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( * ) Made in Brazil
por Adelvan Kenobi
Megadeth em Recife, primeiro e único show da banda no nordeste. O boato já rolava desde o fim do ano passado, mas só começou a me interessar pra valer quando soube que eles tocariam aquele que é, provavelmente, seu melhor disco (embora “Peace sells” seja concorrente forte ao título), o “Rust in peace”. Além disso, o show aconteceria apenas dois dias depois do Abril pro rock, tradicional festival ao qual compareço religiosamente todo ano, então fechou: BR 101, aí vamos nós de novo ...
Os dois dias de bobeira no Recife foram razoavelmente bem aproveitados com passeios ao Shopping (não foi dessa vez ainda que eu vi um filme em 3D – tabaréu sofre), a descoberta de uma suculenta Saraiva Megastore, um giro por Boa Viagem, Olinda e o Recife antigo. No dia 20 estávamos lá, marcando presença em frente aos portões do Clube português em meio à turba ensandecida devidamente trajada de preto.
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Os portões se abriram com cerca de meia hora de atraso, o que causou um certo tumulto na entrada, mas nada de muito grave. Entramos, eu e meu amigo e companheiro anual de viagens “roqueiras” Lenaldo, e fomos direto para o camarim, na parte superior do clube. Legal, dava pra ficar de frente pro palco (belíssimo, com uma estampa da capa do disco – rust in peace – no centro e biombos em forma de caixas cobrindo a aparelhagem) e ainda assim relativamente perto. Posicionei-me com a melhor visão possível e de lá não arredei mais o pé.
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Terminado o show de abertura, cresce a expectativa. Um público razoável já tomava conta das dependências. Não demora muito e as luzes se apagam, anunciando que uma das 4 bandas fundadoras do thrash metal estava prestes a se apresentar. O primeiro a aparecer foi o baterista, em seguida os músicos vão entrando no palco um a um, até que o Comandante-em-chefe, Dave Mustaine, se faz presente. A platéia o saúda de forma ensandecida, e o massacre sonoro começa com “Skin O´my teeth”, do Countdown to Extinction. Seria bom demais pra ser verdade se tivessem começado com “wake up dead”, a meu ver uma das mais perfeitas introduções de um disco em todos os tempos, mas ok, a festa estava apenas começando. Na sequencia, para minha surpresa, um som mais lento, “in my darkest hour”, um tanto quanto anticlimática para um início de show, mas ainda ok. É seguida por “she Wolf”, do Cryptic writings, da qual eu nem lembrava mais – a esta altura duas coisas me incomodavam: o set list me parecia equivocado, e o som não estava bom, estava abafado e com o volume baixo. Esta impressão se tornou certeza quando soaram, finalmente, os primeiros acordes do mais do que clássico riff de Holy wars, dando início à execução do rust in peace na íntegra, com as músicas executadas na sequencia em que estão no disco – com direito inclusive a uma pausa entre o “lado A” e o “lado B” do vinil. Minha expectativa era de que meus ouvidos sofressem de forma impiedosa ao som daquele riff, mas não foi o
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Missão cumprida, apresentação encerrada em cerca de uma hora e meia. Achamos pouco, claro, mas a cerveja ainda abundava nos camarotes e fazia a festa dos beberrões de plantão que, como o leitor pode imaginar, não eram poucos. Uma verdadeira lama de Heineken se espalhava pelo chão e escorria pelas escadas, causando inclusive alguns acidentes. Em meio ao clima de fim de festa, minha mente divagava e eu viajava para quase 20 anos atrás, quando eu vi o Megadeth pela primeira vez, justamente durante a tour de lançamento do Rust in peace, no Rock In Rio II, em janeiro de 1991 ...
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Eu tinha 19 anos em janeiro de 1991. Em minha cabeça, mega-shows de rock eram coisas distantes, além do meu alcance, até que um dia, numa conversa com um amigo que estava muito doente e veio a falecer algum tempo depois, tudo mudou. Ele me falou de shows que ele tinha ido ver em São Paulo (não lembro mais quais), e me fez ver que eu poderia ir também, era só querer, se planejar e ... ir. Juntar uma grana (o que era viável), comprar a passagem e entrar no ônibus (nessa época viagem de avião era coisa de gente REALMENTE rica). E foi o que fiz. Minha mãe fez de tudo para me impedir, mas sem sucesso, afinal eu estava determinado e já era maior de idade. Na verdade fui primeiro para São Paulo, recrutar um primo meu que era “headbanger” e eu sabia que se uniria a mim na empreitada. Quando desci na Rodoviária do Tietê a primeira coisa que ele me falou foi “nem pra gente ter algum parente ou conhecido no Rio né”, ao que eu respondi que iria de qualquer jeito, quer ele me acompanhasse, quer não.
Dada a senha, ele usou a necessidade de me fazer companhia para convencer sua mãe, que por seu lado recebia diariamente telefonemas da minha exortando-a a nos demover dessa idéia fixa maluca. Nada feito. Na noite de 22 de janeiro de 1991 nós estávamos de volta à Rodoviária, desta vez para embarcar num dos vários ônibus repletos de cabeludos de preto que se dirigiam à “cidade maravilhosa” – detalhe: nem eu nem ele nunca havíamos posto os pés lá, íamos na cara e na coragem mesmo.
