quinta-feira, 22 de março de 2012

Morrissey pode

E eis que, meio que do nada, depois de muita especulação e boatos não confirmados, surge a notícia bomba: Morrissey vem mesmo ao Brasil! 12 anos de espera iriam, finalmente, chegar ao fim. Não havia muito o que pensar, já que, há algum tempo, eu havia elegido 3 nomes de bandas/artistas que, se dessem as caras por aqui, eu iria ver de qualquer jeito, fosse onde fosse, custasse o que custasse: Kraftwerk, Slayer e Morrissey.

Sim, eu sei, eu sou eclético. Mas acabei desistindo do Kraftwerk por medo de que fosse um show muito curto, já que eles viriam como banda de abertura do Radiohead. E também porque Florian Schneider, até então um dos dois últimos remanescentes da formação original, tinha acabado de deixar o grupo. Dos fundadores, restou apenas Ralf Hütter. Aí não dá, né. É muita descaracterização. A única banda totalmente descaracterizada que ainda vale a pena é o Napalm Death, mas é outra história, um processo gradual que acabou por legitimar as formações mais recentes. Quanto ao Kraftwerk, tudo bem, eles são os "homens máquina" e podem muito bem ser substituídos sem que se perca a qualidade do espetáculo (é só apertar os botõezinhos!), mas convenhamos, o legal mesmo é ver ao vivo, pessoalmente, na sua frente, aqueles caras que criaram aquelas musicas que mudaram a sua vida. Por isso desisti e não me arrependi, mesmo sabendo através de quem foi que foi ótimo, um show completo, com toda a parafernália sonora e visual a que os pais da música pop eletrônica têm direito. Ponto para o Radiohead, que soube compartilhar as glórias da noite, dando a César o que é de César - e a Deus o que é de Deus.

Já o Slayer eu vi ano passado, num show bom, apesar de alguns problemas sérios de produção - mais detalhes aqui. As coisas parecem estar mesmo mudando no cenário do "Show Bizz" brasileiro: não esparava para tão cedo a oportunidade de fechar minha trinca de "ases". Me pegou desprevenido, endividado, mas não teve choro nem vela: Morrissey, minha fatura de cartão de crédito, este mês, é toda sua!

Ao contrário da Via Funchal, onde o Slayer tocou e eu, para chegar lá, peguei um ônibus que parecia que não ia chegar nunca (por causa disso perdi a apresentação na porta do Test), o Espaço das Américas fica num local de fácil acesso, ao lado da Estação Barra Funda do Metrô. Tão fácil que me dei ao luxo de ir lá um dia antes pegar meus ingressos, comprados via net. Estava em reforma, o local - terminavam de montar a marquise da fachada. Mal sabia eu que nessa reforma, ao que parece, esqueceram de instalar um sistema de ar-condicionado que desse conta da multidão que compareceria no dia seguinte ...

No dia seguinte, chegamos por volta das 6 da tarde, debaixo de chuva. Identificamos a fila destinada à Área Vip e, inadvertidamente, minha patroinha furou a "bicha"! Foi sem querer, ela só notou depois, mas já que ninguém reclamou, ficamos por lá mesmo e, por conta disso, conseguimos um lugar a cerca de 10 metros (ou menos) do palco! Nada mal, especialmente se levarmos em conta que a tal pista "vip" ocupava quase a metade do espaço, ou seja: os que estavam na "geral", mais barata, ficariam, forçosamente, a uma distancia considerável, e com dois agravantes: o palco era baixo e os telões não funcionaram, segundo postou Lorena Calabria em seu blog, por ordem do próprio Morrissey. O mundo é injusto, fazer o que ...

Nos posicionamos em nossos lugares e de lá não arredamos o pé pelas próximas 4 horas e meia - duas delas gastas numa espera interminável em um ambiente cada vez mais quente e apertado. Achei o espaço pequeno para o porte do show. Não por acaso, apesar dos preços pra lá de salgados, os ingressos estavam esgotados há dias. Pelo menos a decoração do ambiente era bonita, elegante, o som que saía dos auto-falantes era de boa qualidade e minha camiseta da The Baggios acabou atraindo um sergipano que nos fez companhia. Um não, dois: Chico Pitanga me achou por lá e foi me comprimentar.

Tinha esperança de que 20:00, a hora marcada para o início do show, seria a hora da atração principal (foi assim com o Iron Maiden), mas ledo engano: às 8 da noite quem surgiu por trás das cortinas foi a tal da Kristeen Young. Bem vestida (gostei do figurino), bonitinha, mas ordinária! O grande mistério da noite era o porque de Morrissey ter escalado para a abertura de sua "south american tour" aquele refugo de Bjork misturado ao que de pior existe em Nina Hagen, Kate Bush e Cindy Lauper! Se existe algo de aproveitável no repertório da moçoila, pra mim, passou batido. Péssimas composições interpretadas numa perfomance esquizofrenica que não empolgou ninguém. E olha que o público até que foi educado, aplaudindo ao final de cada "música". Ok, não era nenhuma ovação, claro, mas eram aplausos, ora! E ela, também educadamente, agradecia, para logo em seguida voltar a martelar um teclado ou se dirigir sozinha ao centro do palco, na frente de uma imensa tela que projetava seu nome, e soltar mais alguns trinados irritantes ao som de batidas pré-programadas. Corajosa - e cara de pau ...

