quinta-feira, 18 de junho de 2015

30 Anos de Sepultura

Era pra ser um bate e volta de perguntas e respostas trocadas por e-mail, só para saber sobre os shows que o Sepultura faz nesse final de semana no Rio de Janeiro e em São Paulo (saiba mais). Mas, dado o cansaço da viagem de volta da turnê dos Estados Unidos – a banda chegou na terça de manhã e nos atendeu à tarde -, a entrevista se converteu em um papo animado por telefone. E aí, o guitarrista Andreas Kisser não se esquivou e falou muito mais do que se imaginava. Tanto que, antes de ser perguntado, entrou no tema recorrente, a sempre comentada reunião da formação clássica do grupo, hipótese cada vez mais descartada, e ainda das agruras da troca de vocalista, há quase 18 anos.

Depois de completar 30 anos, o Sepultura converteu a turnê do último álbum – respire fundo - “The Mediator Between the Head and Hands Must be the Heart”, lançado em 2013, em um giro comemorativo da data. O que significa que, nos shows do próximo final de semana, músicas em geral não incluídas no repertório vão ser tocadas, para a alegria dos fãs das antigas. Andreas garante que ao menos “Bestial Devastation”, faixa-título do split album que o grupo lançou com o Overdose, em 1985, antes de ele próprio entrar na banda, e “From The Past Comes The Storm”, que abre o segundo disco, “Schizophrenia”, de 1987, estão dentro. Completam a formação atual Derrick Green (vocal), Paulo Jr. (baixo) e Eloy Casagrande (bateria).

Na conversa, o guitarrista ainda elenca os cinco momentos mais marcantes desses 30 anos da banda brasileira mais bem sucedida no exterior. Como não pode ficar parado, o papo vai até os dois singles lançados este ano, “Darkside” e “Under My Skin”, e ainda aponta os planos para o futuro, uma vez que, em 2016, um novo álbum deve ser gravado. Pense numa banda, numa história, numa superação e relembre como o Sepultura avança três décadas com muitos casos para contar. Ou, por outra, não pense nada disso. Leia a entrevista abaixo (ou AQUI, na postagem original) e dirija-se automaticamente, como um zumbi, para os shows desse final de semana. 

Rock em Geral: Vocês acabam de chegar do trecho americano da turnê de aniversário de 30 anos. Como têm sido esses shows?
Andreas Kisser: Foi muito bom, fizemos Canadá e Estados Unidos, já fazia três anos que não íamos para lá. Na verdade era para termos feito essa tour há um ano, mas tivemos alguns problemas e acabamos não conseguindo ter os vistos em tempo hábil. E agora finalmente tocamos lá, fazendo turnê ainda pelo último disco e também comemorando os 30 anos da banda. 

REG: Acabou juntando as duas turnês…
Andreas: Esse ano fizemos isso em alguns lugares, como na Rússia. Fizemos 17 shows por lá em março, que foi a mesma coisa, e agora na América do Norte, foi fantástico. É legal tocar nos Estados Unidos porque tem muito músico, muitos amigos e nós revemos muita galera, teve muita gente comparecendo, foi bem positivo, fiquei super satisfeito. 

REG: Você acha que o interesse dos fãs de heavy metal pelo Sepultura no exterior voltou a aumentar nos últimos tempos, após a assinatura do contrato com a Nuclear Blast? Ou nunca houve desinteresse?
Andreas: Não é questão de desinteresse, teve muita ladainha da imprensa, principalmente vindo do Max (Cavalera, vocalista e guitarrista que deixou o grupo em 1996) e da Glória (Cavalera, empresária e esposa Max), muita coisa feita também nos bastidores, uma pressão para fazer reunião. Teve uma época em que até os promotores ficaram em dúvida. Que Sepultura eles estão tentando vender? É o da reunião ou o Sepultura que tá rolando? Tivemos que fazer até um vídeo esclarecendo as coisas, dizendo que não tem nada acontecendo, que era tudo boataria, porque tava atrapalhando o nosso business realmente. Então acho que agora isso deu uma dissipada, tem o Cavalera Conspiracy (uma das bandas de Max, com o baterista Iggor Cavalera, também ex-Sepultura), os caras tão fazendo os projetos deles e tudo o mais, e nós focados no que fazemos. Acho que o último disco foi muito bem aceito, a entrada do Eloy deu um up grade de energia e de possibilidades musicais. O Eloy realmente é um monstro na batera, traz muita possibilidade e o disco foi muito bem aceito, tanto que estamos há quase dois aos fazendo turnê com ele. Acho que a galera tá deixando essa novela de lado e curtindo mais a música mesmo. 