Mas foi tudo muito tranqüilo. Chegamos de manhãzinha e ficamos de “rolê” durante toda a manhã. À tarde, nos informamos sobre como chegar ao Maracanã e para lá nos dirigimos por volta das 2, 3 da tarde. Entramos na abertura dos portões e conseguimos pegar um bom lugar, quase na frente do palco. Mas a longa espera debaixo do sol inclemente foi um pouco demais para mim, que era mais baixo e por isso tinha que ficar respirando aquele ar viciado no meio da multidão. O único alívio eram os jatos de água providenciados pelo Corpo de Bombeiros, verdadeiros néctares dos deuses naquela situação. Não suportei, comecei a passar mal, e antes que desmaiasse pedi para meu primo que fôssemos para um lugar mais arejado. Até hoje lamento por ele, que estava tranqüilo, já que era alto e podia respirar em paz, mas pior seria se ele tivesse que me socorrer e nós acabássemos perdendo o show de abertura, do Sepultura.
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O show foi devastador. Curto, porém extremamente gratificante. Caí nas rodas de pogo “com gosto de gás”, terminei a apresentação cheio de escoriações mas com um grande sorriso nos lábios. Minha empolgação era tanta que lembro que fui parabenizado pela selvageria por um completo desconhecido que estava na roda comigo. Era, literalmente, um sonho realizado. Um sonho acalentado durante muitas noites de conversas com os amigos em Itabaiana, noites nas quais divagávamos sobre como seria bom poder ver nossos ídolos recém-descobertos ao vivo, ou pelo menos em algum vídeo na TV, coisa raríssima naqueles tempos pré-MTV – Aliás, a MTV, na época, tinha acabado de estrear no Brasil, e foi justamente uma das coisas que mais me maravilharam durante a viagem: poder ver, finalmente, vídeos de minhas bandas favoritas. Só voltei para casa com uma fitinha VHS gravada com vários clips colhidos no “Fúria Metal”, para a alegria de meus amigos “do rock” sergipanos, já que somente algum tempo depois, já na “era grunge”, a emissora começaria a ser transmitida via antena parabólica para todo o Brasil e nós pudemos, finalmente, captá-la em nosso “cantinho do mundo”. Lembrando que a MTV da época não tinha nada a ver com esse lixo que está no ar hoje em dia.
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No Guns and roses deitamos para dormir na arquibancada, mas fomos demovidos da idéia por uma dupla de PMS, então resolvemos ir embora antes mesmo do fim da apresentação. No caminho para a rodoviária, descobrimos que não sabíamos qual era o caminho para a rodoviária, e nos perdemos. Sozinhos, a pé, de madrugada, no Rio de Janeiro. Foi assutador, mas para nossa sorte um camarada também sozinho e assustado nos abordou e nos pediu que fizéssemos companhia a ele, que sabia como chegar lá. Acordei no chão da Rodoviária Novo Rio sob golpes de vassoura de uma senhora, gari, que berrava insistentemente: “levanta, bando de vagabundos”.
Voltamos em paz e felizes de nossa grande aventura. Voltei para casa com as energias renovadas e com gás para começar a fazer algo pelo rock. Comecei retomando minha atividade de fanzineiro, lançando o primeiro número do “Escarro Napalm” (antes disso já havia publicado um outro zine chamado “Napalm”, ainda em Itabaiana) e participando de minha primeira produção “underground”, o III Festcore de Aracaju, ao lado de Silvio da Karne Krua e de uma garota chamada Ivânia.
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Descanse em paz.
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Programação completa do Rock In Rio II :
Estádio do Maracanã, Rio de Janeiro.
18 de janeiro de 1991
* Prince
* Joe Cocker
* Colin Hay
* Jimmy Cliff
19 de janeiro de 1991
* INXS
* Carlos Santana
* Billy Idol
* Engenheiros do Hawaii
* Supla
* Vid & Sangue Azul
20 de janeiro de 1991
* Guns N' Roses
* Billy Idol
* Faith No More
* Titãs
* Hanoi Hanoi
22 de janeiro de 1991
* New Kids On The Block
* Run DMC
* Roupa Nova
* Inimigos do Rei
23 de janeiro de 1991
* Guns N' Roses
* Judas Priest
* Queensrÿche
* Megadeth
* Lobão
* Sepultura
24 de janeiro de 1991
* Prince
* Carlos Santana
* Laura Finokiaro
* Alceu Valença
* Serguei
25 de janeiro de 1991
* George Michael
* Dee-Lite
* Elba Ramalho
* Ed Motta
26 de janeiro de 1991
* Happy Mondays
* Paulo Ricardo
* A-Ha
* Debbie Gibson
* Information Society
* Capital Inicial
* Nenhum de Nós
27 de janeiro de 1991
* George Michael
* Lisa Stansfield
* Dee-Lite
* Moraes Moreira e Pepeu Gomes
* Léo Jaime
Pô, as suas histoórias do rock são sempre um prazer de ler, Adelvan!
ResponderExcluirQuando é que sai o livro? ;p
Boa pergunta, hehehe
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