Passado o suplício, começam os vídeos. Já tinha lido a respeito: antes do show são projetados alguns vídeos selecionados pelo proprio Morrissey. Começa com um em que um Shoking Blue pouco à vontade com as câmeras interpreta "Mighty Joe" passeando pela neve. Bonito, elegante, mas eles têm musicas melhores - "Never merry a railroad man" ou "love buzz", que o Nirvana celebrizou, por exemplo. A seleção prossegue com, dentre outros, Nico, Sparks (uma banda new wave obscura e bacana da qual só Morrissey parece lembrar ), um "rocker" não identificado (por mim, pelo menos) com uma bonita jaqueta de couro dançando "twist" com uma fogosa moçoila e, claro, New York Dolls. No final, uma mulher gritando desesperadamente em close no telão, cujo pano cai e é rapidamente recolhido ao som de sinos dobrando para a entrada triunfal do profeta da dor em pessoa e sua trupe - ele, com uma camisa dourada de peito aberto, eles, vestidos de vermelho com camisetas ostentando a frase "Assad is shit". O público, claro, foi à loucura: fui subitamente projetado para a frente pela multidão ensandecida que tentava desesperadamente chegar mais perto de seu ídolo. Ótimo, fiquei ainda mais perto do palco.

Ele olha para as palmas de suas mãos, solta um "olá, Sampa" e a banda começa a executar os primeiros acordes de "First of the gang to die", logo emendada com a ótima "you have killed me", do excelente e subestimado penúltimo disco, "ringleader of the tormentors". Melhor impossivel. A emoção toma conta de todos e eu sinto a presença, mesmo que apenas em meus pensamentos, de um grande e velho amigo que me apresentou aos Smiths ainda nos anos 80. Eu era um típico moleque adolescente deslumbrado com a descoberta do rock "pauleira", do Heavy Metal, e não entendi muito bem a proposta daquela banda que para mim soava, paradoxalmente, muito bem, mas de forma esquisita. Sentia que ali havia algo especial, afinal eram muitos os que, assim como aquele meu amigo, alegavam ter sua vida sido salva por aquelas canções. "The band that saved your life", literalmente falando. Não era pra mim naquele momento, mas assim que minha mente foi se abrindo para novas possibilidades, novos sons, batidas e pulsações, os Smiths passaram a ser uma de minhas bandas favoritas, e segue sendo até hoje. Nunca me canso de ouvir - eles e o Black Sabbath. Eu sei, eu sou eclético ...

Seguem-se duas que eu acho mais ou menos, "Black Cloud" e "When Last I Spoke To Carol", e então "Still ill", dos Silva. É uma musica tipicamente "smithiana", com sua levada meio rockabilly, seus vocais chorosos entoando versos sofridos e os dedilhados geniais de Johnny Marr reproduzidos à perfeição pelo guitarrista mexicano Jesse Tobias, que já tocou, por um mês apenas, no Red Hot Chilli Peppers! Mais catarse, mais marmanjo chorando pra todo lado. Mas o melhor estava por vir: nunca se viu tanta gente cantando com tanta empolgação uma letra tão triste quanto a de "Everyday is like sunday". Parecia que todos estavam preparados para morrer ali mesmo, vitimados por um ataque nuclear ("Come! Come! nuclear bomb!") ou algo do tipo, e morreríamos felizes, abraçados, pois o prazer e o privilégio de partir de forma tão gloriosa seriam nossos. Dramático, né ? É Smiths, é Morrissey, porra ! Foda-se tudo, é drama mesmo, é voltar pra casa, chorar e ter vontade de morrer, e é lindo!

O show segue em frente com "Speedway", do seminal "Vauxhall and I ", e "you´re the one for me, Fatty", a única de "your arsenal", meu disco favorito, que muitos consideram fraquinha, mas eu gosto muito. A esta altura parece que o fervor emanado do publico contagiou o bardo e ele parece genuinamente feliz por estar ali, coisa que ele tenta a todo custo demonstrar, mas de forma um tanto quanto desajeitada - não esqueçamos que ele é herdeiro de uma "shyness that is criminally vulgar". Num dado momento ele declara estar tão feliz que nem sabia o que fazer. Cantar, ora! E ganhar presentes - a moça das flores não conseguiu dar o seu, mas o rapaz do vinil dos NY Dolls (a princípio confundido com Ramones) sim. E passar seus recados - porque não? Acho justo. Lembrou da passagem do Príncipe Harry pelo Brasil e nos exortou a não entregar nosso suado dinheiro a eles, a monarquia britânica, comparando-a a ditaduras - "no more dictatorships". Emendou com "Meat is murder", certamente o momento mais dramático e, para muitos, anticlimático, da noite. Não concordo. A letra, a melodia e as imagens explícitas mostradas no telão convidam à reflexão, e talvez seja isto que incomode tanto a tantos que se manifestaram contrários a um suposto panfletarismo "de mal gosto" em resenhas e comentários pela net. Não sou vegetariano, mas se um dia me tornar um, esta música será, certamente, uma das principais responsáveis.

