quarta-feira, 18 de maio de 2011

Dead Billies em Aracaju

Recordar é viver: (Adelvan) Um dos grandes arrependimentos de minha vida foi ter perdido os dois únicos shows que o Dead Billies, seminal banda psychobilly de Salvador, fez em Aracaju em início de carreira, na já longíquo década de 1990. Não botei muita fé, pra dizer a verdade. Hoje acho que eles são uma das melhores bandas do estilo que já existiram, no mundo ! Nunca mais subestimo o rock baiano ...

Abaixo, devidamente autorizado, publico um texto de Ricardo Cury, ex-brincando de deus, sobre aqueles dias loucos.

* * *

Em 1997, os Dead Billies foram fazer dois shows, no mesmo fim de semana, em Aracaju.

- Vocês ficam aqui em casa – disse o brother Gilmar, que foi baterista de uma banda chamada Zona Abissal.

Chegaram na casa de Gilmar (ele estava viajando), arrumaram as bagagens e foram para a varanda do AP. Os fumantes acenderam seus cigarros enquanto discutiam sobre o que fazer naquela tarde livre, antes do primeiro show. Resolveram ir para a praia. Deixaram a chave do apartamento na portaria, pois o amigo Rogério Big Brother chegaria de Salvador depois deles e também se hospedaria lá. Após duas horas de sol e cerveja, lembraram de ligar pro apartamento pra saber se Big Brother já tinha chegado. Foram até o orelhão mais próximo:

- Alô!

- Big? Já chegou?! – perguntou Rex, o baterista.

- Já. Cheguei tem uma meia hora...

- E aí, tudo beleza?

- Ta tudo beleza, mas... (pausa)... só tem um problema...

- Qual foi?

- O apartamento pegou fogo.

- Hein? Que apartamento?

- Esse aqui que eu estou e que a gente ia dormir... Ta tudo queimado.

A banda pegou um ônibus e voltou pra ver o que tinha acontecido. O apartamento do amigo Gilmar era novinho, estava todo pintado e limpinho quando eles o deixaram três horas atrás. Agora estava fedendo a fumaça e todo preto. Os instrumentos se salvaram, mas as roupas foram todas carbonizadas. Suspeitaram que foram os colchoes que estavam tomando sol na varanda... Cigarro + colchão...

Mas o show deveria continuar e com a roupa do corpo e ainda atordoados pelos acontecimentos foram tocar. Não tocaram. Na primeira música o som estourou e houve um principio de incêndio, rapidamente controlado.

- Porra, que urucubaca da porra é essa? – perguntou Morotó, o guitarrista.

Desanimados pelo show que não teve e mais atordoados ainda, se dirigiram à Universidade Federal. Era lá que fariam o segundo show (no dia seguinte) e conseguiram assim, com a produção do show, uma sala de aula para dormir. Deram a sala do DCE. Joe, o baixista, se adiantou e tomou posse da mesa de sinuca. Assim ele tinha uma pequena camada de feltro para as suas costas. O resto dormiu em cima dos biombos que eram usados para a exposição de fanzines.

No dia seguinte, de tarde, foram testar o som. Como uma passagem de som começa pela bateria, aproveitando o fato do show ser a dois andares de onde estavam hospedados e não suportando mais o próprio cheiro, usando a mesma roupa desde que saiu de Salvador, dois dias atrás, Morotó disse:

- Vão na frente que eu vou tomar um banho enquanto Rex monta a bateria...

Apenas uma toalha de banho se salvou e ainda assim, parcialmente. Era a única que estava fora da mala. Só dava pra se enxugar com as pontas, pois no meio havia um buraco enorme.

- Parecia que um míssil tinha passado pela toalha – lembrou Rex.

Todos usaram essa mesma toalha durante toda a viagem.

A banda foi montando o palco, ligando os amplificadores, os instrumentos, os microfones e Moska, o vocalista, não dando atenção para a urucubaca iminente, pegou a guitarra de Morotó pra ir testando o som, enquanto o amigo se banhava. Uma rara guitarra Snake, fabricada nos anos 60. Pendurou no pescoço, mas a correia não estava presa. Foi direto ao chão.

Morotó tomou um susto. Enquanto passava o sabão Phebo para fixar o seu topete, Moska entrou no banheiro desesperado.

- O que foi, rapaz? – perguntou Morotó.

- Aconteceu uma tragédia... – respondeu Moska, sentado no vaso, passando a mão na cabeça, nervoso...

- Mais uma? O que foi dessa vez?

- Uma tragédia...

- Pelamordedeus, diga logo o que foi? Rex morreu?

- Pior...

- Joe morreu?

- Pior...

- Diga logo...

Aquela guitarra nunca mais foi a mesma, mas, contrariando todas as expectativas, o show foi tranquilo. Ou melhor, intranquilo, no bom sentido, se tratando dos Dead Billies.

Dez anos depois, em uma pizzaria, Rex se encontrou com Gilmar, o brother que emprestou o apartamento. Gilmar morava na Europa desde aquela época e a banda nunca conseguiu se desculpar pessoalmente com ele.

- Porra, man, queria te pedir desculpas mais uma vez... – disse Rex.

- Que nada, já passou... depois eu até dei risada... Você soube da nota que saiu no jornal de Aracaju?

- Nota? Que nota?

- Sobre o incêndio...

- Não, ninguém sabe de nada, que nota é essa?

A banda, em seus shows, usava um material cênico composto por, entre outras coisas, uma capa de vampiro, velas e uma caveira. E, assim como os intrumentos, esse material, milagrosamente, também se salvou. Gilmar contou que quando os bombeiros arrombaram o apartamento e encontraram a capa, as velas e a caveira junto dos instrumentos, tiraram diversas fotos. No dia seguinte, uma dessas fotos estampava o jornal com a seguinte manchete:

“Banda de rock incendeia apartamento em ritual satânico”.

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Assista Dead Billies tocando Vampire, ao vivo: http://www.youtube.com/watch?v=KhZ2KP00Huo

Clip da música "Invasion of the Body Snatchers": http://www.youtube.com/watch?v=TukftR-P4MY

Clip da música "I Can't Help Myself From Gettin' It On": http://www.youtube.com/watch?v=-dBjy296QaY

por Ricardo Cury

via Facebook

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