domingo, 3 de agosto de 2014

O VINHO DA HISTÓRIA

Foto por Thiago Souza Santos
O tempo é um filtro poderosíssimo! Sob sua ação, vão-se os “embalistas” – termo bastante usado pelos punks locais nos anos 1980/90 para definir os que entravam no movimento de forma passageira, “no embalo” – e ficam os que realmente têm dentro de si a essência da coisa. Na ultima sexta-feira, dia 01 de agosto do ano da graça de 2014 da era cristã, houve um memorável encontro das duas bandas mais importantes da cena punk/Hard Core sergipana. Foi também um encontro de gerações, tanto no palco(que não existe) quanto no público – numeroso!!! - que veio prestigiar seus heróis suberrâneos, underground. O trigo, separado do joio – que preferiu ficar em casa ou nem sequer tomou conhecimento do evento(falo, evidentemente, dos que puderam ir e preferiram não faze-lo).

Foto por Thiago Souza Santos
“Viva Macaô!”*, bradou Silvio em “O vinho da história”. E eu estava bem ao lado da filha de Macaô, hoje já bem crescidinha. À minha frente, crianças pequenininhas, filhas de ilustres figuras da “cena”, acompanhavam tudo num animado ritmo “galinha preta pintadinha do capeta” (lembre-se, o diabo é o pai do rock). A imagem, que eu vi com meus olhos que a terra há de comer mas que espero que você possa visualizar em sua mente a partir do meu relato, é um retrato perfeito do que estou tentando transmitir sobre o que foi aquela noite: uma celebração da arte transgressora que passa de geração a geração.

Foto por Snapic
Tudo começou quando se confirmou uma nova reunião da Triste Fim de Rosilene para o show comemorativo dos 15 anos do selo Estopim, em Salvador. A partir daí se desencadeou uma pressão latente para que eles se apresentassem também em Aracaju. O resultado foi uma noite inesquecível, para entrar nos anais (ops!) da História do rock sergipano, com a mais que acertada decisão de concretizar o feito em mais uma edição do vitorioso projeto “Clandestino” e com a presença da Karne Krua, verdadeiro patrimônio histórico – História viva, ativa e pulsante - da cena local. E mais: com a participação, no show da Karne, de DOIS bateristas – o atual, Oitchi, discípulo brilhante e aplicado, e o mestre, Thiago Babalu. E MAIS: OS DOIS TOCANDO AO MESMO TEMPO E SE REVEZANDO, DIVIDINDO O MESMO BUMBO. Quando cheguei ao local, um half de skate abandonado na belíssima área verde – coisa rara, em Aracaju – que margeia o rio Poxim no Inácio Barbosa e vi que seria assim, imediatamente intuí que aquela noite seria ainda mais especial do que eu já esperava que fosse ...

por Marcelinho Hora
E foi! O show da Karne Krua foi matador! O “clone” drum, quando simultâneo, não foi exatamente preciso – pouco ensaio, compreensível – mas a energia gerada por aquela dupla de britadeiras humanas impulsionou banda e publico na direção de uma catarse poucas vezes vista. Nem as panes da aparelhagem estragaram a festa – muito pelo contrário, deram um “charme” especial à apresentação, já que o povo seguia cantando junto com Silvio, Babalu e Oitchi quando o som sumia. Antológico!

Um publico considerável, que ia chegando à medida que a noite avançava, já se aglomerava pelos arredores enquanto a Triste Fim rearrumava o kit de bateria e plugava seus instrumentos. Coisa linda de ver! Bem familiar, inclusive, com a presença de várias crianças. A se lamentar, apenas, o desleixo de alguns presentes que jogavam despreocupadamente suas latinhas no chão bem ali, do lado do mangue. É como se dissessem “foda-se, quem teve a idéia que limpe meu lixo depois, ou deixe aí, pro poder publico mandar limpar – se limpar”. Estão precisando prestar um pouco mais de atenção ao que dizem as letras das músicas que foram ali ouvir – se é que foram ali para ouvir musica, vai saber. O espírito da “balada” hedonista e egoísta – que é do que eventos como o clandestino busca distancia, afinal – é onipresente, infelizmente. Espero que alguns deles tenham, pelo menos, tido a decência de contribuir com a caixinha voluntária que estava sendo passada de mão em mão ...

Foto por "Cabelera"
Talco no salão – Estava distraído circulando e batendo papo e fui pego de surpresa com o inicio brusco do show da Triste Fim, sob uma chuva de talco arremessada por um dos presentes – isso é “armada” de Iuri! Não estou reclamando, ficou legal, até porque não fui “atingido”. Banda entrosadíssima, parecia que eles nunca tinham parado, tal a precisão na execução das músicas, rapidíssimas e gritadíssimas por uma Daniela endiabrada – musa total, sensacional! Mas veja bem: outro tipo de "musa". Despojada, sem pedestal, no mesmo nivel, gente como a gente. Do tipo que vira musa porque incorpora idéias com as quais muita gente se identifica. Uma musa punk, no melhor sentido da palavra. Muito por conta disso - da mensagem - boa parte do público, em êxtase, acompanhava cantando junto e “agitando”, com cuidado para não esbarrar nas crianças. Destaque para Ravi, filho de Fúria e Jaqueline, solando altos “air guitars” na frente do palco.

O show foi curto, mas intenso – como deve ser. Tudo devidamente registrado em fotos e vídeos, de forma igualmente espontânea, da parte do público, para a posteridade. Abaixo, links para alguns destes registros, que ajudam a eternizar uma noite que não devia ter terminado ...

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