quinta-feira, 4 de junho de 2009
Alto-Falante
Terence Machado, jornalista, apresentador e criador do Programa Alto Falante, produzido pela Rede Minas, contou ao PROGRAMA LOADED, em entrevista por email, como foi o processo de saída da grade da TV Cultura após uma década de parceria, e aponta como a propagação de bandas independentes e música de qualidade irá continuar a ultrapassar os limites territoriais pela Web.
por Suzanna F.
pequena introdução geral...
Até o final dos anos 70, a produção de música no Brasil dependia muito das majores fonográficas, apesar de sua efervescência de criatividade na época. Os mais queridos (ou rentáveis) da grande indústria tinham o destaque da vez, mas ainda assim, eram produzidos alguns tímidos festivais que revelavam vez ou outra rara oportunidade para que grupos ou músicos desconhecidos chegassem a circuito público. Entretanto, eram poucos que tinham interesse ou conhecimento para mudar de fato aquele mercado, e assim que vislumbravam um contrato, assinavam sem (ou pouco) pestanejar. Com a crise da década de 80, ocorreu uma necessidade de aumento nas criações autônomas, e de baixo custo. Aos poucos se estabelecia uma cultura independente, e os primeiros selos da cena underground, por exemplo, foram surgindo e tecendo um conglomerado de bandas e artistas que já sabiam muito bem como funcionava esse ninho de interesses para jamais se infiltrarem por ali.
Com essa alternativa mais consolidada, a década de 90 revelou várias dessas iniciativas, e com isso a imprensa começou a, ao menos, entender e buscar um pouco mais tais transformações. Foi nesse contexto que um dos programas que buscavam mapear bandas e garimpar tendências surgiu, em Belo Horizonte, no ano de 1997. Depois de uma década em parceria com a TV Cultura, hoje eles voltam para uma propagação e veiculação independentes, mas nem de longe esse retorno dá ares de situação retrógrada.
A TV é coisa do passado...
...e a internet vai enterrar
O presente é tão próximo que às vezes nos impede de enxergar a distância que percorreu, e que já está ficando para trás...
Para quem acompanha ou é envolvido de alguma forma no circuito nacional (ou mundial) independente, está cansado de ouvir ou falar que a internet abriga os principais canais de comunicação dessa via. Afora comunidades de apoio automáticas para auxiliar diretamente essa rede como twitter e pontos.com ou www alguma coisa, essa nova realidade firmou parcerias sólidas, já independentes de sistemas ou recursos tecnológicos que no caminho foram agregando mais facilidades.
Se no inicio eram vislumbradas como apenas parcerias sonhadoras, românticas, ou meramente de camaradagem ou amizade, agora já é fato para o mundo inteiro que a cena independente de fato cresceu em proporções inenarráveis. O profissionalismo e organização atingidos deixaram muitas “grandes” empresas do mercado da música boquiabertos, e claro, sedentas por mais um contratinho ali, e um lucro aqui.
Como não estamos falando de uma década de espaços limítrofes, parcerias justas para ambas as partes são bem vindas, assim como serão desfeitas sem culpa. Um desses casos é o programa Alto Falante, que deixou nos últimos meses a parceria que tinha com a TV Cultura.
Loaded – Como vocês enxergam as grandes redes de TV pública e seus gestores?
Terence Machado-O que menos interessa na cabeça dos gestores de TVs públicas e educativas espalhadas pelo Brasil é o telespectador. Até hoje eles não aprenderam nem o beabá com as grandes emissoras. Nas grades das emissoras públicas o telespectador é que se vire pra saber o que aconteceu com aquele programa que saiu da grade ou se mudou de horário pela enésima vez, sem que se informe sobre essas mudanças.
Loaded – Quais os principais motivos que atribui a esse fim de parceria de 1 década, de exibição do Programa Alto Falante em rede nacional?