REG: Para os shows desse final de semana, no Rio e em São Paulo, vocês pretendem manter o repertório da turnê americana ou vão tocar músicas mais antigas?
Andreas: Vai ser mais ou menos isso mesmo, vamos dar uma mesclada um pouco maior, tocar um pouco menos do disco novo, sem deixar de fora, mas com mais espaço para coisas que nós dificilmente colocamos, porque é muita música, muito disco para formatar um show. Lógico que temos aquela espinha dorsal com as músicas principais. Já estamos fazendo um show bem diverso, estamos tocando, por exemplo, a “Bestial Devastation”, que dessa formação só o Paulo tinha tocado, no século passado, literalmente (risos), e agora estamos fazendo uma versão muito legal. Tem a “From The Past Comes The Storm”, que abre o “Schizophrenia”, a primeira música que eu escrevi com os caras, e algumas coisas já da época do Derrick que ficaram meio paradas, como a “Mindwar”, a própria “Choke”, “Apes Of God”, “Sepulnation”… É um show bem completo, bem representativo do que o Sepultura fez desde o começo da carreira. 

REG: Alguma chance de entrar “Orgasmatron” (cover do Motörhead) de novo?
Andreas: Ah, certamente, é um dos covers mais especiais da nossa história…
REG: Mas vocês não estavam tocando…

Andreas: De vez em quando tocamos. Depende da galera, eu puxo o riff, vai todo mundo atrás e tocamos. Mas tem também “Polícia” (Titãs), “Bullet the Blue Sky” (U2) que são covers emblemáticos da nossa carreira, e queremos fazer a referência, sim. 

REG: Acabou que o Sacred Reich não vem mais, você sabe por quê?
Andreas: Teve problemas burocráticos, de papelada, deu uma confusão, e quando você perde uns dias, uma semana que seja, o negócio já ferra, é uma coisa muito encaixada. E aí nós estamos querendo trazer os caras mais pra frente, talvez em outubro, com mais alguns shows pelas capitais, mas vamos ver. Seria fantástico trazê-los numa celebração dessas, foi uma banda muito importante no começo da carreira do Sepultura. 

REG: Aqui no Rio o show é no Circo Voador, o que traz à memória outros shows do Sepultura junto com Ratos de Porão e Dorsal Atlântica. Quando você entra no Circo vem à cabeça esse tipo de coisa?
Andreas: Ah, claro, o Circo Voador é fantástico, foi o meu primeiro show com o Sepultura no Rio! Você mencionou o Dorsal, e nesse show tocamos um cover do Black Sabbath, “Symptom Of The Universe”, e o Carlos (Vândalo, vocalista e guitarrista) deu um mosh pit e caiu com o pescoço no chão, foi fantástico! Imagina para mim, entrando numa banda, tocando no Rio pela primeira vez e o Carlos Vândalo dando um mosh pit no seu show? Foi classe A. Fora o Ratos de Porão, junto com o Jello Biafra (ex-líder do Dead Kennedys), em 1992, aquilo foi histórico, maravilhoso! Foi uma das melhores noites da minha vida, foi fantástico! O clima do Rio de Janeiro tava maravilhoso, muito bom. Tem vários outros shows, com o com o Krisiun, na última vez em que estivemos lá…

REG: O Sepultura lançou recentemente dois singles, “Darkside” e “Sepultura Under My Skin” (saiba mais). Eles são parte do material que sobrou do “The Mediator…” ou é coisa nova?
Andreas: É coisa completamente nova, pintou pelas oportunidades. “Darkside” foi uma encomenda dessa editora que lança várias biografias e coisas relacionadas ao rock, e eles queriam um jingle. Escrevemos no estúdio com aquela ideia de uma coisa curta, ficou com um minuto e vinte e ficou legal pra caramba, os caras curtiram. E “Under My Skin” foi uma ideia de fazer essa celebração de 30 anos e de dar uma homenagem aos fãs do Sepultura que fazem uma tatuagem na pele. Nesses últimos 10 anos eu tenho visto muita gente tatuando o Sepultura, a tatuagem explodiu no mundo também. 

