(recordar é viver) Sempre tive bons contatos e ainda melhores amigos em Goiânia e, muito por conta disso, nutria desde tempos imemoriais uma vontade de, um dia, aparecer por lá. Aconteceu, finalmente, em novembro de 2003, aproveitando a data para conferir, “in loco”, mais uma edição do Goiânia Noise Festival – minha primeira e, pelo menos por enquanto, última vez.
Era bem mais barato ir daqui (Aracaju) pra São Paulo e de lá para Goiânia, então foi o que fiz, me programando para, já que teria que passar por lá mesmo, ficar uma semana (das duas que tinha disponíveis) na terra da garoa. Não sem antes fazer uma volta absurda, parando primeiro em Maceió e depois em Petrolina, Pernambuco (o aeroporto de Petrolina parecia um sítio, apenas uma casinha no meio de um descampado)! Coisas da finada BRA ...
Não conhecia absolutamente nada de Goiânia, por isso entrei na net para pesquisar pontos turísticos e coisa e tal. Encontrei apenas uma estátua do bandeirante Ananhguera que parece ser, realmente, um ponto de referência. Bom, pelo menos eu senti que estava finalmente na capital de Goiás ao me ver em frente ao referido monumento.
O centro da cidade é interessante, lembra um pouco Aracaju no sentido de haver uma curiosa mistura de cidade grande com aquele clima de interior: num momento você está numa avenida enorme e movimentadíssima cercade de prédios, mas então vira uma esquina e se depara com uma rua só de casas onde as pessoas ainda se sentam na porta para conversar. É legal isso. É aconchegante, como aconchegante foi o hotelzinho 5 cruzes onde eu me hospedei até conseguir finalmente entrar em contato com meu camarada de longa data Marcio jr., na casa de quem ficaria.
Aproveitei para freqüentar dois cinemas de rua que ainda existiam por lá – sempre aproveito essas viagens para ver filmes em cinemas de rua nas cidades que porventura ainda os tenha. Vi a parte final de “Matrix” em um e o filme d’Os Normais” em outro. Nada de muito marcante, nem os filmes, nem os cinemas, mas tava valendo. O que mais me impressionou, no entanto, foi a incrível quantidade de sebos, de livros e de discos, que havia na cidade. Até me arrependi de ter gastado quase toda a minha grana em Sampa, já que vi coisas bem mais interessantes e, mais importante, mais baratas, por lá.
Mas vamos ao festival: Lá vi, pela primeira vez, o Matanza, ainda não tão famoso. Grande show. Grandes shows também fizeram o Relespública, de Curitiba; Os Astronautas, de Recife; o Mukeka di rato, do Espírito Santo (este com direito à presença de uma vaca cenográfica que eles capturaram de um depósito ao lado no palco); Walverdes, de Porto Alegre, e Autoramas, do Rio. Das bandas locais destacaria O Mechanics, que são sempre bons, especialmente ao vivo, Hang The Superstars e MQN. O MQN foi mais que bom, foi ótimo – Fabrício Nobre é um ótimo performer e tem o público na mão. Me lembro da preocupação dele com um gordinho (maneira de dizer, o cara era OBESO, MUITO GORDO) do publico que, me parece, teve um ataque cardíaco durante o festival ...
Já excelentes foram os shows do Ratos de Porão, dos Retrofoguetes, de Salvador – estes são sempre ótimos, é até covardia comparar – e, principalmente, do Guitar Wolf, legendária formação de garage rock do Japão. Merecem, inclusive, um parágrafo à parte ...
Não foi bem um show, foi uma perfomence regada e muito barulho e insanidade. Os caras, pelo que lembro, praticamente não tocaram nenhuma musica inteira - apenas começavam algum riff e partiam pra ignorância, para a microfonia pura e simples, se contorcendo e se jogando no palco e/ou oferecendo os instrumentos para que o publico tocasse, no que foram atendidos diversas vezes. Musicalmente caótico, mas valeu pela catarse coletiva. Foi divertido. Aliás, os caras são muito divertidos: São rock and roll até a medula! Saí com eles e uma galera pra bater um rango num boteco depois do show e ficava impressionado com o cuidado que eles tinham com os topetes e com a quantidade de fotos que os pessoas que os acompanhavam tiravam. Era foto de tudo: do cardápio do bar, dos copos, das mesas, dos pés, do cachorro que passava pela rua ...
Um registro: vi também o Mundo Livre S/A, e foi estranho ver o Mundo Livre S/A fora do Recife, ou do nordeste. Mas de repente não foi nem isso, já que o Mundo Livre é meio estranho mesmo: às vezes fazem shows sensacionais, outras vezes nem tanto. Foi lá também, no Jóquei Clube de Goiás, uma das ultimas vezes em que eu caí no pogo, ao som do crustcore preciso dos candangos da Terror Revolucionário, banda capitaneada pelo herói da resistência Fellipe CDC, meu amigo de longa data. Foi muito bom revê-lo, assim como foi rever Renzo (com o qual esbarrei em plena roda de pogo) e Phu, ex-DFC. Perguntei pelo Túlio e Phu respondeu que “Túlio é playboy, não vem pra esses rocks não”.