"Meat is murder" aparece em uma nova roupagem, com arranjos "viajantes" e pesados, o que chama a atenção para a competencia da banda de apoio, composta por jovens - á exceção de um gordo e aparentemente acomodado Boz Boorer que pouco lembra a energia dos tempos do vídeo "Live in Dallas". Ele parece estar deixando o trabalho pesado para a rapaziada, e eles, felizmente, não deixam a peteca cair. Todos são muito bons, com destaque para o tecladista, que cria climas envolventes para os novos arranjos de musicas já bastante conhecidas. Neste quesito, o destaque vai para "please please please let me get what I want", tocada de forma ainda mais lenta. Funcionou maravilhosamente bem, apesar do vexame do som "pipocando".

Também lentíssima é "I know it´s over", do clássico "The queen is dead", dos Smiths. Particularmente preferia outra de andamento parecido e letra igualmente desesperada, "I Know It's Gonna Happen Someday", mas ok, não estou reclamando - seria ridículo. "Oh Mother, I can feel The soil falling over my head", cantamos todos a plenos pulmões. Mas nada se comparou ao grande momento da noite, quando ele disse que "agora que já nos conhecemos melhor, podemos chegar até aqui": "There´s a light that never goes out", provavelmente a letra de musica mais romântica já escrita. Nem sei muito bem como descrever o que aconteceu naquela hora, pois tudo o que eu disser vai soar clichê. Só quem tava lá mesmo pra saber. Arrepiante.

O show vai chegando ao final e novos grandes sons se sucedem, dentre eles "I’m Throwing My Arms Around Paris", single de "years of refusal", o último disco, que é bom, mas inferior aos dois anteriores. Nova catarse com "How soon is now", talvez minha música favorita dos smiths, e é isso. Ele volta para o bis com a bandeira do Brasil enrolada na cintura, formando uma espécie de saia, e canta apenas mais uma, a apropriada "One Day Goodbye Will Be Farewell". Sacode a bandeira, se enrola nela, coloca-a na cara e diz que nos ama. Parece sincero - até por que Morrissey não costuma ter muito pudor em demonstrar insatisfação, que o digam os argentinos, que, segundo relatos, o pegaram macambuzio e de mal humor.

Missão cumprida, saldo pra lá de positivo. Pra não dizer que tudo isso é coisa de fã deslumbrado e cego (embora seja isso mesmo), posso afirmar que o único momento que eu achei realmente exagerado, tolo e gratuito, no show, foi aquele em que ele abre a camisa feito um Clark Kent revelando-se o superman, enxuga com ela seu suor e a joga para a platéia. Mas note bem: o exagero, pra mim, foi apenas o jogo de cena de enxugar o suor. O resto tá perdoado.

Porque ele é Morrissey. Ele pode.

As fotos, de Stephan Solon, foram tiradas do site omelete.

texto por Adelvan Kenobi

Veja tudo aqui.

O Set list:

1- First Of The Gang To Die
2- You Have Killed Me
3- Black Cloud
4- When Last I Spoke To Carol
5- Alma Matters
6- Still Ill
7- Everyday Is Like Sunday
8- Speedway
9- You’re The One For Me, Fatty
10- I Will See You In Far Off Places
11- Meat Is Murder
12- Ouija Board, Ouija Board
13- I Know It’s Over
14- Let Me Kiss You
15- There Is A Light That Never Goes Out
16- I’m Throwing My Arms Around Paris
17- Please, Please, Please Let Me Get What I Want
18- How Soon Is Now?
Bis
19- One Day Goodbye Will Be Farewell

5 comentários:

  1. Concordo com tudo, menos que "speedway" é fraca. Musicão da porra, letra foda, uma das minhas favoritas! Mas, por outro lado, é muito louco ver como as pessoas reagem de maneiras distintas às canções, como uma musica super especial para uma pessoa pode ser quase invisivel para outra. Enfim, isso é assunto para uma próxima pizza (se for aqui) ou um pastel de caranguejo no Amanda, se for aí!

    abs, camarada!

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  2. Me confundi, "speedway" é realmente ótima. Valeu o toque, Viegas, corrigi lá no texto.

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  3. O nome do "rocker" que você não identificou é Vince Taylor, foi este aqui o video que rolou no telão: http://www.youtube.com/watch?v=GneoizCBddY

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  4. Vince Taylor é o "rocker' não identificado
    com uma bonita jaqueta de couro"
    e a "mulher gritando desesperadamente"
    é a drag queen americana Lypsinka.

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