Você tem disposição pra um disco inteiro? 12 faixas, sem tirar de dentro? Acha que "falta riff, dissonância, um fuzz, um solo meio fora da escala, meio torto" no rock made in Brasil? Então precisa dar um saque em 'Tempos' (2014), o recém lançado disco do guitarrista Leonardo Panço. Rock puro e simples, com a patada personalíssima do gordinho que viajou meio mundo com os camaradas da Jason.
Mais uma empreitada barulhenta, bancada com o próprio bolso. Como já deixou claro, nas diversas frentes do underground em que atuou (pra quem ainda não ligou o nome à pessoa, basta mencionar o selo carioca Tamborete, além dos livros "Caras dessa idade já não lêem manuais" e, sobretudo, o clássico do jornalismo musical "Esporro"), zuada pouca é bobagem.
Jornal do Dia - O esforço e a grana investida na gravina de um disco ainda valem a pena? Muita gente anda fazendo as contas, pesando os prós e contras, questionando a vida útil, alcance e a utilidade prática do formato...
Leonardo Panço - Olha, pra mim valeu muito a pena, exceto pelo financeiro, já que o $$ investido não tem retorno. Mas é como sair de férias pra um lugar muito legal, aquele dinheiro também não vai voltar. E não é um problema, é uma solução. Registrei minhas ideias, as pessoas estão gostando, vi que era viável compor sozinho em casa, que a estrutura montada em minha cabeça funcionava na prática. Então foi ótimo. A vida útil, ela fica pra quem gostar. Eu sigo ouvindo o primeiro do Finis Africae como se tivesse pegado o disco ontem. E já está indo pra 30 anos isso. O disco foi feito pra quem tempo pra dar pra um disco, pra 12 faixas. Não é todo mundo, fato.
JD - Você reuniu uma pá de gente para registrar 'Tempos' (2014). Faz pensar no exercício artístico como um lance colaborativo, coisa e tal. Eu preciso perguntar, apesar do trocadilho infame: Sinal dos tempos?
Panço - Olha, o disco leva meu nome, mas poderia ter o nome de um projeto, sabe. É tanta gente envolvida, que por acaso tem meu nome, como um exercício de ego e de praticidade. No segundo, terceiro, quarto discos, vem meu nome de novo, facilita tudo, seja lá qual for o estilo. Mas colaborativo sempre é, ou pelo menos sempre foi. Eu gosto muito de ver a maneira como as pessoas enxergam o que eu iniciei. Só em levar os riffs pro Pedro, Fábio e Dave já muito um monte de coisas. Eles continuaram iguais em sua maioria, mas muito do que eu pensava pra bateria virou outra coisa, os baixos também. E isso é ótimo.
JD - Você não assina nenhuma das letras nas canções de 'Tempos'. Um ouvinte menos distraído, contudo, consegue perceber uma pegada, um nervosismo muito próprio em cada uma das faixas. É nessa palhetada que você se faz autor?
Panço - Sou extremamente limitado como guitarrista, quem tocou comigo sabe. Não tiro música de ouvido, morro duro sem um afinador eletrônico, não sei tocar praticamente nada que não seja meu. Essa limitação faz com que você descubra novos caminhos e ache um jeito seu de tocar. Muitas vezes o Flock tocava algo que eu não sabia tocar junto, aí fazia outra coisa que eu soubesse. Assim ficava naturalmente estranho, mas funcionava.
JD - Em uma das faixas, com vocal e letra de Ive Seixas, a cantora afirma que "tudo muda" em certa idade. Você concorda? Como os anos pensam nos ombros de um guitarrista? Qual a diferença fundamental, se é que há alguma, entre o seu trabalho solo e a peleja na Jason?
Panço - Adoro a passagem do tempo. Fisicamente pesa, né. Ainda mais pra um gordo. Várias coisas vêm a reboque. Mas não gostaria de ser jovem de novo por nada. Agora é muito melhor, mais divertido, mais livre, mais tudo. Sigo sendo meio lento no aprendizado e só percebo umas coisas óbvias muito tempo depois, mas tudo bem. Como guitarrista também acho tudo mais divertido, ainda que siga limitado. A última música que fiz com o Jason foi em 2006. É tanto tempo que nem sei como seria agora.
JD - Pra um nordestino, como eu, é impossível não comparar o seu trabalho, cru até o talo, com a produção independente mais em voga por essas bandas. É mais puro, avesso às contaminações, rock puro e simples. Em sua opinião, tá faltando riff no rock made in Brasil?
Panço - Não chamaria de contaminações, mas eu não ouço nada regional, não fui criado com nada do tipo, não sou pesquisador, etc. Então o que sai quando eu toco é isso, rock. O fato de não viver de música, não ter um compromisso comercial, acho que ajuda muito. Talvez as bandas grandes fiquem sempre pensando na equipe, na escola das crianças, no astral de tocar pra 10, 15 mil pessoas. Não sei como seria. E sim, falta riff, dissonância, um fuzz, um solo meio fora da escala, meio torto. Quase tudo que taí dá pra tocar com aquelas revistinhas de banca. Acordes maiores, parte a, parte b, refrão, solo. Um que eu acho que não se enquadra nisso é Martin, que toca com Pitty. Dos bem sucedidos, só lembro dele e de Lúcio Maia. Jão e Andréas também, claro, mas eles são do 'lado do mal'.