REG: Aquele “S” do sepultura fiou muito marcado…
Andreas: Pois é, e tem gente que tatua os nossos rostos na pele, é uma coisa absurda. Isso é uma demonstração de respeito, de carinho e amor pela banda. E quisemos retribuir escrevendo uma música especial para eles, usando as tatuagens deles para fazer a arte do disco. É uma música isolada, representativa mesmo desse momento de 30 anos, lançada só em vinil 7” e em formato digital. Temos tocado ela ao vivo e tem sido muito bem aceita, com a galera já cantando e tudo, e vamos tocar no Brasil. 

REG: Então não tem a nada a ver com um próximo disco?
Andreas: Não, é uma coisa bem isolada. Vamos começar a formatar o disco, eu tenho várias ideias, o Eloy também tem várias, já tem quatro anos que ele tá na banda, já não é tão novo, tá com 24 anos (risos). Vamos começar a formatar esse disco no final do segundo semestre, para começar a trabalhar no ano que vem. 

REG: Você poderia elaborar um “top 5″ de cabeça com grandes momentos da carreira do Sepultura nesses 30 anos?
Andreas: Felizmente, olhando para trás, são vários, é maravilhoso ter uma carreira de 30 anos, olhar pra trás e ver tanta coisa foda que aconteceu e continua acontecendo. Eu acho que o primeiro foi o Rock In Rio de 1991, que foi fundamental para o Brasil começar a aceitar o Sepultura como uma banda que já estava começando a fazer uma carreira internacional. No Brasil tava meio parado e aquele Rock In Rio, lá no Maracanã, foi um marco fantástico para nós, principalmente para abrir as portas da mídia grande aqui no Brasil, foi maravilhoso. O show da Praça Charles Miller também, no Pacaembu, foi um marco (maio de 1991). Gravamos o clipe para “Orgasmatron”, que ganhou o prêmio de melhor clipe da audiência na MTV, e daí fomos para Los Angeles por causa desse clipe. Hoje tem gente que acha que a música é do Sepultura, de tão identificável com a gente. O terceiro é a turnê do “Arise” (disco de 1991), foi a primeira vez que nós fizemos dois anos de turnê quase que ininterruptos, sem parar. Fomos para o mundo inteiro, a primeira vez no Japão, a primeira vez na Austrália, tocamos com o Ozzy Osbourne e Alice In Chains. Tocamos com o Ministry, fizemos os grandes festivais pela primeira vez. Foi um momento de explosão do Sepultura pelo mundo, e dessa turnê tiramos um estilo mais Sepultura de ser, de tirar os elementos da música brasileira, de ficar afastado do Brasil e ver o Brasil de fora, de respeitar mais as músicas, ritmos e melodias que o Brasil tem. A consequência foi o “Chaos A.D.” (disco de 1993), que foi um disco do qual até hoje tocamos mais música do que de qualquer outro disco… 

REG: Mais do que do “Roots” (disco de 1996)?
Andreas: Sim, tem “Refuse/Resist”, “Territory”, “Biotech…”, “Kaiowas”… tem muita música emblemática. O “Chaos A.D.” é a conseqüência de toda essa tour do “Arise”, isso pode ser considerado como um momento marcante, quando o Sepultura deixou de ser comparado ao Slayer - não que nós não gostássemos -, mas aí começamos a ter uma linguagem nossa, uma coisa mais brasileira. Foi o que colocou o Sepultura como uma coisa realmente original. O quarto momento é a saída do Max e a entrada do Derrick, que foi um momento difícil, brutal. O Max saiu no auge do Sepultura, nós já estávamos tocando uma turnê de arenas pela Europa, pelo Japão, no Big Day Out, na Austrália… Noventa e sete ia ser um ano fantástico para o Sepultura, e realmente colocaria o Sepultura em um nível ainda maior. A saída do Max foi muito traumática, foi feita de uma maneira completamente errada, todo mundo envolvido estava muito despreparado para aquilo que estava acontecendo. E a entrada do Derrick foi fundamental, ele tá fazendo 18 anos de banda. 