Terence-Foi um boicote bairrista da atual gestão da emissora. Não são os gestores atuais que decidirão qual a abrangência de cobertura do Alto-falante. Talvez, estejam mais interessados agora na briga “TV do Serra” (a própria TV Cultura) versos “TV do Aécio” (Rede Minas) e, enquanto isso, a cultura propriamente dita que espere a indicação do PSDB para o próximo candidato à Presidência pra voltar a vigorar na grade da emissora, em São Paulo. Enquanto isso, equipes de vários programas da Rede Minas estão fazendo coberturas em outros estados, pensando em gerar conteúdo televisivo de qualidade. A nossa direção não está olhando para o próprio umbigo e sem falsa modéstia, com a produção que tem hoje a Rede Minas tem que se impor mais. Sem essa de “pedir benção” à TV Cultura ou qualquer outra emissora.
Loaded-O que mais incomodou e interferiu no processo do trabalho da Equipe Alto Falante, na ocasião de tais “boicotes”?
Terence-O programa não possuía chamada específica, com os destaques da semana, reforçando o horário de exibição. Durante um período também andaram empurrando o programa madrugada adentro. Um dia atrasava a exibição em quase uma hora, encerrava a grade, entrava a reprise da reprise de outro programa, antes da edição inédita.
Loaded- Quais foram os últimos feitos da produção do Alto Falante, em contrapartida a forma de tratamento da rede?
Terence- Sempre lutamos por um quadro onde bandas tocassem, ao vivo, e agora temos a Sessão Alto-falante, produzida num estúdio com qualidade de áudio e vídeos excelentes,com artistas independentes como a grande atração. Muitos que participaram da sessão mal tinham clipes e ganharam 3 registros em vídeo de qualidade. Sempre perseguimos a idéia de cobrir os principais festivais europeus e conseguimos isso, no ano passado, e mais uma vez a Cultura não deu à série o destaque merecido. Trouxemos entrevistas inéditas como a do Digitalism, antecipando a vinda do duo alemão ao Brasil. Mostramos um pouco do show do Radiohead, no Roskilde. O mesmo que acabou sendo apresentado aqui este ano. Agora colocamos no ar uma entrevista com o editor da Uncut, Alan Jones, uma lenda do jornalismo musical. Mapeamos a cena independente e o rock argentino, além de apresentarmos novas e velhas bandas de lá que nunca foram conhecidas pra valer, no Brasil.
Loaded- Quais foram as principais idéias após o fim dessa parceria ser consolidada, em relação a atingir os públicos de todas as regiões?
Terence- Unimos a longevidade, aceitação e respeitos conquistados a pulverização do nosso trabalho em comunidades no MySpace, Orkut, entre outras. Tudo isso passou a ser um filtro de nosso trabalho. Para se ter idéia, quando o horário de exibição atrasou em meia hora, só tivemos conhecimento por causa dos posts na nossa comunidade.
Loaded- E o que o público pode notar de diferença, ou pode esperar, tanto na net quanto no programa exibido pela Rede Minas ?
Terence- O programa nem bem saiu da rede e já foi à Virada Cultural, em São Paulo. Alguns pontos de nosso planejamento à médio prazo é substituir certos clipes fartamente divulgados em outros meios como o You Tube, por boas matérias de arquivo ou versões mais completas das matérias que exibimos na TV.
Loaded- A TV Cultura lançou o programa Ao Ponto, que entre outros quadros específicos para o mundo adolescente, trouxe apresentações de Armandinho, NX Zero... O segmento é totalmente diferente, mas é indubitável afirmar que a mídia brasileira atual dá muito espaço para jovens descerebrados. Quais motivos você atribui a essa intensidade de espaço para coisas do tipo?