Foi muito bom também rever, mesmo que brevemente, meu amigo de fé, irmão e camarada Oscar F., hoje Fortunato, artista plástico conceituado na cidade. E conhecer pessoalmente, finalmente, alguns grandes correspondentes dos tempos das cartas e zines, como o (então) casal Eduardo e Lorena D’Allara, dos Resistentes – que também tocaram no festival. Eduardo era impressionante, uma verdadeira enciclopédia viva de punk rock nacional. Era também meio esquisito, tinha uns tiques nervosos com sanduíches com maionese, por exemplo, mas normal. “De perto, ninguém é normal”, já dizia Caê.
Bem legal também participar dos bastidores do evento – Almoçar arroz de pequi com pimenta com os Retrofoguetes, relembrar o Punka com Gabriel do Autoramas, os tempos do rock alagoano com Wado (que eu não lembrava que já conhecia da época em que andava por lá com os caras da Living In the Shit), ouvir as merdas do Finatti e as reclamações do Gordo do Ratos - especialmente quanto à viagem de avião, que também foi pela BRA. De “quebra”, me batí com Pompeu, do Korzus, que era técnico de som do Ratos, e com Juninho, o baixista, que me reconheceu e foi logo cantando algumas singelas composições da minha banda de grindcore pornográfico, a 120 Dias de Sodoma, que ele havia conhecido algum tempo antes quando havia tocado aqui em Aracaju com a Discarga.
Tempo bom. Qualquer dia apareço por lá de novo ...
por Adelvan
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DeFalla, uma entrevista
Já se passaram 25 anos desde que o DeFalla decidiu estragar tudo e trilhar o caminho oposto ao do rock brasileiro de sua geração. Entre a vanguarda e o escracho total, o grupo gaúcho foi amado e odiado, passou por intermináveis formações, transitou por vários estilos e, na medida do possível, saiu vivo de todos eles. Tudo sob o comando do frontman Edu K, espécie de mistura de Mike Patton com Iggy Pop, só que canastrão desde sempre e hoje meio gordinho.
Logo no primeiro disco, o cultuado Papapaparty (1987), angústia pós-punk e groove dividem o mesmo espaço, algo intragável para os guetos da época. O disco seguinte, It's Fuckin' Borin' to Death, abre com duas desconstruções de clássicos de Beatles e Raul Seixas. Neste registro de 1988, estava escancarada a porta do funk/metal/rap - em sincronia com o que Red Hot Chilli Peppers e Faith No More faziam lá fora - e de toda a esquizofrenia que viria nos seis discos seguintes. Tanta anarquia foi descambar até à "fase Miami", uma das reencarnações da banda, sob forte influência do pancadão carioca e com o - vá lá... - curioso hit Popozuda Rock'n'Roll, em 2000. Dois anos depois, foi lançado Superstar, último álbum de estúdio até aqui.
Em 2011, o convite para um único show bastou para que os quatro integrantes originais, hoje morando em quatro estados diferentes do país, se reunissem em Porto Alegre. Novos convites surgiram desde então e Goiânia foi incluída na rota. O DeFalla está na programação de 17º Goiania Noise e toca no próximo sábado (3/12). A Redação conversou com Castor Daudt, guitarrista da banda, eufórico na ocasião em função do show que fariam naquela noite no Ocidente, bar portoalegrense berço do DeFalla e de quase todo o rock da cidade.
Como é que foi acontecer esta nova reunião da banda?
Tem um projeto em Porto Alegre, chamado Discografia Rock Gaúcho, que tenta reunir as bandas para executarem um disco inteiro com a formação original. Eles nos convidaram - eu, Biba, Flu e Edu K - pra tocar o nosso primeiro disco. Neste evento, tivemos que fazer duas sessões na mesma noite. Lotamos duas vezes a casa. Aí a gente pensou: 'De repente, se aparecer outras oportunidades de shows, podemos fazer'. Daí começaram a nos propor novos shows. Pintou um em São Paulo, depois outro em Porto Alegre, no Porão do Rock em Brasília, na festa SeRasgum em Belém. Foi uma recepção totalmente inesperada.
No show, são só as músicas antigas ou tem coisas novas surgindo? Existe alguma possibilidade de disco de inéditas?
Nós nos reunimos pra tirar o Papaparty, basicamente, e depois o segundo. Neste show em Goiânia, 80% do show vai ser composto por estes dois discos, que são aqueles gravados com essa formação, e algumas dos outros também. E estamos pensando em disco novo sim. Temos trocado bases e riffs pela internet. A Biba faz vários ritmos, loops, sequências, manda para nós e botamos guitarra e baixo em cima. Neste processo, duas ou três músicas estão em andamento. Já tivemos até propostas de gravadora, mas não há material o suficiente ainda. Em 2012, rola algo com certeza.
