sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Cilibrinas do Éden

(**)No mundo da música, se tornam folclore as histórias de “álbuns perdidos”, discos que foram gravados, mas não foram lançados durante anos, ou mesmo só “vazaram” para o público através de edições piratas. “Smile”, dos Beach Boys, “Cocksucker Blues”, dos Rolling Stones (esse, no caso, apenas um single), “The Ties That Bind”, de Bruce Springsteen & E Street Band, “Tecnicolor”, d’Os Mutantes e “Black Album”, do Prince, são alguns exemplos que nos levam a preciosidade presente neste texto.

Em 1972, Rita Lee estava confusa. Ela já tinha dois discos solos na bagagem que não cortavam o cordão umbilical com Os Mutantes – o primeiro, “Build Up”, de 1970, havia sido produzido por Arnaldo Baptista e Rogério Duprat, e o segundo, “Hoje é o Primeiro Dia do Resto da Sua Vida”, de 1972, era um disco d’Os Mutantes creditado a ela – mas havia finalmente deixado a banda (ou, segundo a própria, convidada a se retirar) e não queria aceitar o conselho do diretor da gravadora Phillips, André Midani, de sair em carreira solo.

Rita era amiga de Lucia Turnbull, uma paulistana que, como ela, havia morado dois anos em Londres, e também participado das gravações de “Hoje é o Primeiro Dia do Resto da Sua Vida” fazendo vocais. Com Lucia, Rita Lee decidiu formar a dupla Cilibrinas do Éden, buscando uma sonoridade calcada em violões e nos doces vocais de ambas, que soavam maravilhosamente bem juntos. “Cilibrina”, na gangue d’Os Mutantes, era a palavra código para maconha.

A dupla negociou um contrato com a gravadora, e logo foi escalada para tocar no mega-show Phono 73, um festival de música realizado no Centro de Convenções do Anhembi, em São Paulo, entre os dias 10 e 13 de maio de 1973, que reuniu todo o elenco de contratados da Phillips, ou seja, o “crème de la crème” da música brasileira da época (a lista, imensa, trazia Caetano, Chico Buarque, Elis Regina, Jorge Ben, Raul Seixas, Wilson Simonal, Fagner, Erasmo Carlos, Gal Costa, Jards Macalé, Ronnie Von, Odair José e muitos, muitos outros).

E a estreia da Cilibrinas do Éden, numa quinta-feira, 10 de maio, abrindo para Os Mutantes, não poderia ter sido… pior. Com músicas desconhecidas, vaias retumbantes soaram durante a apresentação das moças no Anhembi. Rita sacou ali que o público não aceitaria bem um som tão acústico, e tratou de montar uma banda mais rock n’ roll, afinal, os tempos não estavam para sutilezas. Rita encontrou o Lisergia, grupo do guitarrista Luis Sérgio Carlini e do baixista Lee Marcucci, e partiu para o processo de composição e gravação do álbum d’as Cilibrinas.

O disco deveria se chamar “Tutti Frutti”, e as gravações ocorreram ao vivo em dezembro de 1973, no estúdio Eldorado, em São Paulo, sob coordenação de Liminha, em sua primeira produção. O resultado não agradou André Midani, que preferia muito mais Rita Lee solo do que um novo grupo, e vetou o projeto antes do disco ir para a fábrica. Antonio Bivar, então habitué da corte de Rita, conta que a produção foi caótica, divertida e amadora, e se a gravação não chegou ao mercado, tem como mérito ter servido para formar o que seria o embrião da nova banda de Rita Lee, a Tutti Frutti.

A única música aproveitada das sessões d’As Cilibrinas, e regravada para o LP de estreia de Rita Lee com o Tutti Frutti (“Atrás do Porto Tem uma Cidade”, 1974) foi “Mamãe Natureza”, justamente o primeiro clássico de sua carreira solo. Nesse disco, uma música foi o pivô da saída de Lucia Turnbull da banda: “Menino Bonito” tinha uma levada totalmente a lá Cilibrinas, com duas vozes e violões. Qual não foi a surpresa quando o disco ficou pronto, e à revelia da banda, a produção (de Mazola) apagou a voz de Lucia deixando apenas a de Rita com acompanhamento de pianos e cordas.

O sucesso só viria para Rita Lee e o Tutti Frutti, sem Lucia, no ano seguinte, em outra gravadora (Som Livre), e com outro LP (“Fruto Proibido”, de 1975, produzido por Andy Mills, também produtor de Alice Cooper), mas isso já é outro capítulo. Lucia Turnbull ainda participaria do disco/turnê “Refestança”, de Rita com Gilberto Gil, em 1977, e teria um certo reconhecimento emplacando “Aroma”, disco de 1980 lançado pela EMI-Odeon (e até hoje não relançado em CD).

Como um bom “álbum perdido”, a estreia d’As Cilibrinas do Éden circulou durante anos em fitinhas K7, nas mãos dos fãs mais descolados, e quase foi lançado oficialmente nos anos 2000 pelo pesquisador Marcelo Fróes, que esbarrou em questões financeiras, pois Lucia Turnbull, segundo entrevista ao jornal Folha de São Paulo(ver abaixo), não aceitou a proposta de divisão de valores, alegando que o disco é de uma banda, não só de Rita, e o projeto foi engavetado.

O fato do disco oficial não ter sido lançado não impede que “Tutti Frutti” (ou “Cilibrinas do Éden”, como vem sendo chamado) possa ser encontrado para download, com boa qualidade de som, em blogs de compartilhamento na internet ou mesmo no Youtube tanto quanto ser adquirido em CD e vinil pirata, pois foi lançado em 2010 pelo selo Nosmokerecords, e encontra-se atualmente na segunda tiragem de 500 cópias – o preço em janeiro de 2014 ia de R$ 135 até R$ 400 no site brasileiro Mercado Livre.