REG: Durou, né?
Andreas: Porra, o cara trouxe novas possibilidades para a banda, nós não queríamos um clone do Max, nem de vocal nem de visual, e o Derrick veio completamente diferente, com um background diferente. Foi um começo difícil, como todo começo, mas hoje estamos aqui celebrando 30 anos e essa mudança foi crucial para que nós pudéssemos continuar, porque o Max já estava com outra cabeça, querendo outras coisas. Nós realmente começamos a reestruturar toda a carreira da banda a partir daquele momento. E o quinto momento é hoje, os 30 anos, o “Mediator…”, é um dos melhores momentos da nossa carreira. Podemos não estar tocando em arenas pela Europa, mas estamos com uma carreira muito mais consolidada, mais organizada, mais tranquila. Temos uma conexão de banda como nunca antes, estamos muito unidos e fortes no palco e fora dele também. Acho que celebrar 30 anos numa situação dessas é fantástico, não estamos só dependendo do material antigo, o “Mediator…” é muito atual, muito forte e foi muito bem aceito, tanto que estamos fazendo dois anos de turnê pelo disco e voltamos a tocar em Download (festival britânico), vamos fazer o Wacken (Open Air, na Alemanha) pela terceira vez, em agosto, o Brutal Assault (na República Tcheca) de novo, o “Bloodstock”, na Inglaterra… é um momento muito especial e uma boa maneira de comemorar uma data tão forte.


REG: Você falou da saída do Max e de que 1997 seria um ano fantástico em um tom de lamentação…
Andreas: Ah, sem dúvida… 

REG: Olhando agora, de longe, será que não teria sido melhor ter adiado a saída dele para um ou dois anos depois?

Andreas: A questão é que nós mandamos a nossa empresaria embora, né? Nosso contrato com a empresária acabava no dia 16 de dezembro de 1996 e a escolha de sair foi deles. Nós não mandamos o Max embora, queríamos trocar a maneira como estavam sendo geridos os negócios da banda, a relação com a gravadora… Nosso contrato expirou e nós não renovamos, simples assim. Enfim, ele foi embora, virou as costas e nós tivemos que arcar com várias consequências, inclusive no Japão, onde o produtor nos culpa até hoje pela turnê cancelada. Mas nós não tínhamos condição nenhuma de achar outro vocalista, estávamos em um momento muito conturbado, muito difícil, as coisas acontecendo ao mesmo tempo, as boas e as ruins, tudo não liquidificado… 

REG: Foi noticiado em um monte de lugar que a banda tinha acabado…
Andreas: Era o que eles queriam, que a banda acabasse para depois ficar esperando a “reunion”. Mas isso não aconteceu, porque sempre mantivemos a cabeça erguida e olhando para frente sem chorar o leite derramado. A escolha foi dele. Beleza, foi uma escolha lamentável, mas foi feito o que foi feito, levantamos a cabeça e continuamos, e é por isso que estamos aqui ainda. Mas foi um momento marcante na nossa carreira, ao mesmo tempo em que uma porta gigantesca se fechou, outras 10 se abriram, não é só um caminho a ser seguido, são várias possibilidades. Tivemos também a nossa calma, tranquilidade, não queríamos resolver a vida em uma jogada de xeque-mate. 

REG: Devem ter rolado alguns momentos de hesitação também…
Andreas: Total, éramos mais jovens, muita coisa acontecendo, você escuta várias opiniões, fica no meio do furacão. Acho que tivemos tranquilidade, foi importante o Iggor ter ficado com a gente, como um trio. Porque era esse trio que tava segurando a banda ao vivo há muito tempo. O Max, na turnê do “Roots”, estava tocando cada vez menos guitarra, mas não tinha problema nenhum, a química da banda era essa mesmo, o cara da frente que tinha esse carisma e nós três, que segurávamos musicalmente. Essa mudança de o Max ter saído não foi tão traumática, musicalmente. Mas acho que a saída dele foi mesmo a coisa mais difícil da nossa carreira. E foi o que nos deu condição de estar aqui hoje, no melhor momento da banda. Foi uma superação muito difícil, porque um vocalista como o Max é quase impossível de achar. Mas é como eu disse: uma porta se fecha, outras 10 se abrem, você tem que levantar a cabeça e perceber isso.

por Marcos Bragatto

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