Fui ao Rio para ver o Napalm Death no Circo voador e, de
bônus, assisti um show da Gangrena Gasosa, lendário “combo” de “sarava” metal,
no subúrbio, em Bangu. Para tanto pegamos, eu e meu camarada Chorão 3,
ex-letrista e vocalista da banda, um trem – lotado, pra variar – na Estação de
Engenho de Dentro. Com direito a vendedores ambulantes e pedintes de todo tipo,
inclusive uma garota que solicitava contribuições para comprar um leite
especial para seu filho que, segundo ela, tem leucemia. A Supervia deseja a
todos uma boa viagem ...
Saltamos em Bangu do lado de um shopping Center que, Chorão
me informou, funciona numa fábrica desativada que, antes, havia servido de
cenário para o Campo de Concentração do filme “Olga”. Há sempre uma curiosidade
ou um marco histórico em cada canto que você andar, no Rio de Janeiro ...
Outra coisa que eu acho curiosa é que boa parte dos bairros
do Rio parece funcionar como uma pequena cidade à parte – com um às vezes
fervilhante comércio local, por exemplo. Alguns, inclusive, têm clima de cidade
do interior, com a tradicional pracinha da igreja onde a população se reúne
para colocar as fofocas em dia. Foi a impressão que tive de Bangu. O show
aconteceu num Clube social que ficava próxima a uma dessas pracinhas. O Clube é
bem bacana, tem aquele clima que remete aos tradicionais bailes da década de 1950,
com um amplo salão ladeado por um mezanino. No som rolava uma discotecagem meio
deslocada das atrações da noite, porém bacana ...
As atrações da noite atendiam pelo que é chamado
popularmente de “rock pauleira” – na verdade nem sei se ainda se usa este termo,
de repente já está ultrapassado. O tempo passa e a gente nem se dá conta.
Enfim: a primeira banda, Deus Castiga, era muito boa e era de grindcore. Boa
pegada, especialmente do baterista, que é muito bom. Já a segunda, Evil Inside,
surpreendeu: subiu ao palco uma galera com pose de headbanger virtuoso e uma
garotinha magrinha, franzina até, mas que assustou a todos quando soltou o
primeiro urro gutural. Fazem um som, no entanto, meio clichê, uma espécie de
death metal melódico. Passado o susto inicial, tornou-se meio enfadonho, com
aqueles solos de guitarra intermináveis e estrutura melódica “manjada”. A
presença de palco da “front girl” também deixa a desejar, talvez por
inexperiência – mal do qual não sofre a Deus Castiga que, soube depois, é uma
banda nova, mas formada por figurinhas carimbadas do underground carioca.
A grande atração da noite era, no entanto, a Gangrena
Gasosa. Era apenas o segundo show que eu via deles na vida, desta vez num esquema
mais real, “pé no chão” – UNDERGROUND, mesmo. O outro foi abrindo para o
Cannibal Corpse no Circo Voador. A
Gangrena é uma daquelas bandas que você curte e fica se perguntado porque,
afinal, não são mais conhecidos do grande público, porque é sensacional! A
resposta só pode ser uma: porque o mundo é injusto. São, no entanto, uma banda “Cult”
– no sentido de cultuada, mesmo que por um número reduzido de seguidores. E eu
pude comprovar isso naquela noite: entraram no palco sob uma ovação
impressionante do público presente e já começaram passando por cima das
adversidades, notadamente o som “capenga” da frente do palco, cujas caixas
haviam “estourado” durante a apresentação da segunda banda de abertura – soube depois
que eles não sabiam disso e o retorno estava ok. Menos mal, porque o público
não se fez de rogado e já começou cantando junto o primeiro “hit”, “surf
Yemanjá”. A catarse tomou conta e as Invasões
de palco foram se sucedendo, inclusive de um cidadão com uma curiosa máscara de
cavalo e de uma aranha que parece ter resolvido sair de sua reclusão no teto e
tecer sua teia até o meio do palco para conferir que porra era aquela que estava
acontecendo. Angelo, um dos vocalistas – o Zé Pelintra - percebeu e interagiu
com o inseto, com um resultado visual interessante que eu espero que tenha sido
captado por algum fotógrafo mais atento ...
Pérolas do cancioneiro “underground” foram entoadas em uníssono
por todos: “Eu não entendi Matrix”, “Quem gosta de Iron Maiden também gosta de
KLB”, “Fist Fuck agredi”, “Terreiro do desmanche” e “Centro do Pica Pau Amarelo”
– a galera adora gritar que “Emilia pomba gira é uma boneca de Vodu”, bem como
invocar o “coisa ruim” em “A Super via deseja a todos uma boa viagem”. Bem legal
ver tudo isso do lado do cara que criou a maioria daquelas letras. Muito bom
também ver que ele, mesmo há tanto tempo fora da banda, ainda é reconhecido e
celebrado por isso: várias pessoas o reconheceram e fizeram questão de pedir
autógrafos e tirar fotos juntos – alguns, inclusive, de forma histérica! Coisa
de fã mesmo. Assédio que se repetiu, de forma ampliada, no fim do show, quando
a banda teve que ficar um bom tempo atendendo ao público do lado do palco, em
meio à farofa de despacho e aos doces que se espalhavam por todo o recinto –
era dia de Cosme e Damião.
F iquei feliz em constatar, também, que a faixa etária dos presentes
no recinto era bem baixa, o que indica que a banda está conseguindo renovar seu
público. Bateu, inclusive, uma curiosidade em saber como aquelas pessoas haviam
conhecido a Gangrena Gasosa. Fizemos a pergunta a um garotão – não aparentava
ter mais de 20 anos – e a resposta foi interessante: ele disse que era Testemunha
de Jeová e conheceu a gangrena pesquisando sobre macumba na internet. Acabou
virando fã e saindo da igreja.
por Adelvan
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