Várias músicas do “disco perdido” das Cilibrinas foram reaproveitadas por Rita em trabalhos posteriores. A primeira estrofe toda de “Bad Trip (Ainda Bem)” reapareceu como “Shangri-Lá”, no álbum “Rita Lee“, de 1980 (sem o provocante final: “Tive sim vontade de… dar”). “Gente Fina é Outra Coisa”, com alterações na letra, virou “Locomotivas”, tema da novela homônima da Rede Globo, em 1977. Quando Rita foi gravar sua participação no LP “Erasmo Convida”, de Erasmo Carlos, a música escolhida foi “Minha Fama de Mau”, que também fazia parte do repertório do álbum d’As Cilibrinas.

Em 1981 foi lançada a coletânea “Os Grandes Sucessos de Ritta Lee” (assim mesmo, com dois “tês”), que inexplicavelmente trazia duas músicas daquelas sessões: “Paixão da Minha Existência Atribulada” e “Nessas Alturas dos Acontecimentos” (esse LP atualmente também pode ser encontrado em sites como o Mercado Livre em preços entre R$ 15 e R$ 150). Só quatro faixas não deixaram traços em outras: “E Você Ainda Duvida”, “Festival Divino”, “Vamos Voltar Ao Princípio Porque Lá É O Fim” e a música tema, “Cilibrinas Do Éden”.

(*)Desta vez não teve quem segurasse. Impedido duas vezes de vir à luz, aquele que seria o LP de estreia de Rita Lee fora dos Mutantes ganha sua primeira prensagem 35 anos depois de ter sido gravado. A edição é histórica, caprichada, limitada. E pirata.  

São apenas mil cópias numeradas --500 em CD, outras tantas em luxuoso vinil de 180 gramas. Tudo é inventado: a ilustração psicodélica da capa, o selo "original" da Philips, a quantidade e a ordem das faixas. Chegaram ao preciosismo de reproduzir o número do CGC da gravadora na contracapa.

Até o título do álbum foi trocado. Se tivesse sido lançado quando nasceu, em 1973, ele se chamaria "Tutti-Frutti". Na versão pirata, virou "Cilibrinas do Éden" --nome da dupla que Rita montara com a cantora Lucia Turnbull quando se desligou dos Mutantes, um ano antes de registrar essas faixas.

"Tutti-Frutti" foi gravado ao vivo em dezembro de 1973, no estúdio Eldorado, em São Paulo, sob os olhos de uma pequena plateia. "Foi o primeiro disco que o Liminha produziu", lembra o baixista Lee Marcucci. "A gente era muito novo, estava cheio de gás. Dá para ouvir isso na música que a gente fazia."

"Eu estava louca para ser parte de outra banda, meu negócio não era ser 'front stage'", diz Rita, que na época somava 26 anos. "Preferia que a Lucia fizesse os solos de voz e de guitarra para eu ficar lá atrás só nos 'shubirú dau dau' e nos poucos instrumentos que consegui recuperar dos Mutantes. Tudo o que eu queria era pertencer a uma gangue, dividir a grana igualmente entre todos, dividir as parcerias mesmo que ninguém mais tivesse composto nada."

André Midani, então diretor da gravadora, queria transformar Rita numa estrela e não gostou dessa política coletiva. Interditou o trabalho antes de ele ir à fábrica. "Tutti-Frutti" (nome que batizou também a banda de apoio de Rita Lee) caiu no buraco negro dos porões da gravadora e só foi redescoberto no final dos anos 90 --conforme noticiado pela Folha na ocasião. 


Direitos
 
Uma edição "oficial" chegou aos limites de ser lançada, sob os cuidados do pesquisador Marcelo Froes. "Infelizmente, um dos membros não topou o valor e pleiteou que o disco seria um trabalho de banda, e não um disco solo de Rita Lee, e que os royalties artísticos deveriam ser rateados. Rita não concordou e o assunto ficou enterrado", ele lamenta.
 
O membro em questão é Lucia Turnbull. Hoje, ela afirma que tudo não passou de uma "falha de comunicação". "Propus uma conversa entre as partes para a gente chegar a um ponto em comum, mas nunca mais fui procurada. Não entendi o porquê dessa reação, afinal é natural você fazer um trabalho e ganhar por ele", diz. E enfatiza a importância de o álbum vir à tona de forma oficial: "Tudo é documento. E, mais que is­so, acho esse trabalho um barato. É puro, inocente. Uma fase superlegal do trabalho da Rita e de nós todos".

Ao que tudo indica, a edição pirata foi produzida na Espanha pela obscura gravadora Nosmokerecords. Indícios levam a crer que se trata de uma iniciativa de brasileiros que moram na Europa.
Conseguir um exemplar do álbum não é tão difícil. Eles estão disponíveis em alguns sebos do centro de São Paulo, em sites como Mercado Livre e eBay e de pequenas lojas estrangeiras. Uma cópia em vinil chega a custar salgados R$ 400.

"E esse preço só vai aumentar", garante Alexandre Lopes, do sebo Cel-Som Discos. Ele comprou oito exemplares de uma distribuidora espanhola.

NOTA: Amanhã tem Cilibrinas do Éden no programa de rock
104,9 FM em Aracaju e região
www.aperipe.com.br
19H

** por André Fiori
Scream & Yell
* por Macus Preto
Ilustrada

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