, o livro

Na última edição do Abril pro rock, dia 15, um encontro inusitado entre dois verdadeiros ícones do Hard Core brasileiro em sua versão nordestina, Silvio “suburbano”, da Karne Krua, a banda do estilo há mais tempo em atividade na região, e Cannibal, do Devotos, me fez lembrar que eu tenho o livro de Hugo Montarroyos que conta a história da banda (e, por tabela, de boa parte do movimento punk e do cenário “roqueiro” da capital pernambucana) e ainda não havia lido. Devorei suas pouco mais de 300 páginas de fácil e saborosa degustação neste feriadão de Semana santa e deixarei aqui minhas impressões.

Salta aos olhos, logo de cara, o projeto gráfico, enxuto porém de muito bom gosto. A capa ficou meio poluída, sem definição, mas não é feia. Alterna tons laranja e verde, o mesmo verde que colore as bordas do livro, num efeito muito elegante. O texto é intercalado por ilustrações apresentadas de forma estilosa, com farto material iconográfico espalhado por suas páginas em imagens geralmente ampliadas e/ou replicadas. Mas o que interessa é o texto, então vamos a ele:

O livro começa com uma rica descrição do momento em que a banda se prepara para tocar mais uma vez em seu bairro natal, o “mítico” Alto José do Pinho, desta vez com uma superestrutura preparada especialmente para comemorar seus 20 anos e, a partir daí, faz uma verdadeira viagem aos primórdios não apenas do local, mas de toda a cena alternativa pernambucana. A mesma velha e sempre boa história de superação das adversidades por meio da vontade – vontade de sair do marasmo, de criar, de se comunicar, de viver, enfim.

O primeiro show da Devotos (então do ódio) aconteceu em 1988 em uma das edições do “Encontro Anti-Nuclear”, que acontecia todos os anos no dia da explosão da Bomba Atômica em Hiroshima. O cartaz do evento está reproduzido no livro e nele consta a presença da Karne Krua, de Sergipe. A amizade entre os membros das duas bandas vem de longa data, e é novamente mencionada no episódio da gravação abortada daquele que seria o primeiro registro fonográfico de algumas das mais importantes bandas do cenário punk do norte e nordeste – neste ponto, infelizmente, a informação é incompleta e incorreta, já que o autor credita os Delinqüentes, de Belém do Pará, como sendo uma banda maranhense, além de ter esquecido de mencionar outros grupos que fariam parte do projeto, como o Discarga Violenta, de Natal. Este é, no entanto, o único deslize por mim identificado na obra. Todo o resto é dedicado a relatar a impressionante história de superação dos caras, levando a reboque toda a comunidade do bairro onde vivem - e sem se esquivar de situações potencialmente polêmicas, como o episódio do rompimento com o produtor Paulo André ou algumas pequenas decepções que sempre aparecem como “pedras no meio do caminho”. Vale ressaltar também o reconhecimento da influência que a seminal Câmbio Negro HC exerceu sobre os caras ao ter sido a primeira banda local do estilo a gravar um disco, um feito e tanto para a época. Outro fato interessante retratado é a adoração que os “roqueiros” do morro têm pelas bandas dark/pós punk inglesas dos anos 80, o que deve ter contribuído para a originalidade do som feito por lá.

No mais, histórias saborosas como as do contrato “furado” com a multinacional BMG, que os hospedou num hotel 3 estrelas “com a terceira apagada e já quase caindo”, sem dinheiro para quase nada, nem para comer, ou das longas caminhadas que eram obrigados a fazer pela periferia do Recife, desviando de balas perdidas e enfrentando assaltos e baculejos da polícia, por falta de grana para a passagem de ônibus. Ou ainda da luta para lançar seus discos e para manter os projetos sociais que criaram. Nem mesmo o “fora” dado por Cannibal na dublê de atriz e apresentadora global Cissa Guimarães em rede nacional de televisão, via Vídeo show, durante uma chamada para o Abril pro rock, foi esquecido. Eu assisti à cena ao vivo pela TV e me diverti muito.

O que mais impressiona, no entanto, é que a situação dos caras pouco mudou mesmo depois de terem sido “hypados” pela imprensa local com repercussão nacional. É, no entanto, interessante notar como a grande mídia na capital pernambucana é bem mais “antenada” e acompanha o cenário alternativo da cidade, ao contrário do que acontece aqui em Aracaju, onde uma cena musical riquíssima é praticamente ignorada pelos maiores veículos de comunicação da cidade. Em Recife os Devotos eram assunto constante nos cadernos de cultura dos jornais, da MTV e até mesmo da toda-poderosa Rede Globo Nordeste. Os pais de alguns dos componentes das bandas retratadas, inclusive, só acreditaram no que seus filhos estavam conseguindo (gravações de discos e turnés e shows pelo sudeste e até mesmo na Europa) ao verem-nos retratados em matérias dos telejornais.

Além do Devotos, o livro dá uma geral nas carreiras de todas as demais bandas do “alto”, com destaque para as que mais se destacaram, a Faces do Subúrbio, com seu rap “roqueiro” misturado com embolada, e a Matalanamão, uma brincadeira de moleque punheteiro que “quase” dá certo. Para mim foi especialmente útil, já que não fazia a mínima idéia do destino que tiveram estas duas bandas, hoje em dia sumidas da mídia: a Faces não acabou, está apenas “dando um tempo”, segundo seus integrantes, e a “Matala” estava preparando repertório para um terceiro disco no momento onde o livro parou (confesso que nem fiquei sabendo que eles tinham lançado um segundo). Ambas já tocaram em Aracaju: A Faces num festival promovido pela Marginal produções e a “Matala” num show produzido pela Destruction Produções, do meu camarada Anderson Lima. Não deu quase ninguém. Já o Devotos nunca tocou aqui! Uma lacuna que, espero, seja preenchida o mais breve possível.

por Adelvan


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