Se deixasse de existir hoje, o festival já
teria feito bastante para a música brasileira. Mas, como persiste, ainda
vai se mostrar muito útil, divertido e interessante.
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Meus amigos, o tempo, passa, o tempo voa, e a poupança Bamerindus
continua numa boa. Mentira. Não continua, não. Nos últimos 20 anos,
muita coisa que existia, de repente, deixou de existir. Não sei se vocês
se lembram onde estavam há 20 anos, mas era o que eu pensava quando me
divertia ao ver, num telão, entre um show e outro do
Abril Pro Rock
desse ano, cenas da primeira edição, que acontecia há exatos 20 anos.
Para o ser humano é engraçado rir de si próprio, ao se deparar com os
costumes de outros tempos: roupas, corte de cabelo, trejeitos. E repito.
Muita coisa mudou e muita coisa deixou de existir nesses 20 anos.
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Não o Abril Pro Rock. O festival teve lá seus dias de glória, e não
foram poucos. Primeiro, revelou aquela que é última grande revolução na
música brasileira: o mangue beat. Depois, teve a vocação de apontar
artistas novos para o mercadão. Numa época em que olheiros de gravadoras
perseguiam novos artistas, era para o Abril Pro Rock que eles eram
mandados. E foi de lá que saíram, de contrato assinado, Penélope
Charmosa e
Los Hermanos,
dois nomes que me lembro de cabeça, mas sabemos que são muito mais. Ok,
a Penélope primeiro perdeu o charme e depois acabou. O Los Hermanos,
aliás, também acabou. E o Abril Pro Rock continua, sempre no mês de
abril, há 20 anos. Pode parecer pouco, mas já reparam como tem festival
que não consegue se fixar numa data? E que, em 20 anos, bandas e
festivais começaram e acabaram e o APR continua lá?
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Outro dia ouvimos, ao vivo, em rede nacional da internet, gente que,
há 20 anos talvez ainda usasse calças curtas, questionando a relevância
do Abril Pro Rock. É bom o questionamento. Faz parte do processo. Eu
próprio já fui a outras edições do festival e de lá saí com a pulga
atrás da orelha. Achava que estava faltando alguma coisa (e estava
mesmo), que o festival estava sem rumo, que era preciso se reinventar,
que a falta de um “novo mangue beat” estava matando o Abril Pro Rock e
blábláblá. Questionamentos de quem foi e viu o evento acontecer em fases
e lugares diferentes, e de quem há 20 anos já andava por aí em porta de
show com os olhos bem abertos. E o Abril Pro Rock, acontecendo, ano
após anos, todo mês de abril.
Não, não sou um especialista em Abril Pro Rock. Tive a oportunidade
de ir ao Recife cobrir algumas edições e sou grato à produção pelo
interesse da cobertura de todos os veículos em que trabalhei e foram
escolhidos para tal. Este velho homem da imprensa ainda não completou 20
anos de jornalismo, mas tem, sim, mais de 30 de rock. Na parte desses
20 anos do APR que pude acompanhar, aprendi muita coisa. A admirar uma
roda de pogo que não tem igual por onde passei; a ver o mesmo sujeito
pular com
Ratos de Porão
e com Lia de Itamaracá; a ver de perto uma cultura que a gente aqui de
baixo chama de folclore, saltitar vivinha da Silva. E a respeitar tudo
isso.
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Há, sim, baixas nesses 20 anos. Outro dia, o baixista do Megadeth me
disse que, numa banda que dura tanto tempo como a dele, é natural
mudanças de formação e idas e vindas de integrantes. Pois, em 20 anos, é
melhor ser senóide do que curva de Gauss. Imaginem se, em 20
primaveras, surgissem exatos 20 Chicos Science? E 20 Marcelos Camelos
então? Repito que já escrevi, aqui e acolá, que o festival andou
perdido, em meio ao passar do tempo, e que precisava se reinventar. De
certa forma, é o que tem acontecido. De uma hora para outra, vi a equipe
do festival, sempre liderada por Paulo André, renovada. Repórteres de
veículos locais surgiram, com rádios e microfones colados nos ouvidos e
com a mão na massa, na equipe da produção. Até gente de festivais
vizinhos contribuíram nessa reinvenção. Demora, mas as coisas se
ajeitam, quando se dá o tempo para os resultados aparecerem, como se diz
no futebol. E está aí o festival, firme e forte, com 20 anos de
história.
Digo isso para atestar que a edição desse ano do Abril Pro Rock – por
assim dizer – foi como uma das antigas. O início da turnê de retorno do
Los Hermanos, na sexta (
veja como foi),
grande sacada, fez o Brasil inteiro voltar os olhos para o festival,
como nos velhos tempos. Jornalões que há tempos não se interessavam pelo
festival, como “O Globo” e “Folha”, lá estavam com representantes
maiorais. Sites líderes de acessos tinham lá figuras da maior
importância para a crônica musical. E o show dos Hermanos teve ingressos
esgotados e o recorde de público em 20 anos de festival. No sábado, os
camisas pretas deram de ombros para
Paul McCartney,
que lotou o Mundão do Arruda na mesma data, e colocaram 7 mil cabeças –
2 mil a mais que em 2011 – no Chevrolet Hall. E o domingo só não
repetiu o feito porque ousou numa programação com pratas da casa que
sempre tocam no Recife (às vezes em eventos gratuitos) e não conseguiu
um nome internacional de peso para encabeçar a programação. Nada que
tenha tirado o brilho da edição de 20 anos.
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Dito isso, dou-me o direito de responder o sujeito que, há 20 anos,
devia usar calças curtas. A relevância do Abril Pro Rock está em
existir, perseverar, não deixar um abril sequer, em 20 anos, passar em
branco. Se deixasse de existir hoje, o festival já teria feito bastante
para a música brasileira. Mas, como persiste, ainda vai se mostrar muito
útil, divertido e interessante. Dois mil e treze certamente será apenas
um novo marco para Paulo André e sua renovada equipe. O ano em que irá
marcar o recomeço e, ao mesmo tempo, a manutenção de uma ideia que
jamais deixou de existir. Eis aí a relevância do Abril Pro Rock.
Parabéns aos envolvidos.
Fotos: Snapic e Rafael Passos
Texto: Marcos Bragatto
reg
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