Pra dar um saque: leonardopanco.bandcamp.com/album/tempos
Jornal do Dia - O esforço e a grana investida na gravina de um disco ainda valem a pena? Muita gente anda fazendo as contas, pesando os prós e contras, questionando a vida útil, alcance e a utilidade prática do formato...
Leonardo Panço - Olha, pra mim valeu muito a pena, exceto pelo financeiro, já que o $$ investido não tem retorno. Mas é como sair de férias pra um lugar muito legal, aquele dinheiro também não vai voltar. E não é um problema, é uma solução. Registrei minhas ideias, as pessoas estão gostando, vi que era viável compor sozinho em casa, que a estrutura montada em minha cabeça funcionava na prática. Então foi ótimo. A vida útil, ela fica pra quem gostar. Eu sigo ouvindo o primeiro do Finis Africae como se tivesse pegado o disco ontem. E já está indo pra 30 anos isso. O disco foi feito pra quem tempo pra dar pra um disco, pra 12 faixas. Não é todo mundo, fato.
JD - Você reuniu uma pá de gente para registrar 'Tempos' (2014). Faz pensar no exercício artístico como um lance colaborativo, coisa e tal. Eu preciso perguntar, apesar do trocadilho infame: Sinal dos tempos?
Panço - Olha, o disco leva meu nome, mas poderia ter o nome de um projeto, sabe. É tanta gente envolvida, que por acaso tem meu nome, como um exercício de ego e de praticidade. No segundo, terceiro, quarto discos, vem meu nome de novo, facilita tudo, seja lá qual for o estilo. Mas colaborativo sempre é, ou pelo menos sempre foi. Eu gosto muito de ver a maneira como as pessoas enxergam o que eu iniciei. Só em levar os riffs pro Pedro, Fábio e Dave já muito um monte de coisas. Eles continuaram iguais em sua maioria, mas muito do que eu pensava pra bateria virou outra coisa, os baixos também. E isso é ótimo.
JD - Você não assina nenhuma das letras nas canções de 'Tempos'. Um ouvinte menos distraído, contudo, consegue perceber uma pegada, um nervosismo muito próprio em cada uma das faixas. É nessa palhetada que você se faz autor?
Panço - Sou extremamente limitado como guitarrista, quem tocou comigo sabe. Não tiro música de ouvido, morro duro sem um afinador eletrônico, não sei tocar praticamente nada que não seja meu. Essa limitação faz com que você descubra novos caminhos e ache um jeito seu de tocar. Muitas vezes o Flock tocava algo que eu não sabia tocar junto, aí fazia outra coisa que eu soubesse. Assim ficava naturalmente estranho, mas funcionava.
JD - Em uma das faixas, com vocal e letra de Ive Seixas, a cantora afirma que "tudo muda" em certa idade. Você concorda? Como os anos pensam nos ombros de um guitarrista? Qual a diferença fundamental, se é que há alguma, entre o seu trabalho solo e a peleja na Jason?
Panço - Adoro a passagem do tempo. Fisicamente pesa, né. Ainda mais pra um gordo. Várias coisas vêm a reboque. Mas não gostaria de ser jovem de novo por nada. Agora é muito melhor, mais divertido, mais livre, mais tudo. Sigo sendo meio lento no aprendizado e só percebo umas coisas óbvias muito tempo depois, mas tudo bem. Como guitarrista também acho tudo mais divertido, ainda que siga limitado. A última música que fiz com o Jason foi em 2006. É tanto tempo que nem sei como seria agora.
JD - Pra um nordestino, como eu, é impossível não comparar o seu trabalho, cru até o talo, com a produção independente mais em voga por essas bandas. É mais puro, avesso às contaminações, rock puro e simples. Em sua opinião, tá faltando riff no rock made in Brasil?
Panço - Não chamaria de contaminações, mas eu não ouço nada regional, não fui criado com nada do tipo, não sou pesquisador, etc. Então o que sai quando eu toco é isso, rock. O fato de não viver de música, não ter um compromisso comercial, acho que ajuda muito. Talvez as bandas grandes fiquem sempre pensando na equipe, na escola das crianças, no astral de tocar pra 10, 15 mil pessoas. Não sei como seria. E sim, falta riff, dissonância, um fuzz, um solo meio fora da escala, meio torto. Quase tudo que taí dá pra tocar com aquelas revistinhas de banca. Acordes maiores, parte a, parte b, refrão, solo. Um que eu acho que não se enquadra nisso é Martin, que toca com Pitty. Dos bem sucedidos, só lembro dele e de Lúcio Maia. Jão e Andréas também, claro, mas eles são do 'lado do mal'.
Pra dar um saque: leonardopanco.bandcamp.com/album/tempos
por Rian Santos
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