Com tantas idas e vindas, é possível dizer que o DeFalla está voltando de fato? Ou ele nunca foi embora?
Bom, eu saí faz uns 15 anos. A partir de 1996, virou basicamente uma coisa do Edu. Depois do disco de 92 (Kingzobullshitbackinfulleffect92, lançado pela Cogumelo Records), não era mais uma banda. O show no Hollywood Rock simbolizou este último momento. O Edu saiu e lançou um disco solo, Meu nome é Edu K. Nós outros tínhamos um monte de músicas e reunimos um outro time. Usamos o nome D-Phala, não era bem o DeFalla. Depois o Edu retomou o nome e fez outros discos. Aconteceram outras voltas meio curtas, mas agora foi a hora exata. Teve tempo da gente amadurecer e foi a coisa certa no momento certo.
Olhando para trás agora, onde o DeFalla se situa no rock brasileiro dos anos 80?
A gente foi aquele outro lado que devia existir. Nos anos 80, era todo mundo muito bundinha. Meio xarope mesmo eram só o Renato Russo e o Cazuza, mas o som também era muito bundinha. Todos queriam fazer sucesso e dinheiro, enquanto nós não estávamos nem aí: escrevíamos letra em inglês, juntava com português, fazíamos o que queríamos. A gente rescindiu contrato com uma multinacional, por exemplo, o que ninguém faria. Fizemos o caminho inverso, saindo do mainstream e indo para o independente. Entendo que nossa banda foi necessária para contrabalancear essa bundice. Tem que ter sempre um lado. Nós éramos o outro lado da moeda do rock nacional.
E o tal do rock gaúcho, ou o que se convencionou chamar de "rock gaúcho", isso existe?
Andei pensando nisso e acho que o rock gaúcho não existe. Pra mim, Kleiton e Kledir foram os únicos que misturaram o estilo gauchesco com rock e MPB. O Nenhum de Nós também tenta fazer, tem sanfoneiro e tal, mas ficam em um meio-termo. Não é gauchesco, nem é pop rock. Podemos dizer que, embora excelentes, as outras bandas - Replicantes, Cascavelletes, TNT, Garotos da Rua, etc. - eram uma cópia do rock inglês com sotaque gaúcho. Tinha letras, atitude, mas em termos musicais vai muito pelo rock inglês e americano. Nós temos aquele espírito separatista, o rock gaúcho sempre tentava ser diferente, mas nunca foi bem assim.
Como foi assistir de longe aquela guinada para o funk carioca feita pelo Edu K?
De fora, foi muito estranho (risos). Na época, eu ri muito, já que o DeFalla sempre foi mais vanguarda e, de repente, ele fez uma coisa bem do povão. Eu acho que ele usou o nome do DeFalla, mas era muito mais uma coisa dele. Considero que era "Edu K e DeFalla". O Edu não fez de propósito, pra ganhar dinheiro. Ele faz o que ele quer e, se as pessoas até pedem nos shows, como vou ser contra? Não sou contra algo que ele faz para pagar as contas dele. Até tocamos a música da popozuda em São Paulo, com participação do Beijo AA Força, e estamos pensando em ensaiar uma versão mais pesada dela.
É fácil voltar a conviver e fazer música com um sujeito hiperativo como ele?
O Edu K é uma figura muito forte. Ele tende a ficar sempre nos puxando pra um lado e depois para o outro. Eu e o Flu, que somos mais velhos e o conhecemos há muito tempo, sempre contrabalanceávamos. Ou às vezes a gente ia com ele mesmo (risos). Mas existe essa química, que é o legal hoje. Os quatro tem 25% de valor e opinião. Acho até que o Edu tava com saudade dessa colaboração. Ele ficou fazendo tudo sozinho durante muito tempo. Ninguém faz tudo só.
Em seu blog, você fez uma pergunta retórica sobre "o que faz um coroa caretão como eu pegar a guitarra empoeirada e sair por aí fazendo rock". Qual é a resposta para essa pergunta?
É o amor pelo rock, cara, pela música. É maior que tudo. Conheço muito cara que larga mulher, emprego, o que tiver. É um apelo irresistível. Tenho 49 anos, filha, emprego, mas quando tem show eu me arranco. Digo: "Ah, eu vou, não sei quando vai ter outro". Tenho duas guitarras aqui, tô cheio de mala, bagagem, vou para o aeroporto e foda-se. Olha o Paul McCartney, cara. Vai fazer 70 anos e vai lá, faz show de duas horas e meia. Já tem dinheiro e fama, mas ainda faz isso. Isso é afudê!
por Jairo Macedo
de Goiânia
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