Terence- Burrice e desconhecimento de causa. Esses gestores quase sempre não entendem nada de TV, mas gostariam de estar na direção. Eles brincam de diretores e programadores de TV, com uma diferença preocupante: fazem isso com o dinheiro público. E quando vêem a presença de bandas como NX Zero, no Caldeirão do Huck, podem pensar que isso será algo glamuroso também na TV educativa. Se a educação no Brasil é a eterna propaganda política não cumprida, o que esperar da TV, dita educativa, que é comandada por gente que só está ali por indicação política? Se o papel de um conselho curador, que as TVs públicas/educativas adoram criar e propagandear como pseudo controladores de conteúdo e termômetro para suas respectivas programações, fosse verdadeiro, o Alto-falante não sairia da grade da TV Cultura tão cedo. Que conselho derrubaria um programa que criou um público fiel e não custava nada à emissora, que ganhou prêmios seguidos e puxou toda uma leva de novos programas do gênero e ainda tem uma audiência significativa? Só fica difícil marcar algum ponto em pesquisas de audiência quando tratam o programa, na grade, como se ele não existisse, mesmo sendo exibido no final da tarde de sexta-feira. O problema de horário de exibição ser bom ou ruim fica menor perto de todos outros que já citei.
Loaded- Acredita que essa relação entre maior espaço para programações vazias é contraditoriamente proporcional ao espaço que os veículos independentes e/ou de grande qualidade cultural conquistaram nos últimos tempos?
Terence- Se você balançar uma árvore, em qualquer cidade, vai despencar um bocado de bandas novas.Só que mesmo em lugares onde foi criada a tal da cena, com festivais, produção e lançamentos de discos dos artistas locais e um pequeno mercado independente funcionando, como é o caso de Goiânia, por exemplo, a renovação quantitativa nem sempre acompanha a qualitativa. Não surge um MQN ou Mechanics todo ano. Um Vanguart ou um Los Porongas. Talento é talento. Pode ser descoberto e aparecer mais rapidamente, numa cena em ebulição ou distante de tudo isso. O Kurt Cobain poderia ter surgido em Nashville, com todos os problemas que teve, influenciado praticamente pelas mesmas bandas, já que muitas delas nem eram de Seattle. Resumindo, durante certo período a MTV deixou a musica de lado, as pessoas que se preocupavam em mostrar a boa musica produzida de forma independente, no Brasil, estiveram fora do ar por diferentes motivos. E, coincidentemente, várias bandas incríveis surgiram. Agora temos a ABRAFIN, o movimento Fora do Eixo, com vários novos espaços, programas, sites, blogs dedicados a esse segmento, mas às vezes faltam artistas que realmente mereçam ocupar esses espaços.
Loaded- O programa Radiola, com João Marcelo Boscoli surgiu em 2008, quando a exibição do Alto Falante completava quase 10 anos na TV Cultura. Acredita que essa implementação foi uma forma estratégica da emissora, já para possuir uma produção de um segmento próximo ao de vocês na grade do canal?
Terence- Não foi totalmente de caso pensado mas, certamente, quando o Trama Virtual se transformou em Radiola pra fazer basicamente o mesmo que o Alto-falante, na TV Cultura, a atual gestão deve ter soltado foguete! Daí pra frente foi só gelar o Alto-falante, anunciar um novo horário e, em seguida, atrasa-lo em meia hora para desnortear o público e esperar mais uma mudança na grade como desculpa. Ficou fácil, afinal, quer algo mais perfeito pra “TV Serra”, no momento em que vivemos, do que ter uma espécie de “Alto-falante made in SP”. O Trama Virtual ganhou sua versão na TV pública e nós a versão virtual, parece ironia! Digo isso, mas temos bom relacionamento com as pessoas que fazem o Radiola. A má fé, no caso, não foi deles. Toda a sorte do pra eles e outros que surgirem com essa missão que é a de apresentar na TV boa musica. O que é desnecessário e ruim para o mercado independente é criar um canal de divulgação, anulando outro de forma tão arbitrária e desrespeitosa como fez a Cultura.
Loaded- Saldo final: há coisas na política ou na mentalidade geral limitada que não mudam facilmente...
Terence- Temos bandas de ótima qualidade no cenário independente, e associações idem, como a Abrafin, mas se mesmo assim, outra fatia ainda maior de público insiste em só absorver o que passa (e é “ruminado”) no Faustão e toca nas rádios, fazer o que? Essa mudança de mentalidade não acontece de uma hora pra outra também. Sempre teremos público para troços como NX (abaixo de)Zero e similares.
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